OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024)
358
PODEREMOS FALAR DE RESILIÊNCIA ONTOLÓGICA? DO RELATÓRIO
BRUNDTLAND À RETÓRICA DA SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE
CONCEPTUAL E SISTÉMICA NO CONTEXTO DA CRISE CLIMÁTICA
JOSÉ CARLOS AMARO
josecarlosamaro@gmail.com
Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa, em 2020, tendo
obtido o grau de mestre pela mesma instituição em maio de 2023. Efetuou um estágio curricular
entre 2021 e 2022 na Direção Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN), participando como
técnico de relações internacionais nos programas afetos à Direção de Serviços de Cooperação no
Domínio da Defesa (DCD). Colaborou como assistente editorial na publicação do Anuário Janus
2022, O país que somos, o(s) Mundo(s) que temos, do OBSERVARE Observatório de Relações
Exteriores da UAL (Portugal).
.
Resumo
O artigo analisa sob uma perspetiva sistémica a dicotomia sustentabilidade/resiliência,
explorando as argumentações que fundamentam a retórica em torno do desenvolvimento
sustentável, procurando simultaneamente enquadrar as alternativas que melhor se poderão
aplicar à gestão da problemática relação entre a sociedade e a natureza. À medida que cresce
a perceção de que os atuais modelos de governação são inadequados para dar as respostas
necessárias para se fazer face aos desafios globais, a transposição do conceito de resiliência
para o domínio da ontologia social, poderá contribuir para a alteração do atual paradigma,
reforçando o nexo da agência e das perceções, através do conceito de resiliência ontológica.
Palavras-chave
Sustentabilidade; Resiliência; Sistemas socio-ecológicos; Alterações climáticas; Resiliência
ontológica
Abstract
The article analyzes the sustainability/resilience dichotomy from a systemic perspective,
exploring the arguments that underlie the rhetoric around sustainable development,
simultaneously seeking to frame the alternatives that can best be applied to the management
of the problematic relationship between society and nature. Based on the growing perception
that current governance models are inadequate to provide the necessary answers to face
global challenges, the transposition of the concept of resilience to the domain of social
ontology, may contribute to the paradigm shift, reinforcing the nexus of agency and
perceptions, through the concept of ontological resilience.
Keywords
Sustainability. Resilience. Socio-ecological systems. Climate change. Ontological resilience
Como citar este artigo
Amaro, José Carlos (2023). Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à
retórica da sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no contexto da crise climática.
Janus.net, e-journal of international relations, Vol14 N2, Novembro 2023-Abril 2024. Consultado
[em linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.2.17
Artigo recebido em 2 de Agosto de 2023 e aceite para publicação em 21 de Agosto de
2023
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
359
PODEREMOS FALAR DE RESILIÊNCIA ONTOLÓGICA?
DO RELATÓRIO BRUNDTLAND À RETÓRICA DA
SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE CONCEPTUAL E SISTÉMICA
NO CONTEXTO DA CRISE CLIMÁTICA
JOSÉ CARLOS AMARO
“O tratamento do processo de todas as relações internacionais, não é
pensável se não for um processo de humanização, onde nos construímos
reciprocamente e tentar não nos destruirmos uns aos outros, agora em
grande escala...
Luís Moita, 2019
1
Introdução
Se por um lado as questões relacionadas com as alterações climáticas apresentam-se
como predicados globais, face a necessidade de se manter o aquecimento médio do
planeta abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, por outro, a ação política
dos atores internacionais parece não corresponder com a urgência necessária (Ferreira,
2020: 14), resultando daí uma maior pressão sobres as sociedades, principalmente para
as mais vulneráveis. Perante a ocorrência cada vez mais frequente de eventos
catastróficos, e imprevisíveis, o conceito de resiliência tem vindo a crescer de
importância, destacado por muitos autores como um conceito útil para se compreender,
gerir e governar, sistemas complexos de pessoas e natureza (Walker et al., 2006; Walker
e Salt, 2012; Folke et. al 2010). as considerações em torno do conceito de
sustentabilidade refletem-se nas palavras de António Guterres: As the world faces
cascading and interlinked global crises and conflicts, the aspirations set out in the 2030
Agenda for Sustainable Development are in jeopardy” (United Nations, 2022: 2).
A revisão da literatura sugere a existência de uma tendência de pensamento que indicia
uma certa descredibilização do conceito de sustentabilidade, fruto do hiato entre a
retórica e a ação, principalmente no contexto das políticas e processos direcionados à
crise climática e ao desenvolvimento (Wals e Jicking, 2002: 222; Ferreira, 2020: 13;
1
Luís Moita, "Última lição: Sobre o conceito de Relação". Ato de Jubilação na Universidade Autónoma de
Lisboa (UAL), 11 julho 2019. Gravação em áudio disponível em https://ualmedia.pt/podcast/luis-moita-a-
ultima-licao/.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
360
Ruggerio, 2021: 4). Neste sentido, justifica-se aprofundar o conhecimento em torno dos
conceitos de sustentabilidade e resiliência, procurando responder a duas questões
aparentemente simplistas, mas essencialmente cruciais: em que medida será a
sustentabilidade um elemento de retórica? Poderemos falar de resiliência ontológica? O
argumento central deste artigo sugere que apesar da retórica do discurso em torno da
sustentabilidade, a dicotomia sustentabilidade/resiliência reflete uma relação casuastica
e complexa, na qual se enfatizam os processos fundamentais para se reforçar as
capacidades das comunidades em resistir aos choques de origem natural ou humana, e,
eficazmente transformar as suas estruturas adaptativas, o que se poderá traduzir na
redução das suas vulnerabilidades, aumentando as condições para o desenvolvimento e
assegurando a sustentabilidade das futuras gerações. Parte-se do princípio, que o
sucesso destas dinâmicas se encontra dependente da alteração do atual paradigma das
Relações Internacionais (RI), caracterizado do ponto de vista ontológico, pela
fragmentação, num sistema em que o humanismo e as relações sociedade/natureza se
encontram subjugados às relações de poder, ao determinismo anárquico, e dependentes
do dilema representado pela subjetividade da ação dos agentes. Isto implica um processo
de transformação na perceção que o ser humano tem da sua própria essência e do mundo
que o rodeia, face aos fatores de stress, o que nos remete para a definição de resiliência
ontológica.
O objetivo desta pesquisa é contribuir para a alteração do atual paradigma, dentro de
um espírito de modéstia e longe de potenciais presunções, procurando transpor o
conceito de resiliência, para o campo ontológico da disciplina das RI. Para tal, começa
por revisitar a literatura em torno do conceito de sustentabilidade, explorando as
diferentes perspetivas que fundamentam a ideia de retórica. Analisa a abrangência do
conceito de resiliência, no âmbito da sua aplicação à teoria dos sistemas socio-ecológicos.
Projeta o enquadramento teórico da disciplina das RI e do construtivismo no campo da
ontologia social. Por fim, recorre aos conceitos de resiliência evolutiva e segurança
ontológica, para fundamentar a proposta do conceito de resiliência ontológica. O método
de abordagem utlizado é o dedutivo, assente numa epistemologia interpretativa com
recurso a consulta bibliográfica e documental, levando em consideração a sua relevância
qualitativa para a fundamentação do tema.
A sustentabilidade e a retórica
Embora o termo sustentabilidade seja de cariz abstrato, significando semanticamente a
capacidade de manutenção a longo prazo, o conceito tem sido geralmente retratado
na cultura ocidental como a correlação entre as dimensões social, económica e ambiental
(Herremans e Reid, 2010: 17) e, recorrentemente associado, quer no meio académico,
como no científico, ao conceito de desenvolvimento sustentável (DS)
2
. Podendo
representar diferentes significados - científicos, políticos, ou mesmo simbólicos - usados
indistintamente por uma mesma pessoa ou grupo, a sua base de conhecimento ou de
2
O conceito de sustentabilidade é utilizado nesta pesquisa a partir do referencial de desenvolvimento
sustentável (DS).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
361
valor, é questionável, com potencialidade para reduzir o conceito de sustentabilidade
para um mero instrumento de retórica. No entanto, o debate em seu torno tem o
potencial, ou a força, para reunir diferentes grupos da sociedade na busca de uma
linguagem comum em termos da discussão dos problemas ambientais (Wals e Jicking,
2002: 222).
O Relatório Brundtland, publicado pela Comissão Mundial sobre o Ambiente e o
Desenvolvimento em 1987, definiu o conceito de DS como “desenvolvimento que atende
as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações
futuras em atender as suas próprias necessidades” (WCED, 1987), tornando-se uma
referência para a pesquisa científica do ambiente, adquirindo o carácter paradigmático
para as matérias em torno do desenvolvimento. Foi com natural otimismo que o conceito
se refletiu na realização da Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e
Desenvolvimento do Rio em 1992 (CNUAD), num contexto internacional marcado pelo
final da Guerra-Fria, destacando-se a forte vertente do multilateralismo e de vários
processos de democratização um pouco por todo o mundo. A adoção da Agenda 21
3
,
parecia ter despertado as nações para a profilaxia do planeta, procurando reconciliar as
questões em torno do desenvolvimento económico com a proteção ambiental. Cinco anos
mais tarde, na Conferência de revisão realizada em Nova Iorque (Rio +5), as conclusões
da CNUAD defraudavam as expetativas geradas anteriormente, apontando o fenómeno
da globalização como fonte para o aumento das desigualdades, da pobreza e da
degradação do meio ambiente, tanto através do aumento da emissão dos Gases de Efeito
de Estufa (GEE) como também de resíduos sólidos poluentes
4
. O ponto 4 da resolução
S/19-2 da Assembleia Geral das Nações Unidas sintetizava o contexto: We acknowledge
that a number of positive results have been achieved, but we are deeply concerned that
the overall trends with respect to sustainable development are worse today than they
were in 1992” (United Nations, 1997).
Em setembro de 2000, no seguimento da Declaração do Milênio, a Assembleia Geral das
Nações Unidas apresentou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), no qual
se estabeleceram oito compromissos globais a serem atingidos até 2015: erradicar a
pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a igualdade de
género e empoderar as mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde
materna; combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças; garantir sustentabilidade
ambiental e desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento. Apesar dos
resultados positivos identificados no relatório final dos ODM
5
, poder-se considerar que
3
Disponível em: https://www.un.org/en/conferences/environment/rio1992. [Consultado em 22.ago.23].
4
Consultar Resolução Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 28 junho 1997. Disponível em:
https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/774/73/PDF/N9777473.pdf?OpenElement.
[Consultado em 22.ago.23].
5
Alguns dos resultados positivos apontados no relatório final dos ODM indicam: redução do número de
pessoas a viver com menos 1,25 USD/dia, para 14% em 2015; redução do número de pessoas em situação
de pobreza extrema de 1,9 mil milhões em 1990 para 830 milhões em 2015; diminuição da subnutrição
das populações dos países em desenvolvimento de 23,3% em 1990 para 12,9 % em 2014-2016; o acesso
ao ensino primário nas regiões em desenvolvimento atingiu 91% em 2015, acima dos 83 % verificados em
2000; diminuição da taxa global de mortalidade de menores de cinco anos em mais de metade, passando
de 90 a 43 mortes por 1.000 nascidos vivos entre 1990 e 2015; redução do rácio de mortalidade materna
em 45%; redução global das incidências de malária em cerca de 37% ; a ajuda oficial ao desenvolvimento
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
362
o alcance geral ficou aquém das expectativas. Por exemplo, em 2012 cerca de 15,5% da
população mundial continuava a sofrer de fome, e a taxa de mortalidade infantil,
principalmente em África, ficara aquém da meta para a redução de 2/3 a2015; em
2012 cerca de 80% da população residente no sudoeste asiático e na África subsariana,
continuava a viver sob condições de pobreza extrema; quanto à ajuda ao
desenvolvimento, registou-se uma queda acentuada em 2012, a primeira vez no período
de uma cada (Fehling et al, 2013: 1110). O Secretário-Geral das Nações Unidas em
exercício na altura, Ban Ki-Moon, apesar de ter reconhecido os esforços e a significância
de alguns dos resultados alcançados, relacionou a ausência de progressos mais
abrangentes dos ODM, com a identificação de falhas nos compromissos previamente
assumidos, na inadequação dos recursos utilizados, na falta de foco e de
responsabilidade, apontando também a insuficiência do interesse no desenvolvimento
sustentável por parte da maioria dos Estados Membros (United Nations, 2010, apud
Fehling et al, 2013: 1110). Para David Hulme
6
(2010: 16), foram dois os argumentos
que limitaram o alcance dos ODM: primeiramente, a ideia na base dos ODM, o
desenvolvimento humano, nunca fora totalmente institucionalizada, ou seja, nunca tivera
a força suficiente para uma mobilização social massiva em favor da erradicação global
da pobreza, ou para constituir uma elite comunitária epistémica com a capacidade
necessária para controlar a agenda política. Por outro lado, identificou lacunas na
apropriação da aplicação de políticas ligadas ao desenvolvimento, que sendo
operacionalizadas por Estratégias de Redução da Pobreza (ERP) a nível estatal,
encontram-se sob a supervisão de entidades como Fundo Monetário Internacional (FMI)
ou o Banco Mundial (BM). O autor sugere que as ERP deveriam ser alvo de um processo
de apropriação pelos países em vias de desenvolvimento, deixando simultaneamente em
aberto a crítica: “(…) the IMF and World Bank need to introduce internal ‘Arrogance
Reduction Strategies’ to transform their control-oriented cultures”. A ideia de
exclusividade da condução das políticas dirigidas aos ODM, fica bem patente no facto de
apenas 22% dos parlamentos nacionais os terem discutido formalmente a nível mundial,
o que indiciava a proeminente falta de envolvimento por parte dos países em
desenvolvimento e dos respetivos círculos eleitorais da sociedade civil, nos processos
constituintes (Kabeer, 2005; Waage et al. 2010, apud Fehling et al. 2013: 1110).
Embora a evolução e as lições aprendidas em torno dos resultados dos ODM se tenham
refletido, do ponto de vista normativo, na adoção da Agenda 2030
7
pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 2015 - apresentando-se até aos dias de hoje como a
referência global para o desenvolvimento e também nas constituições e direitos nacionais
de muitos Estados - diferentes escolas de pensamento têm identificado contradições
conceptuais em torno do DS, devido a insustentabilidade de processos económicos, que
se encontram infinitamente alicerçados ao paradigma do crescimento, num planeta em
dos países desenvolvidos aumentou 66 % em termos reais entre 2000 e 2014, atingindo 135,2 mil milhões
de dólares (United Nations, 2015).
6
Professor e especialista em estudos sobre o desenvolvimento da Universidade de Manchester.
7
No seu núcleo encontram-se 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS) e 167 linhas de
atuação com vista a acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar a paz e a prosperidade. A
extensão da sua abrangência incorpora diversos campos teticos, passando pela área dos negócios,
produção agrícola, indústria ou desenvolvimento urbano, tornando-se na fundação conceptual de
abordagens teóricas como a economia verde ou a economia circular (Ruggerio, 2021: 1).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
363
que os recursos o essencialmente limitados (Ruggerio, 2021: 2). A tendência verificada
no progresso dos ODS tem vindo a confirmar esta constatação. Segundo o Sustainable
Development Index o sistema de monitorização da aplicação dos ODS o progresso
global dos ODS entre o período de 2015 e 2019 foi de apenas 0,5%, ou seja, ainda
bastante longe das metas definidas para 2030, com a agravante de não se terem
registado qualquer tipo de progressos durante os anos de 2021 e 2022
8
. A manchete do
comunicado de imprensa do Relatório de Desenvolvimento Sustentável de 2023, é
bastante elucidativo: World at Risk of Losing a Decade of Progress on the UN Sustainable
Development Goals
9
.
A ideia de que a fundamentação epistemológica do referencial teórico do DS baseia-se
no paradoxo não resolvido da sustentabilidade, no qual poderão coabitar, práticas e
ideologias ambientais contraditórias (Jaraaben, 2006 :188), tem levado alguns autores
a considerar as dimensões social, ambiental e económica como insuficientes para se
compreender toda a extensão do conceito de DS, e que o discurso em torno do
desenvolvimento e da sustentabilidade se tem revelado infrutífero (Vogt e Weber, 2019:
1-5). É disso exemplo a manchete do The New York Times, de 02 de novembro de 2012,
Forget sustainability, its about resilience”, referente ao artigo de opinião publicado por
Andrew Zolli, em que afirma: “Onde a sustentabilidade visa reequilibrar o mundo, a
resiliência procura formas de gerir o mundo desequilibrado” (Zolli, 2012a). Esta
afirmação poder-se-ia considerar simplista, ou até mesmo especulativa, uma vez que
tende a desconsiderar a importante evolução agregada ao conceito de DS até aos dias
de hoje, embora possam existir alguns argumentos que a fundamentem. A retórica em
torno do conceito de sustentabilidade, reside no hiato existente entre aquilo que são as
intenções, os discursos e a ação dos agentes, consubstanciados em compromissos
políticos comumente identificados como necessários, mas indubitavelmente
caracterizados como insuficientes ou incoerentes. Por exemplo, o Acordo de Paris
10
não
estabeleceu metas concretas para a redução dos GEE, nem qualquer regime jurídico que
penalize os incumpridores, para além de excluírem-se do acordo setores de atividade
económica altamente nocivos para o ambiente, como o os da aviação civil ou o dos
transportes marítimos (Ferreira, 2020: 13-16). Por outro lado, a constatação de que os
atuais mecanismos de financiamento ao combate às alterações climáticas focam-se
essencialmente nos processos de mitigação, e menos na adaptação - com prejuízo claro
para os países em desenvolvimento - não apenas nos remete para o tema em torno da
justiça climática
11
, como também estabelece a ponte para o conceito de resiliência.
8
Disponível em: https://ods.pt/. [Consultado em 23.ago.23].
9
Disponível em: https://www.sdgindex.org/news/press-release-sustainable-development-report-2023/.
[Consultado em 24.ago.23].
10
“O Acordo de Paris é um tratado internacional juridicamente vinculativo sobre alterações climáticas. Foi
adotado por 196 Partes na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP21) em Paris,
França, em 12 de dezembro de 2015. Entrou em vigor em 4 de novembro de 2016. O seu objetivo global é
manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e prosseguir
esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais” (UNFCCC, 2023).
11
“O reconhecimento de que a crise climática perpetua sistemas económicos, sociais e políticos desiguais e
que é necessário implementar respostas eficazes e coerentes com essas desigualdades constituem o
objetivo da justiça climática” (Ferreira, 2020: 27).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
364
Apesar dos países de baixo rendimento representarem apenas 6% das emissões globais
de GEE, são os que mais sofrem com os impactos das alterações climáticas
principalmente os continentes africano e asiático - primeiramente pela sua posição de
vulnerabilidade face as catástrofes naturais secas, inundações, stress hídrico,
desertificação dos solos e também pela natureza das suas economias: se por um lado
não dispõem dos mecanismos materiais e financeiros necessários para absorver e
adaptar a esses choques, por outro, o facto de dependerem das colheitas agrícolas, de
recursos florestais e outros recursos naturais, origina pressões de natureza social e
política, levando a situações de desigualdade, aumento da pobreza, subida do preço dos
alimentos, conflitos violentos e ao aumento dos fluxos migratórios, com todas as
consequências humanitárias, económicas e políticas daí resultantes por exemplo,
conforme se tem vindo a constatar com os impactos da crise migratória do Mediterrâneo
no seio da União Europeia.
A ideia de que o conceito de DS se encontra essencialmente alicerçado à forma do
discurso retórico, tem levado alguns académicos a procurar por alternativas teóricas, que
melhor permitam “compreender, gerir e governar, sistemas complexos de pessoas e
natureza”
12
(Walker et al. 2006: 2), e neste âmbito, a teoria dos sistemas socio-
ecológicos
13
- enquadrada no campo teórico dos sistemas complexos
14
- pode
estabelecer as pontes necessárias para se abordar, através de uma perspetiva sistémica,
a relação entre a sociedade e a natureza.
Resiliência: do conceito à ontologia
A aplicação do conceito de resiliência aos sistemas socio-ecológicos, está na origem de
uma tendência de pensamento focada no debate em como a sociedade poderá reforçar
a sua capacidade de prevenir e adaptar às perturbações ambientais, concebendo a
sustentabilidade como a resiliência dos sistemas socio-ecológicos
15
(Ruggerio, 2021: 5).
O conceito, tem vindo a ser assimilado por diferentes organizações, destacando-se no
âmbito do desenvolvimento, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Economico (OCDE), que o tem aplicado à diferentes perspetivas em torno da dicotomia
resiliência/desenvolvimento. Conceitos como sistemas resilientes, construção da
resiliência ou resiliência institucional, têm vindo a ser trabalhados, no sentido de se
12
No artigo original (Walker et al., 2006, p.2) esta argumentação é aplicada ao conceito de resiliência.
13
Definidos como “sistemas ecológicos fortemente influenciados pelas atividades humanas em que se regista
uma o menos forte dependência dos sistemas sociais em relação aos recursos e aos serviços
providenciados pelos ecossistemas” (Farrall, 2012: 50).
14
“Sistema complexo” é definido como um grupo ou organização, composta por múltiplas partes interativas
(Mitchell e Newman, 2001:1). Num sistema complexo, as redes de interação podem-se alterar e reorganizar
como consequência de mudanças do estado dos elementos que a constituem. “A teoria tem como objetivo
compreender as dinâmicas sistémicas resultantes dos processos de interação e eventualmente controlar e
projetar propriedades sistêmicas em campos como a economia, o sistema financeiro, processos sociais,
cidades, clima e ecologia” (Thurner, Hanel, e Klimek, 2018: 5).
15
A Resilience Alliance define resiliência dos sistemas socio-ecológicos como: “a capacidade de um sistema
socio-ecológico absorver ou resistir a perturbações e outros agentes de stress de tal forma que o sistema
permaneça dentro do mesmo regime, essencialmente mantendo a sua estrutura e funções. Descreve o grau
em que o sistema é capaz de se auto-organizar, aprender e adaptar”. Disponível em:
http://www.resalliance.org/3871.php. [Consultado em 03.jun.23].
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
365
perceber o papel critico que o desenvolvimento internacional poderá desempenhar em
torno das interações que envolvem a construção de capacidades das comunidades,
instituições, sistemas económicos, sociais e ambientais, face aos desafios globais
(Amaro, 2023: 26). Neste sentido, sistema resiliente, implica a capacidade de um
sistema se preparar, mitigar e prevenir, face aos impactos negativos, a fim de preservar
e restaurar as suas estruturas e funções básicas essenciais, proporcionando condições
ajustáveis dos seus componentes, de forma a assegurar a continuidade dessa mesmas
estruturas e funções, através de um processo de transformação que está na origem do
estabelecimento de um sistema essencialmente novo (OECD, 2021: 164).
Este processo de construção, incorpora do ponto de vista sistémico a combinação
estratégica e integrada das capacidades absortivas, adaptativas e transformativas, para
melhor alinhar as ações de gestão de riscos, com os objetivos de desenvolvimento de
longo prazo. Considerando-se a resiliência como uma propriedade sistémica, a sua
conceptualização tem extravasado todo o campo científico, refletindo-se como um
paradigma multidimensional, sustentado por uma dinâmica de processos
interrelacionados, face à um denominador comum: as perceções em torno dos desafios
representados pela interação humana e o planeta, onde se destacam os impactos das
alterações cliticas, pandemias, desigualdades, fluxos migratórios, conflitos violentos,
crises económicas e financeiras, entre outras.
Ontologia social e construtivismo nas RI
As ciências humanas dispõem de diversos meios para estudar a realidade social, sendo
a filosofia a primeira disciplina a pesquisar os assuntos em torno da ética, política e
moral, ou seja, os três maiores campos que distintamente lidam com a realidade social
(Andina, 2016: 11). A ontologia como um dos ramos da filosofia, é a ciência do que é,
dos tipos de estruturas dos objetos, propriedades, eventos, processos e das relações em
cada área da realidade, procurando providenciar uma solução e classificação exaustiva
das entidades em todas as dimensões do ser (Smith, 2012: 155). A disciplina das RI, a
semelhança de outras disciplinas do campo das ciências sociais, assenta em pressupostos
meta-teóricos que consistem na maneira pela qual as teorias são desenvolvidas,
oferecendo diferentes e complexas perspetivas em torno dos fenómenos em estudo
(Fernandes, 2011: 17-18). Em termos da terminologia filosófica, o posicionamento
teórico diz respeito a suposições particulares assentes na ontologia, epistemologia e
metodologia, o que pressupõe diferentes formas de se percecionar a realidade:
ontologicamente na forma como se percebem os diferentes domínios dos objetos,
epistemologicamente na aceitação ou rejeição de reivindicações particulares do
conhecimento, e metodologicamente na escolha de todos particulares de estudo
(Kurki e Wight, 2013: 14-15). Partindo das abordagens construtivistas das RI, os
indivíduos ou Estados, enquanto entidades sociais, não podem ser separados do contexto
dos significados normativos que moldam a sua identidade ou do vasto recurso de
possibilidades proporcionadas pela sua agência, o que nos transporta para o domínio da
ontologia social (Fierk, 2013: 190). Uma das tarefas da ontologia social é precisamente
identificar as causas por trás do conflito entre o livre arbítrio e a responsabilidade ética
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
366
e moral do ser humano enquanto entidade isolada ou animal social (Andina, 2016: 2), e
neste sentido, a complexidade do mundo e dos desafios que na atualidade se nos
deparam, transportam-nos para a segunda imagem. A perceção de que todos fazemos
parte de sistemas interligados de pessoas e natureza (sistemas socio-ecológicos), que
são essencialmente complexos e adaptativos, remete-nos para o conceito de resiliência
como a solução para a sustentabilidade destes sistemas (Walker e Salt, 2012: 10).
Poderemos falar de “resiliência ontológica”?
A conceção de um novo paradigma, no qual os cientistas percecionam o mundo como
“caótico, complexo, incerto e imprevisível”, tem transportado o conceito de resiliência
para o campo ontológico das teorias dos sistemas socio-ecológicos, cunhado por Davoudi
et. al (2012: 302) como “resiliência evolutiva”. Este conceito assenta no reconhecimento
de que a aparente perceção de estabilidade em nosso redor - seja na natureza ou na
sociedade - poderá mudar repentinamente para se tornar algo radicalmente novo, com
características que são profundamente diferentes do estado original, desafiando a matriz
equilibrística advogada pelo conceito de resiliência socio-ecológica. Ambos partilham a
ideia que caracteriza a resiliência como uma propriedade dinâmica, capaz de traduzir a
evolução, transformação, aprendizagem e interação entre o mundo natural e social
(Amaro, 2023: 24; Davoudi, 2012: 301-303; Walker et al. 2006). Neste sentido, poder-
se considerar a resiliência como uma propriedade inata à condição humana? Para
responder a esta questão teremos de sair do nível sistémico, e revisitar a definição da
American Psychological Associaton
16
(2012), que identifica resiliência como o processo
de adaptação perante adversidades, traumas, tragédias, ameaças e outras fontes
significativas de stress, podendo também envolver um crescimento pessoal profundo.
Uma vez, que os processos implicam interação social (Adler, 1999: 206), teremos de
descartar a hipótese. Dedutivamente, poderemos considerar que quanto maior for a
capacidade de resiliência, maiores as chances de adaptação perante fatores de stress, o
que também implica o aumento das probabilidades de sobrevivência. Neste sentido, “o
crescimento pessoal profundo” subentende uma evolução da condição básica de
sobrevivência, para a perceção ontológica do ser em relação ao mundo que o rodeia,
aplicando-se o mesmo para níveis de organização mais complexos.
Poderemos então falar de resiliência ontológica? Não se trata de uma constatação vaga,
uma vez que existem estudos desenvolvidos no campo teórico das RI, que nos poderão
ajudar a fundamentar esta proposta. Uma dessas referências reside no conceito de
segurança ontológica, definido originalmente por Laing (1969) e Giddens (1991) como
“a necessidade do individuo se experimentar a si mesmo como uma entidade completa
e contínua no tempo, a fim de percecionar algum senso de agência” (Mitzen, 2006: 342).
O conceito foi posteriormente desenvolvido por Jennifer Mitzen (2006), argumentando
que tal como os indivíduos têm a necessidade em se sentir seguros da sua identidade,
face as incertezas - o papel da agência faz mais sentido num contexto de previsibilidade
16
Disponível em https://www.apa.org/topics/resilience. [Consultado em 02.jul.23].
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
367
também os Estados procuram essa sensação de segurança ontológica, alimentando o
dilema de potencial conflito com a segurança física. Isto implica que por vezes os Estados
preferem a certeza proporcionada pelo conflito latente, em detrimento das incertezas
que possam derivar da interação com os outros ou da sua própria identidade (Mitzen,
2006: 342). Da mesma forma que os indivíduos percecionam a segurança como uma
necessidade, também têm vindo a percecionar a resiliência como um meio para se poder
satisfazer essa necessidade, pois a própria noção de segurança é um elemento subjetivo,
perante o contexto de incerteza e de imprevisibilidade que domina a atualidade. Neste
sentido, e incorporando a matriz do conceito dos sistemas resilientes
17
, sugere-se como
conceito de resiliência ontológica, a capacidade das pessoas ou instituições, em absorver,
adaptar, e transformar, perante situações extremas resultantes de choques, a partir da
mudança da perceção que têm do mundo e de si mesmos. Estas capacidades conferem
do ponto de vista sistémico, as respostas necessárias para se fazer face às
imprevisibilidades ou alterações de estado, visando a continuidade funcional dos
elementos ou processos, que constituem a estrutura essencial para os seus padrões de
vida (Reser e Swim, 2011: 5).
O conceito de resiliência ontológica, o apenas enfatiza o papel da agência, como
também sugere uma reflexão profunda sobre a própria essência do ser, na sua relação
com a natureza. A sua aplicação prática, pode ser constatada pelo crescente
envolvimento de organizações da sociedade civil no estudo do conceito de resiliência. Tal
como a Resilience Alliance
18
, também o Stockholm Resilience Center
19
, congrega uma
rede integrada de especialistas dedicada ao estudo da resiliência, a fim de se
compreender a complexa dinâmica entre as pessoas e o planeta na era do Antropoceno
20
,
em resultado da perceção que têm da realidade.
A analogia mais recorrente, para o conceito de resiliência ontológica, tem como referência
o termo resilience thinking
21
(Chandler, 2014: 53; Walker e Salt, 2012: 8). Alguns dos
pontos chave do resilience thinking apontam para falhas estruturais em termos das
abordagens tradicionalmente aplicadas à gestão de recursos naturais sustentáveis,
criticadas por se focarem essencialmente nas condições de vantagens e expectativas em
torno do crescimento económico, alimentando perturbações significativas no sistema
socio-ecológico como um todo, ao optarem por otimizar alguns dos componentes do
17
Tal como referido nas páginas 6-7, “a capacidade de um sistema se preparar, mitigar e prevenir, face aos
impactos negativos, a fim de preservar e restaurar as suas estruturas e funções sicas essenciais,
proporcionando condições ajustáveis dos seus componentes, de forma a assegurar a continuidade dessa
mesmas estruturas e funções, através de um processo de transformação que está na origem do
estabelecimento de um sistema essencialmente novo” (OECD, 2021: 164).
18
“A Resilience Alliance foi fundada em 1999 como uma organização registada (…), porém muitos de seus
membros originais vinham desenvolvendo e testando a teoria da resiliência desde a cada de 1970. A
comunidade evoluiu para uma forte rede de estudiosos da resiliência e com a criação formal de uma
organização em 1999, a RA iniciou um caminho de rápido crescimento no mero de pessoas envolvidas,
resultados e atividades relacionadas à ciência da resiliência”. Disponível em linha em:
https://www.resalliance.org/background. [Consultado em 26.jul.23].
19
Disponível em: https://www.stockholmresilience.org/. [Consultado em 26.jul.23].
20
O tempo é dividido pelos geólogos de acordo com mudanças marcantes no estado da Terra. As recentes
alterações ambientais globais sugerem que a Terra poderá ter entrado em uma nova época geológica
dominada pelo homem, o Antropoceno (Lewis, e Maslin, 2015: 171).
21
O termo é deixado na língua original por ser abrangente na literatura evitando-se desta forma redundâncias
em seu torno.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
368
sistema, isolando outros (Walker e Salt, 2012: 2). Neste sentido, poder-se considerar
que o conceito de resiliência ontológica, enquanto analogia do resilience thinking,
encontra-se intrinsecamente associado às questões relacionadas com a agência e
governação (Flockhart, 2020: 218), apresentando-se como uma alternativa para
colmatar algumas das falhas estruturais identificadas no modelo neoliberal de
governação (Chandler, 2014: 97)
22
.
Considerações finais
A revisão da literatura sugere a conceção de um novo paradigma, no qual emerge o
debate em torno da dicotomia sustentabilidade/resiliência. A perceção de que os atuais
modelos de governação se caracterizam como desadequados para lidar com os desafios
globais, não apenas alimenta a fundamentação em torno do conceito de resiliência
ontológica, como também alerta a sociedade para a necessidade de mudança. Se a
sustentabilidade é um elemento de retórica? A resposta poderá ser encontrada na forma
como se revelar a agência dos atores num futuro próximo, o que implica a projeção de
dois cenários: a sustentabilidade como paradigma dominante ou a prevalência do atual
paradigma. Se o primeiro reflete o predicado socio-ecológico e a realização do legado
humanista, o segundo alimenta a ideia de que o conceito de resiliência ontológica se
encontra subordinado ao conceito de segurança ontogica, o que poderá condicionar o
papel de todos aqueles que procuram por respostas para melhor gerir as questões afetas
à relação entre a sociedade e a natureza.
Num momento em que experienciamos a entrada no Antropoceno, não existem garantias
para além das constantes de mudança e de imprevisibilidade. Ainda mal compreendemos
os significados da nossa evolução tecnológica, e da dimensão disruptiva a ela associada.
A eminente cumplicidade entre as correntes de pensamento ocidental e a aplicação da
teoria na política internacional, deixa pouco espaço para a autocrítica, para a reflexão,
um padrão que tende a construir uma realidade identitária exacerbada em termos
ontológicos, na qual se perdem oportunidades para a prossecução de uma agenda que
sirva os interesses da humanidade como um todo. Neste sentido, não apenas poderemos
falar de resiliência ontológica, como também deveremos falar dela, promovê-la, pois não
se vislumbram alternativas, senão nos campos em que a utopia e a razão superem o
paradigma das relações de poder e dos interesses subjacentes. O planeta natural e social
será o que a humanidade fizer da sua agência - uma analogia ao pensamento de Wendt
(1992) - e a contínua materialização do segundo cenário anteriormente sugerido, não
apenas poderá comprometer a sustentabilidade das gerações futuras, como também
se manifesta de forma nociva para as atuais gerações. Independentemente dos espaços
físicos que ocupem, das suas culturas e identidades, do desenvolvimento das suas
capacidades socioeconómicas e financeiras, ou do seu poderio político-militar, os
fenómenos climatéricos em curso transcendem o imaginário de qualquer construção
22
Where neoliberalism failed to properly work through the consequences of postmodernity for governance,
resilience-thinking claims to have the solution to the apparent conundrum of governing without assumptions
of Cartesian certainty or Newtonian necessity” (Chandler, 2014: 97).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
369
social até hoje concebida, sugerindo uma mudança radical na forma como se têm
percecionado e abordado os desafios globais.
Referências
Adler, Emanuel (1999). O construtivismo no estudo das relações internacionais. Lua
Nova: revista de cultura e política. Nº 47: 201-246.
Amaro, José (2023). A língua portuguesa como vetor para a promoção e construção da
resiliência em Moçambique. A atuação da cooperação portuguesa em Cabo Delgado
(2011-2021) (Master's thesis). Lisboa: Repositório UAL. [online] Disponível em:
http://hdl.handle.net/11144/6391. Consultado em 12.jun.23.
Andina, Tiziana (2016). An ontology for social reality. London: Springer.
Chandler, David (2014). Beyond neoliberalism: resilience, the new art of governing
complexity. Resilience, 2(1), 47-63.
Davoudi, Simin, et al. (2012). Resilience: a bridging concept or a dead end? “Reframing”
resilience: challenges for planning theory and practice interacting traps: resilience
assessment of a pasture management system in Northern Afghanistan urban resilience:
what does it mean in planning practice? Resilience as a useful concept for climate change
adaptation? The politics of resilience for planning: a cautionary note. Planning theory &
practice, 13(2), 299-333.
Farrall, Helena (2012) O conceito de Resiliência no contexto dos sistemas socio-
ecológicos. Ecologia. Vol.6 (2012), p.50-62. ISSN: 1647-2829.
Fehling, Maya; Brett D. Nelson; Sridhar Venkatapuram (2013). "Limitations of the
Millennium Development Goals: a literature review." Global public health 8.10: 1109-
1122.
Fernandes, José Pedro Teixeira. (2009). Teorias das Relações Internacionais: da
abordagem clássica ao debate pós-positivista. Coimbra: Almedina.
Ferreira, Patrícia (2020), Desenvolvimento e Alterações Climáticas: impactos e
(in)sustentabilidade. Lisboa: FEC - Fundação Fé e Cooperação.
Fierke, Karin (2013), “Construcitivism”, in Dunne, Tim; Rurki, Milja; Smith, Steve (2013),
International Relations Theories - Discipline and Diversity. Third Edition. Oxford
University Press. USA. ISBN 978-0-19-969601-7.
Folke, Carl, et. al (2010). Resilience thinking: integrating resilience, adaptability and
transformability. Ecology and society, 15(4).
Frantzius, Ina Von (2004) World Summit on Sustainable Development Johannesburg
2002: A Critical Analysis and Assessment of the Outcomes, Environmental Politics, 13:2,
467-473, DOI: 10.1080/09644010410001689214.
Herremans, Irene; Reid, Robin (2002). Developing awareness of the sustainability
concept. The Journal of Environmental Education, 34(1), 16-20.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
370
Hulme, David (2010). "Lessons from the making of the MDGS: human development
meets resultsbased management in an unfair world." IDS bulletin 41.1: 15-25.
Jabareen, Yossef (2008). A new conceptual framework for sustainable development.
Environment, Development and sustainability, 10, 179-192.
Kurki, Milja; Wight, Colin (2013), “International Relations and Social Science”, in Dunne,
Tim; Kurki, Milja; Smith, Steve (2013), International Relations Theories - Discipline and
Diversity. Third Edition. Oxford University Press. USA. ISBN 978-0-19-969601-7.
Lewis, Simon e Maslin, Mark (2015). Defining the anthropocene. Nature, 519 (7542),
171-180.
Mitchell, Melanie; Newman, Mark (2002). Complex systems theory and evolution.
Encyclopedia of evolution, 1, 1-5.
Mitzen, Jennifer (2006). Ontological security in world politics: State identity and the
security dilemma. European journal of international relations, 12(3), 341-370.
Organization For Economic Cooperation & Development. (2021) Development Co-
Operation Report 2020 - Learning From Crisis, Building Resilience. OECD.
Reser, Joseph; Swim, Janet (2011). Adapting to and coping with the threat and impacts
of climate change. American Psychologist, 66(4), 277.
Ruggerio, Carlos (2021). Sustainability and sustainable development: A review of
principles and definitions. Science of the Total Environment, 786, 147481.
Smith, Barry (2012). Ontology. Hurtado, Guillermo; Nudler, Oster. The furniture of the
world. Leiden: Brill. (pp. 47-68).
Thurner, Stephen; Hanel, Rudolph; Klimek, Peter (2018). Introduction to the theory of
complex systems. Oxford: Oxford University Press.
Tomé, Luis; Pinto, Luís; Brito, Brígida (2023). "Abertura." Em torno do Pensamento de
Luís Moita: Humanismo e Relações Internacionais. Lisboa: OBSERVARE - Observatório
de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, 11-14.
United Nations (2022). Department of Economic and Social Affairs. The Sustainable
Development Goals: Report 2022. New York: United Nations Publications.
United Nations (2015). The Millennium Development Goals Report 2015. New York, New
York: United Nations Publications..
United Nations (1997). Resolution Adopted by General Assembly A/RES/S-19/2, 19
September 1997. Disponível em: https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/774/73/PDF/N9777473.pdf?OpenElement. [Consultado
em 22.ago.23].
UNFCCC (2023). The Paris Agreement. What is the Paris Agreement? United Nations
Framework Convention on Climate Change [Online]. Disponível em: https://unfccc.int.
[Consultado em 24.ago.23].
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024), pp. 358-371
Poderemos falar de resiliência ontológica? Do Relatório Brundtland à retórica da
sustentabilidade: uma análise conceptual e sistémica no context da crise climática
José Carlos Amaro
371
Vogt, Markus; Weber, Christoph. (2019). Current challenges to the concept of
sustainability. Global Sustainability, 2, e4.
Walker, Brian; Salt, David (2012). Resilience thinking: sustaining ecosystems and people
in a changing world. Washington: Island press.
Walker, Brian et al. (2006). A handful of heuristics and some propositions for
understanding resilience in social-ecological systems. Ecology and society, 11(1).
Wals, Arjen; Jickling, Bob (2002). “Sustainabilityin higher education: From doublethink
and newspeak to critical thinking and meaningful learning. International Journal of
Sustainability in Higher Education, 3(3), 221-232.
WCED. (1987). Our common future. The Brundtland Report, world commission for
environment and development. Oxford: Oxford University Press.
Wendt, Alexander (1992). Anarchy is what states make of it: the social construction of
power politics. International organization, 46(2), 391-425.
Zolli, Andrew (2012a). Learning to bounce back. New York Times, [online]. [19.jun.23].
Disponível em: https://www.nytimes.com/2012/11/03/opinion/forget-sustainability-its-
about-resilience.html.