OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, Nº. 1 (Maio 2024 Outubro 2024)
214
O DIREITO DA ORDEM REGIONAL PREVALECENTE E A CULTURA
DE NEGOCIAÇÃO NA ÁFRICA AUSTRAL
JOSÉ ABEL MOMA
jose.moma@ucan.edu
Professor da Academia de Ciências Sociais e Tecnologias ACITE e do Instituto Superior João
Paulo II da Universidade Católica de Angola (Angola). É Doutor em Relações Internacionais pelo
ISCSP-Universidade de Lisboa e Mestre em Ciência Política pela Universidade de Ohio, dos
Estados Unidos de América. Tem a licenciatura em Direito e em Filosofia. Os seus interesses de
investigação giram a vota das negociações, alianças políticas, relações regionais na África Austral
e contratos administrativos. É autor do livro intitulado Os Estados da Linha da Frente e a Gestão
de Ameaças na África Austral, co-autor do livro Os Contratos Administrativos à luz da Lei
Angolana dos Contratos Públicos e de diversos artigos científicos.
https://orcid.org/0000-0003-4205-4085.
Resumo
Partindo da questão da cultura negocial resultante da construção de uma nova ordem regional
na África Austral, este artigo de investigação explora a ideia de que nesta região está a
emergir uma cultura de negociação integrativa, baseada numa história de conflito e
cooperação. A ênfase colocada pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
(SADC) nas dimensões legais e programáticas da integração económica manifesta, por um
lado, as condições da ordem regional prevalecente e, por outro, os esforços dos estados
membros para negociar a partir de uma perspectiva cooperativa. Portanto, este artigo de
investigação examina o processo de construção de uma ordem regional na África Austral, os
factores que o proporcionaram e o conjunto de regras jurídicas que resultam numa cultura de
negociação regional. Consequentemente, propõe uma perspectiva construtivista, concluindo
que há adaptação no processo de adoção de modelos internacionais de regionalismo.
Palavras-chave
Ordem regional; cultura de negociação; África austral; integração regional; direito regional..
Abstract
Starting with the question of the negotiating culture resulting from the developement of a
regional order in southern Africa, this research paper explores the idea that in this region a
culture of integrative negotiation is emerging, based on a history of conflict and cooperation.
The emphasis placed by Southern African Development Community (SADC) on legal and
programmatic dimensions of economic integration manifests, on the one hand, the conditions
of the prevailing regional order and, on the other, the member states’ efforts to negotiate
from a cooperative perspective. Therefore, this research paper examines the process of a
cooperative regional order in southern Africa, the factors that provided this order and the set
of legal rules, which result in a regional negotiating culture. Consequently, it proposes a
constructivist perspective, concluding that there is adaptation in the adoption process of
international models of regionalism.
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O Direito da Ordem Regional Prevalecente e a Cultura de Negociação na África Austra
José Abel Moma
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Keywords
Regional order; negotiating culture; southern Africa; regional integration; regional law..
How to cite this article
Moma, José Abel (2024). O Direito da Ordem Regional Prevalecente e a Cultura de Negociação na
África Austral. Janus.net, e-journal of international relations. VOL 15, Nº.1, Maio-Outubro, pp. 214-
231. DOI https://doi.org/10.26619/1647-7251.15.1.12
Artigo recebido em 6 de Novembro de 2023 e aceite para publicação em 14 de Fevereiro
de 2024.
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O DIREITO DA ORDEM REGIONAL PREVALECENTE E A CULTURA
DE NEGOCIAÇÃO NA ÁFRICA AUSTRAL
JOSÉ ABEL MOMA
Introdução
Entendida como o conjunto de conhecimentos, normas e significados partilhados que se
constroem nas interações sociais, neste trabalho de investigação analisamos a cultura
negocial que se manifesta no direito da ordem regional prevalecente na região da África
Austral. Para este efeito, consideramos o colapso do Apartheid como o factor que iniciou
uma nova ordem na região da África Austral, embora tal ordem regional não seja
estranha aos elementos da ordem internacional. Nesse sentido, começamos com a
seguinte questão de investigação: que cultura negocial resulta da construção da ordem
regional prevalecente na África Austral, que articula dimensões jurídicas e políticas?
Temos a hipótese de que, ao abrigo da lei da nova ordem regional prevalecente na África
Austral, que resulta da queda do Apartheid, as negociações se desenvolvem, tendo em
conta as condições jurídicas e políticas regionais, constituindo uma cultura negocial de
perspectiva cooperativa em que a clara superação da relação baseada na rivalidade ainda
não se traduziu em padrões de interação de amizade, apesar da evolução para este nível.
Portanto, este trabalho de investigação tem os seguintes objectivos: primeiro, pretende
caracterizar os elementos políticos que geram o direito da ordem regional prevalecente
na África Austral; segundo, identificar o conjunto de tratados e outros instrumentos
jurídicos existentes no âmbito da legislação desta ordem regional; por último, pretende
analisar o quadro jurídico que concretiza as condições para a construção de uma cultura
de negociação integradora na África Austral.
Metodologicamente, optamos por uma abordagem analítico-dedutiva, que explora, por
um lado, o conceito macro de ordem internacional aplicado ao nível microrregional da
África Austral e, por outro, identifica as diferentes normas jurídicas que corporizam as
políticas de integração na SADC e manifesta uma cultura de negociação regional.
Consequentemente, numa abordagem inversa, deduze teoricamente os elementos de
compreensão do contexto e do âmbito das negociações regionais na África Austral, num
continuum de articulação conceptual entre o direito e a política.
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A construção da ordem regional prevalecente na África Austral
A construção da ordem prevalecente na África Austral está relacionada com o
desenvolvimento de um regime jurídico de política regional alinhado com as tendências
internacionais. Como enfatiza Mirasola (2019, p. 214) “International politics since World
War II has been built on the progressive development of international law, and
particularly on multilateral treaties aimed at creating shared legal regimes.Portanto, a
ordem regional da África Austral está inserida numa ordem internacional mais ampla.
A problemática da ordem é fundamental para os campos da política internacional e do
direito internacional, assentes numa profunda tradição das ciências sociais. Conforme
apontado por Sosnowski (2020, pp. 599-600), “the concept of order (…) remains
relatively amorphous but scholars from Durkheim to Foucault certainly saw it as crucial
and determinative. Order, and the predictability it brings, does not simply exist: it
becomes, emerges, settles and disappears.” Para abordar o conceito de ordem regional
prevalecente, começamos por explorar a noção de ordem internacional, entendida por
Ribeiro (2005) em termos do estado em que as relações internacionais se baseiam num
sistema regulatório que garante a segurança internacional. Embora seja difícil determinar
com precisão a inauguração de uma nova ordem, ela resulta “da mudança gradual de
atitudes, comportamentos e interesses dos estados ao longo de um determinado período
que se materializa em acontecimentos com reflexão no cenário internacional” (Monteiro,
2001, p. 195).
A ordem internacional manifesta-se como a regulação das relações conflituantes dos
Estados no contexto do sistema internacional. Assim, é possível compreender a
operacionalização que Ribeiro (2005, p. 4) faz da nova ordem internacional, quando
afirma que ela é sinalizada por “uma mudança repentina nas relações de forças que
caracterizaram a ordem que termina”. No caso da África Austral, a ordem regional
tornou-se nova e marcadamente cooperativa com o colapso do Apartheid, como bastião
dos regimes minoritários na região.
A ordem regional prevalecente na África Austral decorre dos seguintes elementos
principais: o colapso do apartheid na África do Sul, como o último reduto dos regimes
minoritários na região;
o fim da guerra fria, que afastou a ameaça comunista do xadrez regional que
legitimava a interferência de potências externas;
a capitalização da cooperação política estabelecida nos Estados da Linha da Frente
(ELF) e na Conferência de Coordenação do Desenvolvimento da África Austral
(SADCC);
e a integração da África do Sul em órgãos de cooperação regional, particularmente na
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que substituiu a SADCC.
Esta ordem regional prevalecente também resulta dos elementos de uma nova ordem
internacional pós-guerra fria. Tal como referido por Silva (2015, p. 139), “a transição da
ordem global no pós-Guerra Fria e o regime do apartheid na África do Sul contribuíram
para a emergência de uma ordem regional de natureza essencialmente liberal”.
A região sul de África não está isenta da natureza anárquica do sistema internacional e,
portanto, as três culturas, exploradas por Wendt (1999, p. 44) podem ser encontradas
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no subsistema regional da África Austral. Assim, a perspectiva teórico-analítica de Wendt
ajuda a compreender a cultura interacional regional na África Austral. Analisando esta
região como um subsistema, onde também se manifestam os efeitos da estrutura sobre
os agentes, através das ideias partilhadas na interação social, pode-se argumentar, com
referência a três culturas de anarquia, a manifestação do seguinte processo na África
Austral: uma lógica de inimigos (a cultura hobbesiana) nas relações entre o regime Sul-
africano apartheid e os outros estados maioritários; atualmente, os Estados estão
superando a lógica lockeana, de rivais; e a lógica kantiana dos amigos é desejada, e os
estados já vivenciam alguns elementos dessa cultura.
Desta forma, os Estados estão efectivamente a viver uma articulação de elementos da
cultura lockeana, em questões de desenvolvimento económico, em transição para a
cultura kantiana, em questões de defesa e segurança. A construção de uma nova ordem
regional na África Austral deve-se, sobretudo, à queda do regime do apartheid, facto que
permitiu o desenvolvimento de relações mais cooperativas e abrangentes na região da
África Austral, com a integração da África do Sul, um antigo inimigo, no sistema
institucional de cooperação entre os países da região. Este processo revela, por um lado,
um certo pragmatismo por parte dos Estados da região, incluindo a África do Sul, no que
diz respeito ao sistema regional, mas também manifesta o resultado de um processo de
interação social e histórica que influencia as opções e decisões dos estados, além dos
mecanismos estruturais de poder percebidos do ponto de vista material. O fim do
apartheid indicou o fim dos regimes minoritários na África Austral, embora, como
observado por Miti (2007), não determine, automaticamente, um ambiente de confiança
e amizade regional.
Se considerarmos que, numa perspectiva subsistémica, na África Austral os efeitos da
estrutura regional sobre os agentes manifestam-se através das ideias compartilhadas na
interação social, pode-se inferir que a região deixou uma lógica de inimigos, caracterizada
por a cultura hobbesiana, dominante nas relações entre o regime do Apartheid sul-
africano que ocupou a Namíbia, apoiou o regime de Ian Smith, no Zimbabué, e foi
aliado do regime colonial Português em Angola e Moçambique , com os restantes
estados da região; atualmente uma passagem pela lógica dos rivais, pela cultura
lockeana, no que diz respeito ao desenvolvimento econômico regional, e um movimento
em direção à lógica dos amigos que caracteriza a cultura kantiana, no campo da defesa
e da segurança.
Portanto, com o fim do regime do Apartheid na África do Sul, foi inaugurado um processo
na região da África Austral que alterou significativamente a correlação de forças na
região, estabelecendo um ambiente mais cooperativo no qual a regulação de potenciais
conflitos interestatais é realizada na base de consulta e construção de uma estrutura
jurídico-normativa que apoia o relacionamento dos Estados. É neste contexto que os
tratados regionais ganham mais significado, apoiando a cooperação e a integração
económica, sendo, por um lado, o resultado de negociações regionais e, por outro lado,
o quadro e o âmbito de negociações subsequentes.
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Os Tratados em negociações regionais
O papel do direito na regulação das relações regionais é importante. Entendemos o direito
regional como o conjunto de normas jurídicas assumidas nas relações entre Estados
soberanos e outros sujeitos de personalidade internacional reconhecidos no âmbito de
uma região. A abordagem da questão dos tratados como fonte do direito internacional
não pode deixar de questionar a sua natureza no contexto das relações regionais.
O direito regional não se aplica aos estados com a mesma força que o direito interno é
imposto aos indivíduos, destacando a importância das dimensões políticas e negociais
nas relações regionais (Ngobeni, 2019). Ele constitui “instrument with commendable
features that have great potential to promote and strengthen democracy, good
governance and the rule of law in Africa” (Kioko, 2019, p. 42). Embora tenha uma base
normativa, na resolução de conflitos e no avanço da cooperação, a política pode levar os
Estados a encontrar outras formas às quais o direito também deve prestar atenção. Como
resultado, a caracterização do direito regional implica o reconhecimento de que este é
constituído por um sistema baseado no consenso e na reciprocidade, tornando os
costumes, em termos de prática social (Ndima, 2017), e os acordos como fontes
privilegiadas.
Nas relações internacionais, apoiadas no direito público, os acordos, alcançados através
de negociações, podem ser designados como tratados, embora possam ter outras
denominações como convenções, protocolos e pactos. Essa é também a perspectiva
explorada por Queiroz (2009), que com combina o artigo 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça com o artigo 2 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. Assim, entendemos os tratados como acordos internacionais que expressam,
por escrito, a conciliação das vontades das partes, sujeitos de direito internacional, com
a intenção de produzir os efeitos desejados no âmbito da vontade manifestada. Este
recurso de gestão das relações entre os Estados tem ficado evidente nos processos de
construção do regionalismo.
Além dos tratados, existem outras fontes de direito regional, como os costumes, que
podem ser analisadas, no caso da África Austral, no sentido da gama de práticas e
experiências partilhadas pelos Estados, incluindo a luta contra os regimes racistas
coloniais e minoritários e a luta pela autodeterminação dos povos, através dos
movimentos de libertação, que servem de referência na atuação das elites governantes
dos Estados membros, assumindo-as com a convicção da sua obrigação. De fato,
“Historically, African peoples and individuals have resisted oppression and domination.
For instance, they resisted colonial rule” (Manirakiza, 2019, p. 94).
No que diz respeito à jurisprudência, na região que integra a SADC, um contributo
significativo da jurisprudência internacional na aplicação e interpretação das normas
jurídicas que regulam as relações regionais. No entanto, coexistem na região tradições
jurídicas puras e mistas, cujos princípios têm um impacto diferente no processo de
aplicação e interpretação das leis. Com efeito, se por um lado existem estados como
Angola, Moçambique e a República Democrática do Congo pertencentes à tradição do
sistema romano-germânico ou do direito civil, por outro, estados como a Zâmbia e o
Zimbabué estão ligados ao Tradição anglo-saxônica ou direito consuetudinário. Além
disso, existem também estados como a África do Sul e o Botswana que possuem um
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sistema híbrido que se refere tanto ao direito civil como ao sistema de direito
consuetudinário (Zongwe, 2020). Contudo, esta diversidade de tradições e sistemas
jurídicos não atinge o estágio que Cede (2002, p. 151) chama de clash of legal
civilizations”, porque a história partilhada de cooperação política permite à elite
governante dos Estados promover e procurar garantir tecnicamente a solidariedade
regional e a procura de segurança, superando questões de diversidade de tradições
jurídicas.
As outras fontes do direito internacional são os atos das organizações internacionais, na
medida em que produzem e incentivam o direito não vinculativo como “non-mandatory
rules, that is, instruments that interpret or inform our understanding of binding legal
norms or represent promises that create expectations about future conduct” (Guzman
and Meyer, 2010, p. 174). Conforme enfatizado por Deng e Adeola (2021, p. 60), soft
law “are supporting hard law formations” e não o apenas o resultado de Estados
considerados individualmente, pois os produzem principalmente através de organizações
internacionais que os promovem em diversas formas, tais como as leis modelo, os
contratos modelo e as recomendações legais. Este aspecto também é sublinhado por
Kaufmann-Kohler (2010) quando afirma que, com a globalização, as instituições
internacionais têm promovido cada vez mais soft law.
As organizações internacionais possuem atos que podem ser distinguidos em regras;
decisões individuais; atos preparatórios, definitivos, vinculativos e facultativos. Este
papel normativo legal estende-se às organizações regionais. Conforme observado por
Wallace (2016, pp. 225-226), “Regional Organizations enjoy varying degrees of legal
personality and if this should extend to a treaty-making competence, the organization in
question may shape substantive international law by participating in treaties” (see also
Perišić, 2016). Na região da África Austral existem alguns exemplos de soft law, como a
Lei Modelo do Banco Central da SADC, que inclui princípios fundamentais que permitem
a constituição de uma estrutura jurídica e operacional convergente dos Bancos Centrais
dos Estados da SADC, promove a adoção de princípios que visam a independência
operacional dos Bancos Centrais e cria padrões de responsabilização e transparência,
colaborando, assim, para a harmonização financeira da região.
Consequentemente, o direito é um elemento intrínseco aos processos de negociação,
especialmente em contextos de construção de uma ordem regional. Assim, é necessário
considerar os elementos políticos que geram o direito da ordem regional prevalecente na
África Austral e elencar os acordos que corporizam direito desta ordem regional em que
ocorrem as negociações regionais. Neste sentido, os tratados, os protocolos, as
declarações, as cartas e os memorandos de entendimento constituem o quadro jurídico-
normativo existente na SADC.
O Tratado da SADC foi assinado em Windhoek (Namíbia), em 17 de Agosto de 1992, e
os 16 seguintes Estados são actualmente membros da organização regional: Angola,
Botswana, Comores, República Democrática do Congo, Esuatini, Lesoto, Madagáscar,
Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Seicheles, Tanzânia, Zâmbia e
Zimbabué. O texto original do Tratado da SADC de 1992 foi alterado nos anos de 2001,
2007, 2008 e 2009, conforme descrito na tabela 1.
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Tabela 1 - Alterações ao Tratado
Data
Natureza da Alteração
Descrição
2001
Acordo de Alteração do Tratado
Modifica o Preâmbulo e o índice; adiciona artigos sobre a
adesão à SADC e à troika.
2007
Acordo que altera o Artigo 22.º
do Tratado da SADC
Descreve as condições para uma alteração a um
protocolo.
2008
Acordo que altera o Tratado da
SADC
Descreve o estabelecimento de Comités Ministeriais
Sectoriais e as funções de gestão executiva da SADC.
2009
Acordo que altera os artigos
10.º e 14.º do Tratado da SADC
Descreve a estrutura e nomeação da gestão executiva do
Secretariado da SADC.
2009
Acordo que altera o Artigo 10.º-
A do Tratado da SADC
Descreve a composição do Comité Ministerial do órgão
responsável pela coordenação dos seus trabalhos e das
suas estruturas.
Fonte: SADC.INT
Além do Tratado da SADC, entre os protocolos, importa destacar dois que corporizam,
na sua essência, o legado histórico e os ideais para a constituição da organização regional
da África Austral: o Protocolo sobre Cooperação em Política, Defesa e Segurança, e o
Protocolo sobre Comércio.
O Protocolo sobre Cooperação em Política, Defesa e Segurança foi assinado em Blantyre
em 14 de Agosto de 2001 e tem como objetivo geral promover a paz e a segurança na
África Austral. Este Protocolo promoveu a criação do Pacto de Defesa tua que
determina um conjunto de reações colectivas dos estados da SADC a situações de
ameaça à segurança contra um dos seus membros. O Protocolo sobre Comércio visa,
entre outros objetivos, promover a liberalização do comércio intrarregional de bens e
serviços, com base em acordos comerciais justos, equilibrados e mutuamente benéficos,
aumentar o desenvolvimento económico, a diversificação e a industrialização da região
e estabelecer uma Zona de Comércio Livre (ZCL) na África Austral.
Esta análise dos tratados resultantes das negociações regionais, que também orientam
a sua estrutura normativa, permite concluir que, como fonte de direito regional, no
âmbito da construção de nova ordem na África Austral, os tratados têm merecido especial
consideração. Portanto, a produção normativa de instrumentos jurídicos para o processo
de integração na África Austral tem sido frutífera. Esta estrutura jurídica, como elemento
de construção de relações pacíficas, cooperativas e integrativas, revela a importância da
dimensão jurídica na negociação da integração regional, conforme discutido a seguir.
A dimensão jurídica das negociações de integração regional na África
Austral
Os instrumentos de planeamento, discussão e implementação da integração regional têm
uma dimensão jurídica significativa. Tal como noutras actividades humanas, nas relações
regionais, o direito e as negociações estão interligados (Cede 2002). As negociações
estão duplamente ligadas ao direito porque se, por um lado, o direito se manifesta como
um elemento regulador da interação social que ocorre nas negociações, por outro, os
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resultados das negociações contêm um âmbito de aplicação jurídico. O direito é o ramo
do conhecimento normativo e social que delimita a atuação dos agentes em suas
interações sociais e, ao mesmo tempo, resulta das discussões políticas entre os atores
sociais e define o quadro em que ocorrem as interações futuras.
Nas relações regionais, o direito e as negociações estão interligados não só no sentido
de o direito servir como instrumento técnico para a realização de negociações,
especialmente com intencionalidade política, mas também porque servem de
enquadramento e, portanto, muitas vezes condicionam as opções políticas existentes.
Assim, o direito circunscreve a órbita das negociações e torna possível fazer cumprir os
acordos. Desde o fim do Apartheid na África do Sul como factor que inaugurou uma nova
ordem regional na África Austral, as negociações conduzidas ao abrigo do direito desta
nova ordem regional têm em conta as condições de natureza jurídica e política.
Ao mesmo tempo em que as negociações regionais ocorrem no âmbito de um quadro
normativo em que prevalece o direito, especialmente através de suas fontes, os acordos
que decorrem das negociações regionais adquirem uma conformação jurídica própria que
se torna fonte de direito. Portanto, as negociações regionais são ao mesmo tempo fonte
e resultado do direito regional. No contexto das relações regionais, as negociações têm
um papel fundamental na definição dos termos e condições da interação, manifestando-
se na sua dimensão jurídica. Contudo, uma vez definida a estrutura jurídica para
discussão, o direito torna-se o elemento enquadrador das negociações regionais.
Se as negociações podem ser apresentadas como pertencentes ao eixo da gestão política
regional, o direito delimita o âmbito normativo do seu desenvolvimento. Assim, os
advogados desempenham um papel relevante nos processos de negociação
internacional, quer como consultores, ou como principais condutores das negociações
(Powell, 1991). Com efeito, a dimensão jurídica desempenha um papel importante nas
negociações, pois permite delimitar o âmbito de atuação dos negociadores. A condução
das negociações não pode ignorar as normas jurídicas que regulam o objeto da
negociação e a aplicação do acordo para a sua eficácia.
No contexto das relações regionais, é importante considerar, por um lado, que as
negociações são conduzidas, em conformidade com o quadro jurídico em vigor, e, por
outro, os acordos estabelecidos na sequência das negociações regionais devem ter
conteúdo e força jurídica para a sua implementação. Portanto, deve ser dada atenção à
gama de tratados que existem na região e que incorporam o quadro jurídico para as
relações entre os Estados da África Austral. Assim, os Estados membros da SADC devem
ter em conta o conjunto de instrumentos jurídicos que regulam as relações regionais, em
geral, e as interações dos estados em sectores específicos.
Tabela 2 - Instrumentos Jurídicos da SADC (Continua)
Tipo
Instrumento Jurídico
Tratado
1
Tratado da SADC
2
Acordos que alteram o Tratado da SADC
Protocolos
3
Protocolo da SADC Sobre Imunidades e Privilégios
4
Protocolo da SADC sobre Sistemas de Cursos de Água Compartilhados (substituído
pelo Protocolo Revisto)
5
Protocolo da SADC sobre Energia
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6
Protocolo da SADC sobre Transportes, Comunicações e Meteorologia
7
Protocolo da SADC sobre a Luta Contra as Drogas Ilícitas
8
Protocolo da SADC sobre Comércio
9
Protocolo da SADC de Educação e Formação
10
Protocolo SADC sobre Mineração
11
Protocolo da SADC sobre o Desenvolvimento do Turismo
12
Protocolo da SADC sobre Saúde
13
Protocolo da SADC sobre Conservação da Vida Selvagem e Aplicação da Lei
14
Protocolo da SADC sobre Tribunal e Regulamento
15
Protocolo da SADC sobre Assuntos Jurídicos
16
Protocolo SADC sobre Cursos de Água Compartilhados
17
Protocolo de Alteração do Protocolo da SADC sobre Comércio
18
Protocolo da SADC sobre Política, Defesa e Cooperação de Segurança
19
Protocolo da SADC sobre Controlo de Armas de Fogo, Munições e outros Materiais
Relacionados na SADC
20
Protocolo da SADC sobre Pescas
21
Protocolo da SADC sobre Cultura Informação e Desporto
22
Protocolo da SADC contra a Corrupção
23
Protocolo da SADC sobre Extradição
24
Protocolo SADC sobre Silvicultura
25
Protocolo da SADC sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal
26
Protocolo da SADC sobre a Facilitação do Movimento das Pessoas
27
Protocolo da SADC sobre Finanças e Investimento
28
Protocolo da SADC sobre Ciência, Tecnologia e Inovação
Pacto
29
Pacto de Defesa Mútua da SADC
Acordos
30
Alteração ao Tratado da SADC
31
Alteração do Protocolo sobre o Tribunal
32
Alteração do Protocolo da SADC sobre Corrupção
33
Alteração do Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento
34
Acordo sobre a criação da Comissão do Curso de Águas do Zambeze
Cartas
35
Sobre a Organização Regional de Turismo da África Austral (RETOSA)
36
Sobre o Estabelecimento do Centro de Coordenação de Pesquisa e Desenvolvimento
Agrícola
37
Sobre Direitos Sociais Fundamentais
Declarações
38
Sobre Gênero e Desenvolvimento
39
Para uma África Austral Livre de Minas Antipessoais
40
De Produtividade
41
Sobre as Armas de Fogo, Munições e outros Materiais Relacionados
42
Sobre a Protecção dos Refugiados na África Austral
43
Sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
44
Sobre o Papel da Informação e da Comunicação na Construção da SADC
45
Sobre a Cooperação Regional em Matéria de Concorrência e Políticas de Consumo
46
Sobre a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável
47
Sobre VIH e SIDA
48
Sobre Agricultura e Segurança Alimentar
49
Sobre o Desenvolvimento e Empoderamento da Juventude na SADC
50
Sobre o Desenvolvimento de Infraestruturas Regionais
51
Apelo Regional da SADC para Apoio Humanitário e de Recuperação
Memorandos de
Entendimento
52
Sobre a Padronização, Garantia de Qualidade, Acreditação e Metrologia na SADC
(SQAM)
53
Sobre a Cooperação em Tributação e Assuntos Relacionados
54
Sobre Convergência Macroeconômica
55
Sobre a Cooperação no Domínio da Política de Concorrência, Legislação e Fiscalização
56
Sobre a Brigada de Alerta da SADC
57
Sobre a Nova Sede da SADC
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Entre a SADC e as Câmaras de Comércio Associadas da SADC
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Unidade Jurídica do Secretariado da SADC.
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No que diz respeito à condução das negociações regionais, é importante notar a diferença
que surge pelo facto de serem bilaterais ou multilaterais. Com efeito, como sublinha Cede
(2002), se o grau de informalidade é maior nas negociações bilaterais, o mesmo não se
pode dizer das negociações multilaterais caracterizadas por conferências diplomáticas e
com uma intervenção cada vez mais acentuada de organizações internacionais com
padrões, consensos e compromissos próprios que são geralmente preferidos ao princípio
da maioria, que é adotado apenas nos casos em que a unanimidade não é possível (ver
também Powell, 1991).
No caso da SADC, embora o processo de integração regional tenha absorvido subsídios
resultantes de negociações e consultas bilaterais, é privilegiada a dimensão multilateral
das negociações dos protocolos, mediadas pelas estruturas da SADC. Neste sentido, foi
adoptado o princípio do consenso, procurado, por vezes, através de longos períodos de
consulta e negociação informal e formal. Assim, por exemplo, o Protocolo sobre Comércio
da SADC, embora tecnicamente detalhado, deixou espaço político para flexibilidade na
sua implementação.
Portanto, a dimensão jurídica é duplamente importante para o processo de negociação
da integração regional, pois, por um lado, marca o alcance do processo e, por outro, na
forma de tratado, manifesta-se como resultado da negociações. Contudo, observando a
relação das elites dos partidos que atualmente governam os Estados da África Austral,
remontando às décadas de 1960 e 1970, os factores sociais e históricos são cruciais para
a compreensão da flexibilidade política da discussão e aplicação dos protocolos
resultantes da negociação sobre a integração regional. Consequentemente, como
mecanismos de gestão das relações, as negociações estão imbuídas de um valor social e
histórico que não deve ser reduzido dos jogos de poder ou dos imperativos legais.
A ZCL-SADC e os instrumentos de integração regional
O Zona de Comércio Livre da SADC (ZCL-SADC) é uma das formas iniciais de integração
regional, pois consiste em eliminar as restrições ao comércio entre os Estados membros,
proporcionar melhores condições para o comércio de bens e serviços e harmonizar os
padrões de controle de qualidade. É este instrumento que está a ser implementado no
âmbito da agenda de integração regional na África Austral.
No âmbito da SADC, houve necessidade de reestruturação institucional da organização e
do desenho de um plano estratégico cuja natureza fosse indicativa e que abrangesse
duas vertentes principais, a integração económica e o desenvolvimento regional. Este
plano baseou-se no Tratado da SADC e nas suas Emendas, bem como na agenda comum
da região. Assim, o Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional (RISDP)
constitui o plano que fornece orientação estratégica aos objectivos, programas e
projectos da SADC, visando a integração económica da região. Ele, define as metas a
alcançar, as ações necessárias e os objetivos prioritários para enfrentar os desafios da
integração económica regional.
Embora tenha sido formulado em Março de 2001 e aprovado na Cimeira de Agosto de
2003, que teve lugar em Dar es Salaam, República Unida da Tanzânia, o RISDP começou
a ser implementado apenas em 2005, por um período de quinze anos. Inicialmente
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previsto para o período de 2003 a 2018, posteriormente teve em consideração a data da
sua aprovação, a implementar para o período de 2005 a 2020.
Para a implementação do RISDP, a reunião do Conselho de Ministros da SADC realizada
em Lusaka, República da Zâmbia, em Agosto de 2007, adoptou princípios concebidos
para criar confiança e compromisso entre os Estados-membros, bem como sinergias nas
diferentes estruturas da organização. Tais princípios são: adicionalidade, entendida no
sentido de que os programas devem acrescentar valor à integração regional e aumentar
a capacidade para alcançar os objectivos da SADC; a subsidiariedade, uma vez que as
questões sociais e políticas devem ser abordadas ao nível mais imediato (ou local) que
seja consistente com a sua resolução; a geometria variável que permite considerar que
os Estados-membros crescem a ritmos diferentes; e orientação para o desenvolvimento
em termos de priorização de programas (Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral, 2017).
Da mesma forma, assinado em 24 de Agosto de 1996, em Maseru, capital do reino do
Lesoto, o Protocolo sobre Comércio entrou em vigor em 25 de Janeiro de 2000, após a
sua ratificação, e começou a ser implementado em Janeiro de 2001 pela África do Sul,
Botsuana, Esuatini, Lesoto, Malaui, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia
e Zimbabué. Consequentemente, em 2008, foi criada o ZCL.
O Protocolo sobre Comércio compreende trinta e nove artigos e constitui o instrumento
jurídico básico para a criação e implementação do ZCL-SADC. Adicionalmente, existem
cinco anexos que fazem parte do Protocolo, como instrumentos jurídicos para a sua
implementação: Anexo I, sobre as Regras de Origem; Anexo IIS sobre Cooperação
Aduaneira; Anexo IIIs relativo à Simplificação e Harmonização de Documentação e
Procedimentos Comerciais; Anexo IVS sobre Instalações de Transporte e Trânsito; e
Anexo VS sobre Desenvolvimento Comercial. Além do protocolo, e no seu âmbito, os
ministros da indústria e do comércio aprovaram o Memorando de Entendimento sobre
Cooperação em Normalização, Garantia de Qualidade, Acreditação e Metrologia; também
foram acordados mais dois anexos do Protocolo: o Anexo sobre a Aplicação de Medidas
Sanitárias e Fitossanitárias e o Anexo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio.
Tendo em conta que a região é constituída por países com veis de desenvolvimento
assimétricos, o processo de negociação, que culminou com a aprovação do Protocolo,
baseou-se em conceitos e princípios fundamentais. Os principais conceitos que podem
ser destacados no âmbito do Protocolo e instrumentos relacionados são: assimetria,
entendida no sentido de um tratamento diferenciado dos países, considerando os seus
níveis de desenvolvimento; a oferta básica, que consiste na oferta de desarmamento
tarifário feita pelos países à África do Sul; a oferta diferenciada, feita por cada país aos
demais Estados da região, exceto a África do Sul; e as categorias de produtos, que têm
a ver com a classificação dos produtos na oferta tarifária aduaneira dos Estados.
Os princípios fundamentais da adesão e implementação do ZCL-SADC o quatro: o
princípio da livre adesão, em virtude do qual a integração dos Estados membros baseia-
se na avaliação económica das vantagens e desvantagens; o princípio ganha-ganha,
segundo o qual, no equilíbrio global, todos os participantes devem ganhar com a
integração comercial e não pode haver perdedores; o princípio da assimetria, segundo o
qual os Estados mais desenvolvidos devem fazer mais sacrifícios e desarmar-se mais
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cedo do que os menos desenvolvidos; e o princípio da globalidade, definindo que nada
está acordado até que tudo esteja acordado (Lopes, 2016). Para a implementação do
protocolo existe um conjunto de instrumentos e mecanismos, entre os quais se
destacam: as regras de origem dos produtos comercializados entre os estados membros;
as regras de cooperação aduaneira; os mecanismos de simplificação e harmonização de
documentos e procedimentos comerciais; os mecanismos de resolução de disputas; a
facilitação de comercio; e o agenciamento de carga.
Na sequência do Protocolo sobre Comércio, os Estados membros da SADC aprovaram,
em 2012, o Protocolo sobre Comércio de Serviços, que, embora ainda não implementado,
determina as obrigações gerais relativas ao tratamento dos serviços da região, prevendo
negociações entre os Estados membros com o objetivo de eliminar gradualmente as
restrições ao comércio de serviços, especialmente nos sectores das comunicações,
construção, energia, finanças, turismo e transportes.
Portanto, o regionalismo na África Austral baseia-se na história da cooperação na região
e é fortalecido pelo processo de construção jurídico-normativa, bem como pela definição
de uma agenda comum em que os tratados enquadram normativamente a relação entre
os Estados e a estrutura de negociações regionais construindo uma cultura própria de
negociação, no sentido de constituir simultaneamente o contexto social em que as
negociações acontecem e o resultado da interação dos Estados.
Para uma compreensão construtivista
No domínio das Relações Internacionais, o construtivismo é uma teoria que começou a
ser amplamente difundida nas décadas de 1980 e 1990. Nessas décadas, chamou-se a
atenção para a importância das ideias e dos valores nos fenómenos sociais, incluindo nas
relações internacionais. Assim, como afirmam Nogueira e Messari (2005), Friedrich Von
Kratochwill e Thomas Risse-Kappen concordam que a premissa central e comum de todos
os construtivistas é que o mundo não é predeterminado, mas construído à medida que
os atores agem; o mundo é uma construção social. É a interação entre os atores, os
processos de comunicação entre os agentes que constroem os interesses e preferências
desses agentes.
Portanto, devemos tomar o construtivismo como uma corrente teórica que propõe a
consideração de que a realidade e o nosso conhecimento sobre ela não estão acabados,
uma vez que a interação dos atores sociais é um fator essencial na construção da
realidade social. O mesmo é dizer que, diferentemente da realidade natural, a realidade
social não é um dado prévio, adquirido e consolidado. Para Ruggie (1998), o
construtivismo social deve opor-se ao neoutilitarismo e, portanto, apresenta-se em três
faces: neoclássico, pós-moderno e naturalista (ver também Hopf, 1998; Wendt, 1992).
A teoria construtivista e a sua agenda de investigação têm uma aplicação importante nos
processos de regionalismo, para além do contexto ocidental. O construtivismo ajudou a
surgir autores que se dedicam a estudos mais regionais e locais. É neste sentido que
Acharya (2014) aplicou o conceito de Karl Deutsch de ‘security communities’ à
compreensão da cooperação no Sudeste Asiático.
Os tratados assinados numa região como a África Austral representam o que Queiroz
(2009) chama ‘interests’ and ‘shared common values’, being therefore interpreted as
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‘embodying’ the collective willdos Estados. No entanto, a não implementação destes
instrumentos normativos levanta a possibilidade do seu cumprimento como uma mera
agenda formal para a construção da região pelos Estados membros da SADC, sem
preocupação com a sua implementação efectiva. Neste caso da África Austral, a dimensão
regulatória do direito, interpretada na perspectiva construtivista, pode ajudar a
compreender a razão desta opção pela assinatura de tratados regionais,
independentemente da sua implementação efectiva, com base nas relações históricas e
sociais dos Estados.
Um dos aspectos essenciais do fenômeno do regionalismo, além da contiguidade
geográfica, é a afinidade identitária dos Estados membros, ou seja, a dimensão daquilo
que autores como Behr e Jokela (2011) apontariam como construção social (ver também
Dias, 2011), superando uma abordagem transacionalista de política externa (Bashirov e
Yilmaz, 2020). Assim, a dimensão política está implícita no regionalismo, baseado nas
identidades e relações dos Estados (Hettne, 1999), o que justifica a formulação de
Benedict Anderson sobre ‘imagined communities’, no sentido de interpretar as
organizações regionais como entidades construídas simbolicamente. Conforme
considerado por Poku (1998, p. 41),
Constructivists do not deny the existence of an independent phenomenal
world. Indeed, they insist that each datum remains an inter-subjectively
discriminable aspect of the world. However, they do contend that we can
never know all the features of the world independent of the discourses about
it.
Esta face das regiões como entidades socialmente construídas na interacção histórica dos
Estados permite compreender a criação e evolução da SADC e, sobretudo, a lacuna
existente entre a formalidade jurídica e discursiva e a realidade factual das escolhas
individuais dos Estados.
A formação e evolução da SADC, no âmbito da cooperação regional na África Austral, são
marcadas pela aliança dos ELF, aproveitando a experiência de cooperação em questões
de segurança para ser extrapolada no desenvolvimento da integração económica. Tal
como salienta Poku (2001), os modelos de colonialismo na África Austral e o papel central
da África do Sul como potência contra a qual os outros Estados da região se uniram
devem ser considerados como elementos históricos que ajudaram a construir uma
identidade regional na região da África do Austral.
A utilização da teoria construtivista para interpretar o direito da nova ordem regional na
África Austral pode ajudar a compreender o regionalismo austral como uma articulação
dos modelos existentes de arquitetura jurídica, experimentados noutras realidades do
contexto internacional como a União Europeia, e a sua realidade endógena. O
regionalismo da África Austral pode ser entendido como a assimilação de um projecto
ocidental; o que pode ser evidente na forma e estrutura da construção jurídica na região
(Lee, 2003). No entanto, este regionalismo na África Austral não é apenas consequência
da inspiração externa, é também o resultado da experiência pragmática de cooperação
informal entre os Estados da região, cuja natureza é mais política do que jurídica
(Khadiagala, 1994; Cilliers, 1999).
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Conclusões
No final deste artigo de investigação sobre o direito da ordem regional prevalecente na
África Austral como dimensão da construção de uma nova cultura de negociação,
concluímos primeiro que o regionalismo na África Austral se manifestou como uma
resposta normativa aos desafios e dificuldades vividas pelos Estados no seu processo
histórico de formação e afirmação e constituiu-se numa reação e adaptação ao sistema
internacional que marcou a região.
Assim, no âmbito da nova ordem regional na África Austral, está a ser desenvolvida uma
cultura de negociação, tendo em conta que a África do Sul é um factor para a
compreensão da construção de esquemas de cooperação institucional na África Austral,
tanto durante o Apartheid, sob o categoria de inimigo e rival, como reduto dos regimes
minoritários da região, e, após sua queda, na categoria de construção de amizades,
tornou-se o estado diretor econômico.
No entanto, a cultura cooperativa de negociação regional de amizade em formação na
África Austral também é caracterizada pelo facto de a África do Sul necessitar de partilhar
a sua liderança económica na região, com a influência política de outros Estados que
atualmente encaram a integração como uma oportunidade de crescimento e garantia de
uma relação de cooperação, superando rivalidades e conflitos, e considerando os
mecanismos integrativos como locais de interação social, bem como fóruns de
liberalização económica.
Finalmente, a inspiração internacional na construção de uma arquitetura jurídica regional
faz parte de um processo de socialização que caracteriza a construção do projeto de
regionalismo na África Austral. Assim, ao analisar o regionalismo na África Austral não
se pode esquecer que os Estados-membros fazem parte das tradições jurídicas existentes
e consolidadas, especialmente o direito consuetudinário, e do direito civil, aprendendo
com os modelos jurídico-formais de integração estabelecidos noutras regiões. A adopção
de outros modelos jurídicos pelos estados da África Austral, a sua internalização não se
limita ao processo de replicação. adaptação no processo de adoção. Na verdade, na
sociedade internacional, ao mesmo tempo que os novos agentes são informados pelas
estruturas existentes, eles também informam as mesmas estruturas.
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