Na realidade, as conjunturas interna e regional dos Estados que haveriam de se defrontar
na Guerra do Paraguai adensavam-se e, paralelamente, no início dos anos 1860, grandes
transformações concorriam para esse fenómeno.
Enquanto, na Argentina, os unitários venciam os federalistas, com Mitre, no Uruguai,
Berro envolvia-se em dois contenciosos, um com o Brasil e outro com a Argentina, que
se fundiam na guerra na qual os riograndenses, em defesa dos seus interesses,
intervinham. O governo Blanco uruguaio, em guerra contra os Colorados, buscava apoio
em Solano López, que estava determinado em marcar presença no rumo dos
acontecimentos regionais, de acordo com o equilíbrio dos Estados e o sonho
expansionista e militarista de erigir o Grande Paraguai (Doratioto, 2002). Dependente de
uma saída para o mar, o Paraguai concentrava, no porto de Montevidéu, os seus
interesses comerciais, designadamente na estruturação de um eixo Montevidéu-
Assunção, que a debilidade económica paraguaia frustrara em 1865 e voltaria a frustrar
no pós-guerra, porquanto o projeto continuava a existir, todavia a debilidade económica
guarani também. Buscando ultrapassar esta situação, a fim de sanar as dificuldades
económicas e, alcançando aquela saída, obter os recursos necessários ao seu
desenvolvimento, o Paraguai ambicionava edificar um só Estado. Este projeto contara,
desde logo, com o apoio das províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes, mas
chocara com os interesses da burguesia mercantil de Buenos Aires e do Império do Brasil
(Moniz Bandeira, 1998).
Como resultado, o Brasil, procurando restabelecer o controlo sobre o Uruguai em guerra
civil e aí salvaguardar os interesses imperiais, e uma vez falhados os entendimentos
conducentes à paz, fez um ultimatum a Berro, em abril de 1864, na sequência do qual
adentrou em território uruguaio, para aí estabelecer um governo que lhe fosse favorável
o que, desencadeando a ira do Paraguai, levou-o a invadir o território brasileiro do Mato
Grosso e o território argentino contíguo, pretendendo chegar ao Rio Grande do Sul.
Constituindo a Tríplice Aliança desde maio de 1865, o Brasil, a Argentina e o Uruguai
enfrentaram militarmente o Paraguai.
Envolvendo as Forças Armadas num conflito que não poderia vencer, López conseguiu
fazer a resistência paraguaia prolongar-se por cinco anos ainda, embora, em setembro
de 1866, tivesse já percebido que a guerra estivesse perdida e estivesse resignado a
assinar um tratado de paz com os Aliados. Porém, nenhum acordo fora alcançado, já que
as condições impostas eram inaceitáveis para López (Doratioto, 2002). Assim, após a
invasão do Paraguai, os paraguaios transformaram-se em ferozes soldados. É verdade
que lutavam por medo de represálias autocráticas. Mas lutavam, também, e sobretudo,
porque consideravam que nas mãos do inimigo estariam em pior situação, de modo que
a resistência paraguaia, em lugar de atribuir-se somente à coerção do Estado, deve antes
atribuir-se a crenças enraizadas que reforçaram a sua luta pela nacionalidade contra os
Aliados.
Na verdade, a Guerra do Paraguai marca o ponto alto numa longa tradição regional de
violência, já que, na Bacia do Prata, após as independências, viveu-se num estado de
conflituosidade interna e regional permanente, que acompanhava a integração da região
na economia capitalista mundial e que, sobretudo, refletia o processo de construção dos
Estados nacionais, a partir de duas visões da soberania nacional, a centralização estatal
e o federalismo. A Guerra do Paraguai é, assim, um importante elemento na estruturação