OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024)
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OS DESAFIOS DA SEGURANÇA NO GOLFO DA GUINÉ: O CASO DA PESCA
ILEGAL, NÃO DECLARADA E NÃO REGULAMENTADA
ANTÓNIO GONÇALVES ALEXANDRE
amgalexandre527@hotmail.com
Investigador associado no Centro de Investigação e Desenvolvimento do
Instituto Universitário Militar (Portugal)
Resumo
Os recursos haliêuticos são responsáveis por perto de um sexto do volume total de proteína
animal consumido pelas populações e proporcionam meios de subsistência a cerca de 820
milhões de pessoas em todo o mundo. Todavia, a pesca global está em risco devido ao
aumento da procura mundial de peixe, ao declínio da sde dos oceanos e à continuação da
pesca ilegal, não declarada e não regulamentada.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, mais de 90 por cento das reservas de peixe
permanecem totalmente exploradas, sobre exploradas ou mesmo esgotadas. As razões
apontadas são uma combinação de exploração legal a par da pesca ilegal, não declarada e
não regulamentada que representa cerca de 20 por cento das capturas globais de peixe.
Mais de 40 por cento dos casos ocorridos entre 2010-2022 foram registados nos espaços
marítimos da África Ocidental, nomeadamente no Golfo da Guiné.
O presente artigo analisa a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada no Golfo da
Guiné. As conclusões evidenciam que esta atividade ilícita é, no presente, a maior ameaça à
segurança humana das populações costeiras e à segurança marítima de toda a região, e
recomendam a implementação de uma boa ordem no mar que permita a adoção de medidas
concretas para lhe fazer face.
Palavras-chave
Recursos haliêuticos; Pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; Golfo da Guiné;
segurança marítima; segurança humana
Abstract
Fishery resources account for almost one sixth of the total volume of animal protein consumed
by people and provide livelihoods for some 820 million people worldwide. However, global
fisheries are at risk due to increasing global demand for fish, declining ocean health and
continued illegal, unreported and unregulated fishing.
According to the United Nations, more than 90 per cent of fish stocks remain fully exploited,
overexploited or even depleted. The reasons are a combination of legal exploitation and illegal,
unreported and unregulated fishing which accounts for about 20 per cent of global fish
catches. More than 40 per cent of the cases between 2010 and 2022 were recorded in West
African maritime areas, notably in the Gulf of Guinea.
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Os desafios da segurança no Golfo da Guiné: o caso da pesca illegal, não declarada
e não regulamentada
António Gonçalves Alexandre
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This article analyses illegal, unreported, and unregulated fishing in the Gulf of Guinea. The
findings highlight that this illegal activity is currently the greatest threat to the human security
of coastal communities and to the maritime security of the whole region. Furthermore, without
good order at sea, it will not be possible to take concrete measures to address the problem.
Keywords
Fishery resources; illegal, unreported and unregulated fishing; Gulf of Guinea; maritime
security; human security.
Como citar este artigo
Alexandre, António Gonçalves (2023). Os desafios da segurança no Golfo da Guiné: o caso da
pesca ilegal, não declarada e não regulamentada. Janus.net, e-journal of international relations,
Vol14 N2, Novembro 2023-Abril 2024. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.2.7
Artigo recebido em 27 de Março de 2023 e aceite para publicação em 4 de Setembro 2023
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OS DESAFIOS DA SEGURANÇA NO GOLFO DA GUINÉ: O CASO DA
PESCA ILEGAL, NÃO DECLARADA E NÃO REGULAMENTADA
ANTÓNIO GONÇALVES ALEXANDRE
1. Introdução
De acordo com um relatório do National Intelligence Council dos EUA, de setembro de
2016, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU)
1
havia ultrapassado,
nessa data, a pirataria como ameaça global à segurança marítima, uma vez que aquele
fenómeno tinha um efeito negativo (em cascata) em diferentes domínios. Desde logo,
podia pôr em causa a segurança alimentar e a perda de meios de subsistência das
populações ribeirinhas, dado que as grandes frotas de pesca industrial envolvidas
naquelas atividades ilícitas facilmente perturbavam o modelo económico da pesca
costeira (que em muitos espaços marítimos era ainda artesanal), provocando tensões
acrescidas, tanto a nível local como regional. Depois, porque a pesca IUU é
potencialmente um facilitador do aumento de rivalidades entre países, especialmente dos
que dependem da pesca e a consideram uma importante fonte de rendimento. Por outro
lado, aquele tipo de práticas tem o efeito de minar as instituições governamentais (e o
próprio Estado de direito) nos espaços de jurisdição dos países onde ocorre, uma vez que
proporciona aos criminosos ganhos significativos e é frequentemente misturada com
outros crimes transnacionais que ocorrem no mar como os tráficos de droga, de armas
ou de pessoas. Por fim, a pesca IUU pode mesmo, no limite, contribuir para o incremento
do risco de pirataria e/ou assalto armado no mar (por ausência de meios de subsistência
alternativos dos marítimos que utilizam o mar de forma lícita) (US National Intelligence
Council, 2016).
A relevância da pesca IUU em termos globais e o seu impacto nas populações e na
segurança marítima dos Estados costeiros onde mais se manifesta, em particular os que
estão geograficamente localizados no Golfo da Guiné (GdG)
2
, são o ponto de partida para
1
Acrónimo que significa illegal, unreported and unregulated.
2
Atento o facto de não haver um consenso internacional acerca da extensão geográfica do GdG, no presente
estudo optou-se por seguir a definição adotada pela União Europeia (UE) (Council of the European Union,
2014, p. 1). Neste sentido, o GdG inclui os 17 Estados continentais costeiros desde o Senegal, a Norte, até
Angola, a Sul, e os dois Estados insulares de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe.
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o presente estudo. Nestas circunstâncias, importa começar por caracterizar este
fenómeno.
Figura 1 Formas de pesca IUU
Fonte: (US National Intelligence Council, 2016)
Assim, e tendo como referência o relatório antes referido do National Intelligence Council
dos EUA e um outro do Interafrican Bureau for Animal Resources, da União Africana
(AUIBAR), ainda de 2016, a pesca ilegal refere-se a atividades realizadas por
embarcações nacionais ou estrangeiras em águas sob jurisdição de um Estado sem a
permissão desse Estado, ou em contravenção das suas leis e regulamentos e a
atividades conduzidas por navios que arvoram o pavilhão de Estados partes numa
organização regional de gestão das pescas, mas que operam em transgressão das
medidas de conservação e gestão adotadas por essa organização e às quais os Estados
estão vinculados. Já a pesca não declarada está relacionada com atividades que não são
reveladas ou que são deliberadamente manifestadas de forma incorreta às autoridades
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competentes. Por fim, a pesca não regulamentada diz respeito a atividades realizadas
em áreas onde não há medidas de conservação ou gestão aplicáveis, tais como fora dos
limites da zona económica exclusiva (ZEE) de qualquer país e desde que não estejam
sob jurisdição das Regional Fisheries Management Organizations (RFMO)
3
(US National
Intelligence Council, 2016), (AUIBAR, 2016). A Figura 1 mostra as formas usuais de
pesca IUU, tanto nas ZEE dos Estados costeiros como nos espaços marítimos das RFMO.
Se recuarmos ao início deste século, Philip Steinberg acentuou a preponderância que o
mar tinha vindo a assumir ao longo dos séculos para a humanidade, ao referir ser “difícil
exagerar o papel dos oceanos na asceno do sistema mundial moderno” e que “o mar
continuava a ser um domínio crucial para os recursos que sustentavam a vida
contemporânea” (Steinberg, 2001, p. 8). Alguns anos depois, Geoffrey Till veio afirmar
a necessidade de existir uma boa ordem no mar. Referindo-se a três dos principais
atributos que considerou que o mar tinha tido ao longo dos séculos para a humanidade
4
,
Till argumentou, em 2009, que cada um deles era, nessa data, pelo menos tão
importante como sempre tinha sido no passado, e que cada um enfrentava, per se, uma
série de riscos e ameaças que podiam colocar em causa essa boa ordem da qual dependia
a sua contribuição contínua para o desenvolvimento humano. Considerou, ainda, Till, que
a manutenção de uma boa ordem no mar era de tal forma relevante que “a generalidade
das marinhas tem optado por focar-se nas ões tendentes a garantir a sua preservação”
(Till, 2009, p. 286).
Todavia, essa boa ordem no mar encontra-se atualmente (muito) longe de estar
garantida. A má governação e a insuficiente aplicação da lei apontam mesmo para uma
situação em que o crime parece compensar, sobretudo em determinados espaços
marítimos. Referiu Elei Igbogi (2019, p. 30), a este propósito, que “a vida nos mares se
tornou sinónimo de anarquia” e que isso muito ficou a dever-se ao facto de diversos
governos serem amiúde confrontados com a falta de motivação interna para intervir no
mar o que se traduz, na prática, na ausência de vigilância adequada. Mas ainda que
possa ser desenvolvido um esforço de aplicação de medidas por parte dos Estados para
fazer face à crescente atividade criminosa no domínio marítimo, a escassez de fundos,
de recursos (materiais e humanos) e até, em alguns casos, de experiência (como
acontece no GdG), tem gerado, globalmente, resultados muito aquém do esperado.
Feito este enquadramento inicial que ajuda a explicar o surgimento (e manutenção em
níveis elevados) da pesca IUU, importa referir que o seu impacto é, porém, difícil de
medir com rigor. Ainda assim, a perda económica global estimada deste tipo de pesca é
da ordem dos 23,5 mil milhões de dólares por ano, correspondendo a cerca de 26 milhões
de toneladas de peixe aproximadamente um quarto da captura mundial. Com a
obtenção de avultados lucros e a perspetiva de um risco bastante reduzido relativamente
3
São organizações internacionais a quem foi confiada a missão de regular a atividade pesqueira em águas
internacionais. Estas organizações são compostas por países, ou associações de países como é o caso da
UE com interesses de pesca nas áreas reguladas por essas RFMO. Países não costeiros, que operam com
frotas longínquas, podem ser, de igual modo, partes contratantes de tais organizações, que de um ponto
de vista pragmático são suscetíveis de ser divididas entre as que regulam as espécies migratórias (como,
por exemplo, o atum) e as que regulam outras espécies pelágicas e/ou demersais (DGRM, 2023).
4
Pelos recursos que contém, pela utilidade como meio de transporte e pela importância como meio de troca
de informações (Till, 2009, p. 286).
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a potenciais repercussões legais devido à falta de capacidade da generalidade dos
Estados africanos para intervir o incentivo para pescar ilegalmente nas águas da costa
ocidental de África é francamente elevado (Igbogi, 2019, p. 30), (Daniels, Kohonen,
Gutman, & Thiam, 2022, p. 6).
Este artigo aborda os conceitos de segurança marítima e de segurança humana e o modo
como se relacionam entre si; analisa o fenómeno da pesca IUU no GdG e de que forma
se constitui como uma ameaça significativa à segurança humana das populações
ribeirinhas e, por consequência, à segurança marítima de toda a região; e, por fim,
evidencia a necessidade de ser edificada uma boa ordem nos espaços marítimos
envolventes, como meio de mitigação dos desafios aí existentes.
Em termos metodológicos, seguiu-se um quadro epistemológico interpretativista, um
raciocínio do tipo indutivo e uma estratégia de investigação qualitativa. Utilizou-se como
método preferencial de coleta de dados fontes documentais escritas.
2. Segurança marítima e segurança humana
Este capítulo destina-se a caracterizar os dois conceitos estruturantes deste estudo que
podem ser colocados em causa pela pesca IUU a segurança marítima e a segurança
humana e a forma como se interligam.
2.1 Segurança marítima
Segurança marítima é um termo que foi cunhado no pós Guerra-Fria e resultou da
abertura da agenda de segurança então ocorrida, que trouxe apensa uma nova estrutura
de análise dos estudos de segurança que examinava o carácter distintivo das dinâmicas
de segurança em cinco setores diferentes: os usuais político e militar, aos quais foram
adicionados o económico, o ambiental e o societal (Buzan, Wæver, & Wilde, 1998, p. 1).
A ampliação da agenda de segurança teve como consequência a existência de duas visões
distintas sobre os estudos de segurança: uma nova, personificada pela corrente que
defendia o alargamento do conceito
5
; e a tradicionalista, eminentemente militar e
centrada no Estado. E se o objeto de referência da visão “estreita” tradicionalista
continuava a ser o Estado, o mesmo não acontecia com a visão “ampla” – daqueles que
defendiam o alargamento do conceito a novas fontes de ameaças não-militares que
passou a incluir um leque diversificado de objetos de referência, entre outros, o comércio
e recursos financeiros (no setor económico), a identidade coletiva (no setor societal) e a
biosfera (no setor ambiental) (Buzan, Wæver, & Wilde, 1998).
5
Entre os proponentes desta visão encontram-se os principais teóricos da Escola de Copenhaga Ole Wæver,
Barry Buzan e Jaap de Wilde , bem como Mohammed Ayoob (que admitiu, porém, que nem todas as
questões tinham a mesma influência ao longo do tempo e entre países específicos, pelo que evitou incluir
aspetos como a degradação ambiental, a poluição ou a migração numa definição de segurança), e Michael
Klare e Daniel Thomas que, em sentido oposto, argumentaram que o conceito de segurança devia ser
alargado devido ao declínio do significado de fronteiras geográficas (uma vez que os Estados não eram
capazes de responder a problemas globais, como as ameaças ecológicas, os abusos de direitos, as
tendências demográficas negativas ou crises económicas, entre outros) (Padrtova, 2020, p. 31).
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Ainda que o termo segurança marítima não tenha uma definição clara e consensualmente
aceite
6
, chama a atenção para os novos desafios no domínio marítimo e para a forma
como devem ser abordadas as inúmeras questões que lhe estão associadas. O relatório
do Secretário-geral das Nações Unidas apresentado na 63ª Sessão da Assembleia Geral
refere, em concreto, que existiam duas visões distintas sobre segurança marítima: uma
delas, mais restrita, envolvia a proteção contra ameaças diretas à integridade territorial
dos Estados e incluía a segurança contra crimes cometidos no mar como a pirataria, o
assalto armado contra navios e o terrorismo marítimo; e uma outra, mais alargada,
englobava os danos intencionais e ilegais causados ao meio ambiente marinho incluindo
o despejo ilegítimo de resíduos e a depredação de recursos naturais, em particular a
pesca IUU, no leque de ameaças aos interesses dos Estados (UNSG, 2008).
Christian Bueger (2015, p. 161) optou por uma definição holística, ao edificar uma matriz
com quatro dimensões ambiente marinho, desenvolvimento económico, segurança
nacional e segurança humana e quatro conceitos segurança marinha, seapower,
economia azul e resiliência , e ainda vários riscos e ameaças, defendendo que a
segurança marítima podia ser interpretada através das relações que era possível
estabelecer entre todos eles.
2.2 Segurança humana
A publicação do Human Development Report, em 1994, pelo United Nations Development
Programme (UNDP), esteve na origem da criação do termo segurança humana. Refere
aquele relatório que o conceito de segurança foi interpretado, durante anos a fio, de uma
forma muito restrita como a segurança do território de agressões externas ou como a
proteção de interesses nacionais no exterior. Nesse sentido, a segurança esteve sempre
muito mais relacionada com os Estados do que com as pessoas. E o facto é que, para
muitas populações, a segurança simbolizava a proteção contra outro tipo de ameaças,
que variavam entre as doenças, a fome, o desemprego, os crimes diversos, os conflitos
sociais, a repressão política e até os riscos ambientais (UNDP, 1994, p. 22).
Depois disso, e em particular no século XXI, diversos académicos abordaram o conceito
de segurança humana. Foi o caso, por exemplo, de Mary Kaldor, Mary Martin e Sabine
Selchow (2007, p. 273), que consideraram que o conceito se referia à segurança dos
indivíduos e das comunidades, e que as ameaças à segurança humana ocorriam num
espectro alargado desde o genocídio e a escravatura até catástrofes naturais, e a
violações maciças do direito à alimentação, saúde e habitação.
Sakiko Fukuda-Parr e Carol Messineo (2012, pp. 2-3) sublinharam que o conceito
identificava a segurança de vidas humanas como objetivo da política de segurança
nacional e internacional. A ideia central era a primazia da vida humana como objeto de
referência. Ao focar-se no indivíduo, devia incluir todos os aspetos dos direitos humanos,
6
O relatório do Secretário-geral das Nações Unidas de 10 de março de 2008, sobre os Oceanos e o Direito
do Mar, referia que a definição do termo segurança marítima “variava em função do contexto e dos
diferentes utilizadores(UNSG, 2008).
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entre eles a obrigação de atender às necessidades básicas das populações e às exigências
de liberdade política e social.
Bueger (2015, p. 161), defendeu que a segurança humana surgiu como alternativa ao
entendimento da segurança em termos de segurança nacional, assumindo-se como um
conceito tendente a centrar as atenções de segurança nas necessidades das pessoas e
não dos Estados.
Daniel Marcos e Nuno Severiano Teixeira (2019, p. 12) consideraram que a emergência
de preocupações sobre a segurança humana no pós-Guerra Fria marcou o fim do
privilégio natural do Estado sobre os indivíduos os seres humanos passaram a estar no
centro das preocupações de segurança. Referiram, de igual modo, que a segurança
humana implicava, por vezes, uma capacidade militar, mas que, maioritariamente, dizia
respeito a respostas não-convencionais. Baseava-se na crença de que a prevenção era a
melhor solução para combater possíveis ameaças e que os Estados deviam trabalhar em
conjunto com organizações multilaterais, não governamentais e regionais, para prevenir
tais ameaças (Marcos & Teixeira, 2019, p. 19).
Ifesinachi Okafor-Yarwood (2020, pp. 118-119) realçou a estreita ligação entre as
questões da segurança humana e da segurança nacional e os assuntos da segurança
marítima, defendendo, contudo, que o se devia promulgar a segurança do indivíduo
ignorando simplesmente a segurança do Estado. Ao invés, o Estado (e as suas
instituições) eram decisivas para a garantia da utilização segura do domínio marítimo.
2.3 A ligação entre a segurança marítima e a segurança humana
Tanto a segurança marítima quanto a segurança humana são termos relativamente
recentes, tendo emergido no edifício conceptual da disciplina de Relões Internacionais
com a abertura da agenda de segurança verificada no pós-Guerra Fria. Ambos foram
cunhados no final do século passado, embora tenham vindo a assumir maior
preponderância apenas no decorrer do presente século.
Em linha com as diferentes visões destes dois conceitos, emerge a convicção de que
algumas das ameaças à segurança humana veiculadas no domínio marítimo são, de igual
modo, ameaças à segurança marítima. Considerando que a pesca é uma fonte vital de
alimento e de emprego, nomeadamente nos países menos desenvolvidos, a pesca IUU
assume-se como uma questão muito relevante que afeta a segurança humana nas suas
múltiplas componentes variando desde a segurança de todos os que exercem
atividades legais no mar, até à vulnerabilidade das populações ribeirinhas às ameaças
que se desenvolvem no domínio marítimo de uma forma mais ampla.
Christian Bueger e Timothy Edmunds (2017, pp. 1299-1300) retomaram a análise das
quatro dimensões centrais da segurança marítima definidas por Bueger em 2015
7
. Uma
delas aborda as questões relativas à segurança humana, entendidas no contexto das
inseguranças vividas pelos indivíduos e comunidades locais. A pesca garante os meios
7
Ambiente marinho, desenvolvimento económico, segurança nacional e segurança humana.
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de subsistência de milhões de pessoas que vivem em regiões costeiras, que o, em
simultâneo, as mais vulneráveis aos impactos adversos das alterações climáticas ou da
poluição marinha. Porém, as preocupações não dizem apenas respeito à segurança de
indivíduos e comunidades ribeirinhas, mas, outrossim, ao papel da insegurança humana
no surgimento de atividades criminosas, como a pirataria ou os tráficos diversos,
enquanto fontes alternativas de emprego em reges de significativa privação (ou rutura)
económica (Bueger & Edmunds, 2017, p. 1300).
Ifesinachi Okafor-Yarwood tem o entendimento que no contexto das questões da
segurança marítima, a existência de instituições estatais (robustas e eficientes na sua
ação) serão capazes de garantir o uso sustentável dos recursos marinhos e, dessa forma,
satisfazer as necessidades de segurança humana das comunidades ribeirinhas (Okafor-
Yarwood, 2020).
Fica evidente, do que antecede, que há uma relação direta entre a segurança marítima
das regiões e a segurança humana das populações ribeirinhas (uma vez que um ambiente
marítimo inseguro potencia o aparecimento de atividades criminosas que põem em causa
a segurança de todos os que usam o mar de forma legítima), e que é fundamental a
existência de burocracias de segurança suficientemente robustas (com meios adequados,
bons conhecimentos adquiridos e práticas consolidadas) que permitam alcançar (e
manter) uma boa ordem nos espaços marítimos.
3. A pesca ilegal, não declarada e não regulamentada no Golfo da Gui
Este capítulo analisa o impacto da pesca IUU no GdG e de que modo este fenómeno se
constitui como ameaça à segurança humana das populações costeiras e à segurança
marítima daquela região.
3.1 O impacto da pesca IUU no GdG
A pesca IUU ao largo da costa ocidental de África (e em particular na região do GdG)
pode ser vista, segundo Denys Reva e David Williama (2021), como um desafio a três
níveis distintos.
No primeiro nível, a pesca IUU compromete a gestão dos recursos vivos. Para alcançar
um setor de pesca sustentável, os países devem ser capazes de gerir o crescimento e o
esgotamento das reservas de peixe, impor regras (de segurança e de operação), definir
períodos para o desenvolvimento das usuais atividades de pesca e delimitar áreas de
captura e de conservação das espécies. A pesca ilegal mina as iniciativas emergentes da
economia azul em todo o continente africano, custando aos Estados costeiros milhares
de milhões em receitas perdidas. A título de exemplo, a Mauritânia, Senegal, Gâmbia,
Guiné-Bissau, Guiné e Serra Leoa perdem anualmente 2,3 mil milhões de dólares para a
pesca ilegal (Reva & Willima, 2021).
O segundo nível diz respeito ao prejuízo que a pesca IUU acarreta para a segurança
alimentar nas comunidades costeiras. Se tomarmos agora como exemplo o caso da
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Nigéria a potência regional do GdG
8
, as suas águas contêm diversas espécies de
peixe que contribuem para a segurança alimentar e económica de uma fatia substancial
da sua população. De facto, a pesca local (que é sobretudo artesanal) é responsável pela
captura de 80 por cento do peixe e é o garante da subsistência de cerca de 24 milhões
de nigerianos. Mas também enfrenta ameaças. Uma delas é a poluição ambiental,
principalmente proveniente da indústria petrolífera. A poluição degrada o ambiente
marítimo, destrói as reservas de peixe e reduz as capturas. Mas a grande ameaça é a
pesca ilegal
9
. A este respeito, a Câmara dos Representantes da Niria observou, em
2021, que o país perdia 70 milhões de dólares devido à pesca ilegítima incluindo a
diminuição de taxas provenientes de licenças e menores receitas de impostos. Outras
fontes calculam, todavia, que o custo da pesca ilegal na Nigéria é francamente mais
elevado, variando entre os 600 e os 800 milhões de dólares por ano
10
. Apesar das
diferentes estimativas, as fontes concordam que as perdas económicas causadas pela
pesca ilegal na Nigéria são elevadas e que apenas mostram um quadro superficial dos
verdadeiros custos imputados a essa prática, que não ocorre de forma isolada
11
(Okafor-
Yarwood & Bhagwandas, 2021).
No terceiro nível, a pesca ilegal corrói a confiança das comunidades na aplicação da lei,
criando um sentimento de desrespeito e negligência. Este é um ambiente em que o crime
organizado prospera, o que a par da perda de meios de subsistência das populações pode
alimentar a violência a nível local e levar a outros tipos de crimes (Reva & Willima, 2021).
Referem alguns autores, a este propósito, que a pesca ilegal mina o modo de vida das
populações ribeirinhas, que a falta de apoio governamental para combater a pesca
ilegal e proteger os meios de subsistência das comunidades piscatórias como amiúde
acontece na região do Delta do Níger empurra as pessoas para a pobreza, o que as
torna extremamente vulneráveis a redes criminosas (Okafor-Yarwood & Bhagwandas,
2021).
3.2 A pesca IUU como ameaça à segurança humana e à segurança marítima
na região do GdG
O peixe desempenha um papel vital na segurança humana das comunidades ribeirinhas
do GdG, uma vez que é uma relevante fonte de proteína sendo que é mesmo a única
8
A Nigéria é o país mais populoso de África, com uma população estimada, no final de 2022, de 225 milhões
de pessoas. Em termos geográficos, é um dos países que possui maior área na região do GdG com 923.
768 Km2. Tem uma das maiores economias da África Ocidental, conta com um efetivo militar de cerca de
135. 000 militares dos três ramos e implementou um considerável programa de modernização das suas
forças, tendo nos últimos anos recebido equipamento militar de vários países sendo a China, a Rússia e
os EUA os seus principais fornecedores e está, outrossim, a desenvolver a sua própria indústria de defesa,
que inclui novas armas ligeiras, veículos blindados e produção naval em pequena escala (CIA, 2023).
9
Navios com bandeira da China, de Estados-membros (EM) da UE e do Belize estão entre os mais
prevaricadores no que diz respeito à exploração ilegal de recursos nos espaços marítimos de jurisdição da
Nigéria (Okafor-Yarwood & Bhagwandas, 2021).
10
A discrepância entre os valores apresentados reflete as dificuldades em calcular os custos reais desta
atividade criminosa (Okafor-Yarwood & Bhagwandas, 2021).
11
Os crimes relacionados com a pesca evidenciam uma plêiade de ilegalidades, designadamente, fraude
aduaneira, tráfico de seres humanos e de droga e até pirataria. A pesca ilegal e os crimes supra elencados
constituem, também, ameaças aos direitos humanos (Okafor-Yarwood & Bhagwandas, 2021).
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proteína animal disponível para milhões de indivíduos daquela região. Mas o setor das
pescas é, outrossim, a origem de emprego direto e indireto para cerca de nove milhões
de pessoas em toda a África Ocidental onde 40 por cento da população vive em zonas
costeiras , sendo que para vários países da região o comércio de peixe é vital para a
obtenção de receitas (Okafor-Yarwood & Belhabib, 2019). Como a procura global de
recursos haliêuticos tem tido uma taxa de crescimento contínua, a expansão das frotas
pesqueiras mundiais levou ao forte incremento do número de navios de pesca nas últimas
décadas, passando de cerca de 585.000, em 1970, para 4,6 milhões, em 2016
12
(Okafor-
Yarwood, 2020, p. 121).
Quase metade das embarcações referenciadas como tendo estado envolvidas em
atividades de pesca IUU, entre 2010 e 2022, foram detetadas nos espaços marítimos de
África
13
, levando a perdas nesta região de até 11,49 mil milhões de dólares anuais. No
continente africano, a região mais afetada é a costa ocidental onde ocorreu 40% da
pesca global IUU , com uma perda de a 9,4 mil milhões de dólares em fluxos
financeiros ilícitos, o equivalente ao PIB anual da Guiné-Bissau, da Serra Leoa e da Libéria
em conjunto (Daniels, Kohonen, Gutman, & Thiam, 2022), (Skrdlik, 2022), o que ameaça
a capacidade dos países da região para maximizar a utilização dos seus recursos
marinhos (Bladen, 2022).
No Senegal comummente identificado como um dos países mais duramente atingidos
pela pesca IUU , o número de capturas no setor da pesca artesanal diminuiu 8,7 por
cento em 2018 em comparação com o ano anterior e cerca de 90 por cento das reservas
de peixe estão esgotadas (ou mesmo em risco de colapsarem), de acordo com a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO)
14
(Skrdlik, 2022),
(Nwoye, 2020). No entanto, no início de 2020 (muito marcado pela pandemia), 52 navios
estrangeiros solicitaram licenças de pesca ao governo senegalês, o que causou evidente
incómodo na comunidade da pesca senegalesa, incluindo pescadores artesanais,
armadores industriais e rias organizações da sociedade civil. O Ministério das Pescas
viu-se mesmo forçado a anunciar publicamente a sua rejeição aos pedidos em causa,
mas alguns meios de comunicação locais revelaram evidências de que o governo emitiu
secretamente uma licença para o navio chinês Fu Yuan Yu 9889, a 17 de abril de 2020,
e que o operador do navio, a Univers Peche, prosseguiu os contactos para a obtenção de
licenças para mais nove navios (Nwoye, 2020).
Em relação ao Gana, as pequenas populões de peixes pelágicos diminuíram perto de
80 por cento nas últimas duas décadas. Uma espécie em concreto a sardinella aurita
se encontra mesmo integralmente colapsada. Referiu a Fundação para a Justiça
12
E o facto é que para satisfazerem as necessidades crescentes de peixe, diversos Estados como a China,
o Japão e a Rússia e até entidades políticas como a UE têm vindo a olhar cada vez com mais insistência
para a região do GdG (Okafor-Yarwood, 2020, p. 122).
13
A Coligação para a Transparência Financeira uma rede global de organizações que trabalham sobre fluxos
financeiros ilícitos salientou que quase um quarto das embarcações envolvidas na pesca IUU, para as
quais havia informação sobre a respetiva propriedade, pertenciam a dez empresas, oito das quais eram
chinesas, uma espanhola e uma colombiana (Skrdlik, 2022).
14
Acrónimo que significa Food and Agriculture Organization.
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Ambiental do Gana, em 2021, que sem uma intervenção governamental robusta o
colapso total da pesca do país era provável ocorrer em menos de dez anos (ADF, 2022).
Nestas circunstâncias, podemos afirmar que a pesca IUU, no GdG, tem vindo a agravar-
se ao longo do século XXI, e que aquele fenómeno se assume como um forte óbice à
gestão sustentável dos recursos vivos, o que se traduz no incremento da insegurança
alimentar das populações ribeirinhas pondo em causa a sua segurança humana e que
pode, no limite, potenciar a sua adesão a atividades criminosas no domínio marítimo
(como a pirataria ou o assalto armado no mar contra navios, entre outras)
apresentando-se, por conseguinte, como uma ameaça muito relevante à segurança
marítima de toda a região.
4. A necessidade de uma boa ordem nos espaços marítimos do Golfo da
Guiné
Este capítulo identifica os principais fatores que favorecem a pesca IUU e em em
causa o acesso aos recursos vivos do GdG de forma sustentável , e analisa algumas das
medidas de mitigação daquele fenómeno.
4.1 O uso (in)sustentável dos recursos haliêuticos no GdG
Têm vindo a ser identificados diversos fatores que facilitam o envolvimento de
embarcações em ações de pesca IUU, em particular no GdG, e que incluem, entre outros:
a falta de capacidade dos países para exercerem o controlo das suas águas
15
; a mudança
frequente de pavilhão e de nomes dos navios; a evasão a sanções devido a corrupção
e/ou fiscalização ineficaz; a existência de estruturas empresariais com váriosveis que
permitem que os verdadeiros proprietários desses navios permaneçam, muitas vezes,
anónimos; a atribuição de subsídios por países exteriores ao GdG a meios das suas frotas
de pesca longínqua
16
(incluindo combustível mais barato e seguros a preços reduzidos);
o uso de práticas eticamente questionáveis por operadores de pesca; e a crescente
incidência de pesca IUU no GdG ser parte de um problema global (bem) mais complexo,
que está relacionado o facto de muitos dos recursos vivos dos oceanos estarem a ser
fortemente delapidados por embarcações de pesca de algumas das nões mais ricas da
Europa e da Ásia sendo relevante salientar que as águas da costa ocidental de África
estão entre as poucas que ainda são relativamente férteis a nível mundial (Merem, et
al., 2019, p. 11).
15
Apenas alguns dos Estados do GdG possuem capacidade para conduzir ações de fiscalização das suas águas
de forma minimamente satisfatória (entre os quais a Nigéria). Nestas circunstâncias, as embarcações
estrangeiras operam com (quase) total impunidade, independentemente de atuarem ao abrigo de acordos
formalmente estabelecidos com países da região (Merem, et al., 2019).
16
Há relatos de que os apoios das nações mais ricas podem ascender, no conjunto, a cerca de 27 mil milhões
de dólares anuais a embarcações que acabam por esgotar as reservas de recursos vivos através de ações
de pesca ilegal, que com esse nível de subsídios podem manter-se em operação em zonas longínquas
durante períodos prolongados de tempo e capturar maiores quantidades de peixe (Merem, et al., 2019, p.
11).
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Importa ter presente que o uso sustentável dos recursos dos oceanos vincula os
signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) que foi
ratificada tanto por Estados pertencentes à UE quanto por Estados do GdG (com os quais
a UE tem acordos estabelecidos
17
). Por outro lado, existem evidências de que algumas
embarcações de pesca oriundas de EM da UE, ainda que estejam devidamente
licenciadas, adotam comportamentos por vezes abusivos que conduzem à sobre-
exploração dos recursos vivos, com isso comprometendo o ambiente marinho desses
espaços e contribuindo para um menor rendimento dos pescadores locais (Okafor-
Yarwood & Belhabib, 2019, p. 2).
muito que as águas costeiras de África são atrativas para as frotas de pesca industrial
de países de todo o mundo. E à medida que os recursos têm vindo a diminuir, as
embarcações daquelas frotas passaram a operar a menores distâncias de terra e a
atravessar ilegalmente para zonas reservadas às comunidades piscatórias em pequena
escala. Manter as embarcações de pesca industrial fora de tais espaços é importante para
regular as capturas, mas é, outrossim, uma questão verdadeiramente essencial para os
pescadores artesanais, que todos os anos as colisões com navios industriais matam
mais de 250 pescadores desta arte, na África Ocidental (Riskas, 2020). De acordo com
dados de um estudo de 2019 (Belhabib, et al., 2019), entre 2012 e 2016, os navios de
pesca industrial a operar em águas africanas passaram quase 6 por cento do tempo a
pescar ilegalmente em zonas artesanais protegidas. As embarcações que arvoravam
bandeiras africanas especialmente do Gana eram os maiores infratores, seguidos
pelos navios da Coreia do Sul, de EM da UE e da China. Mas o elevado número de navios
do Gana era, provavelmente, enganador, uma vez que grande parte da frota nacional do
Gana pertencia e/ou era operada por empresas chinesas (Riskas, 2020).
Existe, de igual modo, a ideia (que tem vindo a ganhar consistência) de que os países
africanos estão a vender licenças a preços muito mais baratos do que deveriam, ainda
que, porventura, pensem que conseguiram bons negócios, quando o que acontece é
exatamente o oposto. E o resultado do aumento da pesca industrial na região tanto
por embarcações europeias, como chinesas, russas e de outras proveniências tem-se
traduzido numa maior insegurança nas águas da costa ocidental de África e no declínio
das suas comunidades costeiras (Munshi, 2020).
4.2 Medidas de mitigação da pesca IUU no GdG
Refere Ifesinachi Okafor-Yarwood (2020, pp. 116-117) que “se perdermos o comando do
mar, o é uma invasão que devemos temer, mas sim a fome” e que, no contexto da
segurança marítima, a proteção das comunidades costeiras traz apensa a necessidade
de garantir a segurança dos marítimos, bem como a exploração sustentável dos recursos
17
Conhecidos por Sustainable Fisheries Partnership Agreements (SFPA), que são acordos internacionais
celebrados pela UE com países terceiros para obter acesso às suas ZEE, a fim de permitir que meios das
frotas de pesca dos seus EM capturem, de forma sustentável, as unidades populacionais excedentárias das
capturas permitidas, num ambiente legalmente regulamentado (Milt, 2022).
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dos oceanos. E o facto é que a inexistência de uma estratégia de gestão da pesca
sustentável no GdG tem resultado na obtenção abusiva de recursos vivos por
embarcações provenientes da Rússia, de vários Estados da Ásia (incluindo da China) e
até de EM da UE (Merem, et al., 2019).
É neste enquadramento que, em apoio aos esforços regionais de combate à pesca IUU,
a Global Fishing Watch e a Trygg Mat Tracking (ambas organizações internacionais sem
fins lucrativos) lançaram, em novembro de 2021, um projeto-piloto com a Costa do
Marfim, o Gana, o Senegal e o Fisheries Committee for the West Central Gulf of Guinea
(FCWC)
18
destinado a fornecer às autoridades dados de localização por satélite, análises
e formação necessária para avaliar as operações dos navios de pesca e o risco de
incumprimento das disposições legais estabelecidas (Bladen, 2022). Libéria, Costa do
Marfim, Gana, Togo, Benim e Nigéria, com o apoio da FCWC, lançaram, ainda, o Regional
Monitoring, Control and Surveillance Center (RMCSC) para monitorizar a pesca e
atividades com ela relacionadas no GdG financiado pela UE através do projeto Improved
Regional Fisheries Governance in Western Africa (PESCAO
19
).
O Benim que estabeleceu, em maio de 2022, um novo acordo de parceria com a Global
Fishing Watch visando reforçar o acompanhamento, controlo e vigilância das atividades
de pesca dentro das suas águas , assinou com o Gana e o Togo um acordo para
desenvolverem atividades conjuntas tendentes a contribuir para a redução da pesca IUU
no GdG (Bladen, 2022). Neste âmbito, Benim e Togo completaram a sua primeira
operação conjunta de patrulha em meados de dezembro de 2022. Foi financiada pelo
programa PESCAO, sendo que o Gana apenas assinou o acordo no final daquele mês.
Para além das patrulhas marítimas, os três países comprometeram-se a partilhar
informações com o RMCSC, no Gana (ADF, 2022). Todavia, a manifesta incapacidade da
maioria dos países do GdG de realizarem inciativas de fiscalização dos seus espaços
marítimos leva a que o seja simplesmente possível averiguar que embarcações possam
estar, em cada momento, em infração, ainda que se encontrem autorizadas a pescar
(uma vez que podem fazê-lo com artes proibidas, ou em áreas interditas, ou, finalmente,
excedendo as quotas definidas nos acordos formalizados).
A falta de adequada capacidade de fiscalização dos espaços marítimos por parte da
generalidade dos Estados da região do GdG assume grande preponderância e recomenda
a criação de medidas concretas (com o apoio de Estados e organizações internacionais,
como a UE) que permitam fazer face aquele fenómeno. A implementação de uma boa
ordem no mar, no GdG, é, por conseguinte, fundamental, já que só assim sepossível
definir uma estratégia de gestão da pesca sustentável. As medidas de mitigação que têm
vindo a ser implementadas o um bom princípio, mas manifestamente insuficientes,
sendo desejável a adesão de mais Estados, organizações regionais e internacionais, com
a presença de um maior número de meios navais e ões mais assertivas, única forma
18
Organização intergovernamental que promove a cooperação na gestão das pescas entre os países do GdG.
19
O projeto PESCAO foi adotado por decisão da Comissão Europeia de 28 de abril de 2017, tinha um horizonte
temporal de cinco anos (2018-2022) e um envelope financeiro de 15 milhões de euros. Visava melhorar a
governação das pescas na África Ocidental através de diferentes medidas, como o desenvolvimento de uma
política de pescas que incluísse a criação de uma coordenação regional contra a pesca IUU e a melhoria da
gestão dos recursos vivos (EFCA, 2023).
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de garantir a segurança humana das populações ribeirinhas e a segurança marítima de
toda a região.
5. Conclusões
Neste artigo analisou-se o impacto da pesca IUU na segurança humana das populações
do GdG e de que forma isso pode influenciar a segurança marítima daquela vasta região,
e a necessidade de criar uma boa ordem naqueles espaços marítimos como forma de
mitigação dos substanciais desafios existentes.
Utilizando um raciocínio indutivo (baseado na observação de factos particulares e da sua
posterior associação), foi exequível formular a teoria de que a pesca IUU no GdG é, no
presente, a maior das ameaças à segurança dos marítimos da região que pretendem
capturar, de forma legítima, os recursos vivos aí existentes, e das populações que, em
terra, estão inteiramente necessitadas das proteínas que o peixe disponibiliza.
A IUU no GdG põe em causa a gestão sustentável dos recursos vivos existentes e
contribui para a perda acentuada de receitas dos países costeiros por haver menores
quantidades de peixe para as suas embarcações capturarem, por existirem quebras ao
nível das receitas provenientes de licenças de pesca e amesmo por menor cobrança
de impostos resultantes da atividade da pesca lícita. Por outro lado, a pesca IUU
sobretudo pelo clima de impunidade que se vive na região do GdG pela ausência (quase
total) de adequada fiscalização dos espaços marítimos traz apensa a ideia de que o
crime poderá, de facto, compensar. O sentimento de injustiça, e até mesmo de ausência
do Estado de direito sobretudo em determinadas zonas específicas, como é o caso do
Delta do ger , pode levar a que, na ausência de adequados meios de subsistência,
algumas populações tenham predisposição acrescida para enveredar por atividades
alternativas no quadro do crime organizado transnacional (como por exemplo a pirataria
e o assalto armado no mar contra navios), ou se sintam tentadas a engrossar o número
dos que regularmente optam por se deslocar em movimentos muitas vezes
desordenados para o continente europeu.
Nestas circunstâncias, é essencial a criação de uma boa ordem no mar (em todo o GdG)
que permita reunir Estados africanos e de outros continentes (em particular da Ásia e,
sobretudo, da Europa) mesmo que tenham acordos de pesca firmados entre si com
o intuito combater a pesca IUU (a maior parte da qual vem sendo praticada por
embarcações de pesca de países exteriores ao GdG, precisamente dos continentes
asiático e europeu). Se não houver vontade de todos os Estados (e das organizações
regionais a que alguns pertencem) de criar um digo de conduta que oriente a sua
atuação (de forma a mitigar os efeitos da pesca IUU), o GdG, que tem algumas
reservas de peixe esgotadas, pode mesmo vir a confrontar-se com o risco de muitas
outras colapsarem, num período relativamente curto de tempo, o que, a acontecer, terá
consequências imprevisíveis na segurança humana das populações que delas estão
absolutamente necessitadas e dos pescadores que ficarão sem qualquer fonte de
rendimento, o que muito contribuirá para vincar a insegurança marítima daquela região.
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