OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, Nº. 1 (Maio 2024 Outubro 2024)
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NATO E OPINIÃO PÚBLICA EUROPEIA:
FATORES MEDIÁTICOS DEFINIDORES DE CONFIANÇA
JOÃO CARLOS SOUSA
joao.carlos.sousa@iscte-iul.pt
Doutorando em Ciências da Comunicação do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (Portugal) e
bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Pós-Graduado em Análise de Dados em
Ciências Sociais (ISCTE-IUL). Mestre em Sociologia: exclusões e políticas sociais (Universidade
da Beira Interior) e Licenciado em Sociologia. Foi bolseiro de Investigação nos projetos Agenda
dos Cidadãos: jornalismo e Participação cívica nos media portugueses e público e privado em
comunicações móveis, desenvolvidos no LabCom da Faculdade de Artes e Letras da Universidade
da Beira Interior.
ANA PINTO-MARTINHO
Ana_Isabel_Martinho@iscte-iul.pt
Editora do European Journalism Observatory (Portugal), é licenciada em Ciências da
Comunicação (Universidade da Beira Interior) e mestre em Comunicação Cultura e Tecnologias
da Informação (ISCTE). Assistente de investigação do CIES (ISCTE-IUL), onde participa em
vários projetos nacionais e internacionais. A saber: Newsreel, Newsreel 2, CoMMPASS, Barómetro
de Notícias, entre outros.
CV Institucional.
NUNO AMARAL JERÓNIMO
nunoaj@ubi.pt
Professor Auxiliar e Presidente do Departamento de Sociologia da Universidade da Beira Interior
(Portugal). Investigador do LabCom-UBI. Investigador convidado e coordenador do International
Research Group “Communication, Culture and Citizenship” na Vilnius Gediminas Technical
University, Lituânia. Doutor em Sociologia pela Universidade da Beira Interior. Diploma de
Estudios Avanzados em Comunicación, Cultura y Educación pela Universidade de Salamanca.
Membro da direcção da Associação Portuguesa de Sociologia.
https://orcid.org/0000-0003-2452-0417
Resumo
Num contexto político internacional em plena transformação face à invasão da Ucrânia pela
Rússia, a NATO vê o seu papel recentrado no debate público europeu. Desta forma, é crucial
compreender o papel dos media nas atitudes que os cidadãos europeus têm sobre esta
instituição. A presente pesquisa tem como objetivo medir o papel dos media na adesão dos
cidadãos da União Europeia à ação da NATO. Para tal consideram-se os indicadores de
confiança na NATO, confiança nos media tradicionais e digitais, bem como da frequência de
utilização dos media do Eurobarómetro de janeiro e fevereiro 2022, que contou com um total
de 26.681 participantes oriundos dos 27 Estados-membro da UE, com amostras
representativas. A principal descoberta da pesquisa sugere que os media têm relevo na
adesão dos europeus à ação da NATO. Verificou-se que nas vésperas da invasão da Ucrânia
pela Rússia a maioria dos europeus confiava na NATO. Mais, a evidência empírica obtida revela
que existe grande probabilidade de um cidadão europeu confiar na NATO quando a montante
confia nos media tradicionais. Outros resultados relevantes passam pelo facto de a confiança
nos media digitais, bem como o seu uso serem bons preditores da confiança na NATO.
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Subsidiariamente conclui-se que os homens e entre estes os mais instruídos, constituem o
núcleo dos cidadãos europeus que mais propensão têm em confiar na NATO.
Palavras-chave
OTAN, confiança nos media, uso de media, opinião pública, Eurobarómetro.
Abstract
In a context of international politics undergoing significant changes due to Russia's invasion
of Ukraine, NATO is reevaluating its role in the European public discourse. Therefore, it is
crucial to understand the role of the media in shaping the attitudes of European citizens
towards this institution. This research aims to measure the media's role in the adherence of
European Union citizens to NATO's actions. To achieve this, indicators such as trust in NATO,
trust in traditional and digital media, and the frequency of media usage from the
Eurobarometer of January and February 2022 are considered. The Eurobarometer involved a
total of 26,681 participants from the 27 EU member states, with representative samples. The
main finding of the research suggests that the media plays a significant role in Europeans'
adherence to NATO's actions. It was observed that, on the eve of Russia's invasion of Ukraine,
most Europeans trusted NATO. Furthermore, the empirical evidence obtained reveals a high
likelihood that a European citizen will trust NATO when they trust traditional media. Other
relevant results include the fact that trust in digital media, as well as its usage, are good
predictors of trust in NATO. Additionally, it is concluded that men, especially those with higher
education, constitute the core of European citizens with a greater propensity to trust NATO.
Keywords
NATO, trust in media, media use, public opinion, Eurobarometer.
Como citar este artigo
Sousa, João Carlos, Pinto-Marinho, Ana & Jerónimo, Nuno Amaral (2024). Nato e Opinião Pública
Europeia: Fatores Mediáticos Definidores de Confiança. Janus.net, e-journal of international
relations. VOL 15, Nº.1, Maio-Outubro, pp. 57-79. DOI https://doi.org/10.26619/1647-
7251.15.1.4
Artigo recebido em 22 de Junho de 2023 e aceite para publicação em 3 de Outubro de
2023.
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NATO E OPINIÃO PÚBLICA EUROPEIA:
FATORES MEDIÁTICOS DEFINIDORES DE CONFIANÇA
JOÃO CARLOS SOUSA
ANA PINTO-MARINHO
NUNO AMARAL JERÓNIMO
1. Introdução
Com a queda do Muro de Berlim em 1989, a NATO (North Atlantic Treaty Organization)
passou por uma longa crise de identidade. O colapso da URSS (União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas) representou a vitória percebida do modelo de democracia liberal
ocidental sobre o socialismo (Williams & Neumann, 2000; Sjursen, 2004). Esse momento
histórico notável também influenciou as teses sobre o "fim da história", sugerindo que,
com a queda da URSS e o triunfo do modelo ocidental liberal, estávamos inevitavelmente
a caminho da globalização da cultura democrática ocidental (Fukuyama, 1989). O
domínio ocidental levou à formulação de planos alternativos para expansão no Indo-
Pacífico (Kitchen, 2010) e, mais recentemente, ao fortalecimento da cooperação
institucional com a União Europeia (UE) (Ostermann, 2018). Nesse contexto, Cruz (2021)
argumenta que a sobrevivência da NATO depende da identificação de uma ameaça
comum, prevendo que, na ausência dela, a aliança transatlântica que marcou o pós-
guerra no hemisfério ocidental poderia desmoronar.
Na política internacional, a afirmação de um Estado passa pela sua integração em
instâncias como a ONU, UE e NATO, como ocorreu com Portugal em 1949 (Pinto, 2012).
Assim, embora a NATO seja primariamente uma coligação de índole militar, possui
também uma dimensão política relevante.
Antes da invasão russa da Ucrânia, a aproximação à Turquia era um desafio adaptativo
para a NATO, assim como a intensificação das relações com a UE (Cruz, 2021). Nos
últimos 20 anos, a NATO expandiu as suas atividades além das fronteiras políticas dos
Estados-membros, como na intervenção decisiva na guerra civil da bia, resultando na
queda de Muammar Kadhafi (Vicente, 2013).
Em sociedades globalmente interconectadas por redes de comunicação (Castells, 2007)
os media têm papel crucial na formação das atitudes e na definição da própria opinião
pública. A este propósito entendemos por opinião pública as atitudes e de certo modo as
crenças partilhadas amplamente numa comunidade (Childs, 1939; Lippmann, 2017) e
que determinam o posicionamento dominante sobre um determinado tema e instituição
(Zaller, 1992, Noelle-Neumann, 1993). De forma transversal, estes autores convergem
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na ideia de que os media são os agentes fundamentais na formação política dos cidadãos
e no moldar do relacionamento destes com as instituições. A opinião pública constitui-se
como o espaço de convergência e confrontação das diferentes posições sobre um dado
processo ou instituição como a NATO. Contudo, na contemporaneidade este processo
complexificou-se, nomeadamente no modo como intervém os diferentes agentes
socializadores (Crespi, 2013), mais especificamente com o incremento da preponderância
dos media e do trabalho de enquadramento jornalístico (McCombs & Valenzuela, 2020).
Os media são responsáveis por dinamizar o debate político e articular a população com
as instituições, moldando a opinião pública.
Os media constituem-se como elementos cruciais na compressão dos processo de
formação da opiniãoblica contemporânea. De forma sintática entendemos por media
os canais pelos quais se produz e difunde conteúdos informativos a um vasto público
visando informar a cidadania (Lasswell, 1948). Como argumenta Rebelo (2014), o papel
dos media é duplo: consolidar ideologias e estimular conflitos sociais, assumindo-se como
um mecanismo institucionalizador de potencias tensões e conflitos. Nesse contexto, os
media digitais o vistos como agentes plurais e promotores da ação política, como
observado nos países da Europa do Sul, incluindo Portugal, durante a intervenção da
Troika (Sousa & Morais, 2021). Assim, os media digitais devem ser entendido como
dispositivos tecnológicos que possibilitam que articulam três funcionalidades até aqui
dispersas, nomeadamente a criação, armazenamento e transmissão de conteúdos
informativos descentralizados (Jenkins & Deuze, 2008; Shirky, 2008). Esta tendência
tem comportado diversos para a esfera política e seus autores, seja através da crescente
polarização (Klein, 2019), mas também a rápida disseminação dos discrusos de ódio
direcionados a categorias sociais especificas como mulhres, imigrantes e outros (Paz et
al., 2020) e o recurso massivo a desinformação (Woolley e Howard, 2018). Com o
surgimento do modelo de comunicação em rede (Castells, 2007), onde predominam os
fluxos de muitos para muitos, esperava-se uma maior diversidade cultural e política, ao
contrário do século XX, quando a comunicação era predominantemente unidirecional. No
entanto, essa expectativa foi frustrada (Cádima, 2017), pois o espaço digital está
associado a disfunções informativas (Wardle, 2018), polarização e crescente
desconfiança (Sousa & Pinto-Martinho, 2022) em relação às instituições que suportam
as democracias liberais no ocidente. Por outro lado, Vaccari e Valeriani (2021) ao
estudarem diversos países (Grécia, Espanha e Itália) concluíram que os benefícios da
utilização dos media digitais, eram relevantes no que toca ao incremento da atividade
política e à sua potencial mobilização para o debate em torno das instituições.
Com efeito, como é defendido por Godinho (2018), numa fase de intensa globalização,
os media têm o poder de moldar as disposições dos atores, considerando a sua dupla
condição de eleitor-consumidor, especialmente em relação a instituições como a NATO.
Portanto, é relevante questionar em que medida os media contribuem para a formação
da opinião pública europeia em relação à NATO, num momento em que o conflito armado
voltou ao continente europeu?
2. Da NATO nos media à confiança na NATO
Para Rosanvallon (2008), a confiança é uma instituição invisível que serve como uma
"bússola" entre cidadãos e instituições. Do ponto de vista funcionalista, a confiança
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permite a distribuição legítima de recursos (Luhmann, 2018), facilitando o funcionamento
de diversas instituições e sistemas sociais e políticos.
Antropologicamente, a confiança é vista como potenciadora e facilitadora da ação, tanto
individual quanto institucionalmente. Em sociedades democráticas, que se alicerçam na
cooperação entre cidadãos e entre estes e as instituições, a confiança é desempenha
papel crucial. Em contextos com excesso de informações (Castells, 2007), a confiança
permite a delegação de responsabilidades, como nos sistemas periciais baseados em
conhecimento específico, como o da segurança militar (Rodrigues, 2023).
A NATO reconhece a importância dos media contemporâneos, pois podem funcionar como
articuladores com os cidadãos dos diversos estados-membros e desta forma potenciar a
confiança junto da opinião pública, mas também podem disseminar desinformação
(Lange-Ionatamishvili et al., 2015). Este é o papel dúplice que com que a NATO concebe
a sua relação com o sistema mediático contemporâneo, enquanto fonte de
oportunidades, mas também de novos riscos. Rahkonen (2007) mostra diferenças na
representação da NATO entre setores de media, sugerindo que a visão da NATO como
instituição política es associada a estatutos socioeconómicos mais altos. É
precisamente nesta esteira que Ydén et al. (2019) identificam um paradoxo na opinião
pública sueca relativamente à adesão à NATO, isto é, o discurso dos atores políticos nas
últimas décadas entra em contradição com uma crescente preparação para um possível
perigo corporizado pela Rússia.
Paralelamente os media, além de agentes ativos na socialização política (Belchior, 2015),
são também objeto de escrutínio dos cidadãos, sujeitos a confiança ou desconfiança.
Assim, o trabalho de mediação jornalística é uma ferramenta essencial para os media
moldarem a opinião pública, influenciando as suas atitudes políticas, através do
agendamento e enquadramento que realizam, impactando na confiança expressa nas
instituições (De Vreese, 2004) e particularmente em contexto de conflito militar (Beattie
e Milojevich). Mesmo em tempos de crise, como a pandemia da Covid-19, a confiança
política é mais influenciada por determinantes de eficiência do que por ondas emocionais
(Belchior & Teixeira, 2023). Esta premissa convoca-nos para a relevância da
comunicação, muitas vezes em forma de propaganda (Nordenstreng, 2023) no contexto
da invasão russa da Ucrânia.
No continente europeu, observa-se uma considerável heterogeneidade na confiança nas
instâncias internacionais. As sociedades do espaço pós-soviético e os dois Estados
ibéricos notabilizam-se por níveis mais elevados de confiança, em contraste com
sociedades da europa central (Marozzi, 2015). Esta facto pode ser o resultado de fatores
muito diversos como o processo histórico de consolidação da democracia, mas também
ficar-se a dever a determinantes sociais e mediáticos que se constituem como elementos
influenciadores da relação dos cidadãos com a esfera institucional. Esta interação entre
fatores socio mediáticos na configuração da esfera política institucional tem ficou
demonstrada por Hallin e Mancini (2004) que conceberam um amplo quadro
interpretativo desta interação. Estes autores salientaram que o papel dos media na
formação das representações e atitudes políticas difere mediante os respetivos
ecossistemas mediáticos de cada país, nomeadamente ao estabelecerem três modelos
ideais-tipo: modelo liberal, típico de sociedades como EUA ou Reino Unido; modelo
corporativo democrático, predominante nas sociedades da Europa central e
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Escandinávia; e modelo pluralista polarizado, que predomina nas sociedades do sul da
Europa onde os regimes democráticas se estabeleceram mais recentemente.
Os media desempenham um papel central na socialização política, contribuindo para a
erosão ou reforço da confiança por parte das diversas populações europeias. Os agentes
mediáticos têm assim o poder de potenciar alterações significativas nos níveis de
confiança quando reportam e enquadram a eficiência ou ineficiência de instituições como
a NATO. Como demonstraram Ringsmose e Børgesen (2011) uma estratégia
comunicativa baseada numa postura proactiva e que vise informar de forma objetiva,
pode incrementar a adesão da opinião pública a intervenções militares como aquela que
decorreu no Afeganistão, ainda que havendo categorias sociais que são mais propensas
a aopiar instituições como a NATO (Kiratli, 2022).
Neste contexto, a confiança na NATO é entendida como a adesão dos cidadãos à NATO,
ou noutros termos, a perceção de utilidade da aliança militar e política entre os diversos
paceiros militares dos dois lados do Atlântico Norte (Daskalopoulou, 2019). Dados
recentes e recolhidos posteriormente à invasão rusa da Ucrânia apontam para uma vasta
maioria de estados-membros com opiniões públicas favoráveis à NATO (Wike et al.,
2022). De acordo com a nomenclatura de Schneider (2017), a confiança na NATO
integra-se na segunda categoria, aquela que resulta de instituições de proteção, que
inclui também as forças armadas e a polícia. Com efeito, expressar confiança na NATO
implica aderir a um pacto militar, mas também a uma organização implicitamente
política. Noutros termos, a confiança na NATO assenta na adesão a um pacto militar,
mas também a uma parceria transcontinental de caráter eminentemente política e que
por isso carece de respaldo da opinião pública dos respetivos estados-membros.
3. O efeito mediático na confiança nas instituições: uso e exposição aos
media
Foi sobretudo no hemisfério ocidental no pós-guerra, que que se desenvolveram os
primeiros estudos sobre o impacto dos media na formação da opinião pública (Wolf,
2010). Lazarsfeld et al. (1944) defendiam que os media tinham papel crucial em contexto
de campanha eleitoral, nomeadamente na formação de atitudes políticas e eleitorais
refletindo-se em última instância nas escolhas dos cidadãos. Na era da comunicação de
massa, televisão e rádio eram os principais agentes impulsionadores para uma opinião
pública informada (Almond & Verba, 1964). Em sociedades altamente mediatizadas
(Hjarvard, 2013), a socialização política e o contato com a esfera política e institucional
ocorrem, em grande parte, através dos media, incluindo os digitais. Com o surgimento
de um modelo de comunicação descentralizado (Castells, 2007), a formação da opinião
pública passou a ser menos controlada e unidirecional, tornando-a mais sensível e
mobilizável.
Em 2022, internacionalmente, de acordo com o Digital News Report, o consumo de
notícias continuou a ser a principal forma de contato com a política (Hölig et al., 2022).
Entre os portugueses, 51,1% afirmam ter interesse em nocias, embora esse número
represente uma queda em relação a 2021, quando o indicador era de 68,6%. Como
observado, os media desempenham um papel central no contato dos cidadãos com a
atividade política, influenciando as suas atitudes e proximidade percebida relativamente
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à esfera política institucional. Por outro lado, na perspetiva dos portugueses, existem
diferentes motivações para acompanharem a agenda noticiosa, sublinhando motivações
pessoais (56,4%) e razões de índole mais coletivo, que passam por cumprir o dever
cívico de estar informado (54,5%) (Cardoso et al., 2022). No plano da confiança nos
media, são diversos os estados-membro da EU que ocupam posições cimeiras, entre eles
Portugal (61%) e os finlandeses com 69% a dizerem confiar nos media. Estes dados
revelam algum consenso relativo ao papel dos media enquanto articuladores
fundamentais entre esfera política institucional e uma cidadania informada num espaço
muito considerável de democracias no ocidente, embora seja um compromisso sujeito a
novas tensões.
Atualmente, os laços sociais entre os cidadãos, o Estado e outras instituições tendem a
sofrer uma forte erosão, devido às tensões constantes nos processos sociais (Beck &
Beck-Gernsheim 2003). Em contextos de democracias liberais, a tendência mais
marcante das últimas duas décadas tem passado pela diminuição dos níveis de confiança
nas instituições, podendo considerar-se que estamos a transitar para sociedades de
desconfiança (Belchior, 2015).
Dentro dos estudos sobre os efeitos dos media, duas correntes dominam o debate. Uma
sugere que o desinteresse pela política se deve à proliferação de conteúdos de
entretenimento em detrimento dos informativos (Almond & Verba, 1964; Sousa, 2023b),
chegando mesmo a falar-se numa profunda imbricação entre essas duas tipologias de
conteúdos, resultando no "infotainment" (Baym, 2008). As consequências incluem
desinteresse pela política e assuntos públicos, como a NATO, e uma forte segmentação
informativa, exemplificada pelas estações de notícias 24 horas por dia, sete dias por
semana, contribuindo para uma crescente disparidade de informação entre diferentes
categorias da população. A proposta alternativa sugere que, ao longo das últimas
décadas, os media trouxeram novas categorias de cidadãos para a esfera pública,
permitindo acesso a um maior volume de informação. No entanto, existem riscos
relacionados à qualidade da informação nos media digitais, como as Fake News, o
discurso de ódio e desinformação mais dissimulada (Sousa, 2023a). Apesar de pontos de
convergência, há discordância entre ambas as correntes.
O tipo de conteúdo produzido e divulgado por cada meio é relevante devido à amplitude
e às categorias sociais das suas audiências (Beaudoin & Thorson, 2004). A base social
que compõe a audiência das estações de televisão generalistas é mais ampla e
diversificada em comparação com a dos media digitais (Marichal, 2012). Os media e sua
arquitetura condicionam os seus potenciais utilizadores. É licito depreender que existe
uma crescente assimetria informativa dentro das sociedades democráticas não na
quantidade de informação, mas sobretudo na qualidade dela e nas escolhas que os
cidadãos fazem das suas fontes informativas.
A televisão, desde os primeiros anos de vida, é um poderoso agente socializador no
campo político entre os mais jovens (Riddle, 2010), especialmente no que diz respeito
às disposições e atitudes políticas, incluindo a confiança nas instituições. Um estudo
sobre a realidade alemã sugere que o uso e consumo de conteúdos de media privados
ou estatais pode influenciar a adesão às instituições, sendo que a predominância dos
últimos está associada a maiores níveis de confiança (Arlt et al., 2020). A concentração
crescente dos media, observada nas últimas décadas, juntamente com o surgimento de
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plataformas digitais, representam significativos desafios não aos designados media
tradicionais, como às próprias democracias liberais (Nielsen & Ganter, 2022),
particularmente num contexto de recrudescimento dos populismos.
A pesquisa atual pretende contribuir para identificar e discutir os fatores mediáticos e
sociais que condicionam a confiança na NATO, que nos últimos dois anos tem readquirido
protagonismo no debate político e mediático e no modo como se prospetiva a evolução
das democracias ocidentais. A principal indagação passa por perceber que papel têm tido
os media na formação da opinião pública europeia relativamente à NATO? Para nos
aproximar-nos a uma potencial resposta a esta questão teremos como objetivo medir o
papel preditor dos media na confiança na NATO.
3.1 O efeito da confiança dos media
A opinião pública deve ser compreendida como uma fonte de legitimação da esfera
institucional (Habermas, 1989), da qual faz parte a NATO. Nas sociedades
contemporâneas, os media desempenham um papel crucial na articulação entre
diferentes instituições sociais e a opinião pública (Norris & Inglehart, 2009). Portanto, a
proximidade dos cidadãos às instituições que estruturam essas sociedades é
parcialmente resultado do papel dos media.
A interação entre a esfera institucional e os media está longe de ser consensual, sendo
atribuído aos últimos o desinteresse e a crescente desconfiança nas instituições (Putnam,
1993). Apesar das críticas (Scheufele & Shah, 2000; Uslaner, 2003; Schmitt-Beck &
Wolsing, 2010), argumenta-se que é através dos media tradicionais, principalmente da
televisão, que o consumo de conteúdos políticos é mais intenso, contribuindo para a
construção da socialização política.
A confiança nos media é um preditor relevante da confiança nas instituições (Cabelkova
et al., 2015), facilitando a consolidação do processo institucional e político em sociedades
democráticas. Strömbäck (2020) destaca uma forte correlação entre o uso dos media e
a confiança nos mesmos.
A confiança nos media é tradicionalmente operacionalizada, segundo Gunther e Lasorsa
(1986), através dos indicadores de seleção dos temas agendados, seleção e
enquadramento dos factos relatados, rigor na reportagem dos factos e reputação do meio
e do jornalista. Recentemente, Kohring e Matthes (2007) definem-na como um fator
hierárquico operacionalizado pela escolha das temáticas, factos relatados, rigor nos
relatos jornalísticos e capital reputacional do jornalista. Prochazka e Schweiger (2019)
testaram a robustez dessa última conceptualização, demonstrando a sua capacidade de
acompanhar as últimas transformações no ambiente mediático. Turcotte et al. (2015)
encontraram uma associação entre a credibilidade das notícias, a reputação dos
comentadores e líderes de opinião, e a confiança nos media e nas instituições, como a
NATO.
Alguns indicadores (cf. Jones, 2018; Cardoso et al., 2022) apontam para uma erosão
progressiva da confiança nos media nas últimas duas décadas nos Estados Unidos e no
continente europeu, embora Portugal aparente manter esses indicadores relativamente
estáveis (Silva et al., 2017). No entanto, estudos recentes mostram que a confiança,
especialmente a confiança nos media, é influenciada por uma variedade de fatores,
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incluindo processos de transição democrática (Markov & Min, 2020), recursos educativos
(Belchior, 2015), feminização da esfera pública Vidal-Correa (2020) e heterogeneidade
etária (Fišer & Mišič, 2015).
A disseminação dos media digitais, onde proliferam as fontes alternativas, baseia-se na
desconfiança institucional e nos media tradicionais, num contexto de intensificação da
concorrência exacerbada entre setores de media (Daniller et al., 2017). Fletcher e Park
(2017) argumentam que aqueles que declaram menor confiança nos media têm maior
propensão para aceder a fontes informativas e media alternativos. Assim, a confiança
nos media tradicionais e digitais emerge como uma clivagem, onde os fatores socio
educacionais desempenham um papel definidor. Em contextos percebidos como de risco
e de crise, os media digitais são considerados fontes de informação confiáveis (Williams
et al., 2018), e as hiperligações e a diversidade de fontes nesses media aumentam a
confiança (Verma et al., 2017).
Nesta medida, definimos cos objetivos específicos da presente reflexão baseiam-se em
três dimensões teóricas como o os fatores sociodemográficos; a confiança nos media
e os usos dos media. Os objetivos específicos são: construir o perfil sociodemográfico do
cidadão que confia na NATO; medir o papel preditor da confiança nos media na confiança
na NATO; mensurar o papel do uso dos media na confiança na NATO; e finalmente colocar
em perspetiva os fatores socio-mediáticos na definição da confiança na NATO.
Levantamos a hipótese, com base na revisão teórica realizada, de que os media
representarão um incremento na confiança na NATO. O esquema da figura 1 representa
graficamente esses desígnios:
Figura 1 Modelo de Investigação
Fonte: Elaboração própria.
4. Estratégia metodológica
Com o objetivo de medir o papel preditivo dos fatores sociais e mediáticos na confiança
na NATO. Deste modo, pretendemos contribuir para a melhor compreensão do processo
de como os media estruturam a opinião pública europeia relativamente a um aspeto de
crescente relevância na esfera política das democracias do hemisfério ocidental. Para a
prossecução deste desígnio estabeleceu-se uma estratégia metodológica que
compreende a implementação de três modelos estatísticos distintos. Para tal, foram
considerados três grupos de variáveis: confiança nos media, uso dos mesmos (variáveis
independentes), e confiança na NATO (variável dependente). Esta estratégia envolveu a
Sexo
Idade
Escolaridade
Confiança nos media
Confiança na NATO
Uso dos media
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implementação da Análise de Correspondências Múltiplas (ACM), Análise de
Componentes Principais (ACP) (Carvalho, 2017) e Regressão Logística (Marôco, 2010).
A opção por estes três modelos estatísticos prende-se com a natureza dos diversos
conjuntos de indicadores considerados, uma vez que a confiança nos media é medida
com uma escala dicotómica (qualitativa), tendo sido necessária a implementação de uma
ACM. Já os indicadores relativos à utilização dos media têm escalas quantitativas, o que
implicou a aplicação de uma ACP. A opção pela regressão logística ficou a dever-se ao
facto de a confiança na NATO ser uma variável qualitativa (dicotómica).
Além disso, foram incluídas variáveis sociodemográficas, como género, idade e
escolaridade. A escolha recaiu sobre a edição 96.3 ZA7848 do Eurobarómetro, datada de
janeiro-fevereiro de 2022 (European Commission, Brussels, 2022). Este período
proporciona um ponto de partida comparativo, permitindo a análise e caracterização da
evolução da opinião pública europeia sobre o papel da NATO no conflito entre a Rússia e
a Ucrânia.
4.1 Participantes
O estudo contou com uma amostra composta por 26.681 inquiridos, distribuídos pelos
27 estados-membro da UE. O Eurobarómetro é um inquérito promovido pela Comissão
Europeia, de modo a auscultar a opinião pública dos europeus. A amostra é probabilística
aleatória e por isso representativa do universo dos cidadãos da UE. De referir que os
resultados foram obtidos a partir da utilização do ponderador WEIGHT EU27.
4.2. Medidas e indicadores
A pesquisa passou pela mobilização de quatro categorias distintas de indicadores: 1ª)
confiança nos media; 2ª) uso dos media; 3ª) variáveis sociodemográficas; 4ª) confiança
na NATO. O modelo baseou-se nos seguintes indicadores preditores: confiança nos
media, uso dos media e a variável dependente, confiança na NATO. Para a caracterização
social e demográfica, foram considerados sexo, idade e escolaridade. A medição da
confiança nos media incluiu os seguintes itens: televisão, rádio, imprensa escrita,
internet e redes sociais digitais. A medição do uso dos media envolveu televisão, rádio,
imprensa escrita, podcast, internet e redes sociais digitais. A confiança na NATO tem o
estatuto de variável dependente.
4.2.1. Confiança nos media (variáveis independentes)
Os itens que operacionalizaram a confiança nos media são dicotómicos com as seguintes
categorias: “1 - tendo a não confiar” e “2 - tendo a confiar”, após inversão de escalas de
modo a torná-las mais legíveis. Realizou-se uma Análise de Correspondências Múltiplas
(ACM) como forma a verificar potenciais associações entre os cinco indicadores.
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Tabela 1 Medidas de discriminação da confiança nos media nas duas dimensões ACM
Dimensões
1
2
Confiança na Imprensa
,700
,098
Confiança na Rádio
,711
,115
Confiança na Televisão
,715
,080
Confiança na Internet
,354
,472
Confiança nas Redes Sociais
Digitais
,246
,588
Totais
2,726
1,353
Fonte: Elaboração própria a partir Eurobarómetro 2022 (96.3 ZA7848)
Os resultados obtidos através da ACM sugeriram a construção de dois indicadores
compósitos: a confiança nos media tradicionais e a confiança nos media digitais. O
primeiro 0,847) agrega: televisão, imprensa escrita e rádio. O segundo indicador
compósito, confiança nos media digitais variável (Spearman-Brown de 0,756) agrega
a internet e redes sociais digitais. Este procedimento permitiu-nos medir a capacidade
preditiva da confiança nos media e desde logo, discernir que os europeus têm níveis de
confiança distintos entre media tradicionais e digitais.
4.2.2. Uso dos media
O uso dos media foi medido por seis itens, nomeadamente a utilização de: televisão,
rádio, imprensa escrita, TvNet, Podcast, Internet e Redes sociais digitais. Estes itens são
operacionalizados pela seguinte escala: “1-Nunca”, “2-Menos frequência”, “3-Duas a três
vezes por mês”, “4-Cerca de uma vez por semana”, “5-2 ou 3 vezes por semana”, “6-
Todos os dias ou quase todos os dias”. Deste modo, foram tratadas como variáveis
quantitativas. Realizou-se uma Análise Componentes Principais (ACP) de modo a
identificar potenciais associações.
Tabela 2 - Loadings das variáveis nas duas dimensões ACP
Componentes
1
2
Televisão
-,255
,524
TVNet
,708
-,061
Rádio
,262
,742
Podcast
,707
,036
Imprensa
,217
,731
Internet
,778
-,045
Redes Sociais Digitais
,730
-,228
Método de extração: Análise dos componentes principais.
Método de Rotação: Varimax com Normalização Kaiser.
a. A rotação convergiu em 3 iterações.
Fonte: Elaboração própria a partir do Eurobarómetro 2022 (96.3 ZA7848)
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Os resultados da ACP sugeriram a existência de uma dimensão que resulta da agregação
dos seguintes indicadores: TvNet; Podcast; Internet e Redes sociais digitais 0,728),
dando lugar à nova variável uso de media digitais. Não obstante os resultados obtidos
na ACP não é possível considerar a construção de uma compósita resultante do uso da
rádio e imprensa escrita (Spearman-Brown 0,503). Consideraram-se separadamente.
Mediante os resultados constantes na tabela 2 optou-se pela exclusão do indicador, uso
de televisão, uma vez que ela não diferencia qualquer uma das duas dimensões, não
aportando poder explicativo. Este procedimento permitiu-nos para perceber que entre os
europeus o uso da TvNet, Podcast; Internet e Redes sociais digitais estão
intrincadamente associados, isto é, existe um padrão de utilização dos media digitais.
Por outro lado, a segunda dimensão permitiu discernir que o uso da rádio tem uma
dinâmica especifica, tal como a leitura de jornais entre os europeus. Com efeito, fiámos
com um indicador relativo à utilização dos media digitais e outros dois de rádio e
imprensa escrita, permitindo medir o seu impacto na confiança na NATO.
4.2.3. Caraterização social e demográfica
Foram consideradas três variáveis de caraterização social e demográfica que
desempenharam o papel de controlo: sexo (0-feminino e 1-masculino) idade e
escolaridade com “1 - até 14 anos” a “9 - 22 anos ou mais”.
4.2.4. Confiança na NATO
A confiança na NATO enquanto variável categorial foi medida por “1 - tendo a não confiar”
e “2 - tendo a confiar”, após inversão. O facto de a variável dependente ser qualitativa
implicou a adoção de um modelo de regressão logística.
4.3. Modelo de análise
Face à construção de indicadores compósitos que implicaram a agregação de alguns
indicadores, resultou na alteração do modelo de investigação inicial, dando lugar ao
modelo de análise (cf. Figura 2). Nesta pode observar-se a manutenção dos três
indicadores de caraterização social e demográfica da amostra, mas também à
manutenção dos indicadores relativos ao uso dos media em: rádio, imprensa escrita, aos
quais foi acrescentado o indicador compósito relativo ao uso dos media digitais. No que
concerne à confiança nos media construíram-se dois indicadores compósitos: confiança
nos media tradicionais e confiança nos media digitais.
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Figura 2 Modelo de Análise
Fonte: Elaboração própria
5. Resultados
O modelo comportou, no total, 26.681 indivíduos distribuídos pelos 27 Estados-membros
da UE. Os dados contidos na tabela 3 permitiram-nos verificar que 52% dos inquiridos
eram do sexo feminino, sendo que a idade média aproximada foi de 50 anos (dp 18,72),
com um percurso escolar a rondar os 19 anos (dp 2,87).
Tabela 3 - Estatísticas descritivas, confiabilidade e correlações
entre as variáveis em estudo
N = 26.681 Confiabilidade entre parêntesis.
(1) Sexo: 0 mulher, 1 homem
(2) Confiança na televisão; confiança na imprensa, confiança na rádio.
(3) Confiança na internet; confiança nas redes sociais digitais.
(4) Uso Podcast; uso de internet; uso de redes sociais digitais.
* p < ,05 ** p < ,01
Fonte: Elaboração própria a partir Eurobarómetro 2022 (96.3 ZA7848)
Cerca de 55% (dp 0,44) dos inquiridos disseram confiar nos media tradicionais,
nomeadamente na televisão, rádio e imprensa escrita. Situação inversa quando
considerada a confiança nos media digitais, uma vez que apenas 32% (dp 0,42)
declararam confiar nas fontes de informação digitais. A utilização dos media entre os
Variáveis
média
DP
1
2
3
4
5
6
7
8
1 Sexo1
,48
2 - Idade
49,72
18,72
-,071**
3 - Escolaridade
6,06
2,87
,058**
-,465**
4 - Confiança media
tradicionais2
1,55
,44
-,013*
,056**
,111**
(,847)
5 - Confiança media
digitais3
1,32
,42
,026**
-,188**
,109**
,310**
(,756)
6 - Uso rádio
4,34
1,92
,058**
,104**
,057**
,156**
,002
7 - Uso imprensa
escrita
3,33
1,95
,0506*
,196**
,093**
,209**
-,010
,336**
8 - Uso media
digitais4
4,13
1,29
,096**
-,313**
,379**
-,121**
,171**
,274**
,528**
(,728)
9 Confiança na
NATO
1,53
,50
-,015*
-,031**
,163**
,396**
,209**
,068**
,106**
,122**
Sexo
Idade
Escolaridade
Confiança nos media tradicionais
Confiança na NATO
Confiança nos media digitais
Uso dos media digitais
Uso de rádio
Uso da imprensa escrita
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europeus fez-se com maior frequência através do uso da rádio, com uma média de 4,34
(dp 1,92), padrão de uso relativamente similar ao uso dos media digitais, com média de
4,13 (dp 1,29). A leitura da imprensa escrita constituiu-se como o uso mais seletivo, com
um registo médio de 3,33 (dp 1,95). A maioria dos europeus disse confiar na NATO
(53%). Não obstante as correlações entre os diversos indicadores que compõem o
modelo terem sido estatisticamente significativas, elas variaram entre o que se pode
considerar fraco e moderado. Por outro lado, este indicador perspetivado pelo prisma dos
que tendem a não confiar na NATO, encontrámos sobretudo europeus do sexo feminino
e mais velhos, além de terem menor contacto com os recursos mediáticos.
Adicionalmente, pode-se apurar que a nível nacional (ver tabela I em anexo) que é entre
os Estados herdeiros do espaço pós-soviético que se encontram os maiores níveis de
confiança na NATO, aos quais se adicionam países como a Dinamarca e Países Baixos.
Relativamente aos pressupostos de construção dos indicadores compostos, os critérios
de qualidade e confiabilidade foram garantidos, uma vez que todos os três tiveram
valores superiores a 0,7. Concentrando-nos na relação da confiança na NATO,
constatámos que as correlações com as outras variáveis que compõem o modelo foram
todas estatisticamente significativas. A idade o apresentou diferenças estatisticamente
significativas. Os diversos indicadores que medem a confiança e uso nos media
apresentaram correlações positivas, ou seja, quanto maior a confiança e uso dos media,
maiores níveis de confiança na NATO. Com efeito, os dados preliminares sugerem uma
influência positiva do contato com os media relativamente à confiança na NATO.
Recorrendo à nomenclatura de Marôco (2010), o modelo construído pode ser
categorizado como razoável, uma vez que a sua capacidade de precisão se cifrou nos
68,5%. O teste de Hosmer e Lemeshow sugeriu a existência de diferenças
estatisticamente significativas entre os valores observados e os estimados (X2 (8) =
58,327, p <,001). Ainda na senda da medição da robustez do modelo desenhado,
constatámos que existiram diferenças estatisticamente significativas entre o modelo
apenas com a constante e o modelo com as diversas variáveis (X2 (8) = 3764,098, p=
,000.). Esses três aspetos demonstram a robustez e qualidade do modelo na previsão da
confiança na NATO a partir de fatores sociais e mediáticos.
Tabela 4 - Propensão para confiar na NATO (regressão logística binária)
Exp(B)
Sexo (mulher)
,069*
Idade
,001
Escolaridade
0,088**
Confiança media tradicionais
1,728**
Confiança media digitais
0,483**
Uso rádio
0,003
Uso imprensa escrita
-0,007
Uso media digitais
0,090**
Nagelkerke R2
,225
Model Χ2 (8)
3764,098**
* p<0,05; ** p<0,001
Fonte: Elaboração própria a partir Eurobarómetro 2022 (96.3 ZA7848)
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Considerando os resultados do modelo, que deram uma perspetiva mais precisa da
dimensão do efeito de cada variável, observou-se que tanto os sexos quanto a
escolaridade tiveram efeitos estatisticamente significativos, ainda que de dimensão
reduzida. Nesta linha, verificou-se que é entre o sexo masculino que se observou maiores
níveis confiança na NATO (Exp=0,069), comparativamente ao feminino. Tendência
semelhante quando se considerou a escolaridade (Exp=0,088). Por outras palavras, por
cada nível acrescentado de escolaridade, a confiança na NATO incrementou em cerca de
8,8%, em linha com o verificado em estudos anteriores (cf. Catterberg e Moreno, 2006;
Tabery e Pilnacek, 2021).
No que diz respeito aos indicadores dos media, entre os cinco considerados no modelo,
dois, uso de imprensa escrita e rádio, o apresentaram diferenças estatisticamente
significativas. Entre os três com diferenças estatisticamente significativas, destaca-se a
confiança nos media tradicionais (Exp=1,728), com o maior efeito sobre a variável
dependente. A confiança nos media digitais também teve um efeito estatisticamente
significativo e de dimensão razoável (Exp=0,483). Finalmente, o uso dos media digitais
também esteve associado a um efeito estatisticamente significativo (Exp=0,090), ainda
que de dimensão mais reduzida que os dois anteriores.
Os três efeitos estatisticamente significativos foram positivos, traduzindo-se num
aumento da confiança na NATO. Noutros termos, a proximidade dos cidadãos com a
esfera mediática, seja por via da confiança neles, seja pelo uso/consumo, aumentou a
confiança na ação da NATO. Mesmo considerando os efeitos estatisticamente não
significativos, apenas a imprensa escrita apresentou um efeito negativo, ou seja, maiores
níveis de leitura de jornais podem estar associados a menores níveis de confiança na
NATO.
6. Considerações finais
Com base em dados do período exatamente anterior à invasão da Ucrânia pela Rússia, a
presente pesquisa teve como objetivo perceber o papel dos media na UE no
posicionamento dos cidadãos relativamente à ação da NATO. Em particular, procurou-se
perceber que fatores sociais e mediáticos contribuem para as representações de
confiança dos europeus na NATO. A evidência empírica obtida sugeriu que efetivamente
a confiança na NATO é condicionada por determinantes sócio mediáticos, como a
escolaridade, a confiança nos media tradicionais e digitais, e o uso dos media digitais.
Num período em que se adensava o possível cenário de uma guerra no leste do
continente europeu, a opinião pública europeia confiava na NATO, especialmente os
homens com maiores níveis de escolaridade, o que corrobora resultados de pesquisas
anteriores (Kiratli, 2022). Contrariando aquilo que é evidenciado em estudos anteriores
(cf. Sousa & Pinto-Martinho, 2022), a maior utilização dos media digitais, bem como a
confiança nestes media, está correlacionada com maiores níveis de confiança na NATO.
Este facto pode decorrer de uma população europeia com crescentes níveis de educação
formal, sendo que é neste grupo mais instruído que também temos maiores níveis de
utilização dos media digitais. Com efeito, a verificar-se esta possível explicação, fatores
sociais e culturais estão profundamente imbricados com as condicionantes mediáticas de
cada um dos Estados-membros da UE na definição da opinião blica sobre a NATO. Esta
constatação convoca-nos para uma avaliação, ainda que parcial e conjuntural do modelo
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preconizado por Hallin e Mancini (2004), uma vez que efetivamente os dados sugeriram
que os fatores mediáticos são determinantes na consolidação do compromisso de uma
cidadania mais ativa e próxima da esfera institucional da política.
Ainda no plano das implicações fácticas e políticas que decorrem dos resultados obtidos,
convocan-nos para uma crescente necessidade dos atores institucionais ou líderes
políticos de prestarem contas, num contexto de crescente debate em torno do necessário
reforço orçamental do sector da Defesa nacional, no âmbito das responsabilidades dos
parceiros da NATO de registar 2% do PIB nesta área. Estamos perante escolhas que
deverão ser feitas no âmbito da esfera política institucional e que deverão ter o
imperativo respaldo da opinião pública dos estados-membros da NATO.
Assessoriamente, demonstrámos que é entre as sociedades s-soviéticas e outras como
a Dinamarca que se encontram os maiores níveis de confiança na NATO, sendo que aqui
se cruzam fatores políticos e históricos, com aspetos de proximidade geográfica a um
potencial invasor como é a Rússia. Tomando em linha de conta os resultados contidos
em Wike et al. (2022), e colocando-os em perspetiva com os nosso, diríamos que o
incremento do conflito na Ucrânia incrementou a confiança na NATO. Contudo, este
aspeto, pela sua relevância e atualidade, requer maior atenção. Desse modo, pode-se
perspetivar uma possível fonte de pesquisas futuras que tenha como objetivo central a
aferição do papel da proximidade geográfica como preditor na confiança na NATO, com
a implementação de um modelo estatístico multinível.
Face à evidência empírica produzida, sugere-se a implementação de medidas, à escala da
UE, que visem incrementar a literacia mediática e digital (Baptista & Silva, 2017), em
resultado da crescente relevância dos media digitais na formação da opinião pública.
Assume-se que os agentes mediáticos podem ser atores fundamentais no combate ao
desinteresse e crescente desconfiança que os cidadãos europeus denotam relativamente
ao modelo de democracia liberal. Não obstante estarmos perante uma pesquisa com um
pendor empírico e, por isso, demonstrativo, deve-se frisar que o seu desenvolvimento
subsequente pode evoluir em duas direções: por um lado, no sentido de perceber como
evoluiu a confiança dos europeus na NATO em pleno contexto de guerra; por outro lado,
perceber até que ponto a preponderância dos media se tem intensificado no que toca à
formação das representações e confiança na NATO, para além de outras instâncias
internacionais como a ONU e a própria UE. Outras possibilidades de futuras pesquisas
prendem-se com a proximidade geográfica e cultural ao epicentro do conflito (Ucrânia) e
perceber até que ponto existem dinâmicas regionais, no que toca ao papel atribuído à
NATO pelas opiniões públicas nacionais e regionais.
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Anexo
Tabela I Médias nacionais
Confiança NATO
Confiança Media
Tradicionais
Confiança Media
Digitais
Dinamarca
1,84
1,79
1,25
Países Baixos
1,79
1,72
1,24
Estónia
1,79
1,71
1,33
Lituânia
1,73
1,46
1,38
Portugal
1,70
1,74
1,41
Malta
1,70
1,49
1,34
Irlanda
1,68
1,62
1,25
Chéquia
1,68
1,57
1,27
Suécia
1,67
1,74
1,15
Polónia
1,64
1,53
1,56
Bélgica
1,62
1,63
1,26
Hungria
1,61
1,44
1,49
Finlândia
1,59
1,77
1,25
Alemanha
1,57
1,64
1,28
Letónia
1,56
1,54
1,33
Roménia
1,53
1,53
1,39
Médias
1,53
1,55
1,31
Luxemburgo
1,51
1,57
1,27
Itália
1,49
1,52
1,38
Áustria
1,46
1,66
1,42
Espanha
1,45
1,41
1,20
Croácia
1,43
1,43
1,34
Eslovénia
1,41
1,40
1,24
França
1,40
1,44
1,18
Bulgária
1,38
1,54
1,51
Eslováquia
1,33
1,52
1,39
Grécia
1,23
1,38
1,51
Chipre
1,16
1,51
1,45