OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL14 N2, DT2
Dossiê temático
Portugal e Brasil: história, presente e futuro
Março 2024
48
FORÇAS E DINÂMICAS NA ORIGEM DA GUERRA DO PARAGUAI
UMA PERSPETIVA
RAQUEL DE CARIA PATRÍCIO
raqueldecariapatricio@gmail.com
Licenciada e mestre em Relações Internacionais pelo ISCSP/UTL. Doutorada em Relações
Internacionais pela Universidade de Brasília, onde iniciou a sua carreira académica, é especialista
em questões latino-americanas, possuindo diversos artigos e livros sobre a temática e sobre
teoria das Relações Internacionais, área à qual também se dedica. É hoje Professora Associada
no ISCSP, Universidade de Lisboa (Portugal) e Professora Convidada da Universidade Autónoma
de Lisboa.
Resumo
O objetivo central deste artigo é o de compreender e analisar as motivações internas e
regionais dos Estados da Bacia do Prata e as suas vinculações externas, por forma a elucidar
a conjuntura política que haveria de levar o Império do Brasil a realizar, em abril de 1864,
um ultimatum ao governo uruguaio e, na sequência, a adentrar em território uruguaio,
provocando a intervenção paraguaia no Mato Grosso e no território argentino contíguo, para
alcançar o Rio Grande do Sul, dando início à Guerra do Paraguai, em dezembro. Considerando-
se que as causas do conflito se centram, fundamentalmente, nas relações interplatinas,
particularmente envolvendo a livre navegação nos rios Paraná e Paraguai, os interesses do
Brasil no Uruguai, a ambição da Argentina de Bartolomé Mitre (1862-1868) de consolidar a
unidade política recém-alcançada e as ameaças à reduzida estabilidade regional colocadas
pela política expansionista e militarista do ditador paraguaio Solano López (1862-1870),
conclui-se que o Reino Unido não orquestrou a guerra, tampouco que esta foi resultado do
imperialismo britânico, antes sendo expressão da tradição de violência da década de 1860,
que caracterizara o processo de construção do Estado nacional na Bacia do Prata. Na verdade,
o fim do conflito haveria de tornar claro o nacionalismo, antes desconhecido de todos, como
elemento determinante para esse processo de construção do Estado nacional na região.
Palavras-chave
Guerra do Paraguai, Império do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai.
Abstract
The central aim of this article is to understand and analyse the internal and regional
motivations of the River Plate Basin states and their external ties, in order to elucidate the
political situation that would lead the Empire of Brazil to issue an ultimatum to the Uruguayan
government in April 1864 and, subsequently, to invade Uruguayan territory, provoking the
Paraguayan intervention in Mato Grosso and in the adjoining Argentine territory, in order to
reach Rio Grande do Sul. The Paraguayan War would begin in December. We consider that
the causes of the conflict were fundamentally centred on inter-Platin relations, particularly
involving free navigation on the Paraná and Paraguay rivers, Brazil's interests in Uruguay, the
ambition of the Argentinian leader Bartolomé Mitre (1862-1868) to consolidate the newly
achieved political unity and the threats to the limited regional stability posed by the
expansionist and militaristic policy of the Paraguayan dictator Solano López (1862-1870). We
conclude that the United Kingdom did not orchestrate the war, nor that it was the result of
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Forças e Dinâmicas na Origem da Guerra do Paraguai uma Perspetiva
Raquel de Caria Patrício
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British imperialism, but rather an expression of the tradition of violence of the 1860s, which
characterised the process of building the national state in the River Plate Basin. In fact, the
end of the conflict would make nationalism, previously unknown to everyone, clear as a
determining element in the process of building a national state in the region.
Keywords
Paraguayan War, Empire of Brazil, Argentina, Paraguay, Uruguay.
Resumen
El objetivo central de este artículo es comprender y analizar las motivaciones internas y
regionales de los Estados de la Cuenca del Plata y sus vínculos externos, con el fin de dilucidar
la coyuntura política que llevaría al Imperio de Brasil a dar un ultimátum al gobierno uruguayo
en abril de 1864 y, posteriormente, a penetrar en territorio uruguayo, provocando la
intervención paraguaya en Mato Grosso y en el contiguo territorio argentino, hasta llegar a
Rio Grande do Sul, dando inicio a la Guerra del Paraguay en diciembre. Considerando que las
causas del conflicto se centraron fundamentalmente en las relaciones interplatinas, en
particular en lo que se refiere a la libre navegación de los ríos Paraná y Paraguay, los intereses
de Brasil en Uruguay, la ambición de la Argentina de Bartolo Mitre (1862-1868) de
consolidar la recién lograda unidad política y las amenazas a la reducida estabilidad regional
que representaba la política expansionista y militarista del dictador paraguayo Solano pez
(1862-1870), se puede concluir que el Reino Unido no orquestó la guerra, ni que ésta fuera el
resultado del imperialismo británico, sino más bien una expresión de la tradición de violencia
de la década de 1860, que había caracterizado el proceso de construcción del Estado nacional
en la Cuenca del Plata. De hecho, el fin del conflicto pondría en evidencia que el nacionalismo,
hasta entonces desconocido, fue un elemento determinante en el proceso de construcción del
Estado nacional en la región.
Palabras clave
Guerra del Paraguay, Imperio de Brasil, Argentina, Paraguay, Uruguay.
Como citar este artigo
Patrício, Raquel (2024). Forças e Dinâmicas na Origem da Guerra do Paraguai uma Perspetiva.
Janus.net, e-journal of international relations. VOL14, N2, TD2 - Portugal e Brasil: história,
presente e futuro. https://doi.org/10.26619/1647-7251.DT0124.4
Artigo recebido em 31 de Outubro de 2023 e aceite para publicação em 26 de Janeiro
de 2024
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FORÇAS E DINÂMICAS NA ORIGEM DA GUERRA DO PARAGUAI
UMA PERSPETIVA
RAQUEL DE CARIAS PATRÍCIO
1. Introdução
As causas e as origens da Guerra do Paraguai (1864-1870) centram-se no contexto de
interesses entrecruzados que envolvia o Império do Brasil, a Argentina, o Uruguai e o
Paraguai, ameaçando a estabilidade na Bacia do Rio da Prata.
O Brasil gozava de equilíbrio interno, em função da forma como decorrera a sua
independência (1822), apresentando, também, uma inserção no capitalismo mundial
significativa, sobretudo enquanto exportador de matérias-primas (Toral, 1995) e possuía
uma política externa caracterizada pelo expansionismo iniciado pelos colonizadores,
procurando ter, frente aos vizinhos do Prata, uma posição hegemónica.
A fragmentação interna da Argentina, dividida entre os federalistas e os unitários,
favorecia o Brasil, que procurava conter a ambição expansionista dos unitários, até que
Bartolomé Mitre (1862-1868) assumisse a presidência da República e alcançasse a
unificação do Estado, após a Guerra do Paraguai (Menezes, 1998).
No Uruguai, intensa instabilidade caracterizou, também, o período pré-conflito, em
função da guerra anterior à criação do Estado do Uruguai, da influência económica do
Brasil na região, dos interesses britânicos por detrás da criação do Uruguai e da
alternância, no poder, dos Partidos Blanco e Colorado, que haveria de gerar, no país,
uma guerra civil de vinte anos (Menezes, 1998).
O pior seriam as medidas contra o Império do Brasil e o governo argentino de Bartolomé
Mitre adotadas durante a presidência do Blanco uruguaio Bernardo Berro (1860-1864),
que levaram o Brasil e a Argentina a apoiar o Partido Colorado. Como consequência,
Berro recorreria aos federalistas argentinos e ao governo paraguaio.
O Paraguai, por seu lado, não apresentava uma conjuntura interna e uma inserção
regional menos instável, desde logo porque uma parte do seu território surgia como alvo
das pretensões brasileiras e, outra, como alvo da ambição argentina. Por outro lado, o
Paraguai pré-guerra, da independência ao fim do conflito, vinha sendo gerido por
governos autocráticos. Na ditadura de José Gaspar Rodriguéz de Francia (1811-1840),
El Supremo, o país se recusara a se inserir no mercado capitalista mundial e com a
ascensão de Carlos António López (1844-1862), apesar de o governo continuar a ser
autoritário, foi trazida uma visão mais progressista para o Paraguai. Com a morte de
Carlos López (1862), assume o poder o seu filho Francisco Solano López (1862-1870),
que continuidade à política autoritária dos seus antecessores e aumenta a participação
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do país nas decisões e nos conflitos na Bacia do Prata, criando problemas com o Rio de
Janeiro, Buenos Aires e com os Colorados uruguaios.
A conjuntura estava, em 1864, densa e, em abril, o Brasil, sentindo-se lesado pelo
governo Blanco uruguaio, não tardaria a fazer um ultimatum a Bernardo Berro, naquilo
que, em dezembro, desencadearia a Guerra do Paraguai (Maestri, 2014).
Considerando que as causas do conflito se centram, fundamentalmente, nas relações
interplatinas, particularmente nos conflitos que envolviam os direitos à livre navegação
nos rios Paraná e Paraguai, os interesses do Brasil no Uruguai, a ambição da Argentina
de Mitre de consolidar a unidade política recém-alcançada e as ameaças ao equilíbrio
regional colocadas por Solano López, a verdade é que a partir da década de 1980 a
Guerra do Paraguai tornou-se num objeto de estudo respeitável na Academia. Sendo
estudada sob inúmeros pontos de vista, chegou-se à conclusão de que o Reino Unido não
orquestrara a guerra, sequer que esta havia resultado do imperialismo britânico
(Menezes, 2012), antes se ligando ao violento processo de construção do Estado nacional
na Bacia do Prata (Moniz Bandeira, 1985, 1998).
O argumento aqui defendido vai ao encontro desta linha de pensamento, de modo que o
objetivo central deste artigo é compreender e analisar a conjuntura política dos Estados
envolvidos na guerra nos anos que a precederam, por forma a averiguar as motivações
regionais que desembocaram na tragédia platina do século XIX. Pretende-se
compreender e analisar a conjuntura política dos Estados da Bacia do Prata e as suas
vinculações externas, visando elucidar as causas internas e regionais que motivaram os
desentendimentos, inserindo os acontecimentos no contexto histórico em que foram
gerados e com sentido crítico de interpretação.
Tendo em conta que a literatura é vasta e prolixa, este paper concentra-se na análise
das causas e origens do conflito. Ainda assim, e como é inviável cobrir mais de um século
de publicações, procura-se avaliar a literatura clássica sobre o enunciado e, ao menos,
introduzir o leitor nos principais debates e questões que enformam a pesquisa.
2. Abordagens à Guerra do Paraguai
As explicações das causas da Guerra do Paraguai divergem em algumas linhas de
pensamento. As memórias foram um importante meio de se abordar o conflito. No
Paraguai, este estilo floresceu por cerca de três décadas após o fim da guerra, suportando
ou condenando o legado de Solano López. Escritores dos países aliados também
contribuíram para esta forma de caracterizar o conflito, retratando o heroísmo das suas
forças vitoriosas. Identicamente, viajantes estrangeiros deixaram testemunhos
interessantes sobre a resistência paraguaia como uma epopeia pela sobrevivência
nacional e, ainda, testemunhos dando conta do estilo centralizado da liderança de Solano
López (Izecksohn, 2019).
Outra forma de abordar a Guerra do Paraguai, feita posteriormente, centrou-se nos
assuntos militares e diplomáticos, com extensa revisão do pensamento sobre o conflito,
que acompanhou a evolução da agenda política (Schneider, 1875).
De acordo com a historiografia tradicional, o ditador paraguaio Francisco Solano López
era o der quase desequilibrado de um Estado agrícola e atrasado, autor dos erros
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militares e da condução das operações militares que custaram a vida a milhares de
soldados paraguaios. Considerado o responsável pela destruição do seu país e pelo
conflito, ao invadir o Mato Grosso, López era, também, considerado responsável pela
derrota, em lugar de pôr fim ao conflito. Esta historiografia conservadora reduziu a
explicação da guerra às características pessoais do líder paraguaio, tido como ambicioso
e magnânimo. Mas não admira que assim tenha sido, uma vez que lhe faltaram
conhecimentos metodológicos, documentação acessível e, até, sentido crítico (Doratioto,
2002).
O criticismo emergiu, entretanto, em qualquer lugar onde houvesse livre circulação de
materiais impressos. Nesses lugares, tanto para os militares que haviam participado na
guerra, quanto para as populações civis em geral, de ambos os lados, o conflito era
impopular e a sua experiência estava marcada pela violência, pela fome, pela miséria e
pelo medo constante da morte. Porém, o debate público acerca do conflito era mais
intenso na Argentina, que aqui o final da guerra havia mexido com o processo de
unificação nacional ainda em decorrência (Izecksohn, 2019). A literatura crítica produzida
na Argentina foi rica, sobretudo do ponto de vista da condenação da participação do país
na guerra, através da culpabilização da ambição do presidente Bartolomé Mitre de render
o Paraguai e grande parte do Norte da Argentina ao expansionismo brasileiro. Afinal, o
Paraguai era apresentado como um defensor do republicanismo latino-americano, contra
o despotismo monárquico, sendo certo que o Brasil expansionista teria a ambição de
submeter, à servidão, o Paraguai e a Argentina (Alberti, 1988).
No final do século XIX e início do seguinte, vozes discordantes a esta historiografia
surgiram. No Brasil, os positivistas demonstravam-se antimonárquicos, de modo que
passaram a responsabilizar o Império pelo início da guerra. No Paraguai, essa
argumentação transcendeu o período de guerra e ressurgiu mais tarde, nos trabalhos
dos revisionistas, que haveriam de se consolidar no país no início do século XX.
Em conformidade, o revisionismo sobre Solano López originou a reconstrução da sua
imagem como um estadista e um chefe militar, um líder nacionalista que lutou pela
soberania do Paraguai e sob cujo regime os interesses e as necessidades do país foram
atendidos.
A Guerra do Paraguai foi encarada como uma conspiração contra a independência
paraguaia e, na sequência, os revisionistas paraguaios retrataram o Paraguai como um
país moderno e progressista, ainda que destruído pelas ações de guerra dos Aliados.
Assim, a história surgia como um instrumento para formatar um nacionalismo que
realçava um passado glorioso e um regime político paternalista, que dava crédito à
versão histórica do grande líder paraguaio, que se transformou na base da versão oficial
paraguaia dos factos (O’Leary, 1919).
Se esta revisão da imagem de López é elaborada por razões financeiras, a mesma é feita,
também, por ditadores que, desde os anos 1930, vinham procurando legitimar-se. Rafael
Franco (1936-1937) oficializou a nova imagem de Solano López, Higino Morinigo (1940-
1948) fortaleceu-a e Alfredo Stroessner (1954-1959) transformou-a em ideologia oficial
de Estado, fazendo a apologia da ditadura lopizta. Esta historiografia, tendo
acompanhado a ascensão do autoritarismo no país, permitiu que o Partido Colorado
mantivesse a hegemonia durante a maior parte do século XX, seguindo o legado de
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López. Ademais, tendo-se disseminado pelas Forças Armadas e por outras instituições,
esta abordagem ao passado é ainda forte em diversos setores da sociedade paraguaia.
Por outro lado, o revisionismo paraguaio passou a influenciar outros países da América
Latina, designadamente após a Segunda Guerra Mundial, em conjunto com as Teorias da
Dependência e o Marxismo. Um dos aspetos mais interessantes do revisionismo histórico
foi a sua apropriação por distintas correntes de pensamento, como a esquerda peronista
argentina, os trotskyistas e as diferentes gerações de marxistas (Izecksohn, 2019).
Na década de 1960, a esquerda argentina, sob influência das Teorias da Dependência,
apropriou-se do revisionismo e acrescentou-lhe dois elementos: a influência britânica
como força motriz por detrás da Tríplice Aliança e o isolamento paraguaio como
alternativa ao livre comércio na Bacia do Prata. Do mesmo modo, o subdesenvolvimento
latino-americano e a dependência que a região desenvolvera frente aos Estados Unidos
da América (EUA) após a Segunda Guerra Mundial eram amplamente criticados,
enquanto a derrota paraguaia era encarada como epopeia, mas também como uma
antecipação das lutas do Terceiro Mundo contra os centros do capitalismo internacional
(Galeano, 2010).
Novas versões abordando a dependência argentina frente aos capitais britânicos eram
igualmente elaboradas, bem como análises do Paraguai enquanto vítima da unificação
argentina e reflexões sobre a influência britânica neste processo (Pomer, 1968). Na
verdade, à época, as interpretações do conflito do ponto de vista da Pax Britannica,
especialmente de como o Reino Unido influenciara os Aliados a manter o domínio sobre
o status quo regional, predominavam (Pomer, 1968; Peñalba, 1979).
No Brasil, o revisionismo chegou no final dos anos 1970, com análises sobre a dizimação
da população paraguaia pré-conflito, genocídios raciais ocorridos entre a população
escrava negra brasileira, desigualdades no seu sistema de recrutamento e ainda sobre a
própria resistência popular ao longo da guerra (Chiavennato, 1979), sendo certo que, se
essas interpretações contribuíram para avaliar a herança militar do país, reposicionar
heróis nacionais e incitar polémicas sobre o movimento negro brasileiro, contribuíram,
também, para o debate nacional em torno do papel que o Brasil teria a desempenhar na
América do Sul (Izecksohn, 2019).
Assim, entre os finais dos anos 1960 e a década de 1980, intelectuais nacionalistas e de
esquerda da região platina promoveram Solano López a líder anti-imperialista, num novo
revisionismo que tombaria para uma postura populista. Esta apresenta o Paraguai pré-
conflito como um país progressista, no qual o Estado havia proporcionado a
modernização do país e o bem-estar socioeconómico da população, tendo estruturado
um modelo de desenvolvimento autónomo, que substituía o modelo liberal capitalista
imposto pelos britânicos na região (Bethell 1995; Doratioto, 2002). De acordo com esta
explicação, o Brasil e a Argentina terão sido manipulados pelos interesses britânicos no
sentido de, através do conflito, extinguir o desenvolvimento autónomo paraguaio, de
modo que as origens da guerra devem ser procuradas no extraordinário envolvimento
do imperialismo britânico no Prata (Bethell, 1995).
Assim, o Paraguai era descrito como vítima da agressão capitalista e imperialista (Pomer,
1968), o Reino Unido surgia como um inimigo implacável do Paraguai e um poderoso
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aliado do Brasil, da Argentina e do Uruguai na Tríplice Aliança (Peñalba, 1979;
Chiavennato, 1979; Galeano, 2010).
Ao promover, apoiar e financiar a guerra de agressão contra López, mantida por essa
aliança, o Reino Unido pretendia, o apenas abrir o Paraguai, única economia da
América Latina a permanecer fechada, após a independência, aos manufaturados e aos
capitais britânicos, como também assegurar novas fontes de matérias-primas, visando a
falência dos suprimentos norte-americanos na sequência da Guerra Civil (1861-1865),
como, ainda, destruir o esforço de desenvolvimento autónomo que o Paraguai havia feito,
substituindo o modelo capitalista imposto pelos britânicos (Bethell, 1995). Esta
interpretação revisionista da Guerra do Paraguai tem que explicá-la no momento
histórico em que foi gerada um período, nos anos 1960-1970, durante o qual as
sociedades da América do Sul viviam sob ditaduras. Uma das formas de combatê-las era
desmoralizar os seus referenciais históricos e os seus alicerces ideológicos, daí que a
Academia tenha aceitado reproduzir conhecimento revisionista sobre o conflito,
mistificando Solano López e encontrando, no Império britânico, o responsável pela guerra
(Doratioto, 2002).
Não obstante o estímulo intelectual desta argumentação, a verdade é que pouca ou
nenhuma evidência empírica pode suportá-la, como afirma a literatura (Pla, 1970; Krauer
& Herken, 1983; Moniz Bandeira, 1985; Abente, 1995; Toral, 1995; Bethell, 1989, 1995;
Doratioto, 1989, 1998, 2002; Menezes, 1998, 2012). Se, efetivamente, o Reino Unido
tivesse sido a maior força por detrás da Guerra da Tríplice Aliança, o país teria adotado
políticas e comportamentos contrários aos que regiam as suas relações com a América
Latina no século XIX (Bethell, 1989).
Neste sentido, uma outra linha de pensamento sobre as origens da Guerra do Paraguai
considera que as mesmas assentam nas relações interplatinas, particularmente nas
disputas territoriais que ocorriam, à época, na região da Bacia do Prata, entre o Brasil e
o Paraguai e entre a Argentina e o Paraguai. Estes conflitos envolviam os direitos à livre
navegação nos rios Paraná e Paraguai; os crescentes interesses do Império do Brasil e,
especialmente, do Rio Grande do Sul, no Uruguai; o desejo da Argentina, sob a
presidência de Bartolomé Mitre, de consolidar a unidade política recém-alcançada; e as
ameaças ao equilíbrio regional de poder colocadas, sobretudo, pela política expansionista
de López.
Na verdade, se ao longo dos anos 1960-1970, o liberalismo económico estivera sob
ataque e, concomitantemente, uma visão amplamente positiva de López e da primeira
república paraguaia (1811-1870) emergira, nos anos 1980 a Guerra do Paraguai tornou-
se num objeto de estudo respeitável na Academia. A dissidência política criou um clima
intelectual favorável ao florescimento de pesquisas sobre questões específicas em busca
de novas perspetivas sobre o conflito na América Latina, proliferando ainda as
abordagens militares, enquanto em França, na Alemanha e nos EUA novos estudos eram
igualmente desenvolvidos, reforçando o interesse internacional no tema. Os académicos
abordavam-no do ponto de vista do processo de edificação do Estado nacional, refletindo
sobre o incipiente nacionalismo emergente nos países envolvidos na guerra, ao avaliar
os apelos feitos aos civis no sentido de se levantarem em defesa da sua terra. A Guerra
do Paraguai foi estudada também da perspetiva do fenómeno global da violência
intraestatal, característica da cada de 1860, com a grande maioria das análises
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refutando as abordagens revisionistas (Izecksohn, 2019), enquanto se chegava também
à conclusão de que o Reino Unido não havia orquestrado a guerra, nem que esta havia
sido uma representação do imperialismo britânico (Menezes, 2012), antes se ligando ao
violento processo de construção do Estado nacional na Bacia do Prata (Moniz Bandeira,
1985, 1998).
3. Estados da Bacia do Prata às Vésperas da Guerra do Paraguai
Findos os processos independentistas do Paraguai (1811), da Argentina (1816), do Brasil
(1822) e do Uruguai (1828), inúmeras desconfianças das repúblicas recém-emancipadas
frente ao Império geraram-se.
De facto, em matéria de constituição, o Brasil contara com incalculáveis vantagens
relativamente a essas repúblicas, o que lhe possibilitara a detenção de um poder
incomparavelmente maior. A independência do Brasil não fora, como nesses Estados,
realizada contra os órgãos e os representantes metropolitanos; antes o fora pelo próprio
príncipe herdeiro do trono português. Assim, o Brasil não sofrera, como essas repúblicas,
qualquer espécie de vácuo de poder, que herdara, praticamente intactas, as
instituições administrativas, políticas e militares criadas pelos outrora colonizadores
portugueses, de modo que havia um aparato estatal cuja relativa fragilidade era
minorada pela experiência dos seus membros. Por outro lado, as regiões brasileiras não
eram economicamente autárquicas e comunicavam-se com facilidade através da
navegação marítima e fluvial
1
. Desta forma, a unificação e a centralização do novo
Estado, sob a forma imperial, ocorreram no momento mesmo da independência
(Doratioto, 1989, 1998).
No Vice-Reino do Rio da Prata a evolução foi distinta. A burguesia mercantil de Buenos
Aires, que assentava, no porto dessa cidade, o foco de irradiação de poder, não conseguiu
unificar, sob sua hegemonia, as economias das províncias do antigo Vice-Reino, para
assim construir um mercado nacional, que as oligarquias regionais reagiram, em
defesa da sua autonomia e dos seus privilégios locais, optando pela via federal
(Doratioto, 1989, 1998). Consequentemente, a fragilidade da Argentina, enquanto
Estado, era uma realidade, perante a coesão do Império do Brasil, cuja supremacia
evidenciara-se rapidamente no Cone Sul.
Do mesmo modo, as questões pendentes sobre o estabelecimento de fronteiras com o
Paraguai, a Bolívia e o Uruguai geravam desconfianças das repúblicas do Prata
relativamente ao Brasil, já que aquelas acreditavam que o Brasil teria pretensões
expansionistas sobre elas e poderia, até, ser um instrumento da Santa Aliança visando a
recolonização de antigos territórios.
Na verdade, na primeira metade do século XIX, o Brasil procurou ter, frente aos vizinhos
da Bacia do Prata, uma posição hegemónica, não apenas em função das relações
económicas que mantinha com as principais potências europeias, como também graças
1
Apenas o Mato Grosso constituía um território de maior vulnerabilidade, já que, isolado por terra do resto
do Império, precisava, para com este contatar, de navegar pelo estuário do rio da Prata e pelos rios Paraná
e Paraguai.
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à sua posição privilegiada e grandeza geográficas, o que lhe angariava fatores de poder
objetivos que se convertiam em poder de negociação frente aos Estados europeus.
Também a política externa imperial relativamente aos vizinhos platinos, durante a
primeira metade do século XIX, tinha como principais orientações a demarcação das
fronteiras, especialmente com o Paraguai, a contenção da ambição da Argentina de
recompor o antigo Vice-Reino do Rio da Prata, do qual esta seria o epicentro, e o alcance
da livre navegação sobre o rio da Prata, a via de comunicação principal e mais rápida
com o distante Mato Grosso (Doratioto, 2002).
A situação interna da Argentina era muito diferente e bem mais complexa, já que, desde
a independência e o fim do antigo Vice-Reino do Rio da Prata, a república se encontrava
dividida entre os federalistas, que lutavam pela Confederação Argentina, e os unitários,
que desejavam recriar o Vice-Reino do Rio da Prata.
A fragmentação da Argentina, sobretudo atentando que as províncias do interior, Entre
Rios e Corrientes, não se consideravam subordinadas a Buenos Aires, favorecia o Brasil,
que procurava conter a ambição expansionista dos unitários. Uma simples aproximação
da Argentina aos restantes países do Prata poderia significar a reconstrução do Vice-
Reino, um Estado que faria frente ao Brasil, quer geográfica, quer demograficamente,
logo também politicamente, sendo certo que o presidente argentino, Juan Manoel Rosas
(1829-1832, 1835-1851), buscava por todos os meios alcançar a antiga união. Por esta
razão, o Brasil apoiava as províncias que compunham a Confederação, Entre Rios e
Corrientes (Menezes, 1998).
O apogeu da crise argentina ocorreu em 1856, quando Justo José Urquiza, então
governador da província de Entre Rios, após vários levantes contra Rosas, foi nomeado
presidente da Confederação Argentina de 1856 a 1860. As desavenças entre federalistas
e unitários continuaram e, em 1861, Bartolomé Mitre, governador de Buenos Aires,
liderou uma ofensiva contra Urquiza, após outra falhada, e assumiu a presidência da
República, iniciando a última e exitosa campanha para a unificação da Argentina, que
viria a terminar após a Guerra do Paraguai (Menezes, 1998).
O período pré-conflito também seria de intensa instabilidade no Uruguai.
Apenas após uma guerra de três anos entre o Império do Brasil e a Argentina seria criado
o Uruguai como Estado soberano. Graças aos seus interesses económicos na região
platina, ao Reino Unido interessava-lhe a criação do Uruguai para permitir a livre
navegação no estuário do Prata. O Brasil, por seu lado, exercia grande influência
económica na região, visando particularmente garantir a livre navegação na Bacia do
Prata e, desta forma, o acesso à Província do Mato Grosso. Para além de ser palco destes
interesses cruzados, durante a primeira metade do século XIX, o Uruguai foi também
caracterizado por forte instabilidade resultante da alternância, no poder, dos Partidos
Blanco e Colorado uma instabilidade que haveria de gerar, no país, uma guerra civil
que duraria dos anos 1830 aos finais da década de 1850 (Menezes, 1998).
Durante a presidência de Bernardo Berro, do Partido Blanco, a agitação foi intensa, muito
em função das medidas tomadas contra o Império do Brasil e os esforços de unidade de
Bartolomé Mitre no sentido de erigir um Estado nacional na Argentina, que as
Províncias da Confederação mantinham bom relacionamento com o Paraguai e com os
Blancos que estavam no poder no Uruguai. Berro estabeleceu impostos que afetavam
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diretamente produtores rurais brasileiros riograndenses que possuíam propriedades no
Uruguai e denunciou um Tratado de Comércio e Navegação assinado com o Brasil.
Simultaneamente, apoiou as forças federalistas da oposição a Mitre, que chegavam,
mesmo, a utilizar o porto de Montevidéu para o comércio.
Neste sentido, o Brasil e a Argentina encararam o apoio à oposição a Berro como uma
oportunidade para alcançar os seus objetivos, passando a suportar o Partido Colorado.
Berro sentir-se-ia ameaçado e recorreria aos federalistas argentinos e ao governo
paraguaio, nos quais encontraria apoio para suster os avanços dos Colorados.
O Paraguai, por seu lado, não apresentava uma situação interna e uma inserção regional
menos instável. Desde logo, porque uma parte do seu território surgia como alvo das
pretensões brasileiras e, outra, como alvo da ambição argentina. O Brasil disputava com
o Paraguai territórios incorporados na época da expansão colonial brasileira, enquanto a
Argentina ambicionava incorporar ao seu território parte da região do Chaco paraguaio
que era considerada, pelos argentinos, como área litigiosa mesmo antes do conflito
(Doratioto, 2002).
Ademais, o Paraguai pré-Guerra da Tríplice Aliança, da independência ao fim do conflito,
vinha sendo gerido por governos autocráticos.
Se na ditadura de José Gaspar Rodriguéz de Francia, El Supremo, o Paraguai se recusara
a inserir no mercado capitalista mundial, sendo um produtor quase exclusivo de géneros
agrícolas, cujas poucas exportações eram controladas pelo governo, e sendo um Estado
politicamente isolado do resto do mundo, com a ascensão de Carlos António López, ainda
que o governo continuasse a ser autoritário, uma visão mais progressista para o Paraguai
foi trazida, através do investimento na educação de jovens em escolas na Europa.
Ademais, Carlos López procurou uma aproximação do Paraguai aos vizinhos do Prata,
numa atitude que foi bem-recebida pelo Brasil tanto que este seria o primeiro país a
reconhecer oficialmente o país como Estado independente, em setembro de 1844. Com
a sua morte (1862) assume o poder o seu filho Francisco Solano López, então ministro
da Guerra, que continuidade à política autoritária dos seus antecessores e,
influenciado pelo ministério que havia gerido, passa a destinar grandes verbas do
governo para a preparação de um Exército forte e bem armado para o Paraguai, enquanto
adota posturas mais ativas de política externa, fazendo aumentar a participação do país
nas decisões e nos conflitos da Bacia do Prata. Consequentemente, cria problemas com
o Brasil e com Buenos Aires e opõe-se ainda aos Colorados do Uruguai, apoiando os
Blancos, grandemente por causa da utilização do porto de Montevidéu, principal via de
comunicação e de escoamento da produção paraguaia para o resto do mundo (Menezes,
1998; Doratioto, 2002).
A complexa conjuntura interna que envolvia o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai
tornava denso o cenário regional e, no intrincado jogo de interesses cruzados que se
erigia, não tardaria que o Paraguai, na sequência da intervenção brasileira na Guerra
Uruguaia, invadisse o Mato Grosso, dando início à Guerra do Paraguai.
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4. Causas e Origens da Guerra do Paraguai
O contexto de interesses entrecruzados que envolvia o Império do Brasil, a Argentina, o
Uruguai e o Paraguai ameaçava a reduzida estabilidade na Bacia do Prata, considerada a
segunda maior da América do Sul, e o Brasil, sentindo-se prejudicado pelo governo
uruguaio, não tardaria a fazer um ultimatum a Bernardo Berro, em abril de 1864, naquilo
que, em dezembro, desencadearia o conflito (Maestri, 2014).
No início dos anos 1860, grandes transformações ocorriam na Bacia do Prata,
relativamente à composição das forças políticas, económicas, sociais e institucionais, que
teriam profundos reflexos nas relações entre os Estados da região. Na Argentina, Mitre
vencia Urquiza em 1861 e ascendia à presidência da República no ano seguinte, o que
significava o triunfo dos unitários sobre os federalistas, do liberalismo sobre a economia
pré-capitalista, enquanto, por afinidade ideológica, se erguia como aliado natural da
Argentina de Mitre o Brasil.
O Uruguai surgia, ante a Argentina e o Brasil, como o desestabilizador do sistema, que
Berro, um Blanco, na presidência desde 1860, ainda que à frente de um governo
moderado, envolvia-se simultaneamente nos dois contenciosos mencionados, com o
Brasil e com a Argentina, que se fundiam na guerra na qual o Rio Grande do Sul, em
defesa dos seus interesses ameaçados, intervinha. O governo Blanco uruguaio buscava
apoio no Paraguai de Solano López, que estava determinado em marcar presença efetiva
no rumo dos acontecimentos regionais, estruturando, segundo o pensamento Blanco
uruguaio, o equilíbrio dos Estados. Esta tese significa, na prática, a intenção de preservar
os pequenos, o Uruguai e o Paraguai, das ambições e intervenções imperialistas dos
grandes, a Argentina e o Brasil e, na teoria, a possibilidade de se construir um terceiro
Estado, de dimensão e poder similares aos dois grandes, formado pelo Uruguai, Paraguai,
Corrientes, Entre Rios e, eventualmente até, as missões riograndenses (Cervo & Bueno,
2011).
Entretanto, haviam sido estruturados dois eixos, que se cruzavam em Montevidéu: um
ligando o Rio de Janeiro a Buenos Aires, outro fazendo a ligação entre Montevidéu e
Assunção. As iniciativas do governo López dispersavam-se, todavia, na direção de
Buenos Aires, Rio de Janeiro, Montevidéu e Corrientes (Cervo & Bueno, 2011).
O eixo Rio de Janeiro-Montevidéu-Buenos Aires comprometia-se a solucionar o conflito
interno do Uruguai e era coordenado pelo Brasil, com o pretexto de obter reparações
pelas violações praticadas contra os brasileiros residentes no Uruguai, porém o seu real
objetivo era restabelecer o controlo brasileiro sobre o Uruguai e salvaguardar os
interesses imperiais. Com estas finalidades, e perante o fracasso dos entendimentos de
paz, os liberais brasileiros fizeram um ultimatum ao governo Blanco de Berro. As tropas
brasileiras penetraram no território uruguaio e aliaram-se à sublevação (Cervo & Bueno,
2011).
Sendo aliado dos Blancos, Solano López opôs-se à invasão brasileira e atacou o Mato
Grosso, dando início à Guerra do Paraguai.
O segundo eixo, Montevidéu-Assunção, era o centro principal de gravitação das atenções
de Solano López. Aliás, os Blancos insistiam para que López transitasse das intenções às
ações, que, em lugar de verdadeiramente pôr em marcha o equilíbrio dos Estados,
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Solano López buscou, durante muito tempo ainda, entendimentos com Buenos Aires e o
Rio de Janeiro e apenas ameaçou responder ao ultimatum brasileiro ao Uruguai caso
fosse executado. Na Bacia do Prata, todavia, não havia Estado que lhe desse atenção,
não fosse o Paraguai o país que dispunha de forças superiores às dos vizinhos juntos
somadas. Por isso, Solano López procurava criar o seu espaço diplomático e alimentava
o sonho do Grande Paraguai. Ainda assim, o Brasil e a Argentina consideravam que o
Paraguai não faria a guerra e desqualificavam-no internacionalmente (Cervo & Bueno,
2011).
O maior conflito internacional ocorrido, até hoje, na América Latina, a Guerra do Paraguai
termina, oficialmente, com a morte de Solano López pelas tropas brasileiras, em março
de 1870, na batalha do acampamento paraguaio de Cerro Corá, ainda que em setembro
de 1866, López, após a derrota na batalha de Curuzu, tivesse já percebido que a guerra
estivesse perdida e estivesse pronto para assinar um tratado de paz com os Aliados.
Todavia, nenhum acordo fora alcançado, já que as condições de Mitre para o efeito eram
que todos os artigos do Tratado da Tríplice Aliança fossem cumpridos, condições que
Solano López não pôde aceitar. A guerra prolongar-se-ia por mais uns anos ainda até
que, com López em fuga e o Paraguai sem governo, D. Pedro II trataria de dar ao país
um governo provisório que sofreria, em 1870, renúncias sucessivas, até que em
setembro desse mesmo ano um golpe de Estado colocasse Cirilo Antonio Rivarola (1870-
1871) como presidente constitucional do país, até que em novembro de 1871 renunciaria
também na sequência de violentas manifestações e revoltas. Entretanto, Solano López,
com cerca de duzentos homens, organizava a resistência paraguaia na cordilheira do
Nordeste de Assunção. Mas o Paraguai sofria de grave escassez de armas e
suprimentos, enquanto os soldados lutavam até ao fim, nesse movimento de resistência
que lhes custaria a própria vida (Doratioto, 2002).
Efetivamente, após a invasão do Paraguai, os paraguaios transformaram-se em soldados
ferozes, pois apesar do medo das represálias autocráticas, consideravam que estariam
em pior situação nas mãos do inimigo, de tal modo que a longa resistência paraguaia,
em lugar de ser meramente atribuída à coerção do Estado, deve antes atribuir-se a
crenças profundamente enraizadas que reforçaram a sua luta pela nacionalidade contra
a Tríplice Aliança.
A resistência paraguaia, pelas terras devastadas do Paraguai, ao longo da guerra, foi-se
constituindo como um importante elemento na estruturação da identidade paraguaia.
Ainda que o conflito tenha reforçado o caráter repressivo do regime lopizta, a maioria
dos paraguaios encarava a causa de López como uma luta pela independência.
(Izecksohn, 2019).
Neste sentido, além dos problemas colocados pelo regresso à casa dos veteranos da
Guerra do Paraguai
2
, da completa destruição causada e da desorganização social
especialmente após o fim das hostilidades, com escassez de alimentos, fome, doenças,
péssimas condições sanitárias e evacuações forçadas dizimando soldados e civis dos
2
A respeito do regresso, ao Império do Brasil, dos veteranos da Guerra do Paraguai, é importante notar que,
mais do que a reinserção desses veteranos na sociedade, estava em causa a politização desse regresso, ou
seja, descortinar a qual partido político os militares pertenceriam uma vez regressados do conflito. Afinal,
as diversas famílias políticas procuravam chamar, a si, os militares regressados, provocando desconfianças
no governo conservador durante todo o ano de 1870 (Soares, 2018).
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países beligerantes e, particularmente no Paraguai, o fim do conflito tornou evidente um
sentimento até então desconhecido de todos, o nacionalismo, que veio interferir no
processo de construção do Estado nacional na Bacia do Prata.
Ainda assim, os processos de independência e de construção do Estado brasileiro
guardam em si especificidades que os distinguem da América espanhola, que se
caracterizam pela preservação da unidade territorial da América portuguesa, pela adoção
do regime monárquico e pela continuidade dinástica. Em contraposição a essa
interpretação, desenvolveu-se outra vertente historiográfica que enfoca
as ruturas e as tensões presentes nesses processos. Sem negar as
continuidades, estas revelam as diversas dimensões de um processo que
envolveu resistências, negociações e composições, partindo-se do
pressuposto de que a aspiração de independência, a nação e a unidade
territorial não surgiram juntas e que, ao longo da primeira metade do século
XIX, o processo de construção do Estado nacional envolveu o enfrentamento
entre as medidas centralizadoras e as reações centrífugas, as quais
expuseram as tensões e os conflitos que envolviam a imposição do projeto
que se estabelecia a partir do centro político do novo Império.
Estes movimentos evidenciam
a ocorrência de divergências relativamente ao encaminhamento que vinha
sendo dado ao processo e à existência de projetos alternativos que atendiam
a aspirações o contempladas pela continuidade, ou mesmo pelo sentido das
mudanças em curso. Nas primeiras décadas do século XIX, diante do
enfrentamento dos desafios da construção do Estado nacional brasileiro, as
formas assumidas pelas negociações entre o poder central que se constituía,
os diferentes setores da sociedade e as várias províncias brasileiras
envolveram tensões, as quais espelhavam a inconformidade com o sentido
das mudanças, envolviam questões políticas e demonstravam insatisfação
com a constituição dos instrumentos de poder específicos do Estado (Costa &
Miranda, 2010, p. 72).
Considerações Finais
Considerando a linha interpretativa seguida por este artigo, de acordo com a qual as
causas da Guerra do Paraguai se fundam nas relações interplatinas, especialmente nas
disputas que então ocorriam, na Bacia do Prata, entre o Brasil e o Paraguai e entre a
Argentina e o Paraguai, não tendo o conflito sido gerado pelos britânicos, tampouco sido
uma imagem do seu imperialismo (Menezes, 2012), antes resultando do violento
processo de construção do Estado nacional no Prata (Moniz Bandeira, 1985, 1998), é
possível afirmar-se que os objetivos propostos inicialmente foram alcançados.
Tendo os acontecimentos sido inseridos no contexto histórico em que foram gerados, os
mesmos foram analisados sob o ponto de vista das motivações individuais e regionais
dos Estados envolvidos no conflito, nos anos que o precederam, por forma a elucidar as
causas internas e regionais que motivaram os desentendimentos e desembocaram na
Guerra do Paraguai, em 1864.
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Na realidade, as conjunturas interna e regional dos Estados que haveriam de se defrontar
na Guerra do Paraguai adensavam-se e, paralelamente, no início dos anos 1860, grandes
transformações concorriam para esse fenómeno.
Enquanto, na Argentina, os unitários venciam os federalistas, com Mitre, no Uruguai,
Berro envolvia-se em dois contenciosos, um com o Brasil e outro com a Argentina, que
se fundiam na guerra na qual os riograndenses, em defesa dos seus interesses,
intervinham. O governo Blanco uruguaio, em guerra contra os Colorados, buscava apoio
em Solano López, que estava determinado em marcar presença no rumo dos
acontecimentos regionais, de acordo com o equilíbrio dos Estados e o sonho
expansionista e militarista de erigir o Grande Paraguai (Doratioto, 2002). Dependente de
uma saída para o mar, o Paraguai concentrava, no porto de Montevidéu, os seus
interesses comerciais, designadamente na estruturação de um eixo Montevidéu-
Assunção, que a debilidade económica paraguaia frustrara em 1865 e voltaria a frustrar
no pós-guerra, porquanto o projeto continuava a existir, todavia a debilidade económica
guarani também. Buscando ultrapassar esta situação, a fim de sanar as dificuldades
económicas e, alcançando aquela saída, obter os recursos necessários ao seu
desenvolvimento, o Paraguai ambicionava edificar um Estado. Este projeto contara,
desde logo, com o apoio das províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes, mas
chocara com os interesses da burguesia mercantil de Buenos Aires e do Império do Brasil
(Moniz Bandeira, 1998).
Como resultado, o Brasil, procurando restabelecer o controlo sobre o Uruguai em guerra
civil e salvaguardar os interesses imperiais, e uma vez falhados os entendimentos
conducentes à paz, fez um ultimatum a Berro, em abril de 1864, na sequência do qual
adentrou em território uruguaio, para aí estabelecer um governo que lhe fosse favorável
o que, desencadeando a ira do Paraguai, levou-o a invadir o território brasileiro do Mato
Grosso e o território argentino contíguo, pretendendo chegar ao Rio Grande do Sul.
Constituindo a Tríplice Aliança desde maio de 1865, o Brasil, a Argentina e o Uruguai
enfrentaram militarmente o Paraguai.
Envolvendo as Forças Armadas num conflito que não poderia vencer, López conseguiu
fazer a resistência paraguaia prolongar-se por cinco anos ainda, embora, em setembro
de 1866, tivesse percebido que a guerra estivesse perdida e estivesse resignado a
assinar um tratado de paz com os Aliados. Porém, nenhum acordo fora alcançado, que
as condições impostas eram inaceitáveis para López (Doratioto, 2002). Assim, após a
invasão do Paraguai, os paraguaios transformaram-se em ferozes soldados. É verdade
que lutavam por medo de represálias autocráticas. Mas lutavam, também, e sobretudo,
porque consideravam que nas mãos do inimigo estariam em pior situação, de modo que
a resistência paraguaia, em lugar de atribuir-se somente à coerção do Estado, deve antes
atribuir-se a crenças enraizadas que reforçaram a sua luta pela nacionalidade contra os
Aliados.
Na verdade, a Guerra do Paraguai marca o ponto alto numa longa tradição regional de
violência, que, na Bacia do Prata, após as independências, viveu-se num estado de
conflituosidade interna e regional permanente, que acompanhava a integração da região
na economia capitalista mundial e que, sobretudo, refletia o processo de construção dos
Estados nacionais, a partir de duas visões da soberania nacional, a centralização estatal
e o federalismo. A Guerra do Paraguai é, assim, um importante elemento na estruturação
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das identidades nacionais (Izecksohn, 2019). Além da destruição causada, das inúmeras
perdas materiais e, sobretudo, humanas, e da desorganização social, o fim do conflito
vem tornar claro um sentimento até então desconhecido de todos, o nacionalismo, que
passa a interferir no processo de construção do Estado nacional na Bacia do Prata.
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