OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, Nº. 1 (Maio 2024 Outubro 2024)
348
NOTES AND REFLECTIONS
FRONTEIRAS DA REPÚBLICA DE ANGOLA RASTOS DA CONFERÊNCIA
DE BERLIM
EDMAR DA SILVA PAÍM
edmardasilvapaim@gmail.com
Capitão de Infantaria das Forças Armadas (Angola) colocado na Academia Militar do Exército,
localizada no Lobito, Província de Benguela, Angola. Exerce as funções de Chefe de
Gabinete do Diretor de Ensino e de Professor da Cátedra de História e Antropologia afeta
ao Departamento de Ciências Sociais, Humanas e Línguas. Leciona a Unidade Curricular
História de Angola. Licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade Agostinho Neto. Tem um (1) Artigo publicado pela Revista Científica
Proelium da Academia Militar do Exército Português. Dedica as suas investigações às
temáticas relacionadas com História, Defesa e Segurança.
1. Introdução
A República de Angola, localizada na região Austral de África, possui uma extensão
territorial de 1.246.700 km
2
. Faz fronteira com as Repúblicas do Congo e Democrática
do Congo ao Norte, com as Repúblicas da Zâmbia e do Congo Democrático a Leste e com
a República da Namíbia a Sul. “O país é banhado pelo Oceano Atlântico numa extensão
de 1.650 km, a oeste” (Mbunga, 2014, p. 27). Conta no presente com dezoito Províncias
1
e está em curso uma iniciativa do Executivo que propõe a alteração da divisão político-
administrativa conducente à criação de mais Províncias, num total de duas
2
.
A noção que se tem na atualidade sobre fronteiras não é muto diferente da que se tinha
muito. Apesar de hoje ser visível a aposta preferencial em elementos artificiais
para delimitação territorial entre países, foi realidade em África, a recorrência
exclusiva a elementos naturais como marcos, a exemplo de cursos de água, florestas,
montanhas, etc.
Procuramos compreender as incidências do processo que resultou na delimitação das
atuais fronteiras do território angolano, rastos visíveis deixados pela Conferência de
Berlim ocorrida entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, convocada
pelo Chanceler Alemão Otto Von Bismarck, no quadro de Expedições Geográficas que
visavam perscrutar o Continente Africano. É também nosso interesse olhar para as
decisões produzidas em Berlim e apresentar as consequências das novas fronteiras
traçadas a partir de acordos celebrados entre potências europeias.
1
Luanda (a Capital), Cabinda, Zaire, Uíje, Malanje, Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Bengo, Cuanza Norte,
Bié, Huambo, Cuanza Sul, Benguela, Huíla, Namibe, Cunene e Cuando Cubango.
2
As futuras Províncias resultarão da divisão das Províncias do Cuando Cubango e do Moxico.
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2. Fronteiras pré-coloniais
As diferentes unidades políticas presentes em Angola antes que se dessem os primeiros
contactos com o Reino de Portugal, mantinham o controlo sobre os seus domínios
territoriais, pois disto dependia também, além da salvaguarda das suas soberanias, o
exercício do poder e a preservação dos traços identitários de cada grupo. “A imagem que
surge de Angola antes da chegada dos europeus é a de um país com razoável densidade
populacional, especialmente nas pastagens abertas entre a floresta tropical do Congo e
os desertos do Kalahari” (Wheeler & Pélissier, 2009, p. 50). No período anterior à
colonização efetiva, o território que hoje compreende a República de Angola estava
constituído por vários Reinos independentes como o Kongo, Lunda, Ndongo, Matamba,
Dembos, Kisama, Ciyaka, Viye, Bailundo, Kwanyama, Kasanje, N´goio, Loango,
Kakongo, Benguela e muitos outros. Em África, diferentes Reinos partilhavam fronteiras
entre si, apesar do desconhecimento da celebração entre chefaturas, entidades locais
de acordos jurídicos que as tenham estabelecido. Segundo Patrício (2014: 86), “A
principal mudança que o colonialismo impôs neste status quo foi um novo sistema de
fronteiras territoriais fixas, que os Estados africanos pós-coloniais decidiram manter”,
sobretudo por razões políticas, porquanto muitos Governos emergentes estavam mais
preocupados em resolver os problemas internos.
Em relação aos domínios territoriais de Reinos e outras unidades políticas em Angola, na
época pré-colonial, elementos naturais destacavam-se como marcos fronteiriços.
Fazendo, por exemplo, referência aos domínios do Reino do Ndongo, Cadornega aponta
que,
Os limites e demarcaçoens deste Reino de Angola he muito estendido e
dilatado, porque conforme notícias começava da Ilha frente ao porto e Cidade
de São Paulo de Loanda em que o testifica ser assim humas arvores que nella
ainda hoje se vem chamadas ensandeiras, em que fallão e apontão os roteiros
dos mareantes, como balizas e sinais por onde dão os que navegão o
conhecimento deste porto costa e terra, setas taes arvores que são mui
duraveis em sua pranta, e nascem por si de suas estacas e sementes; achasse
por tradição forão mandadas prantar pellos Reys antigos de Angola como
sinais certos dos limites do seu reino e sua demarcação, de terra firme, onde
hoje esta a nossa Cidade vay correndo pello Sertão dentro, comprehendendo
muitas Provincias desta banda do famoso Rio coanza que chamão de Ilamba
[…] hum Reino onde se comprehende a provincia do Ari a da Umba que he
onde chamão a quituxila, entrando Cabaça que era a Corte e assento deste
poderoso Rey de Angola hindo por diante das Ilhas de quindonga […]
(Cadornega, 1680, p. 26-27).
Na mesma linha, Merlier (citado por Santos, 1966, p. 19-21), aponta que,
A Lunda era uma grande pegada em África, virada para o Atlântico, com o
calcanhar assente no lago banguelo, cujos bordos desciam o Kwango, até à
nascente deste último rio, caminhava em direcção ao Zambeze no ponto onde
ele deixa o território de Angola, tocando nos lagos Banguelo e Moero em
direitura ao Kasai, inflectiam para o Sul até quase tocar o extremo Norte […]
e dobravam para o Nordeste até fechar o contorno.
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Em vários casos houve a evidência de árvores, rios, Ilhas, Lagos, inclusive o Oceano
Atlântico, como elementos fronteiriços. No final do século XIX, o Imperador Menelik
chegou mesmo a apelar a distintos Governantes Europeus que num passado longínquo,
as fronteiras da Etiópia eram o mar (Boahen, 2010). Após a Conferência de Berlim, o
Continente Africano viu nascer novas fronteiras resultantes de interesses coloniais
europeus.
3. Expedições geográficas
Depois de o comércio de escravos ter sido oficialmente abolido, as potências europeias
voltaram os seus interesses para a África visando obter matérias-primas a fim de se
alimentar a máquina industrial emergente e desenvolver o Continente Europeu.
Entretanto, à entrada do século XIX, os Europeus não conheciam suficientemente o
interior de África, uma vez que o comércio desenvolvido nas regiões costeiras (Guiné,
Togo, Luanda, Costa do Marfim, Benguela, Costa do Ouro, Nigéria, etc.) satisfazia as
suas necessidades dada a concentração no litoral, dos produtos mais procurados (ouro,
marfim, escravos, etc.). Para se ultrapassar o problema, as potências europeias
empreenderam expedições geográficas com o fito de fazerem um reconhecimento
detalhado sobre África, suas bacias hidrográficas, flora, fauna, minerais, línguas faladas,
organização política e social, etc. Ficou patente ao longo do processo que, “…os
exploradores portugueses tais como Serpa Pinto, Capelo, Ivens, Cordon, Paiva de
Andrade, Cardoso, Carvalho e outros transmitiram a Portugal muitos conhecimentos
sobre África […]” (Wheeler & Pélissier, 2009, p. 101). No quadro das expedições
geográficas, Portugal e outros países europeus em função dos investimentos feitos,
reuniu informação diversificada sobre territórios até então desconhecidos localizados
além da costa africana.
3.1 Exploradores
Movidos por um espírito aventureiro e prestígio, diversos especialistas abraçaram o
desafio de viajar para e pelo Continente Africano. A ânsia de conhecer um novo mundo
despertou a curiosidade de Médicos, Militares, Comerciantes, Jornalistas, Cientistas etc.,
cujos relatórios produzidos por si, deram a conhecer a África em detalhes, às entidades
patrocinadoras das expedições, dos recursos naturais ao clima, das doenças ao modus
vivendi dos seus habitantes.
Os registos colhidos pelos diversos exploradores facilitariam a partilha e posterior
colonização de África. “Nos anos 1850, Carneiro fundou uma feitoria comercial na região
cokwe de Mwacimbundu. […]. O sertanejo António da Sila Porto, em 16 anos no interior
de Angola, realizou várias missões comerciais no Kwango; nas terras dos Cokwe; na
região do Kasai, Lulua e Lubuko” (Manassa, 2011, p. 56).
O interesse estratégico em torno das expedições geográficas mobilizou instituições
públicas e privadas, funcionários públicos e profissionais liberais, ávidos em participar
deste magno empreendimento que consistia em identificar povos, culturas, e localizar
recursos naturais.
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A Comissão Central de Geografia e a Sociedade de Geografia de Lisboa
organizou, de 1877 e 1879, a expedição chefiada pelos oficiais de Marinha,
Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens; do Major de Infantaria, Alexandre
Alberto de Serpa Pinto para estudarem as possibilidades de ligação das duas
costas (Manassa, 2011, p. 56-57).
Ainda na senda das expedições levadas a cabo pelo território angolano registou-se a
duradoura viagem pelo Império Lunda protagonizada pelo Oficial Português Henrique
Augusto Dias de Carvalho, entre 1884 e 1888 (Manassa, 2011).
A Alemanha lançou-se igualmente na corrida à África esperando recolher o maior número
de informações suficientes para a penetração no interior do Continente. “As expedições
e os exploradores alemães, bem equipados e eficientes, como Lux, Von Wissmann e
Pogge, penetrando a partir do norte de Angola, avançaram mais e em primeiro lugar pelo
interior da África Central do que os seus rivais portugueses” (Wheeler & Pélissier, 2009,
p. 122). Percebe-se nisso, a competição existente entre as potências europeias neste
caso particular, entre Portugal e Alemanha no que tange ao timing a ser cumprido, no
financiamento das atividades expedicionárias, bem como na adequada preparação dos
exploradores.
Ainda no âmbito dos protagonistas das “aventuras por África” verificou-se que, “O
Médico, Missionário Protestante, Dr. David Livingstone, de nacionalidade britânica, […].
Enviado pela London Missionary Society ligou, por terra, em 1840, as duas costas
ocidental e oriental da África, através do rio Zambeze e Kwanza […]. Permaneceu em
África cerca de 25 anos, na sua missão de Evangelização e Estudo dos povos
contactados” (Manassa, 2011, p. 64).
Os exploradores granjearam, fruto do seu trabalho, muito prestígio diante das entidades
patrocinadoras das viagens. No período de conquista e ocupação, Portugal passou, por
exemplo, a dar o nome de seus viajantes a Cidades, Vilas, etc., nos territórios sob sua
colonização.
Dentre os exploradores que participaram nas Expedições Geográficas em África
elencamos alguns dos mais conhecidos.
Quadro 1 Algumas individualidades que deram corpo
às Expedições em África
Exploradores
Potência patrocinadora
René Caillié, Savorgnan de Brazza, etc.
França
Serpa Pinto, Silva Porto, Henriques de Carvalho, Roberto Ivens,
Hermenegildo Capelo, etc.
Portugal
Henry M. Stanley, etc.
Bélgica, Grã-Bretanha
David Livingstone, Richard Francis Burton, Cameron, Young, etc.
Grã-Bretanha
Anton Erwin Lux, Paul Pogge, Hermann von Wissmann, etc.
Alemanha
Fonte: Elaboração própria
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4. Conferência de Berlim
Enquanto decorriam as Expedições Geográficas, surgiram contendas entre potências,
envolvendo em particular a Inglaterra, França, Bélgica e Portugal. A maior desavença
girava em torno do domínio sobre a Bacia do Congo pelas suas riquezas naturais óleo
de palma, cobre, borracha, madeira, etc. e a sua localização estratégica
3
.
Telo e Pires (2018, p. 2) defendem que, “Entre 1880 e 1914 a corrida à África está
articulada à volta de três focos de rivalidade. […]. O segundo foco de rivalidade surge
para o controlo dos rios da costa Atlântica de África, principalmente o Níger e o Congo
[…]”.
De acordo com Wheeler e Pélissier (2009, pp. 101-102),
Na Conferência de Berlim, em 1884-85, e durante a crise do «ultimato» inglês
por causa da Rodésia […] e da Niassalândia […], Portugal tentou medidas […]
para se apoderar de territórios de que se sentia legítimo detentor por direito
de descoberta, exploração e início de ocupação. As duas áreas mais
disputadas eram a foz do Congo (ambas as margens) e as terras altas do rio
Shire […].
Portugal, temendo perder protagonismo na região esperava que as querelas fossem
resolvidas pela via diplomática. Otto Von Bismarck convocou a propósito, uma
Conferência Internacional em que o mesmo seria o anfitrião.
4.1 Participantes
O palco das discussões políticas e económicas em torno dos interesses europeus em
África, foi a cidade de Berlim. “Seno Acto de Berlim que 15 Estados imperiais (14
europeus e os Estados Unidos da América), corolário dos interesses coloniais das
potências mundiais, irão redefinir a geografia do continente, sem a participação de um
único africano
4
.
A pretensão de tirar proveito das reinvindicações previamente apresentadas pela
Inglaterra, França e Portugal, o Chanceler alemão ofereceu-se para acolher e arbitrar as
aludidas querelas. “A Conferência foi inaugurada por Bismarck no sábado, dia 15 de
novembro de 1884, e encerrou-se no dia 26 de fevereiro de 1885”
5
. No total, houve
representação além da Suécia, “… da Alemanha, da Austria-Hungria, da Bélgica, da
Dinamarca, da Espanha, dos Estados Unidos da América, da França, da Grã-Bretanha,
da Itália, dos Países Baixos, de Portugal, da ssia, da Noruega e da Turquia” (Manassa,
2011, p. 72). Salta logo à vista, a ausência de representantes de África em Berlim.
Houve, entretanto, a participação de uma potência não-europeia.
3
A navegabilidade do Congo acirrou as disputas entre as potências europeias pois, permitiria o acesso ao
centro do Continente. Além disso, a crença de que a partir do rio Congo era possível alcançar a contra-
costa Indica foi outro elemento decisivo.
4
https://www.researchgate.net/publication/334650780_O_percurso_historico_do_
estabelecimento_das_fronteiras_em_Angola
5
https://www.researchgate.net/publication/240772825_A_vida_longa_das_linhas_retas_cinco_mitos_sobre_a
s_fronteiras_na_Africa_Negra
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Dentre as várias razões que concorreram para a ausência de africanos na Conferência de
Berlim e que podemos referir, ressalta a viva possiblilidade de ao serem tornadas públicas
e conhecidas as suas reais intenções, as entidades europeias terem que enfrentar
imediatamente a contestação de eventuais representantes africanos. Medina (1994,
pp. 147-148) de modo peremptório, alude que, “Nenhum delegado africano fora
convidado: os africanos eram os grandes mudos, que a África não passava ali de um
objecto de partilha ao qual não se perguntava sequer com que molho preferia ser
comida…”. É facto que, “[…] na sua esmagadora maioria, autoridades e dirigentes
africanos foram profundamente hostis […] e declararam-se decididos a manter o status
quo e, sobretudo, a assegurar sua soberania e independência, pelas quais praticamente
nenhum deles estava disposto a transigir, por menos que fosse” (Boahen, 2010, pp. 3-
4).
Em Berlim, as potências europeias visavam estabelecer pactos e traçar mecanismos de
exploração dos recursos e dos povos autóctones. Portanto, a participação de
representantes africanos seria um entrave aos objetivos dos europeus. Grosso modo, à
mesa de negociações a África era bem-vinda, porém, os africanos não.
4.2 Decisões tomadas em Berlim
Em Berlim, potências europeias partilharam entre si, ideias, ambições e projetos
tendentes a partilha e ocupação de África. No rescaldo, foram estabelecidos mecanismos
de atuação para que o processo fosse conduzido com o menor número de problemas.
Por força do artigo 34 do Ato de Berlim, documento assinado pelos
participantes da conferência, toda nação europeia que, daí em diante,
tomasse posse de um território nas costas africanas ou assumisse um
“protetorado”, deveria informá-lo aos membros signatários do Ato, para que
suas pretensões fossem ratificadas (Boahen, 2010, p. 33).
Ficou reforçado em Berlim, o sentido de pertença do Estado Livre do Congo por parte do
Rei da Bélgica, Léopold II bem como o seu reconhecimento por parte dos participantes.
Uma das principais querelas que levou à convocação da Conferência de Berlim ficou
resolvida com o direito de livre navegação sobre o rio Congo mas, também, sobre duas
outras bacias hidrográficas presentes em África, a do Níger e a do Zambeze. A liberdade
de evangelização
6
nas regiões ocupadas e reclamadas esteve igualmente no centro das
decisões. Aos missionários foi autorizada a livre circulação pelos territórios em disputa a
fim de disseminarem o Cristianismo entre os nativos, sem impedimentos das autoridades
e forças europeias instaladas localmente. Foram também motivo de discussão os
binómios chegar-ocupar e chegar-notificar, prevalecendo no final a substituição do direito
histórico de ocupação pelo direito de ocupação efetiva.
6
O ensino e instrução fornecidos pelas Igrejas Baptista, Metodista e Congregacional, contribuíram para o
despertar da consciência nacionalista em Angola e noutras partes do continente. Vários nativos que tornar-
se-iam dirigentes dos movimentos independentistas receberam formação sob patrocínio destas Igrejas
Messiânicas.
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De acordo com Mbunga (2014, p. 65),
Na Conferência de Berlim, quatro critérios/métodos eram aceites, para provar
a ocupação efectiva dos territórios, em África: por meio de feitorias
comerciais; pela presença militar; por meio de colónias de europeus e pela
presença de missões religiosas, no terreno.
A corrida desenfreada pela África, levada a cabo por cada uma das potências, por um
lado para a ocupação de territórios para si, e por outro, para evitar que as outras o
fizessem, levou também à mesa de negociações um novo assunto: a queso dos
Protectorados. A solução encontrada esteve centrada na aceitação e respeito comuns
pelos pactos firmados entre Europeus e autoridades africanas.
Em Angola, segundo os estudos de Mbunga (2014, p. 64),
Os tratados de Protectorado não foram assinados exclusivamente em
Cabinda. Tratados semelhantes a estes foram também encontrados em outras
regiões, nos casos das regiões dos Ndembu/Dembos, nas Lundas e no sul do
país.
Ficou também registado que, “Depois da Conferência de Berlim, outros Tratados foram
ainda assinados em Futila (7 de Março de 1885), Moanda (16 de Março de 1885),
Chimbolo e Sócca (27 de Março de 1885)” (Arquivo Histórico de Angola, Caixa n.º 5451).
É imprescindível reconhecer-se que na Conferência de Berlim não ocorreu efetivamente
a partilha de África, no geral, nem de Angola em particular. As decisões emanadas de
Berlim agudizaram a competição existente entre diferentes potências europeias
desembocando no processo contínuo de partilha efetiva de África caraterizado pela
negociação, divisão e ocupação territorial, bem como pela delimitação e reconhecimento
das novas fronteiras. No terreno, as potências envolveram-se em incidentes político-
diplomáticos, alguns dos quais ligados ao Projecto Mapa cor-de rosa e ao Projecto
MittelAfrika.
De acordo com Telo e Pires (2018, p. 4), “A Alemanha apostou no jogo colonial com
grande habilidade no tempo de Bismarck. No Congresso de Berlim juntou o seu peso à
França e a outros estados europeus, para isolar a GB e a obrigar a recuar na questão do
Congo”.
A Conferência encerrou em Fevereiro de 1885 e as potências europeias colocaram em
marcha a efetivação dos pactos assinados através de Convenções.
5. Convenções
Como foi referido, a Conferência durou pouco mais de 3 meses, e ao ser encerrada,
em fevereiro de 1885 o território africano não se encontrava partilhado entre os países
europeus. “A maioria das fronteiras entre as esferas de influência das diferentes
potências coloniais e, com isso, as fronteiras entre os futuros territórios coloniais foram
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estabelecidas consensualmente em acordos bilaterais após a Conferência de Berlim. A
maioria destes acordos foi concluída nos anos 90” (Asiwaju, 1984, p. 85).
Portanto, é importante que se olhe para o day after. Nos anos imediatamente a seguir
às conversações em Berlim, firmaram-se acordos que resultaram na divisão dos
territórios em África. Wheeler e Pélissier (2009, p. 104), destacam que, “Em tratados
com Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica e mais tarde com a União Sul-Africana, entre
1885 e 1926, Angola foi delimitada quer em mapas, quer no terreno”. Os limites
fronteiriços de Angola resultaram do processo que conduziu à partilha efetiva de África
no período de ocupação que se seguiu à Conferência de Berlim. Entre concertações
diplomáticas e militares a montante e antagonismos políticos a jusante, diversas
potências foram signatárias com Portugal, de diferentes Convenções. Assim, a partir das
Convenções Luso-Francesa, Luso-Alemã, Luso-Belga, Luso-Britânica e Luso Sul-Africana
procedeu-se à delimitação do território angolano.
Quadro 2 Convenções que estabeleceram as actuais fronteiras da
República de Angola
Conven-
ções
Signatários
Datas
Luso
Francesa
Portugal
e França
12 de Maio de 1886
Luso
Alemã
Portugal
e Alemanha
30 de Dezembro de 1886
Luso Belga
Portugal
e Bélgica
25 de Maio de 1891
Luso
Britânica
Portugal
e Grã-
Bretanha
30 de Maio de 1905
Luso
Sul-Africana
Portugal e
União Sul-
Africana
22 de Junho de 1926
Fonte: Elaboração própria
5.1 Consequências das fronteiras traçadas a luz de Berlim
A partir do não muito longínquo ano de 1960 vários territórios africanos ascenderam à
independência. Uns conseguiram-na pela via pacífica (como foi o caso de São Tomé) e
outros, pela via armada (como sucedeu com a Argélia, Moçambique, etc.). Por motivos
sociais e políticos
7
, fundamentalmente, os novos Estados incluindo a República de
Angola mantiveram as fronteiras traçadas a luz do pendor mercantilista e imperialista
que norteou as conversações em Berlim. Neste diapasão, Asiwaju (1984, p. 20), afirma
que “apesar de seus atributos incontentáveis como linhas arbitrárias e artificiais de
demarcação, as fronteiras tiveram que ser aceitas como alinhamentos legais do
arcabouço territorial dos Estados-nações pós-coloniais”. No fundo, Trata-se, no
7
A Organização das Nações Unidas (ONU) defendeu em 1960 a manutenção das fronteiras herdadas pelos
territórios colonizados, posição fomentada pela Organização de Unidade Africana (OUA) aquando da sua
fundação em 25 de Maio de 1963.
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essencial, de transformações que representam a imposição da cartografia sobre
percepções territoriais ancestrais (não dependentes de mapas) e a posterior apropriação
destas percepções com a imposição dos poderes pós-coloniais(Albuquerque, 2017, p.
75). Para a República de Angola são várias as consequências resultantes das fronteiras
traçadas após a Conferência de Berlim.
a) Dispersões demográficas. Em relação ao impacto das Convenções assinadas entre
as potências europeias, ficou manifestamente visível que, “Estes acordos
consagraram a divisão de rios povos, nomeadamente: (i) Os Bakongo ficaram
entre os dois Congos e Angola, pondo fim à unidade do Estado Kongo; (ii) Os Lunda,
Baluba e os Cockwe ficaram divididos entre o Congo-belga, Zâmbia e Angola; (iii)
Os Ovambo e os Helelos ficaram entre os territórios coloniais de Angola e do
Sudoeste Africano (Namíbia)
8
. Assim, povos com afinidade étnica, linguística e
cultural ficaram separados pelas fronteiras coloniais que certamente não levaram em
conta o dilema existente entre identidade étnica e identidade nacional. A situação é,
muitas vezes, agravada, quando são tidas em conta as restrições que determinados
Estados colocam à livre circulação das populações e seus bens.
b) Redução de Cabinda a um Enclave. “Desde 1885, o território de Angola ficou
constituído por dois blocos descontínuos; a norte e a sul da embocadura do rio Zaire.
Cabinda é a parte Nortenha com 7.270 km
2
, separado do resto do país por uma
banda de terra de cerca de 60 km” (Mbunga, 2014, p. 27).
A delimitação das fronteiras de Angola a noroeste, de acordo com as aspirações,
interesses e empowerment da França, Bélgica e Portugal, impediu que o território
angolano fosse contínuo e tivesse maior dimensão. A descontinuidade entre Cabinda
e o resto do território dificulta a circulação de mercadorias e a interação entre as
populações. Além do exposto, a saída para o mar reivindicada por Leopold II
9
na
época, reduziu o acesso aos recursos haliêuticos e outros de que Angola beneficiaria,
no Atlântico. É relevante a visão de Sacchetti (2009, p. 121), ao considerar que,
“Angola deverá incluir a preocupação de desenvolver as capacidades para conhecer
o Mar e para fazer conhecer a competência para bem gerir e defender a área oceânica
da sua responsabilidade […]”, afim de salvaguardar os seus interesses de cariz
económico, mas também securitário.
c) Aculturação dos povos deslocalizados. De forma inevitável, o convívio entre
diferentes povos provoca a troca de valores, símbolos, crenças e práticas
costumeiras alheias. Com a delimitação das fronteiras, povos angolanos
deslocalizados da República de Angola encontram-se num meio cultural diferente,
estranho, podendo mesmo virem a identificar-se mais e melhor com outras
socioculturas, em detrimento daquelas de que são originários.
8
https://www.researchgate.net/publication/334650780_O_percurso_historico_do_estabelecimento_das_fro
nteiras_em_Angola
9
Os interesses comerciais levaram o Rei Belga a negociar uma saída para o mar. Como resultado houve a
concessão por parte de Portugal, de uma porção de terra à esquerda do rio Congo permitindo assim, o
acesso do Estado Livre do Congo ao Atlântico.
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A questão das fronteiras africanas continua gerando debate na actualidade, entre
organizações e investigadores, nacionais e internacionais. São os casos, por exemplo, da
Conferência sobre fronteiras que ocorreu em Edimburgo em 1993 e a criação da African
Borderlands Research Network. A propósito, “os temas centrais da ABORNE o (i) os
africanos (partitioned) pelas fronteiras coloniais, […]; (ii) as migrações, […]; (iii) o
comércio transfronteiriço, […]; (iv) os conflitos, […]; (v) as questões dos refugiados, […];
(vi) a utilização e gestão partilhada de recursos, […]”
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. As consequências resultantes da
Conferência de Berlim permanecem atuais e atuantes pelos desafios que colocam aos
Estados africanos e suas populações.
6. Conclusão
O processo de delimitação das fronteiras da República de Angola foi longo. A
industrialização emergente na Europa no final do século XVIII conduziu os Europeus ao
Continente Africano no período posterior à abolição oficial do Tráfico de Escravos, em
busca de matérias-primas, mão-de-obra barata e de um mercado consumidor. As
Expedições Geográficas empreendidas com algum êxito no século XIX facilitaram o
acesso ao interior, a exploração e consequente partilha de África.
A disputa entre distintas potências europeias por territórios levou a realização da
Conferência de Berlim entre 1884 e 1885. A partir de Convenções firmadas entre
Portugal, França, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e a União Sul-Africana, foram traçadas
as fronteiras atuais do território angolano. Porém, as novas fronteiras trouxeram consigo
consequências de índole geográfica, cultural e linguística, que ainda se constituem como
um desafio para a República de Angola.
Vários Estados africanos debatem-se com a gestão das fronteiras deixadas para trás
pelas negociações de Berlim. A preocupação não gira apenas em torno da multiplicidade
étnica das populações, sua mobilidade, mas também tem a ver com a riqueza natural
que os Países limítrofes partilham.
Haverá espaço nas agendas intra-africanas para se discutir uma possível redefinição das
fronteiras coloniais? As novas exigências poder autárquico, descentralização,
desconcentração, gestão de novas fronteiras internas com que se deparam os Estados
africanos parecem mostrar que não.
Importa-nos reconhecer algumas limitações desta investigação, nomeadamente as
disputas travadas entre as potências europeias em África, impulsionadas por interesses
particulares e que deixaram marcas indeléveis na relação entre si. Referimo-nos, por
exemplo ao Mapa cor-de-rosa, Projecto Português e ao MittelAfrika, Projecto Alemão. Por
último, recomendamos vivamente que as autoridades angolanas prestem particular
atenção à fronteira marítima que o País partilha com a República Democrática do Congo.
Que o Estado Angolano atribua a Nacionalidade aos povos de origem angolana que se
encontram nos territórios limítrofes, desde que a solicitem. E, que sejam recenseados
periodicamente os povos Angolanos que se encontram nos territórios em questão.
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http://www.seer.ufrgs.br/index.php/bgg/article/view/53757/33111
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Como citar esta nota
Paím, Edmar da Silva (2024). Fronteiras da República de Angola Rastos da Conferência de Berlim.
Notas and Reflexões, Janus.net, e-journal of international relations. VOL 15, Nº.1, Maio-Outubro,
pp. 348-359. DOI https://doi.org/10.26619/1647-7251.15.1.02