mesmo servir como intermediários entre as demais autoridades ultramarinas e aquelas
do reino. No caso da administração civil, os que estavam imediatamente abaixo dos
oficiais residentes na capital, ou seja, os governadores e provedores das capitanias e os
ouvidores, das comarcas, foram assumindo maior protagonismo e autonomia e, tal como
os oficiais camarários, dirigiam-se sem intermediários a Lisboa. Certamente que se
comunicavam também entre si e com os oficiais na Bahia e mais tarde no Rio de Janeiro.
Entretanto, o que estamos querendo sublinhar é que estes últimos nunca tiveram na
prática a importância que julgamos que haveriam de ter por ocuparem cargos de topo
na hierarquia da administração portuguesa no Brasil.
Na verdade, nas capitais do Estado do Brasil sequer foram instaladas instituições e órgãos
que as tornassem um polo central de governação frente a todas as terras que estavam
sob a sua jurisdição. Nestas, os oficiais e requerentes acabavam por remeter os seus
papéis às autoridades de Lisboa, que serviam no Conselho Ultramarino, nos tribunais de
justiça de segunda e terceira instância, a Casa de Suplicação e o Desembargo do Paço,
e na Casa dos Contos/Conselho da Fazenda, entre outros. Alguns exemplos desta
comunicação política que ligava os dois lados do Atlântico ajudam a perceber melhor esta
dinâmica governativa.
Desde que foi criado o cargo de provedor-mor em Salvador, antes mencionado, em seu
regimento estava determinado que uma de suas obrigações era a de conferir os livros
com a escrituração das contas dos almoxarifes (cobradores de impostos) e dos
tesoureiros de todas as capitanias na América portuguesa, inclusive as capitanias
donatárias. Não podendo se deslocar a todas elas, os livros deviam chegar até ele para
então seguir para a Casa dos Contos em Lisboa, onde seriam conferidos e, se aprovados,
passadas as cartas de quitação que autorizavam aqueles oficiais menores da Fazenda a
continuar servindo à monarquia. Só então os livros regressavam às terras americanas,
numa peregrinação contínua. Todavia, este roteiro não era seguido à risca, pois os livros
não passavam pela Bahia, indo diretamente das capitanias para o Reino. Portanto, a
intermediação do provedor-mor, na capital do Brasil, não era observada. É digna de nota
a centralidade de Lisboa também na fiscalização das contas ultramarinas, o que se
procurou manter mesmo com a criação das Juntas de Fazenda (a partir de 1760) que
nas capitanias vieram a substituir lentamente as provedorias (Carrara, 2016; Stumpf,
2017), mas que continuaram a mandar para a Europa a sua contabilidade.
Esta comunicação com o Reino era intensa também quando foi preciso acionar os
tribunais de justiça de segunda e terceira instâncias. Em todo o Estado do Brasil, até à
criação do segundo Tribunal da Relação, no Rio de Janeiro, em 1751, só existia um único
tribunal de segunda instância, localizado na Bahia. Concebido em 1588 passou a
funcionar somente em 1609 (Schwartz, 1979, 49). A Justiça em grande medida dependia
da atuação dos juízes camarários (juiz ordinário ou juiz de fora) e dos ouvidores que
atuavam, respectivamente, nas vilas e comarcas. No caso de existir recurso para um
tribunal superior, teriam que se deslocar a Salvador, ou ao Rio de Janeiro a partir da
segunda metade do século XVIII, ou enviar para estas localidades a papelada referente
às demandas em causa. Os homens, e os papéis, teriam que percorrer caminhos de difícil
acesso por terra, ou optar pela navegação fluvial e costeira por vezes mais difícil e
demorada do que se fossem diretamente a Lisboa. Não surpreende que preferissem
“acionar” algum tribunal da capital lisboeta.