restaurador – a expedição dos 100 mil filhos de São Luís – que deu força à lógica do
esplêndido isolamento de Canning e da doutrina de Monroe.
Se é verdade que o multilateralismo se robusteceu em Viena e a prática da diplomacia
se complexificou, esta primeira descolonização – começando na formação dos EUA e
alastrando a todas as Américas – introduziu uma alteração de monta no sistema
internacional: a um sistema centrado nos Estados europeus, grosso modo os oito que se
sentaram em Viena, vêm juntar-se os novos Estados americanos. As primeiras
organizações internacionais – a União Internacional de Telégrafos (fundada em 1865)
mais tarde União Internacional de Telecomunicações foi fundada na Europa e por países
europeus, mas a União Postal Universal (1874) já admitiu os EUA, apenas e só. O inter-
regionalismo americano avançou também, com a União Internacional das Repúblicas
Americanas que veria a luz do dia em 1890, na sequência da Primeira Conferência
Internacional Americana, convocada pelos EUA para adotar um plano de arbitragem para
a resolução de litígios e onde participaram 18 países, um ‘concerto americano’ com cariz
institucionalizado e mais técnico. A instituição esteve na génese da futura União Pan-
Americana. Mas o verdadeiro get together multilateral foi o Tratado de Paz de Versalhes,
em 1919, onde foram signatários a Bolívia, o Brasil, Cuba, o Equador, Guatemala, Haiti,
Honduras, Nicarágua, Panamá, Uruguai e os EUA, bem-entendido. Somente um século
depois das independências há uma integração real numa discussão sobre problemas
mundiais, pontuada pelo seu protagonista americano – Wilson - que vem a ser derrotado
em casa e pelo definhar de uma Europa em declínio.
3. Novas formas de governança e os procedimentos de legitimação das
potências nos conflitos
O equilíbrio de Viena assentou num diretório a cinco – a pentarquia -, mas a Grã-Bretanha
apressou-se a demarcar-se definindo uma ordem mundial sob a sua hegemonia e uma
Pax Britannica que sucumbiria finalmente em 1914, apesar dos ameaços anteriores. Até
lá, como foi referido, o sistema encarregou-se não de evitar crises ou mesmo guerras,
mas de uma contenção. Valorizava-se mais a estabilidade e a moderação, valores não
comungados pelo Kaiser Guilherme II que com os seus planos de uma weltpolitik
comprometeu irremediavelmente este equilíbrio. Em certa medida, do outro lado do
oceano, foi uma pax americana que os EUA propuseram no seu hemisfério, numa espécie
de subsistema autónomo que, como diria Adriano Moreira, traça uma descentralização
do governo do Ocidente e se inspira num ‘anticolonialismo branco, burguês e liberal’.
A governação por um diretório fundamentava-se na força, sob o pretexto de uma
comunidade espiritual e de um legitimismo que enformava uma aliança dita santa,
criando um sistema em que a assimetria entre pares era natural. Do outro lado do
Atlântico, a revolução americana e os levantamentos de Bolívar e San Martin não deram
lugar a uma aliança contrarrevolucionária nem a um diretório, mas a um equilíbrio de
um só protagonista, com ingerência incluída.
O mencionado Concerto Europeu institucionalizou a realização de congressos periódicos,
embora esta inovação tenha estado na origem da criação de um mecanismo de
legitimação das intervenções externas. Foi o que sucedeu em Laybach (1821), em que a
Áustria de restabelecer a ordem na península itálica, ou seja, repor o absolutismo nos
reinos de Nápoles e da Sardenha (Mendes, 2017, p. 50). Foi no Congresso de Verona
(1822) que se decidiu que a França deveria debelar a revolução espanhola e restituir o
poder a Fernando VII, daqui resultando a intervenção acima aludida dos "cem mil filhos
de São Luís", eficaz no derrube dos regimes liberais de Espanha e Portugal, mas sem
êxito no objetivo de restabelecer os domínios americanos dos Bourbons e dos Braganças
(entretanto retornados ao Velho Continente, ainda que continuados em D. Pedro I,