2. Fronteiras pré-coloniais
As diferentes unidades políticas presentes em Angola antes que se dessem os primeiros
contactos com o Reino de Portugal, mantinham o controlo sobre os seus domínios
territoriais, pois disto dependia também, além da salvaguarda das suas soberanias, o
exercício do poder e a preservação dos traços identitários de cada grupo. “A imagem que
surge de Angola antes da chegada dos europeus é a de um país com razoável densidade
populacional, especialmente nas pastagens abertas entre a floresta tropical do Congo e
os desertos do Kalahari” (Wheeler & Pélissier, 2009, p. 50). No período anterior à
colonização efetiva, o território que hoje compreende a República de Angola estava
constituído por vários Reinos independentes como o Kongo, Lunda, Ndongo, Matamba,
Dembos, Kisama, Ciyaka, Viye, Bailundo, Kwanyama, Kasanje, N´goio, Loango,
Kakongo, Benguela e muitos outros. Em África, diferentes Reinos partilhavam fronteiras
entre si, apesar do desconhecimento da celebração – entre chefaturas, entidades locais
– de acordos jurídicos que as tenham estabelecido. Segundo Patrício (2014: 86), “A
principal mudança que o colonialismo impôs neste status quo foi um novo sistema de
fronteiras territoriais fixas, que os Estados africanos pós-coloniais decidiram manter”,
sobretudo por razões políticas, porquanto muitos Governos emergentes estavam mais
preocupados em resolver os problemas internos.
Em relação aos domínios territoriais de Reinos e outras unidades políticas em Angola, na
época pré-colonial, elementos naturais destacavam-se como marcos fronteiriços.
Fazendo, por exemplo, referência aos domínios do Reino do Ndongo, Cadornega aponta
que,
Os limites e demarcaçoens deste Reino de Angola he muito estendido e
dilatado, porque conforme notícias começava da Ilha frente ao porto e Cidade
de São Paulo de Loanda em que o testifica ser assim humas arvores que nella
ainda hoje se vem chamadas ensandeiras, em que fallão e apontão os roteiros
dos mareantes, como balizas e sinais por onde dão os que navegão o
conhecimento deste porto costa e terra, setas taes arvores que são mui
duraveis em sua pranta, e nascem por si de suas estacas e sementes; achasse
por tradição forão mandadas prantar pellos Reys antigos de Angola como
sinais certos dos limites do seu reino e sua demarcação, de terra firme, onde
hoje esta a nossa Cidade vay correndo pello Sertão dentro, comprehendendo
muitas Provincias desta banda do famoso Rio coanza que chamão de Ilamba
[…] hum Reino onde se comprehende a provincia do Ari a da Umba que he
onde chamão a quituxila, entrando Cabaça que era a Corte e assento deste
poderoso Rey de Angola hindo por diante das Ilhas de quindonga […]
(Cadornega, 1680, p. 26-27).
Na mesma linha, Merlier (citado por Santos, 1966, p. 19-21), aponta que,
A Lunda era uma grande pegada em África, virada para o Atlântico, com o
calcanhar assente no lago banguelo, cujos bordos desciam o Kwango, até à
nascente deste último rio, caminhava em direcção ao Zambeze no ponto onde
ele deixa o território de Angola, tocando nos lagos Banguelo e Moero em
direitura ao Kasai, inflectiam para o Sul até quase tocar o extremo Norte […]
e dobravam para o Nordeste até fechar o contorno.