OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL14 N2, DT2
Dossiê temático
Portugal e Brasil: história, presente e futuro
Março 2024
21
A GRANDE COLÔMBIA: POLÍTICA EXTERNA E DESINTEGRAÇÃO REGIONAL
NANCY ELENA FERREIRA GOMES
ngomes@autonoma.pt
Doutora em Relações Internacionais (FCSH - Universidade Nova de Lisboa). Mestre em Relações
Internacionais (ISCSP - Universidade de Lisboa). Licenciada em Estudos Internacionais
(FACES - Universidade Central da Venezuela). É Professora Associada da Universidade
Autónoma de Lisboa (Portugal), onde lecciona desde 1995. Foi Coordenadora científica da
Licenciatura em Relações Internacionais na UAL (20202023). É Coordenadora do Curso
Avançado de Estudos sobre a América Latina (UAL IDN OEI), Coordenadora da
Cátedra de Estudos Ibero-Americanos (OEI UAL), e Investigadora do CEI (ISCTE-IUL) e
do OBSERVARE (UAL). É Diretora da Delegação da Fundação Universitária Ibero-
Americana (FUNIBER) em Portugal, desde 2022. Exerceu funções de Consultoria no
Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian (entre 2001 e 2005).
Ciência ID 4815-8FA4-D2C2.
Resumo
Neste artigo propomo-nos analisar a política externa da Grande Colômbia à luz da perspectiva
realista. Na medida em que procuramos relacionar a política grandecolombiana com as causas
da sua desintegração, colocaremos o foco nos instrumentos típicos utlizados, a Diplomacia e
a Guerra. A descrição do potencial de poder da nova República e do impacto das acções e
decisões adoptadas para dentro e para fora deste espaço regional servirá para validar a
hipótese de que a política externa da Grande Colômbia desempenhou um papel catalisador
da sua própria desintegração.
Palavras-chave
Grande Colômbia, Diplomacia, Guerra, Integração, Desintegração.
Abstract
In this article we propose to analyze the foreign policy of Gran Colombia from a realist
perspective. Insofar as we seek to relate Grand Colombian policy to the causes of its
disintegration, we will focus on the typical instruments used, Diplomacy and War. The
description of the power potential of the new Republic and the impact of the actions and
decisions adopted within and outside this regional space will serve to validate the hypothesis
that Gran Colombia's foreign policy played a role in catalyzing its own disintegration.
Keywords
Gran Colombia, Diplomacy, War, Integration, Disintegration.
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A Grande Colômbia: Política Externa e Desintegração Regional
Nancy Elena Ferreira Gomes
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RESUMEN
En este artículo nos proponemos analizar la política exterior de la Gran Colombia desde una
perspectiva realista. Buscamos relacionar la política grancolombiana con las causas de su
desintegración centrándonos en los instrumentos típicos utilizados, la Diplomacia y la Guerra.
La descripción del potencial de poder de la nueva República y el impacto de las acciones y
decisiones adoptadas dentro y fuera de este espacio regional servirán para validar la hipótesis
de que la política exterior de la Gran Colombia desempeñó un papel catalizador de su propia
desintegración.
PALABRAS CLAVE
Gran Colombia, Diplomacia, Guerra, Integración, Desintegración.
Como citar este artigo
Gomes, Nancy Elena Ferreira (2024). A Grande Colômbia: Política Externa e Desintegração
Regional. Janus.net, e-journal of international relations. VOL14, N2, TD2 - Portugal e Brasil:
história, presente e futuro. https://doi.org/10.26619/1647-7251.DT0124.2
Artigo recebido em 12 de Dezembro de 2023 e aceite para publicação em 28 de Janeiro
de 2024
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A GRANDE COLÔMBIA: POLÍTICA EXTERNA
E DESINTEGRAÇÃO REGIONAL
NANCY ELENA FERREIRA GOMES
Introdução
No seu livro com o título The Children of Light and The Children of Darkness, Reinhold
Niebuhr começa com a citação de um texto da Bíblia: “The children of this world are in
their generation wiser than the children of light”
1
(Lucas, 16:8), para precisar mais
adiante o seguinte,
(…) we may well designate the moral cynics, who know no law beyond their
will and interest, with a scriptural designation of “children of this world” or
“children of darkness.” Those who believe that self-interest should be brought
under the discipline of a higher law could then be termed “the children of
light”
2
(Niebuhr, 1944, p. 9).
Niebuhr conclui, entre outras coisas, que:
The preservation of a democratic civilization requires the wisdom of the
serpent and the harmlessness of the dove. The children of light must be
armed with the wisdom of the children of darkness but remain free from their
malice. They must know the power of self-interest in human society without
giving it moral justification. They must have this wisdom in order that they
may beguile, deflect, harness and restrain self-interest, individual and
collective, for the sake of the community
3
(Niebuhr, 1944, pp. 40- 41).
Para Niebuhr, diz-nos Medina (1983, p. 75), os filhos da luz são os representantes do
idealismo que acabam muitas vezes servindo a causa da escuridão por não levarem em
1
Em português: “Os filhos deste mundo são, na sua geração, mais sábios do que os filhos da luz” (tradução
da autora).
2
Em português: “(…) podemos muito bem designar os cínicos morais, que não conhecem nenhuma lei além
da sua vontade e interesse, com a designação bíblica de "filhos deste mundo" ou "filhos das trevas". Aqueles
que acreditam que o interesse próprio deve ser colocado sob a disciplina de uma lei superior poderiam
então ser chamados de "os filhos da luz” (tradução da autora).
3
Em português: “A preservação de uma civilização democrática requer a sabedoria da serpente e o carácter
inofensivo da pomba. Os filhos da luz devem estar armados com a sabedoria dos filhos das trevas, mas
permanecer livres da sua malícia. Devem conhecer o poder do interesse próprio na sociedade humana sem
ter de o justificar moralmente. Eles devem possuir essa sabedoria para que possam enganar, desviar,
controlar e restringir o interesse próprio, individual e coletivo, para o bem da comunidade” (tradução da
autora).
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conta a complexidade da natureza humana, “(…) en la que el afán de poder y gloria
puede deshacer los más bellos sueños”
4
.
É à luz desta perspectiva realista das Relações Internacionais que iremos fazer a análise
da política da Grande Colômbia (1819-1830), detendo-nos nos objectivos, acções, e
decisões do governo grandecolombiano, e como para isso, foram instrumentalizadas a
diplomacia e a guerra.
5
O objectivo passa por relacionar a política externa da Grande
Colômbia com as causas da sua desintegração.
A exposição narrativa da realidade que nos propomos estudar será feita no contexto das
independências. A variável temporal converte-se aqui, portanto, num elemento decisivo
para a análise pelo que a descrição histórica terá em conta a cronologia dos
acontecimentos. O método analítico tornar-seimprescindível para poder descobrir as
principais relações de causalidade que existem entre os sucessos ou variáveis da
realidade em estudo. A pesquisa bibliográfica tenderá à sistematização dos conteúdos
das rias obras disponíveis, a maioria clássicos, mas inclui também autores e obras
mais recentes.
I. A Grande Colômbia, potência emergente
De la Reza refere que, “A poco tiempo de su creación, Colombia es el país
hispanoamericano de mayor prestigio (…) En mayo de 1823, John Quincy Adams, futuro
presidente de la Unión americana y entonces secretario de Estado, la cree “llamada a ser
en adelante una de las naciones más poderosas de la tierra” (2015, pp. 74-75)
6
.
Com efeito, a Grande Colômbia apresentava-se com um potencial de poder considerável,
atendendo à sua localização geográfica privilegiada, com fronteiras no Mar das Caraíbas,
Atlântico e Pacífico, atravessada pela Cordilheira dos Andes, perto do coração da região
na Amazónia, e com duas enormes bacias hidrográficas no seu interior: Orinoco e
Magdalena; com uma extensão territorial de umas 679.200 léguas quadradas, e uma
população de aproximadamente 2.677.000 habitantes (1.327.000 - Nova Granada,
800.000 - Venezuela, e 550.000 - Equador) (Ocampo López, 1984, p. 227). Liehr (1989,
p. 465), citando a Soetbeer refere ainda que, na região “entre 1781 y 1820, Colombia
contaba cada año con la mayor producción nacional de oro”
7
.
Em relação ao poder militar, Toro Jiménez refere que para Novembro de 1820, o exército
colombiano era constituído por um número aproximado de 36.000 homens (2008, pp.
329-330), sendo que a maioria dos oficiais militares eram de origem venezuelana.
Tratava-se, efectivamente, de um número considerável quando comparado com o
exército espanhol ou dos Estados Unidos da América (EUA) (Idem, p. 330). Para o mesmo
autor, a Marinha colombiana era uma força modesta mas eficaz. A presença dos corsários
4
Em português: “em que o desejo de poder e glória pode desfazer os mais belos sonhos” (tradução do autor).
5
Para José Calvet de Magalhães (1995, p. 25), os instrumentos pacífico e violento mais típicos da política
externa são a diplomacia e a guerra, respetivamente.
6
Em português: “Pouco tempo depois da sua criação, a Colômbia é o país hispano-americano de maior
prestígio (…) Em maio de 1823, John Quincy Adams, futuro presidente da União Americana e então
Secretário de Estado acredita que (a Colômbia) é chamada a ser daí em adiante uma das nações mais
poderosas da terra” (tradução da autora).
7
Em português: “entre 1781 e 1820, a Colômbia contava com a maior produção nacional de ouro” (tradução
da autora).
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colombianos nas Caraíbas inspirava respeito e era levada em conta no momento das
negociações diplomáticas. Toro Jiménez refere ainda que, a partir de 1822, a Colômbia
iniciou um ambicioso plano de organização da sua Marinha de Guerra, incluindo a
aquisição de novos navios nos estaleiros dos EUA. Foram criadas Academias Navais em
Cartagena e Guaiaquil, e uma Infantaria da Marinha. No auge da Colômbia, a Marinha
chegou a dispor de dois navios, oito fragatas e 14 corvetas (Ibidem, p. 331).
À luz da “nova” terminologia introduzida por Nye, o potencial de poder da Grande
Colômbia podia também ser considerado do tipo “soft”.
8
De facto, Simón Bolívar à frente
da nova República capitalizou prestígio, resultado do seu empenho e dedicação à luta
pela libertação dos territórios americanos, mas também pela “dedicação das autoridades
grandecolombianas à educação das populações para moralizá-las e civilizá-las” (Uribe de
Hincapié, 2011: p. 23), procurando ao mesmo tempo “uma legitimidade cosmopolita,
universal e abstracta” (Idem, 2011, p. 23). Jaramillo-Mutis (2022, pp. 83-84) refere
ainda, citando o trabalho de Cavalier (1997), que a Colômbia constituía um poder maior
que os Estados Unidos naquela época, poder não só material mas também moral.
Foi no Congresso de Angostura, através da Lei Fundamental promulgada em 17
Dezembro de 1819, que vemos emergir a República da Grande Colômbia como um novo
actor, com a união da Venezuela e a Nova Granada.
9
Mais tarde foram integrados os
territórios do Panamá e Quito. Silva Otero, citando Blanco-Fombona (1967, pp. 9-10),
lembra-nos que naquela oportunidade, Simón Bolívar apresentou o seu projecto para a
criação de um novo Estado:
La reunión de Nueva Granada y Venezuela ha sido el voto unánime de los
pueblos y gobiernos de estas Repúblicas. La suerte de la guerra ha verificado
este enlace tan anhelado por todos los colombianos; de hecho estamos
incorporados. Estos pueblos hermanos ya os han confiado sus intereses, sus
derechos, sus destinos
10
.
Para o mesmo autor, Colômbia significava no pensamento de Bolívar, a criação de uma
nação forte capaz de assegurar, através do esforço conjunto dos seus homens, a
emancipação americana e com poder para ocupar um lugar proeminente na comunidade
internacional (Silva Otero, 1967, p. 10). Para além da independência e a união era
evidente que Bolívar preocupava-se com o reconhecimento por parte dos outros Estados.
Isto ficou patente por onde passou, perante a Corte de Londres, em Caracas, Cartagena
e Jamaica, nos seus discursos e nas muitas cartas que escreveu.
11
8
Ver Nye, J. S. (2004). Soft power: The means to success in world politics. PublicAffairs.
9
Antecede à criação desta nova República, o tratado subscrito em Santa Fé de Bogotá, em 1811, que levou
à criação da Federação das Províncias Unidas da Nova Granada. Convém lembrar também que na época
colonial existia o Vice-Reino de Nova Granada, abrangendo os países que hoje conhecemos por Colômbia,
Panamá e o Equador.
10
Em português: “A reunião da Nova Granada e a Venezuela foi o voto unânime dos povos e dos governos
destas Repúblicas. O destino da guerra mostrou este vínculo tão desejado por todos os colombianos;
estamos de facto incorporados. Estes povos fraternos confiaram-vos os seus interesses, os seus direitos e
os seus destinos” (tradução da autora).
11
O investigador Carlos Malamud lembra-nos na sua obra El sueño de Bolívar y la manipulación bolivariana.
Falsificación de la historia e integración regional en América Latina que Simón Bolívar não era um intelectual,
era um militar, um homem de acão do seu tempo, e que o seu pensamento ficou plasmado nas mais de
3.500 cartas e discursos que ficaram registados e formam parte do seu legado. Para Silva Otero, Bolívar
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Cuando el triunfo de las armas de Venezuela complete la obra de su
independencia, o que circunstancias más favorables nos permitan
comunicaciones más frecuentes, y relaciones más estrechas, nosotros nos
apresuraremos con el más vivo interés, a entablar, por nuestra parte, el pacto
americano que, formando de todas nuestras Repúblicas un cuerpo político,
presente la América al mundo (…)
12
(Carta ao Supremo director das Províncias
Unidas do Rio de la Plata, Juan Martín Pueyrredón, 12 de Junho de 1818).
Eleito Presidente da Nova República da Colômbia, em 7 de Setembro de 1821, Simón
Bolívar designou Pedro Gual como o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros. Pouco tempo
depois, Bolívar passou a ocupar-se com a preparação da Campanha Militar do Sul, que
acabaria com a dominação espanhola na América. A estratégia de Bolívar incluía a
diplomacia e a guerra.
II. A Política da Grande Colômbia
A Política da Grande Colômbia caracterizou-se desde o seu início pelo seu dinamismo e
ímpeto em relação às potências europeias, em relação aos EUA e aos outros novos
Estados no continente americano. Em 1823, a república colombiana contava com
delegações diplomáticas em todas as grandes cidades da região. A Diplomacia foi
instrumentalizada pela política para alcançar os seus objectivos, e também a Guerra.
II.1. A Diplomacia Bolivariana
Para Silva Otero (1967, p. 65), a diplomacia grandecolombiana (ou bolivariana) para
além de ser democrática e pacifista
13
, era do tipo hispano-americanista e normativa, ou
seja, promotora da lei antes mesmo que da política
14
.
Relativamente ao hispano-americanismo, o mesmo autor (Silva Otero, 1967, p. 9) refere
que foi na Circular de 27 de Abril de 1810 dirigida aos Ajuntamentos coloniais espanhóis
no continente americano, que a Junta de Caracas expressou esse ideário internacional,
baseado numa possível confraternidade hispano-americana. Simón Bolívar, diplomático
dessa Junta, expôs e defendeu a criação de uma União Hispano-Americana perante a
não era um filósofo nem um jurista, era um político, e a sua ação e pensamento estavam entrelaçados.
(1967, p. 66).
12
Em português: “Quando o triunfo das armas da Venezuela completar a obra da sua independência, ou
quando circunstâncias mais favoráveis nos permitirem comunicações mais frequentes, e relações mais
estreitas, apressar-nos-emos com o mais vivo interesse, a entrar, pela nossa parte, no pacto americano
que, formando de todas as nossas Repúblicas um corpo político, apresentará a América ao mundo”
(tradução da autora).
13
Até 1870, partindo da revolução emancipadora, podemos falar de um período que coincide com o
romantismo na Europa (Salazar Bondy, 1983, p. 10). Para autores, como Cândido (1999, pp. 106-107) “é
preciso não esquecer que com o Romantismo coincidem os movimentos de independência da América
Latina, cronologicamente ligados à grande aventura iniciada na segunda metade do século XVIII, que
redefiniu a posição do homem na natureza, através da técnica, questionou as relações em sociedade, abriu
a era das utopias sociais modernas, quebrou a noção de modelos intangíveis e eternos. O Romantismo
forneceu uma espécie de enquadramento ideológico ao sentimento nacionalista, desenvolvido com os
movimentos latino-americanos de independência (…)”.
14
Certamente para se distinguirem do diretório da Santa Aliança.
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Corte de Londres, em Caracas, Cartagena e Jamaica, insistindo até conseguir a
materialização destas aspirações, em 1819.
a) A partir de 1819, assistimos às negociações do governo da Grande Colômbia com as
potências europeias, Espanha, Grã Bretanha, França, e também com os EUA, tendo em
vista a obtenção do reconhecimento:
Com a Espanha, encontramos o Tratado de Armistício, de 1820, assinado durante o
período liberal de Riego (1820-1823). Bolívar quis aproveitar o ambiente favorável que
gerava este interregno político, mas com o regresso de Fernando VII, as relações entre
a Grande Colômbia e o reino espanhol pioraram.
Para Pita Pico (2019, p. 193), do lado da Grande Colômbia qualquer negociação de paz
com a Espanha seria condicionada ao reconhecimento da soberania e independência do
novo Estado. O governo republicano fez várias propostas “generosas” de projecto de paz,
mas a polarização que reinava entre o partido liberal e os sectores conservadores
monárquicos espanhóis impossibilitou o consenso necessário para avançar nas
negociações.
Com os ingleses, para além de objectivar a obtenção do reconhecimento, a estratégia
grandecolombiana passou por tirar proveito do histórico do apoio inglês à causa patriota,
e como fonte de informação sobre o que se passava na Europa, em particular, sobre as
negociações entre a Espanha e os EUA para a compra da Flórida e do Louisiana.
Em 1825 foi assinado o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, incluindo a Cláusula
da Nação Mais Favorecida, e de forma simultânea, os grandecolombianos obtiveram o
reconhecimento por parte dos ingleses.
O reconhecimento da Colômbia por parte dos francesesocorreu em 1830. As causas
complexas da instabilidade política que vivia a França naquele momento, e as discórdias
que envolveram as negociações diplomáticas entre representantes franceses e
colombianos para instituir uma monarquia constitucional na Grande Colômbia ideia
rejeitada reiteradamente por Bolívar atrasaram a decisão. Não podemos esquecer,
contudo, a enorme influência do espírito revolucionário francês e dos ideais de liberdade
na causa dos patriotas. Como afirmou Elias Ortiz (1971, p. 11), “Seguramente de
Filadelfia vino a los pueblos de Indias de dominación hispana y portuguesa el ejemplo
patente de que no era imposible emanciparse para constituirse en estado libre y
soberano, pero de Francia salió la chispa de inspiración ideológica”
15
.
Em relação aos EUA, em 1815, a política do grande vizinho do Norte era de neutralidade
ou de “não beligerância”. Para Whitaker (1964, pp. 148-149), a nota fundamental da
politica norte-americana era mais a de uma “espera vigilante”.
Antes da assinatura do Tratado Transcontinental entre os EUA e a Espanha, em 1819, e
a sua ratificação pelas partes dois anos depois com a consequente anexação da Flórida
por parte dos EUA ‒, seria um risco reconhecer as independências hispano-americanas,
15
Em português: “Foi certamente da Filadélfia que os povos das Índias sob domínio espanhol e português
receberam o exemplo claro de que não era impossível emanciparem-se para se tornarem um Estado livre
e soberano, mas foi da França que veio a centelha de inspiração ideológica” (tradução da autora).
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contudo, Flagg Bemis (1943, pp. 41-57) lembra-nos que a neutralidade foi violada várias
vezes abertamente a favor dos revolucionários
16
.
Em Junho de 1822, os EUA reconheceram oficialmente a Colômbia, reconhecimento que
será assumido mais tarde em todas as suas consequências pelo Presidente James
Monroe, quando em 2 de Dezembro de 1823, dirigindo-se ao Congresso, disse que,
(…) the American continents, by the free and independent condition which
they have assumed and maintain, are henceforth not to be considered as
subjects for future colonization by any European powers (…) we should
consider any attempt on their part to extend their system to any portion of
this hemisphere as dangerous to our peace and safety
17
(Monroe Doctrine,
1823).
A Doutrina de Monroe (a partir de 1823) vai dar àquilo que, na literatura latino-
americana do pensamento político (Indalecio Liévano Aguirre, entre outros), é conhecido
também por monroísmo, passando a ser associado à estratégia americana com
pretensões hegemónicas, em oposição ao bolivarianismo, associado ao projecto hispano-
americano de unidade estratégica e igualdade.
Em 1824, a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, incluindo a
Cláusula da Nação Mais Favorecida, entre a Grande Colômbia e os EUA, comprometeu as
partes a concederem-se reciprocamente as vantagens negociadas com outros Estados.
Colômbia terá, pois, de seguir esta regra de conduta no âmbito das suas relações
comerciais, criando-lhe certos constrangimentos na hora de assinar novos acordos.
b) A partir de 1821, foram enviadas missões diplomáticas para o Peru, Chile, Buenos
Aires, e o México, para subscreverem um Tratado de Liga ou Confederação ou Convenção
Federativa, e tratados comerciais, na base de uma estrita reciprocidade. As instruções
dadas aos plenipotenciários passavam pela proposta de adopção dos princípios do utis
possidetis iuris, integridade territorial e a solução pacífica de controvérsias através da
arbitragem obrigatória ou a conciliação. As Instruções incluíam também uma
advertência: nenhuma das partes poderia entrar em negociações com a Espanha sem
ser na base do reconhecimento da independência e integridade dos respectivos
territórios. (Silva Otero, 1967, p. 20); e a promoção de uma assembleia geral de
plenipotenciários de todos os estados hispano-americanos.
Com efeito, as orientações dadas por Bolívar aos seus plenipotenciários eram as de que
concluíssem um pacto de federação para a defesa da causa comum. Os representantes
diplomáticos levariam consigo, inclusive, um texto de projecto de um tratado. O governo
que melhor acolheu a proposta colombiana foi o Peru.
16
“Estados Unidos, dentro de los límites impuestos por la neutralidad, continuó acogiendo amistosamente en
sus puertos a los barcos de los nuevos beligerantes. Los agentes de los gobiernos revolucionarios, al igual
que los de la monarquía española, podían comprar contrabando de todas clases y exportarlo en sus propios
barcos o en embarcaciones de ciudadanos norteamericanos (…) Podían hasta comprar o construir barcos
en Estados Unidos y exportarlos (…)” (Flagg Bemis, 1943, pp. 41-57).
17
Em português: “(…) os continentes americanos, pela condição livre e independente que assumiram e
mantêm, não devem, doravante, ser considerados como objeto de futura colonização por quaisquer
potências europeias (...) devemos considerar qualquer tentativa da sua parte de estender o seu sistema a
qualquer parte deste hemisfério como perigosa para a nossa paz e segurança” (tradução do autor).
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O Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre a Colômbia e o Peru foi
subscrito em 6 de Julho de 1822, ratificado pelo governo colombiano em 12 de Julho de
1823, e pelo governo peruano, em 17 de Novembro de 1823. Apesar do acordo
alcançado, ficariam pendentes assuntos de demarcação fronteiriça que mais tarde, entre
1828 e 1829, irão provocar uma guerra entre os dois países.
Com o Chile, inserido num contexto político nacional muito instável, o processo foi muito
mais difícil. O tratado de União, Liga e Confederação negociado entre ambas as partes ‒
assinado com amplas modificações tendo em conta a proposta inicial colombiana , nem
sequer chegou a ser ratificado pelas autoridades chilenas.
Com Buenos Aires, os colombianos conseguiram assinar um tratado de Amizade e
Aliança que, pelo conteúdo das suas disposições estava longe da proposta colombiana
de tratado de União, Liga e Confederação. Para Silva Otero (1967: p. 51) a missão
colombiana em Buenos Aires fracassou devido à desconfiança que Rivadavia
18
tinha em
relação aos planos de Confederação de Bolívar. As objecções de Rivadavia incluíam o
facto de não terem convidado os EUA para integrar a Liga americana (Silva Otero, 1967,
p. 46).
Com os mexicanos, conseguiu-se no meio de câmbios políticos profundos (proclamação
de Agustín de Itúrbide como emperador do México, em Maio de 1822, para pouco depois
ser derrubado por uma revolução) a assinatura e ratificação em Setembro de 1825, de
um tratado de Amizade, União, Liga e Confederação proposto por Colômbia, com algumas
excepções.
Em relação à América Portuguesa, o reconhecimento da Grande Colômbia, em 8 de
Junho de 1822, por parte do Reino de Portugal, animou as autoridades
grandecolombianas a tentar negociar a definição das fronteiras a sul da região. A morte
prematura do plenipotenciário da Colômbia em Portugal e os acontecimentos no Brasil
vão adiar esta tarefa. O Grito de Ipiranga, em Setembro de 1822, alimentou os receios
de Bolívar face um eventual apoio da Santa Aliança ao Novo Emperador do Brasil contra
as rebeliões americanas
19
.
c) No Congresso Internacional do Panamá, de Junho de 1826, Simón Bolívar propõe a
criação de uma Liga ou Confederação Hispano-Americana. Argentina não esteve presente
alegando problemas internos. Chile não assistiu por falta da autorização do Congresso.
As autoridades bolivianas, indecisas, também falharam o encontro. O Brasil absteve-se
pela sua neutralidade frente a Espanha, estando também comprometido com a Santa
Aliança. Como observadores assistiram a Holanda e a Grã Bretanha. O representante
dos EUA apresentou-se no fim do evento
20
.
Para Bolívar, com a realização do Congresso e a constituição de um corpo político
conseguir-se-ia obter garantias de poder frente à Europa, redundando no
reconhecimento da independência de todas as nações que desse mesmo corpo fossem
parte. Conseguir-se-ia também obter um equilíbrio politico entre os membros da União
18
Bernardino Rivadavia foi o primeiro chefe de Estado das Províncias Unidas do Rio da Prata.
19
o registo de uma tentativa por parte do Brasil de invadir a Província de Chiquitos (no Alto Peru) desde
Matto Grosso, a pedido do governador espanhol de Chiquitos, em 28 de março de 1825, mas o emperador
brasileiro desautorizou a invasão em dezembro do mesmo ano (Toro Jiménez, 2008, pp. 356-357).
20
Apesar dos receios que Bolívar tinha sobre os interesses e intenções dos EUA na região, não deixou de
propor a amizade entre os dois Estados.
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ou Confederação; e a “defesa colectiva” frente a eventuais agressões por parte de um
inimigo externo ou interno.
Entre os princípios que Simón Bolívar propõe no Congresso, podemos referir, o utis
possidetis iuris (de 1810) e a integridade territorial; a solução pacífica de controvérsias
através da arbitragem e a conciliação. É nisto, podemos dizer, em que se traduz a
orientação normativa da diplomacia grandecolombiana:
O utis possidetis iuris de 1810 (ou para alguns, o utis possidetis bolivariano) seguindo
a delimitação ou demarcação de cada capitania geral ou vice-reinado
21
.
Las nuevas nacionalidades americanas se erigieron sobre dos principios
fundamentales: la libertad de cada sección administrativa colonial para
constituirse por misma; y el señalamiento de los límites que debían
separarlos por medio de la legislación dictada durante el régimen español, o
sea, utilizando el utis possidetis bolivariano
22
(Silva Otero, 1967, p. 15).
Isto significava que, não podendo alegar considerações de carácter político, as partes
poderiam justificar as suas pretensões com leis expedidas pelo Reino de Castela. Se a
adopção deste princípio foi útil para que os governos pudessem orientar-se no início de
vida dos Estados independentes, não foi suficiente para evitar os conflitos que daí
resultariam quando estamos a falar de demarcações feitas com a inexatidão dos mapas,
a existência de terras por ocupar e de recursos ainda inexplorados.
A garantia da integridade territorial ficava associada ao princípio do utis possidetis.
Isto ficou plasmado em vários documentos assinados por Bolívar, a partir de 1823, e no
Congresso de Panamá, aparece no tratado subscrito em 15 Junho 1826 (Art XXI e XXII).
Arbitragem obrigatória e conciliação. Bolívar difunde e propõe a arbitragem através
dos tratados a serem celebrados ad hoc em toda a Hispano-América. A arbitragem
proposta nos tratados multilaterais seria geral, obrigatória e permanente para todas as
partes. A opção do recurso à conciliação aparece de igual modo, nas propostas de
tratados que levaram consigo os plenipotenciários da nova República.
No Congresso, Bolívar propõe também a abolição progressiva da escravatura e do tráfico
de escravos em todo o território libertado. A ideia era que todos os Estados reunidos no
Panamá adoptassem estes princípios políticos.
Bolívar parecia prever uma série de conflitos que iriam surgir depois de terminadas as
guerras pela independência. O seu projecto de paz, como vimos, estava baseado no
Direito, mas contrariamente às suas ambições, nenhum resultado concreto nesse sentido
sairia do encontro.
Em carta dirigida ao General José António Páez, em 8 de Agosto de 1826, Bolívar escreve,
Cada provincia tira para la autoridad y el poder; cada una debería ser el
centro de la nación. No hablaremos de los demócratas y de los fanáticos;
21
O utis possidetis bolivariano significava possuir em conformidade com a demarcação correspondente feita
pelo antigo soberano, apoiando-se nos títulos vigentes ao tempo da sua emancipação.
22
Em português: “As novas nacionalidades americanas assentavam em dois princípios fundamentais, a
liberdade de cada secção administrativa colonial se constituir por si própria; e a marcação das fronteiras
que as separavam através da legislação ditada durante o regime espanhol, ou seja, utilizando o utis
possidetis bolivariano” (tradução da autora).
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tampoco diremos nada de los colores; - porque al entrar en el hondo abismo
de estas cuestiones, el genio de la razón iría sepultarse en él, como es la
mansión de la muerte. Qué no deberemos temer de un choque tan violento y
desordenado de pasiones, de derechos, de necesidades y de principios?
23
(Carta dirigida ao General José António Páez. Lima, 4 de Agosto de 1826).
II.2. Guerra
Para além da diplomacia, a guerra e a ameaça do uso da violência foram
instrumentalizadas pela política da Grande Colômbia para alcançar os seus objectivos.
Por outra parte, a inacção, não ingerência ou não intervenção em contextos de conflito
que demandavam o desempenho de um papel mais interventivo, por parte dos
grandeolombianos, mostraram as contradições ou falta de coerência da sua política
externa.
a) Acções militares: Empenhadas numa campanha militar libertadora, as tropas
republicanas ocuparam a zona central, faixa norte-oriental e a província de Antioquia. Os
esforços concentraram-se em libertar o norte da costa Caribe e a sul, as províncias de
Pasto e Popayán (Pita Pico, 2019, p. 166). Das vitórias no teatro de guerra a sul, resulta
a incorporação de Guayaquil à Grande Colômbia, em 13 de Julho de 1822. Mais tarde,
em 1825, a Bolívia tornou-se um Estado independente. A Colômbia parecia estar no auge,
não fossem as tensões que lhe colocavam as questões de fronteira ainda por resolver.
Como resultado da inimizade entre os líderes do governo peruano e colombiano,
precisamente por causa do desentendimento sobre a delimitação fronteiriça, o Congresso
peruano decidiu, em 17 de Maio de 1828, autorizar uma invasão às províncias a sul da
Colômbia. A Guerra entre o Peru e a Colômbia teve início naquele momento e vai
estender-se até Fevereiro de 1829 (Toro Jiménez, 2008, pp. 384-385). Com o fim das
hostilidades e a vitória colombiana, o tratado de paz (Convénio de Girón) estipulou que
os limites seriam definidos de acordo com o utis possidetis. Mais tarde, em 1830, o
Protocolo Pedemonte-Mosquera alterou o que ali foi acordado, e a divergência fronteiriça
manter-se-á pendente (até aos nossos dias)
24
.
b) Ameaça do uso da força: Bolívar proclamou uma e outra vez a sua aspiração de
conseguir a liberdade para toda a Hispano-América e Caraíbas. Em Cuba, até 1850, as
elites dependentes da Espanha, pareciam satisfeitas pelo clima de prosperidade da
indústria açucareira, mas isso o impediu que em 1823, surgisse um movimento p-
independentista (com o nome Los Soles y Rayos de Bolívar) que rapidamente foi
neutralizado pelas autoridades espanholas. Alguns cubanos deste movimento fugiram
para o sul do continente à procura do auxílio do exército republicano.
Entre 1824 e 1825, foram evidentes as preocupações e vacilações de Simón Bolívar sobre
um plano colombo-mexicano para libertar Cuba e Porto Rico que implicasse uma possível
invasão às Antilhas. Para fins de 1825, houve de facto uma concentração das forças
23
Em português: Cada província puxa para si a autoridade e o poder; cada uma deve ser o centro da nação.
Não falaremos de democratas e fanáticos; nem falaremos de cores - porque entrar no abismo profundo
destas questões enterraria nele o génio da razão, como é a mansão da morte. O que não devemos temer
de um choque tão violento e desordenado de paixões, de direitos, de necessidades e de princípios?”
(tradução da autora).
24
No século XX, o conflito armado entre o Equador e o Peru (1995-1998) pode ser considerado a continuação
da guerra entre a Grande Colômbia e o Peru.
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navais colombianas e mexicanas no porto de Cartagena. No pensamento de Bolívar, diz-
nos Silva Otero (1967, p. 61) “Pesaba la circunstancia de que la propia España
reconociera la independencia de Colombia, y ambas cosas parecían resultar
excluyentes”
25
. Ao mesmo tempo, a diplomacia de Washington e Londres pressionava no
sentido de impedir qualquer modificação do status quo no Caribe, o custo seria,
certamente, o não reconhecimento da independência da Colômbia. Nesse sentido,
Lievano Aguirre (1969, p. 55) refere que as pretensões do Secretario de Estado Norte-
Americano John Quincy Adams contidas na Nota que enviou em 1823 ao Ministro Norte-
Americano em Madrid, Hugo Nelson convenceram ao presidente mexicano Victoria e
ao General Santander a renunciar à expedição sobre Cuba. Depois do Congresso de
Panamá, os projectos sobre as Antilhas ficaram esquecidos. Para Ghotne (2020) a
“política antillana” da Grande Colômbia acabou por obedecer aos imperativos realistas.
c) Não ingerência ou não intervenção: no caso do Haiti considerado um foco de
instabilidade e de contágio revolucionário desde 1804 em toda a extensão caribenha que
incluía sociedades esclavagistas mereceu “uma política euro‒norte-americana de
exclusão e isolamento” (Toro Jiménez, 2008, p. 359) ou a imposição, podemos dizer, de
um cordão sanitário a volta da ilha. Em começos de 1824, perante uma iminente invasão
francesa, o presidente haitiano Jean Pierre Boyer designou uma missão diplomática
perante o governo da Colômbia à procura de aproximação e protecção. A resposta da
Colômbia foi negativa, “una alianza cambiaría la posición favorable de Colombia en
relación a las potencias europeas”
26
. Efectivamente, o Haiti ficaria fora dos planos de
libertação de Bolívar. Para Toro Jiménez (2008, p. 362), o Haiti ficou fora do Congresso
de Panamá e não foi reconhecido por Colômbia para não provocar as potências europeias.
No mesmo contexto, perante o conflito que se desenvolvia mais a sul, na Banda Oriental,
entre o Império Brasileiro e as Províncias do Rio da Prata, desde 1825 e até 1828 ‒ onde
os ingleses tinham uma grande influência política, desempenhando o papel de
mediadores ‒ , a politica da Grande Colômbia orientou-se também pelo princípio de não
ingerência.
III. A desintegração da Grande Colômbia
Em 1826, ainda no contexto da realização do Congresso de Panamá, surge o movimento
separatista na Venezuela, apoiado relatam académicos como Toro Jiménez (2008),
citando autores como, José Manuel Restrepo, Rafael María Baralt, e Alberto Filippi ‒,
principalmente, pelos ingleses e norte-americanos. Nesse sentido, testemunhos e
provas directas e indirectas que corroboram, por exemplo, a existência e magnitude da
conspiração inglesa contra Colômbia (2008, p. 395). Para o mesmo autor, a secessão da
Venezuela foi um golpe mortal para a República Colombiana.
Dicho golpe de gracia fue el resultado de una habilidosa diplomacia que, al
mutilar la República, dejó en su lugar pseudo Estados inflables sin
25
Em português: “O facto de a própria Espanha reconhecer a independência da Colômbia pesava muito e as
duas coisas pareciam excluir-se mutuamente” (tradução da autora).
26
Em português: “uma aliança alteraria a posição favorável da Colômbia em relação às potências europeias”
(tradução da autora).
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consistencia interna, al garete, aislados unos de otros, fáciles de someter a
dependencia y subordinación secular
27
(p. 386).
Toro Jiménez refere ainda que o aparecimento da Colômbia como um interlocutor de
peso na região desafiava a hegemonia comercial dos ingleses, e em relação aos EUA,
constituía um grande rival na zona do Golfo do México, onde a história da escravatura
com o comércio do açúcar, tabaco e algodão vivia um dos seus capítulos mais oprobriosos
(2008, pp. 390-392).
A Grande Colômbia dividiu-se definitivamente em 1830. Observando para dentro,
Boersner (1996, pp. 100-101) refere que a Venezuela e Quito rejeitaram o predomínio
da Nova Granada a maior das partes, dos pontos de vista territorial e populacional -, e
pelo facto de que na América Latina perduravam as limitações de um sistema feudal ou
semifeudal, a tendência era a de que cada latifundiário militar se considerasse “dono
absoluto da sua comarca”. “(…) Isto acabou por reflectir-se na politica do continente por
meio de correntes centrífugas e regionalistas de todo o tipo”. Portanto, para além das
tensões externas, forças internas poderão ter incidido de igual forma no final deste
exercício de integração política na região.
Para Lezama (2021), “la construcción republicana no concluyo con las victorias militares
apenas iniciaba e, en gestación, enfrentaba las aspiraciones, contradicciones y
complejos, de amplios sectores sociales”
28
(2021, p. 106). No mesmo sentido Uribe de
Hincapié fala-nos do enorme desafio que era conseguir dotar de identidade este amplo
território, onde existiam povos distintos e etnias diferenciadas com poucas coisas em
comum, uma grande diversidade de culturas, crenças e costumes e tradições, nenhuma
das quais com força suficiente para converter-se no centro aglutinador da nação (2011,
p. 27). A Grande Colômbia surge, pois, desprovida de uma nação, de uma identidade
própria.
Ainda para dentro, no plano das ideias e sobre o ideário internacional hispano-americano
abraçado pelas elites nacionais das nascentes repúblicas, Salazar Bondy (1983, p. 10)
alertou-nos para a nova etapa que se segue à independência política na Hispano-
América, em que o pensamento expande-se livremente mas com a precariedade que
impõe a crise político-social que confrontavam quase todas as repúblicas no século XIX.
O pensamento escolástico colonial foi imposto pelos interesses das metrópoles, os
sistemas que o substituíram foram acolhidos pela classe dirigente e sectores intelectuais
dos países de acordo com as suas preferências imediatas e afinidades sentidas no
momento, obedecendo a uma lógica histórica estranha à consciênciadas populações, à
sua condição social e económica e por isso foram abandonadas tão rapidamente e
facilmente como foram acolhidas (Salazar Bondy, 1983, pp. 18-9).
27
Em português: “Este golpe de misericórdia foi o resultado de uma diplomacia hábil que, ao mutilar a
República, deixou no seu lugar pseudo-Estados insufláveis, sem consistência interna, isolados uns dos
outros, fáceis de submeter à dependência e à subordinação secular” (tradução da autora).
28
Em português: “a construção da república não terminou com as vitórias militares, apenas começou e, em
gestação, enfrentou as aspirações, contradições e complexos de amplos sectores sociais” (tradução da
autora).
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Este desfasamento entre, por uma lado, o pensamento dominante e as elites que o
adoptam, e por outro, o conjunto da comunidade, foi uma constante na história política
e social destes países. Para Uribe de Hincapié,
Algunos sectores del demos tanto entre los plebeyos como entre los patricios en cuyo
nombre se reclamaba la soberanía, se mostraban indiferentes o francamente hostiles a
los propósitos emancipatorios de los intelectuales, y en varias provincias de Venezuela y
la Nueva Granada se presentaron levantamientos de negros e indios a favor del rey
29
(2011, p. 27).
Outros factores internos o referidos pelos estudiosos como causas da desintegração da
Grande Colômbia como, a inexistência de um mercado comum, e todavia, o problema da
descapitalização e o endividamento externo colombiano pela contratação de enormes
empréstimos dos ingleses (Liehr, 1989, pp. 465-488).
Para Toro Jiménez (2008, p. 355) o Tratado Colombo-Britânico de 1825 contribuiu para
criar um vínculo de dependência económica com a Grã Bretanha e uma dificuldade certa
para empreender uma politica de integração hispano-americana, um exemplo disso terá
sido o impacto negativo da compra de produtos ingleses sobre o sector têxtil em Quito,
local a partir de onde ‒ nos tempos da colónia distribuíam-se produtos, desde o Vice-
reinado de Nova Granada até ao território do Chile. A mesma coisa se poderia dizer em
relação ao Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com os EUA, subscrito um ano
antes. Para o mesmo autor, as generosas concessões por parte da Grande Colômbia irão
constituir um precedente que impediu Colômbia de desenhar e estabelecer uma política
aduaneira a favor das repúblicas sul-americanas e centro-americanas (Idem, p. 354).
Se echaba por la borda la experiencia del antiguo comercio intracolonial, que
tanto provecho había producido en algunos sectores y regiones. Ejemplo, la
experiencia del comercio venezolano-mexicano del cacao y otros productos
agrícolas que favoreció un aumento del capital y crecimiento económico en la
provincia de Venezuela a fines del siglo XVIII
30
(Idem, 2008, p. 354).
Quanto ao endividamento externo, os custos da guerra determinaram a necessidade de
acudir à empréstimos disponibilizados pelos ingleses. Até finais de 1827, a dívida
colombiana teria atingido a soma de 12.400.971 pesos (Liehr, 1989, p. 475).
Conclusão
A perspectiva realista clássica, apesar das insuficiências dos paradigmas teóricos no
âmbito da nossa ciência, revelou-se útil à procura de uma (re)interpretação dos
acontecimentos ocorridos numa época que se bem estudada é lembrada muitas vezes ‒
em linha com o que nos diz Malamud (2021) ‒ numa versão que resulta da manipulação
29
Em português: “Alguns sectores do demos - tanto entre os plebeus como entre os patrícios -, em nome dos
quais se reivindicava a soberania, eram indiferentes ou francamente hostis aos objetivos emancipatórios
dos intelectuais, e em várias províncias da Venezuela e da Nova Granada houve revoltas de negros e índios
a favor do rei” (tradução da autora).
30
Em português: “A experiência do antigo comércio intra-colonial, que tinha sido tão rentável nalguns sectores
e regiões, foi atirada borda fora. Por exemplo, a experiência do comércio venezuelano-mexicano de cacau
e de outros produtos agrícolas que favoreceu o aumento do capital e o crescimento económico da província
da Venezuela no final do século XVIII” (tradução da autora).
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da história, principalmente, por parte de certas classes políticas que teimam em associar
o fracasso do projecto bolivariano exclusivamente com factores exógenos e alheios às
acções e decisões adoptadas pelos responsáveis políticos de então.
O “sonho belo de Bolívar” desfez-se, e no lugar de uma Hispano-América unida, surgiu
um espaço regional de desintegração. A política tendeu ao contraditório, e em ocasiões,
mostrou-se incoerente no quadro das suas acções e decisões, consoante os objectivos e
os princípios assumidos. A política externa da Grande Colômbia constituiu, podemos
dizer, um elemento catalisador da desintegração da Grande Colômbia.
Se por um lado, as acções militares dos colombianos conseguiram a libertação dos
territórios, por outro, algumas das decisões adoptadas criaram outras novas formas de
dependência. As concessões comerciais generosas para norte-americanos e ingleses em
troca do reconhecimento da nova República, por exemplo, comprometeram o
desenvolvimento do comércio intra-regional, mesmo que incipiente.
A Colômbia propôs a União Hispano-Americana de toda uma região com estruturas e
padrões de conduta económica favoráveis à divisão entre as províncias, desprovida de
uma identidade comum diferente da consciência (subjectiva) comum imposta pela
metrópole, o que acabou por gerar desconfianças entre as elites políticas e comerciais
dos novos Estados, incentivou as rivalidades e reforçou os nacionalismos. Ao mesmo
tempo, o potencial emergente do novo Estado republicano, promotor da abolição da
escravatura e do comércio de escravos aumentou os receios das potências externas,
podendo este ser o interlocutor de toda uma região que apesar de imersa num clima de
grande instabilidade política, económica e social, somava num contexto de configuração
de forças.
Por último, foi encontrada uma solução de compromisso com a adopção do princípio do
utis possidetis para a delimitação dos territórios, proposta por Bolívar, contudo, a
realidade da existência de fronteiras mal definidas pelos tratados anteriores, e o potencial
dos recursos contidos nestes territórios ainda por explorar tornou esta solução
claramente insuficiente, e nalguns casos garantiu a perpetuidade dos conflictos.
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