OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 2 (Novembro 2023-Abril 2024)
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NOVAS COLD WARS NO HIGH NORTH?
A RÚSSIA E A PROGRESSIVA MILITARIZAÇÃO DO ÁRTICO
ARMANDO MARQUES GUEDES
amarquesguedes@gmail.com
Professor Catedrático (jubilado), NOVA School of Law, UNL, na qual foi eleito Diretor do centro de
investigação (CEDIS, Portugal). Bacharel em Administração no ISCPS, Universidade de Lisboa,
BSc e MPhil no LSE, Londres, Diplôme de l'École, EHESS, Paris, todos em Antropologia Social, e
Doutoramento na FCSH, UNL. Agregação em Direito, UNL. Foi Conselheiro Cultural Português em
Luanda, Angola e Presidente do Instituto Diplomático no MNE Português. Foi, ainda, fundador e
Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Direito Internacional
(SPDI). ORCID: 0000-0002-2622-331
ISIDRO DE MORAIS PEREIRA
isidromoraispereira@gmail.com
Major General do Exército Português, na situação de Reserva (Portugal). Mestre em Ciências
Militares, a frequentar um Doutoramento em Relações ISCSP da Universidade de Lisboa. Com
experiência nacional e internacional incluindo o desempenho de funções e operações no ámbito
da NATO. Foi Sub-Diretor do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM). E também Adido
Militar nas Embaixadas Portuguesas em Washington DC, nos EUA e em Ottawa, no Cana.
ORCID: 0009-0006-0650-1107
Resumo
A Bacia do Ártico pode ser hoje considerada como um ponto focal emergente na conjuntura
política e estratégica patente no quadro global. Se observado numa “projeção azimutal quási-
equidistante”, esta bacia confina com cinco Estados ribeirinhos, embora inclua muitos outros
que com estes cinco interagem. Uma organização internacional formal, o Conselho do Ártico,
foi criada para tentar regular os múltiplos interesses que sobre ela convergem. O Direito
Internacional não tem sido suficiente para a levar a cabo, entre outras razões porque o
Conselho o tem competências no âmbito da segurança e defesa. Por outro lado, o mero
facto de se tratar de uma área relativa a uma bacia marítima com muitas das características
de “um lago”, cria dificuldades inesperadas, e muitas vezes mal conhecidas no que à
emergência da sua centralidade diz respeito. Ao contrário de outras regiões do globo,
tendemos por isso a ter pouca consciência da sua importância crescente. É de notar que,
nesta área regional de geometria variável, crescem ligações de cooperação e competição cada
vez mais evidentes. Dos cinco Estados ribeirinhos (Dinamarca-Gronelândia, Canadá, EUA-
Alasca, Federação Russa e Noruega), quatro pertencem à Aliança Atlântica, bem como a
adesão da Finlândia e da Suécia, à Aliança Atlântica (ambas desde a sua criação membros de
pleno direito do Conselho do Ártico), uma entidade sem competências no domínio da
segurança. O que poderá desequilibrar o equilíbrio ao deixar a ssia como o único país dessa
região não pertencente à NATO. Na conjuntura atual as tensões agudizam-se por via da
convergência de muitos outros Estados que com os anteriores se vão alinhando.
Argumentaremos, por nos parecer evidente, que as crescentes tensões e a militarização
regional a elas associada têm lugar em momentos e fases ligados a intervalos de uma Rússia
que se quer ver como em constante expansão, e a potencial ultrapassagem pela China a
norte. A finalidade deste artigo é demonstrar as principais dimensões desta iteração temporal
nos processos de tensão aguda que têm pautado a evolução histórica recente no que toca à
militarização desta bacia. Embora a sua geometria seja variável, manifestamente a Bacia
Alargada do Ártico justifica o seu tratamento como um todo coerente sob o ponto de vista
geopolítico.
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Novas Cold Wars no High North? A Rússia e a progressive militarização do Ártico
Armando Marques Guedes, Isidro de Morais Pereira
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Palavras-chave
Bacia do Ártico, Federação Russa, Rota Polar da Seda, expansionismo, militarização, tensões.
Abstract
We consider the Arctic Basin as an emerging focal point patent in the political and strategic
conjuncture in the global framework. If observed in a “quasi-equidistant azimuthal projection”,
this basin borders five riparian States, although it includes many others that interact with
these five. A formal international organization, the Arctic Council, was created to try to
regulate the multiple interests that converge on it. International law has not been sufficient
to carry it out, if only because security matters are not part of its purview. On the other hand,
the mere fact that it is an area related to a maritime basin, which bears many of the traits of
“a lake”, raises unexpected difficulties, and is often poorly understood, in terms of the
emergence of its centrality. Unlike other “area studies” that we know better, we often tend to
have little awareness of its growing importance. In this study, I try to define relational
moments in the growing tensions that make this region a crucial region. It should be noted
that, in this regional area, cooperation and competition links are growing more and more
evident. Of the five riparian states (Denmark-Greenland, Canada, USA-Alaska, Russian
Federation, and Norway), four belong to the Atlantic Alliance, as well as the accession of
Finland and Sweden (both since their inception full members of an Arctic Council which has
no security competences) into the Atlantic Alliance in the High North, which shall tilt the
balance by leaving Russia as the sole non-NATO in that region. In the current situation,
tensions are becoming more acute due to the convergence of many other states that are
aligning with the previous ones. I will argue, as it seems obvious to us, the regional rising
tensions and the militarization associated with them, take place in moments and phases linked
to intervals of a Russia that regards itself as ever-expanding, and its potential northern
surpassing by China. The purpose of this work is to demonstrate that most facets of this
temporal iteration in the adversarial tension processes have guided the recent historical
evolution regarding the militarization of this basin. Albeit its’ variable geometry, clearly, the
Wider Arctic Basin justifies its treatment in terms of an Area subject to a geopolitical analysis.
Keywords
Arctic Basin, Russian Federation, Polar Silk Road, expansionism, militarization, tensions.
Como citar este artigo
Guedes, Armando Marques; Pereira, Isidro de Morais (2023). Novas Cold Wars no High North? A
Rússia e a progressiva militarização do Ártico. Janus.net, e-journal of international relations, Vol14
N2, Novembro 2023-Abril 2024. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.2.2
Artigo recebido em 27 de Outubro de 2023 e aceite para publicação em 30 de Outubro
2023
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NOVAS COLD WARS NO HIGH NORTH?
A RÚSSIA E A PROGRESSIVA MILITARIZAÇÃO DO ÁRTICO
ARMANDO MARQUES GUEDES
ISIDRO DE MORAIS PEREIRA
Introdução
A relevância e atualidade deste artigo estão essencialmente ancoradas na importância
crescente que a Federação Russa tem vindo a atribuir a esta região do globo, em termos
políticos, económicos, estratégicos, militares e geopolíticos. O que é suscetível de
fomentar conflitos de interesses com todos os outros Estados ribeirinhos do Ártico, dado
que todos eles são Estados-membros da NATO. Por outro lado, a motivação que nos
levou a tratar esta temática, relaciona-se intrinsecamente com a importância crescente
que vem sendo atribuída a toda esta bacia. Não apenas pelas riquezas que o seu subsolo
marítimo encerra, dos hidrocarbonetos a muitas outras, mas também pelo degelo
acentuado da calota polar que abre uma nova rota comercial muitíssimo mais curta (a
chamada Rota Marítima do Norte, que, apesar de sazonal quase parte ao meio o a
distância a percorrer, com todas as vantagens daí advenientes) entre o Extremo Oriente
e todo o Ocidente consumidor.
Enquadramos as questões suscitadas no presente artigo na crescente acessibilidade que
as mudanças climáticas em curso tornam posvel e significam colocando a nossa
atenção, em especial, na abertura sazonal da Rota Marítima do Norte. Esta questão
central está associada a uma constatação político-geográfica: a Bacia do Ártico coloca
frente a frente e em grande proximidade face à Federação Russa, um grupo não-
despiciendo de Estados-membros da Aliança Atlântica, o que torna a região num palco,
ou talvez melhor arena, potencial de conflitos de vários tipos. Entre eles, como iremos
sublinhar, se não um conflito, pelo menos potenciais tensões entre a China e a Rússia,
bem como entre a primeira e os Estados do Atlântico Norte, o chamado Ocidente.
Procurámos produzir este trabalho à luz dos seguintes objetivos: (i) elencar os vários
momentos da militarização cada vez mais expressiva que a Rússia tem vindo a levar a
cabo, (sobretudo nos períodos em que não se encontrou envolvida em operações
militares no seu near abroad) e que se traduzem sobretudo na condução de exercícios
militares conjuntos a crescer em espiral e nas consequentes respostas a estes exercícios
postas em prática pelos muitos outros Estados ligados ao Ártico, antes e depois do
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anúncio, em 2022, de uma eventual adesão da Finlândia e da Suécia à Aliança Atlântica;
(ii) colocar em evidência se não especificamente a evolução das reivindicações territoriais
que os Estados ribeirinhos têm institucionalmente apresentado em organizações como o
Conselho do Ártico e nas Nações Unidas, no âmbito dos Acordos de Montego Bay, que
por si mesmas caberiam num outro artigo, mas pelo menos as tensões subjacentes
político-estratégicas associadas a este quadro jurídico; (iii) destacar as crescentes
dificuldades e limites operacionais, que se fazem sentir tanto no Conselho do Ártico como
na ONU, sobretudo aquelas que vieram a lume a partir de 2022 e em consequência da
Invasão da Ucrânia pela Federação Russa e do alargamento da NATO a Norte; (iv) ainda
e por último, analisar as questões mais complexas e sub-reptícias relativas às tomadas
de posição de uma China cujo interesse tem sido manifesto e cauteloso empenhada,
como está, num processo que consideramos poder redundar numa tentativa já expressa
por Pequim da criação de “uma Rota e Faixa do Norte”, o que lhe permitirá, caso tenha
lugar, um acesso mais direto ao Atlântico Norte com as previsíveis resistências que
nisso o Império do Meio se poderá ver na contingência de ter de encarar. Todos estes
pontos suscitam questões mais específicas que aqui começamos a equacionar.
Para tanto, afloramos, sempre em contexto, os processos acelerados de militarização
desta cada vez mais central área de estudo, sem descurar a importância dos
hidrocarbonetos e de outros recursos naturais existentes na região muitas vezes
apelidada de High North. Articulando-os com as políticas dos diferentes Estados neles
interessados e, de olhos postos nas tentativas de criação de Organizações Internacionais,
sobretudo o Conselho do Ártico e a NATO. Iremos fazê-lo nalgum pormenor quanto aos
seus enquadramentos maiores, designadamente equacionando as limitações deste
mesmo Conselho e dessa Aliança Atlântica visto o primeiro, o Conselho,
programaticamente não contemplar as dimenes securitárias que têm vindo a emergir
nesta área, e o segundo, a NATO, as ter como centrais, o que acontece em ambos os
casos. Assim se desdobra a questão central que aqui colocamos: o equacionar e enunciar
até que ponto as iniciativas crescentes da Federação Russa, apoiada pela China, terão
continuidade aos níveis político, económico, estratégico, militar e geopolítico e
produzirão, ou não, uma posição hegemónica russa nesta região do globo no curto ou
médio prazo.
Do ponto de vista teórico enquadramos a nossa perspetiva numa moldura que nas
Relações Internacionais é normalmente identificada como liberal institucionalista. Na
metodologia aqui implicitamente utilizada, este enquadramento teórico é expresso na
importância que aqui atribuímos às organizações internacionais, tanto formais como
informais, bem como ao Direito Internacional e à chamada rule of law. O nosso
posicionamento é assim semelhante ao de todos os Estados da Bacia Ártica, exceto o
caso da Rússia, que se tem vindo a afirmar como uma potência revisionista, num quando
de um ‘realismo ofensivo expansionista, deveras sui generis. que ressalvar, no
entanto, que a nossa perspetivação será sobretudo política, político-diplomática, e
geopolítica sem deixar de aflorar, aqui e ali, outras dimensões que poderão ser melhor
dissecadas noutros artigos que não este, dada a economia do texto que por ora
apresentamos.
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1. Ente a ambição e a realidade
Ao abordar o Ártico e como delimitação, colocamos o ponto fulcral na bacia marítima em
si mesma, bem como as suas extensões geográficas, os seus acessos e entraves, e as
vizinhanças tanto próximas como distantes. Dada a nossa finalidade neste trabalho,
importa, porém, começar por um dos quadros que consideramos neste artigo como maior
o institucional, neste caso o chamado Conselho do Ártico, a organização internacional
mais importante que se tem debruçado sobre esta região polar. E a NATO, que cada vez
mais importante tem sido desde há quase dois anos.
Numa visão de conjunto pode-se afirmar que a Presidência da Federação Russa do
Conselho do Ártico (2020-2023) teve, desde o seu início, ambições desmesuradas
1
. Como
poderemos verificar em pormenor ao longo deste trabalho, as pretensões da Rússia na
região do Ártico alertaram cada vez mais o Ocidente, sobretudo porque as mudanças
climáticas abriram e continuam a abrir caminho a oportunidades antes inviáveis na
região, quer em termos de navegação, quer de exploração das suas castas riquezas. Tal
como seria de esperar dadas as pretensões expansionistas que ao longo da sua História
tem manifestado, Moscovo olha com a necessária cautela o que perceciona (ou com
intencionalidade pragmática alega ler) como um desafio dos Estados Unidos e da NATO
às suas naturais ambições históricas quanto a esta região
2
. A narrativa do governo da
Federação Russa acerca da “invasão ocidental” tornou-se, nos últimos anos, bastante
mais sonora e assertiva devido à sua postura militar e aos seus projetos económicos e
infraestruturais, sobretudo dado o papel assumido pela NATO (e, numa escala muito
1
Uma breve nota prévia. O nosso quadro genérico sublinha e desmonta, passo a passo, o proposto por
Moscovo, de um modo idealizado e numa suposta presciência, o levamento de prioridades russas no texto
intitulado Russian Chairmanship 2021-2023, publicado pelo The Arctic Institute. Para um maior realismo
ver sobre este mesmo tema, o artigo de Nurman Aliyev (2021), “Russia’s Arctic Council Chairmanship in
2021-2023”, publicado na Alemanha, pela Friedrich-Ebert Stiftung, em março desse ano. Vale também a
pena ver o excelente artigo de Chen Chuan (2023), “China-Russia Arctic Cooperation in the Context of a
Divided Arctic”, The Arctic Institute, no seu Center for Circumpolar Security Studies, 4 de abril. Infelizmente,
mas como seria de esperar, oportunismos “pragmáticos emergem também em muitas das partes alinhadas
com ela e, porventura mais interessante, mesmo de alguns dos “Aliados” do chamado Ocidente Alargado
que se lhe opõe devem, aliás, também ser tidas em devida conta. O que o será surpresa, visto ser de
regra em todos os conflitos. Invertendo uma expressão Clausewitziana, consideramos que “a política
também é uma extensão da guerra por outros meios”.
2
O interesse russo no Ártico radica em estirpes historicamente bem conhecidas que podemos referenciar
desde o século XVI com a conquista da Sibéria, impelida pela procura ininterrupta por mais recursos e rotas
comerciais seguras. A postura russa atual no Ártico deve ser vista como uma componente do seu confronto
mais alargado com o Ocidente, onde a Europa pode ser considerada como um palco privilegiado. Os
diferendos do Kremlin no Ártico e as suas narrativas assustadoras são alavancadas por múltiplos fatores:
os preparativos para uma pouco provável, mas potencialmente catastrófica eventualidade de uma nova
guerra generalizada no Continente Europeu, a necessidade de assegurar as suas capacidades nucleares de
retaliação (a maior parte das quais se encontra localizada em torno da Península de Kola, em Severomorsk,
os HQ da Esquadra do Norte, logo abaixo de Murmansk, perto da fronteira norte da Noruega, em Kirkenes,
Finnmark), e a busca incessante de mais recursos para financiar as vultuosas despesas provocadas pela
manutenção e desenvolvimento de uma capacidade bélica que faça, pelo menos, lembrar o poderio militar
da antiga URSS. A clara postura de confronto e constante competição com o Ocidente não parece significar
quaisquer sinais de estar a diminuir, muito antes pelo contrário. Evidentemente que as pretensões de
grandes potências e os interesses comerciais das poderosas elites burocráticas terão de ser tidas em conta.
Quanto a este último ponto, não podemos deixar de sublinhar a não-linearidade das posturas assumidas
por todas as partes envolvidas; essas pretensões e interesses não se cingem à Rússia, evidentemente.
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menor a União Europeia) desde a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, a partir de
24 de Fevereiro de 2022
3
.
A proposta de entrada, em 2023, da Finlândia na Aliança Atlântica e a eventual adesão
da Suécia a esta última foram sentidas pelo Kremlin como uma ameaça acrescida aos
seus propósitos. Como seria de esperar, tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros
russo como a porta-voz do Kremlin, reagiram, logo a 30 de Novembro de 2022:
Russia’s foreign ministry said on Wednesday that Sweden and Finland joining
NATO could accelerate the militarization of the Arctic region. Responding to a
question about how the two countries joining the alliance would affect the
Arctic Council an intergovernmental group which promotes cooperation in
the Arctic spokeswoman Maria Zakharova noted that Russia would be the
only non-NATO member of the group.
E, asseverou que “(i)t cannot be ignored that once these countries join the alliance, all
member states of the Arctic Council apart from Russia will be members of the North
Atlantic bloc,” declarou. E, acrescentou que “(t)his could lead to increased militarization
of the Arctic region but in turn, it would mean a significant increase in tensions over high
latitude security risks
4
; um ponto que adiante iremos abordar nalgum pormenor.
Importante será certamente saber se Moscovo logrará bons resultados na consecução
das suas pretensões. O poderio naval, nuclear e mesmo convencional que Moscovo tem
no noroeste da Rússia encontra-se progressivamente mais suscetível aos vetores de
precisão de longo alcance da NATO. Não é ainda claro se o desenvolvimento da Rota do
Mar do Norte (NSR) ao longo da costa norte da Rússia se traduzirá numa rota crucial de
navegação entre a Europa e a Ásia e se os projetos comerciais que lhe estão
intrinsecamente ligados são, de facto, suportáveis perante os elevadíssimos custos e a
vasta complexidade logística relacionada com a respetiva operação condicionada por
imperativos climatéricos extremos. O que suscita muitas dificuldades, sem sombra de
dúvida, dados os limites impostos por infraestruturas limitadas, um aumento da
concorrência comercial provinda de outros países, uma procura incerta por
hidrocarbonetos à medida que o mundo muda para tecnologias verdes e a possibilidade
de sanções ocidentais adicionais
5
. Tudo pontos a que iremos regressar, pois é a estas
interrogações que o presente estudo pretende, de alguma forma, dar algumas respostas
3
Para maior pormenor histórico é útil a leitura e análise do extenso e cauteloso relatório de Eugene Rumer,
et al. (2021), Russia in Arctic. Implications for the United States and NATO, publicado pelo The Carnegie
Endowment for International Peace.
4
Reuters, (Nov. 30, 2022), “Russia says Sweden and Finland joining NATO could accelerate militarization of
Arctic region”, Arctic Today. Business Journal. Para uma postura prospetiva que manifesta uma menor
preocupação conjuntural, ver Bekkevold, Jo Inge e Paul Siguld Hilde (Jul. 28, 2023), “Europe’s Northern Flank
Is More Stable Than You Think”, Foreign Policy, que abordaremos abaixo.
5
Isto sem entrar aqui, sequer, na possibilidade da reversão do processo da diminuição da calota polar caso
o processo de descarbonização do planeta entre num processo acentuadamente acelerado. Veremos onde
nos leva, caso os COPs avancem na produção em massa de hidrogénio verde, na produção de energia
elétrica a partir das tecnologias fotovoltaicas e, porventura, no desenvolvimento de centrais nucleares cada
vez mais seguras.
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que cremos serem plausíveis e apoiam muitas das decisões tomadas, em vários fora,
a nível internacional.
2. O Conselho do Ártico e os prospetos de um robustecimento gradual
dos Povos do Ártico
Por razões formais, começamos pelo Conselho do Ártico, colocando a tónica na última
Presidência deste pela Federação Russa, que durou de 11 maio de 2020 a 11 de maio de
2023. A Presidência Russa comprometeu-se a prosseguir o estabelecimento do Conselho
do Ártico como o principal instrumento para a cooperação internacional nesta região,
aperfeiçoando o seu esfoo. As intenções então declaradas eram as de promover a
eficácia dos seus Grupos de Trabalho, áreas de expertise bem como o Secretariado e
traçando mecanismos destinados ao financiamento das atividades do Conselho,
fomentando a promoção de deliberações e recomendações pela via de estímulos ao
diálogo e a uma maior interação com os cada vez mais numerosos Estados-
Observadores. Tudo isto, por forma a proporcionar um envolvimento adequado nas
atividades genéricas do Conselho. É de sublinhar que este Conselho não tem quaisquer
competências na área da segurança e defesa.
A Noruega, ao assumir a presidência do Conselho do Ártico em 12 de maio de 2023
propôs-se a intensificar a colaboração do Conselho do Ártico em geral com o seu Conselho
Económico, com o Fórum da Guarda Costeira do Ártico e a respetiva Universidade. Entre
as prioridades da presidência russa destacava-se, ab initio, a promoção da cooperação
científica internacional, em particular no que dizia respeito à possibilidade de conduzir
uma expedição científica do Conselho que abarcasse estudos em profundidade do
respetivo oceano. O que estava em causa era “a sustentabilidade”, expressa em termos
genéricos por um Kremlin consciente do facto de, como sublinhámos, o Conselho do
Ártico não ter quaisquer competências ao nível securitário
6
.
Nada disto em boa verdade teve, porém, lugar dados os constrangimentos impostos de
permeio com a invasão russa da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022. O progresso
sustentável, no fundo, visava consubstanciar o desenvolvimento da região do Ártico”
um objetivo naturalmente em parte gizado pela qualidade do seu capital humano. As
intenções pareciam boas e sensatas. O enfoque da Presidência Russa, que se estendeu
de 2020 a 2023, residiu (ou pretendeu fazê-lo) num aumento da sustentabilidade,
medidas de ajuste às alterações climáticas, aperfeiçoamento do bem-estar, saúde,
educação, qualidade de vida dos habitantes do Ártico, resiliência e viabilidade das suas
6
Tal como é o caso no estipulado no Tratado da Antártida, e ao contrário do que é o caso do Mar Negro. Com
efeito, neste último, a organização internacional que o enquadra é o BSEC (Black Sea Economic
Cooperation), que inclui, como sua parcela uma entidade subsidiária intitulada de International Centre for
Black Sea Security (ICBSS), sedeada em Atenas, por forma a (i) assegurar alguma minimização de
centralidade, colocando a sede num Estado ligado ao Mar negro, mas não dele ribeirinho, e (ii) em
simultâneo, garantindo-lhe alguma isenção. A fórmula não resultou: depois da invasão russa da Geórgia e
a partição desta, o ICBSS reduzindo-se a uma entidade meramente preocupada com ecologia, economia
regional, e a criação de estradas e caminhos-de-ferro que o circundassem. A este propósito julga-se
importante a análise de um relatório proposto por Michael Paul and Göran Swistek (2022), “Russia in the
Arctic. Development Plans, Military Potential, and Conflict Prevention”, SWP, Research Paper 3, Berlim.
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comunidades, incluindo a dos “povos indígenas”
7
, bem como garantir a sustentabilidade
socio ambiental e nela um maior desenvolvimento económico da região.
A promoção de intercâmbios científicos, educacionais e culturais, de turismo e a relativa
aos contactos entre povos e regiões também estariam no topo da sua agenda. No
documento aprovado, uma atenção especial disse-se, colocava especial cuidado “na
preservação do património linguístico e cultural dos povos indígenas do Ártico”, bem
como na cooperação juvenil além-fronteiras
8
. Iremos ver se isto dura, dada a
imprevisibilidade da guerra desencadeada pela Rússia de Putin, e tendo em linha de conta
o esmorecimento destes planos de cooperação daí resultantes.
Tudo isto se viu alterado com a invasão intempestiva da Ucrânia pela Rússia.
3. A ssia e a invasão da Ucrânia: consequências para os Estados
Unidos da América, para a NATO e, menos centralmente, para a UE
O conceito russo no tocante aos seus requisitos de segurança e, por outro lado, os
compromissos de defesa mútua e dissuasão da NATO resultaram num impasse e até em
alguma crispação bem visíveis no flanco norte da Aliança dado que as suas forças
operam numa proximidade muitas vezes demasiado visível. É de notar que o Ártico,
quando visto numa projeção azimutal, tem muitas das características de “um lago”.
Trata-se, com efeito, de uma área circular, ladeada por cinco Estados e com apenas duas
saídas.
A imagem de “um lago” para esta bacia parece-nos útil para melhor compreendermos as
dinâmicas políticas e militares que aqui estão em causa. Uma delas confina com o
Atlântico Norte e configura um estreito, que forma um chokepoint, um estrangulamento
que tem sido apelidado de GIUK (um acrónimo para Groenland, Iceland e United
Kingdom). A outra é estreitíssima, com menos de cem quilómetros que liga o Mar Ártico
ao norte do Pacífico: o Estreito de Bering. Os Estados litorais estão, assim, muito mais
próximos uns dos outros do que possa parecer estão, por assim dizer, accross a round
and not very large “pond”. Uma proximidade entre potências de peso que tem vindo a
levar a tensões crescentes.
Por mais tentador que seja ver o Ártico através do prisma da competição entre Grandes
Potências o que sem dúvida se encaixaria na busca da Rússia por reconhecimento como
uma grande potência pouco sugere que na sua postura militar exista algo de
substancialmente distinto. Em vez disso, o Kremlin anuncia o regresso a uma nova
postura que nos conduz claramente para os tempos de uma Guerra Fria focada em
7
Os povos indígenas do Ártico incluem, por exemplo, os Saami que vivem em áreas circumpolares da
Finlândia, Suécia, Noruega e nas do Noroeste da Federação Russa. Acrescem a estes os Nenets, Khanty,
Evenk e Chukchi também na Rússia, e os Aleut, Yupik e Inuit (Iñupiat) no Alasca, os Inuit (Inuvialuit) no
Canadá e os Inuit (Kalaallit) na Groenlândia. Os Inuit eram os povos que, durante séculos foram apelidados
de Esquimós. Só na Rússia, são 4 milhões de pessoas que vivem neste rebordo nortenho da Federação, um
milhão dos quais populações indígenas.
8
Com a invasão da Ucrânia pela Rússia e as sanções que tornaram impossível muitas das formas de
cooperação, nada ou pouco disto tem sido cumprido. A cooperação existente tem-se limitado à colaboração
centrada em esforços de busca e salvamento e nas atividades pesqueiras na Bacia. Veremos se a Noruega,
agora na Direção do Conselho do Ártico, temais sucesso nestes domínios.
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antigas tarefas de preservar os santuários da sua frota de submarinos de sseis
balísticos e agora de cruzeiro também, bem como as necessárias operações militares a
ter lugar no Atlântico Norte numa postura preventiva, a contabilizar a tragédia da
eventual eclosão de uma guerra generalizada na Europa, de algum modo repetindo as
precauções que teve durante a Guerra Fria. Mas não parece provável: a Rússia está a
retomar esse tipo de missões com muito menos recursos e a debater-se com uma
panóplia muito mais complexa e sofisticada de capacidades rivais do que durante o tempo
da União Soviética.
Em boa verdade, as ações contemporâneas da Rússia no Ártico, designadamente a sua
postura retórica agressiva aliada às suas reivindicações territoriais de longa data,
contribuíram muito pouco para mudar a face da sua posição diplomática no que respeita
aos outros Estados do Ártico, apenas os alienando e antagonizando de forma crescente
e acentuada. O seu único parceiro de eleição nas suas pesquisas e demandas pelo Ártico
tem sido cada vez mais a China que, com a anuência de Moscovo, faz questão em se
afirmar como “um Estado próximo do Ártico” uma alegação e um estatuto liminarmente
recusados pelos Estados Unidos da América e naturalmente encarados com estranheza
e receio pelos outros Estados ribeirinhos deste oceano glacial
9
.
Num mundo ideal, em matéria de diplomacia muito embora a Rússia possa não se
mostrar muito recetiva os Estados Unidos da América, a União Europeia e a NATO
deveriam idealmente suscitar e incentivar tópicos de cooperação onde exista clara
convergência de interesses. Bem como propor a implementação de regras de trânsito
similares às que existiram durante a Guerra Fria no intuito de reduzir as tensões
evitando ou gerindo crises que possam surgir ou, no mínimo tentando mitigar potenciais
riscos de conflito espoletados por acidentes fortuitos ou mesmo simples erros de cálculo.
Assim, no sentido de promover a tão necessária dissuasão, os EUA e a NATO ganhariam,
empenhando-se seriamente em aperfeiçoar os respetivos mecanismos de defesa no
intuito de demover a Rússia de conflituar com as suas aeronaves, navios militares e
comerciais no interior e à volta do Ártico e para assegurar que a Aliança continue a ser
capaz de manter a capacidade de levar a bom termo os seus planos militares de reforço
para os flancos norte e oriental. O que, em boa verdade, desde a invasão da Ucrânia não
tem infelizmente acontecido com a desejada eficácia.
Seria bom, porém, que tal não fosse o caso. Ao pretender não entregar a Bacia Ártica à
Rússia, a Aliança terá de permanecer alinhada com os objetivos óbvios de continuar a
gerir a competição com a Federação Russa através de uma combinação criteriosa e
estratégica de atuões. O que implicará que sejam produzidos uma série de ajustes que
exibam um cometimento resoluto, por um lado e alguma moderação por outro. Assim,
melhorando e demonstrando as suas reais capacidades de defesa e dissuasão sem, no
entanto, correr riscos desnecessários face a algumas ações de mero desafio retórico por
parte de Moscovo. Para tanto, é indispensável um alto nível de coesão, interoperabilidade
e capacidade de um diálogo por ora ténue, tentando conseguir um equilíbrio estável entre
a determinação de se mostrar disponível para o emprego da força; e, em paralelo, uma
disposição constante, para que se consiga negociar nos termos precisos e justos
9
Um ponto sublinhado por Eugene Rumer, Richard Sokolski, Paul Stronski (2021), ibidem. CH PAUSNSKI
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promovendo a coexistência pacífica de todos os stakeholders. Sem ambiguidades e sem
concessões, é certo, o que exigirá que se transmita claramente à Rússia onde estão os
interesses, objetivos e linhas vermelhas dos Aliados tanto os da União Europeia quanto,
sobretudo, os da NATO.
Também a Federação Russa terá de o fazer, o que não nos parece ser líquido. que ter
sempre presente que tanto os Aliados como a Rússia estiveram antes nestas inusitadas
situações de uma aparente quase-rutura, e sujeitos a fortes tensões
10
.
4. Ângulos político-económicos de Moscovo no desenvolvimento da
parcela do Ártico que alega caber-lhe
Pese embora os planos do Governo e das grandes corporações da Rússia no intuito de
chamar investidores estrangeiros de forma a facilitar a concretização dos seus desígnios
quanto à exploração económica do Ártico, as perspetivas de sucesso estão longe de se
poderem vir a confirmar. A conjuntura presente não o favorece, desde pelo menos 2007.
Petróleo e gás, desde sempre o foco das atenções nesses planos, são descobertos em
grandes quantidades noutras regiões mais acessíveis e menos hostis em matéria de
condições climáticas
11
. O historial da Rússia no cumprir programas ambiciosos, mesmo
aqueles que são pessoalmente patrocinados por Vladimir Putin, está muito longe de ser
uma boa aposta. Grandes corporações com ligações estreitas ao Executivo russo, como
a Rosatom, a Gasprom ou a Rosneft, podem ser substancialmente subsidiadas pelo
Kremlin. No entanto, muitos projetos que precisam de alavancagem política direta
continuam sem financiamento dispovel e, por isso, aquilo que foi projetado continua
por se materializar.
Embora, como iremos ver, estando como está em mudança a situação conjuntural, a
própria ambição da Rússia de vir a expandir as suas exportações de gás natural liquefeito
(GNL) para os mercados asiáticos mesmo no que diz respeito a uma China que nos
últimos anos está mais próxima de Moscovo – enfrentam um elevado grau de incerteza,
um ponto a que iremos adiante expandir neste artigo. Com efeito, a combinação do alto
custo do GNL, os timings conjunturais e as condições desafiadoras da Rota do Norte, o
risco de mais sanções dos EUA e a posição dura e pouco flexível dos negociadores estatais
chineses constituem desafios significativos que precisam de ser superados para
10
Para ter uma ideia de escala das tensões existentes antes da invasão da Ucrânia e das anunciadas acessões
da Finlândia e da Suécia à NATO, ver, por todos, o muitíssimo citado artigo/comentário de um Professor da
Universidade de Calgary, Rob Huebert (2019), “A new Cold War in the Arctic?! The old one never ended!”,
Arctic Year Book 2019. Adiante, abordaremos aqui algumas das alterações potenciais que têm tido lugar
depois destas alterações de fundo, sobretudo no que à Aliança diz respeito.
11
De notar que o degelo no High North, tal como na Antártida, ultrapassa em muito, em quantidade e rapidez,
a do resto do planeta. É, ainda e também de sublinhar que 1/3 das novas jazidas previstas de
hidrocarbonetos estarão localizados no Ártico. Os dados foram estimados, em 2008, pelo US Geological
Survey (2008), Circum-Arctic Resource Appraisal: Estimates of Undiscovered Oil and Gas North of the Arctic
Circle, USG Department of the Interior, US Geological Survey. Segundo o levantamento prospetivo do
USGS, the sum of the mean estimates for each province indicates that 90 billion barrels of oil, 1,669 trillion
cubic feet of natural gas, and 44 billion barrels of natural gas liquids may remain to be found in the Arctic,
of which approximately 84 percent is expected to occur in offshore areas”.
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transformar alguma da ambição russa numa realidade concreta, como iremos pôr em
evidência.
A maioria das razões para tal são fáceis de entender. O tamanho, a escala, o vazio e as
condições das regiões árticas da Rússia, representam um desafio de dimensões
gigantescas para o objetivo de desenvolver toda uma infraestrutura de apoio que possa
ser o motor de uma verdadeira e florescente atividade político-económica nestas
inóspitas paragens. Até aqui, a Rota Marítima do Norte enfrenta um futuro incerto quanto
ao papel que pode vir a usufruir o de se transmutar numa importante ligação de
transporte entre a Europa e a Ásia, idealizada pelos apaixonados do Ártico russo. Mas,
os prémios de seguros das operações marítimas em águas polares são altíssimos, assim
como todo o apoio para quebrar o gelo
12
. Todavia, a velocidade inesperada do degelo
sazonal da calota polar tem vindo a alterar as circunstâncias. É de sublinhar que a
utilização do Rota Marítima do Norte (RMN ou NMR) apresenta bastantes vantagens de
um ponto de vista sobretudo comercial, ao reduzir drasticamente as distâncias a
percorrer no verão. O percurso tradicional, pelo Canal do Suez, do porto de Yokuhama,
no Japão, até a Roterdão, na Holanda é de 11.200 milhas náuticas
13
. Uma diferença que
faz toda a diferença.
Até à invasão da Ucrânia, a Federação Russa pôs de lado a possibilidade de levantar uma
segunda Brigada especialmente preparada para operações no Ártico e para aperfeiçoar a
sua defesa costeira – ao invés do antes declarado. Concomitantemente, a Frota do Norte
defronta outras limitações significativas, sobretudo no que diz respeito ao número e à
operacionalidade dos quebra-gelos e outros navios com capacidade para navegar em
águas aonde abundam blocos de gelo significativos, à capacidade de transporte de
tropas, ao reabastecimento reo e à operacionalidade de aeronaves de patrulha. A nova
Frota russa do Norte, embora cada vez mais reforçada, para ser capaz de conduzir a
ampla gama de missões e as operações imprescindíveis de que precisa, necessita
claramente de vultuosos investimentos para corrigir as atuais limitações à sua
operacionalidade plena. O que não será decerto fácil de ser realizado, tendo em vista que
a Rússiaestá economicamente sobrecarregada, parece-nos adequado constatar que a
capacidade de Moscovo para lograr dominar e assumir o controlo de um conflito aberto
com a NATO, no Ártico, a sua capacidade de o continuar a conseguir fazer é uma questão
essencial.
Para melhor calibrar os ingredientes causados por estes e outros constrangimentos,
convém fornecer os dados empíricos de que dispomos no que a estas tensões diz
12
Um exemplo bastará: em 2020, 331 navios viajaram ao longo de uma parte da Rota, mas somente 62
completaram toda a viagem, transportando apenas 26 milhões de toneladas um número muito abaixo da
meta, declarada por Moscovo, de promover o transporte de 80 milhões de toneladas até 2024. Eugene
Rumer, et al. (2021), op cit.. Para uma visão de pormenor quanto a este tipo de questões, é útil a leitura
do trabalho apresentado no Curso de Promoção a Oficial General pelo então Coronel Eduardo Mendes Ferrão
(2013), intitulado A abertura da rota do rtico (Northern Passage). Implicaces Polticas, Diplomticas e
Comerciais. Um trabalho depressa publicado como livro pelo IESM.
13
Enquanto que, pela RMN, o trajeto a percorrer encurta para quase metade, por exigir apenas um percurso
de 6.500 milhas náuticas. Um encurtamento bastante maior do que o oferecido pelo Canal do Panamá, que
apenas reduz o percurso de Roterdão a Seattle, nos Estados Unidos, de 9.000 a 7.000 milhas náuticas caso
se percorra a Rota do Noroeste, também agora transitável numa parte do ano.
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respeito, visto serem estes os elementos que lhe dão corpo e, por isso, nos permitem
compreendê-los melhor.
5. As primeiras fases da militarização do Ártico pela Federação Russa
Relativamente a este tópico da militarização russa do Ártico, cingimo-nos aqui apenas a
uma série de passos indicativos das fases inicias do período Putin, diferentes umas das
outras, complexas e em muitos sentidos, ainda em gestação. Fá-lo-emos seguindo a
ordem cronológica do que tem ocorrido.
Num primeiro momento, decerto precedido por considerações de fundo das novas
Doutrinas abraçadas por Vladimir Putin depois das duas Guerras da Chechénia, a 2 de
agosto de 2007, numa operação apelidada de Arktika 2007, dois minissubmarinos
depositaram, enterrando a haste de uma bandeira russa de titânio no sedimento da
Plataforma Lomonosov que Moscovo alegou ser uma extensão da sua plataforma
continental e, por isso, território marítimo seu. Em cada um dos dois batiscafos estava
um membro da Duma, o Parlamento da Federação Russa. A imagem, disponibilizada pelo
Kremlin, correu mundo e levou a críticas generalizadas. Um segundo momento estava
para vir. A reação do Canadá veio depressa, com a realização de uma Operation Nanook,
que teve lugar no estado de Nunavut, o maior estado canadiano, perto da Gronelândia,
e envolveu forças militares,reas e navais – incluindo a Guarda Costeira e parte da sua
Marinha de Guerra, incluindo um submarino – e terrestres (neste último caso envolvendo
forças de vários tipos, do Exército regular à sua National Guard, a tropas reservistas e
aos Canadian Rangers).
A partir de 2008, o mesmo Canadá tem anualmente repetido estes exercícios, desde
então com a participação de outros Estados, designadamente os EUA e a Gronelândia
(Dinamarca).
A 8 de agosto do ano seguinte, nesse ano de 2008, a Federação Russa invadiu a Geórgia
“em resposta a ataques georgianos a peacekeepers russos colocados na Ossétia do
Sul”
14
, causando a sua morte. Seguiu-se uma guerra que durou cinco dias, que levou à
ocupação e à “declaração unilateral de independência” de duas regiões da Geórgia, a
Ossétia do Norte e a Abecásia. Muitos foram os analistas, tanto ocidentais como russos,
que viram na atuação de Putin uma resposta ao Conselho do Atlântico Norte, reunido
numa Cimeira da NATO, que teve lugar em Bucareste, na Roménia, de 2 a 4 de abril
desse mesmo ano tendo, no dia 3 de abril, sido afirmado que, em data não especificada,
tanto a Geórgia como a Ucrânia entrariam na Aliança Atlântica ao abrigo de uma Open-
Door Policy então aprovada pelos Chefes de Estado e de Governo da Aliança; em paralelo,
foi endereçado um convite à Albânia e à Croácia para iniciar as démarches necessárias
para uma “rápida” adesão a esta Organização
15
. As duas últimas iriam juntar-se, pela via
do MAP (Membership Action Plan), aos então 26 Estados-membros desta organização
defensiva de segurança. Os dados estavam lançados. Como foi antes referido, os
exercícios liderados pelo Canadá no Ártico tornaram-me maiores e multinacionais,
14
Para uma descrição bastante pormenorizada, servirá por todos o livro de Armando Marques Guedes (2009),
A Guerra dos Cinco Dias. A invasão da Geórgia pela Federação Russa, Prefácio, IESM.
15
NATO/OTAN (2008), NATO invites Albania and Croatia to accession talks, Washington.
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incluindo os Estados Unidos da América e a Dinamarca. Logo depois, a partir da Primavera
de 2009, uma vez a situação estabilizada na Geórgia face a uma incapacidade notória
dos Estados-membros da NATO e dos da União Europeia em reagir de forma eficaz, a
Federação Russa começou a enviar tropas para o Ártico, reabilitando antigas bases
soviéticas, criando novas bases terrestres, marítimas e aéreas na região e começando a
construir navios e quebra-gelos adequados às condições climáticas locais. Um processo
de militarização acelerada que se manteve até 2013
16
.
Depois de um breve hiato em 2014, ocupada como estava com a invasão e ocupação do
Donbass e da Crimeia, o processo foi reiniciado em força a partir de 2015. Destacam-se,
aqui, os Exercícios Vostok 2018 e Vostok 2019 e Vostok 2022, pela escala inusitada que
tiveram tanto em termos quantitativos, como na cooptação da China e da Mongólia,
que neles participaram, bem como, de seguinda vários outros. Ainda digno de referência,
nesta região siberiana, em 2019 o grande exercício “Center 2019”, em russo “Tzenter,
que envolveu 128,000 militares de sete países. Foi conduzido sob os auspícios da Rússia
de 16 a 21 de setembro de 2019 e contou, ainda, com a presença de 600 aeronaves e
cerca de 450 sistemas de artilharia de campanha
17
.
Um quarto processo de militarização do High North teve lugar, com uma série de picos
que se iria prolongar a2020-2021. Novos envios de tropas, novas bases na Bacia Ártica
e exercios militares conjuntos de vários tipos na região. Vale a pena aqui destacar o
exercício conjunto de grande envergadura, Trident Juncture 2018, da NATO, que teve
como host country a Noruega. Nele participaram cerca de 50.000 militares, de Estados
NATO e parceiros, com 250 aeronaves, 65 navios e 10.000 veículos de todos os tipos. O
exercício teve lugar no norte da Noruega, no Báltico e no norte do Atlântico, de 25 de
outubro a 7 de Novembro de 2018. Envolveu todas as forças e, inovando, incluiu a
dimensão cyber
18
.
No período que cronologicamente se seguiu, a pandemia, dada o seu surgimento e a sua
virulência, ambos acontecimentos inesperados, se não estancou o processo, pelo menos
desacelerou-o. Em 2022, ao invés do que antes tinha tido lugar quando a Rússia estava
a atuar militarmente noutras paragens, Putin fez questão de levar a cabo expressões
simbólicas fortes, que coincidiram, em primeira instância, a partir de maio de 2020, logo
que assumiu a Presidência de ts anos do Conselho do Ártico e, numa segunda fase, em
demonstrações de força, convencionais e não-convencionais, no seu High North de
16
Sublinhe-se que nesse leque de membros do Conselho do Ártico estão todos menos dois dos Estados-
membros da União Europeia: a Noruega e o Canadá; e que todos são membros da Aliança Atlântica. Para
uma leitura presciente do papel da UE, sugiro o artigo de Sandra Balão (2015), “Globalization, the
Geopolitics of the European Union Arctic Strategy and [some of] the New Challenges for the 21st Century”.
Setembro de 2015. O artigo mais recente de Ionela Ciolan (2022), “The EU’s geopolitical awakening in the
Arctic”, publicado pela União Europeia, confirma aquilo que a autora portuguesa esquissara sete anos antes
sem, no entanto, nele a referir.
17
Para este caso, é útil a consulta do trabalho de Mathieu Boulège (2018), “Russia’s Vostok Exercises were
both Serious Planning and a Show”, Chatam House. O título do artigo diz tudo. Resta acrescentar que
300.000 militares russos participaram, a quem se juntaram 30.000 chineses e milhares de membros da
infantaria da Mongólia. A Turquia foi convidada por Moscovo a participar, mas, a partir de Ankara, Erdogan,
politelysegundo Boulège, declinou participar.
18
NATO/OTAN (2018), Trident Juncture 2018. It is happening in the air, on land, at sea and in cyberspace.
Os recados da Aliança de defesa mútua foram dados, alto e em bom som: ao abrigo do Artigo 5 do Tratado
de Washington, “defenderemos as nossas populações e territórios”, e “protegeremos os nossos parceiros,
com os quais iremos trabalhar.
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Vladivostok à Península de Kola, passando pela ilha de Novaya Zemlya onde, outrora,
(enquanto URSS), o Kremlin tinha mantido intensas atividades militares. O que, no último
par de anos, tem incluído o estacionamento no Ártico de submarinos nucleares
19
.
Não surpreenderá que a Noruega, em 2022, tenha liderado exercios militares NATO,
apelidados de Cold Response, a norte, com o fito de “helping Allies and partners practice
together so they can be prepared for any situation
20
.
6. Passos mais recentes na militarização russa do Ártico
O nível das acusações e avisos recíprocos entre os EUA, a NATO e até a UE, por um lado
e a Rússia por outro, sobre a ameaça que mutuamente representam entre si, parece
suscitar um “dilema de segurança” difícil de encarar e de prever. Podemos, por isso, estar
perante uma espécie de espiral que certamente não é isenta de riscos associados a
possíveis escaladas descontroladas. Esperemos que não haja desaires, que poderiam ser
catastróficos. Mas há que -los sempre em consideração, embora os consideremos
improváveis.
Focando-nos na Aliança Atlântica: o compromisso intrínseco dos membros da NATO com
a sua própria segurança e a perspetiva acintosa de Moscovo sobre as suas próprias
exigências neste mesmo domínio configuram, porventura, uma situação de potencial
conflito ao longo do seu flanco norte. O que tem sido posto na mesa pelo Kremlin, nos
últimos meses deste ano de 2023, designadamente ao revogar a sua ratificação do
Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty (CTBT) celebrado em 1996. Com efeito, uma
semana depois de desta revogação, no dia 5 de Novembro de 2023, a Federação Russa
testou um míssil de cruzeiro estratégico no Mar Branco, a partir de submarino
estacionado perto da ilha de Novaya Zemlya, a oeste, cujo alvo, na região de Kamchatka,
a 6.000 quilómetros de distância, foi atingido com sucesso
21
. Puro posturing, com
algumas afinidades com o que a Coreia do Norte tem feito, tornamos a constatar.
É de sublinhar que um qualquer conflito militar direto na Região do Ártico possivelmente
não se limitaria apenas à região e poderia assumir caraterísticas severas para ambas as
partes. Todos os atores empenhados têm um interesse óbvio em precaver um desfecho
potencialmente devastador, seja como consequência de uma escalada, intencional ou
não. O vel de risco provavelmente aumentará à medida que as forças opostas
prosseguirem a operar nas respetivas áreas em que estejam. A experiência do passado
não nos oferece bons augúrios: tal como nos últimos anos tem sido o caso, numa ordem
19
Wall, Colin and Njord Wegge (2023), “The Russian Arctic Threat: Consequences of the Ukraine War”, Centre
for Strategic and International Studies, Washington, 25 de janeiro.
20
Os exercícios, terrestres, navais e aéreos, tiveram lugar em março e abril de 2022, e envolveram cerca de
30.000 militares de 27 Estados, incluindo portugueses. Ver NATO/OTAN (2022), “Exercise Cold Response
2022 – NATO and partner forces face the freeze in Norway”, 7 de março.
21
Associated Press (Nov. 5, 2023), “Russia says it test-fired an intercontinental ballistic missile from a new
nuclear submarine”, Politico. De acordo com o Politico, (t)he Imperator Alexander III is one of the new
Borei-class nuclear submarines that carry 16 Bulava missiles each and are intended to serve as the core
naval component of the nation’s nuclear forces in the coming decades. According to the Defense Ministry,
launching a ballistic missile is the final test for the vessel, after which a decision should be made on its
induction into the fleet. The Russian navy currently has three Borei-class submarines in service, one more
is finishing tests and three others are under construction, the Defense Ministry said. É difícil ver isto sem
as devidas preocupações.
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internacional bipolar bastante mais escorreita, mesmo perante a possibilidade de uma
escalada, nenhuma das partes evidenciou vontade de recuar ou se disponibilizou em
fazer qualquer tipo de cedências até aos últimos momentos
22
.
Hoje, tudo parece ter sido alterado. A Rússia está a enfrentar o Ocidente em
circunstâncias muito peculiares e numa situação que poderemos caraterizar como sendo
de fraqueza conjuntural. A sua economia encontra-se estagnada e com tendência para
decrescer, a sua população está igualmente a diminuir a um ritmo rápido e a Federação
-se cada vez mais isolada em termos políticos e diplomáticos na Europa e por
conseguinte tamm entre os Estados ribeirinhos do Ártico. O Kremlin tem vindo,
sobretudo após a chegada ao poder de Vladimir Putin, a reconstruir e de algum modo a
modernizar as suas capacidades militares após uma longa fase de corrupção, desleixo e
consequente declínio. Assim, mesmo a claramente especificada prioridade nacional da
Rússia depara-se com fortes restrições orçamentais e inúmeros desafios tecnológicos,
agora acentuados pela aplicação externa de sanções económicas, financeiras e
tecnológicas, como consequência da invasão da Ucrânia. Nos anos vindouros, a postura
da Rússia no Ártico será muito provavelmente afetada por preocupações sobre a sua real
capacidade de fazer face a um Ocidente surpreendentemente coeso, porventura
sobretudo depois do anúncio da entrada da Finlândia e da esperada entrada da Suécia
na Aliança Atlântica
23
.
Face a esta posição de fraquezas identificadas e de riscos regionais e globais crescentes,
em vez de considerar a região como o próximo palco de competição com a Federação
Russa, os Estados Unidos e os outros membros da NATO poderão aproveitar, no Ártico,
este momento de fragilidade estratégica para poder assim eventualmente, optar
esperemo-lo – por uma estratégia de dupla via, a diplomática e a da dissuasão. É sempre
mais fácil impor condições a adversários em situação de debilidade, seja ela estratégica
ou outra. Estarmos preparados para um qualquer tipo de surpresa consubstanciada numa
ameaça russa eventualmente maior do que o previsto, deverá ser sempre parte
integrante de um bom planeamento estratégico e operacional. O porquê é claro. A Lei de
Murphy: planear para a possibilidade mais provável do adversário, acautelando, sempre,
a mais perigosa, faz parte integrante dos princípios básicos de um planeamento político-
estratégico eficaz.
22
Do lado da NATO trata-se de preservar a necessária credibilidade do seu compromisso relativo à cláusula
de “defesa mútua defensiva” espelhada no seu famoso Artigo 5º. Para a Federação Russa, o seu “principal
adversário “aproximou-se em demasia das fronteiras e áreas de influência da “Pátria-Mãe”, logo aquilo que
diz estar em causa é a de garantir exigências de segurança, geopolíticas e económicas, que sente serem
suas por direito. As tensões crescentes não refletem de modo algum o resultado de eventuais mal-
entendidos. As ações de cada uma das partes são intencionais e mais não exprimem do que o reflexo de
interesses claramente conflituantes.
23
O que desde algum tempo tem sido sublinhado. ´Ver, por exemplo, o artigo publicado no ano passado
por Iris Thatcher (Aug. 8, 2022), Seven to one: The impact of Finnish and Swedish NATO membership on
Arctic security”, Institute for the Study of Diplomacy, no qual ela escreveu que their membership will help
NATO develop a strategy for the Arctic. Until now, NATO has largely avoided engagement in the far north,
despite the rise of Russian and Chinese activity. Some reasons that explain this include the sheer diversity
of member state interest in executing a coherent NATO strategy for the Arctic and the absence of an explicit
military threat within the region. Norway has brought an Arctic dimension to the alliance (…) suggesting that
NATO will shift its focus in the future toward the Arctic”. O que está em curso, com exercícios militares
conjuntos anuais, e outros desenvolvimentos.
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Porém, neste caso particular do Ártico e nas atuais condições conjunturais, ao tentar
perseguir o objetivo puro e duro de triunfar numa competição de Grandes Potências, a
Rússia, porventura com algum apoio da China, semuito provavelmente um perturbador
de outras atividades prioritárias – quer para o Ocidente Alargado, quer para a NATO, ou
para os EUA. A Aliança Atlântica deverá agir com comedimento, realismo e moderação
na proteção dos seus interesses centrais no Ártico. E tal está em curso. Os cuidados do
Ocidente veem-se, por exemplo, na administração e gestão criteriosa da sua competição
com a Rússia, por forma a tentar evitar consequências que conduzam a desequilíbrios e
com cuidados (por vezes excessivos) quanto à ultrapassagem de quaisquer “linhas
vermelhas”, sobretudo desde a invasão da Ucrânia em 2022.
Pontos estes que cedo foram bem indicados num artigo de Christian Perez, publicado na
conceituada Foreign Policy. No artigo, foram apontadas como genericamente
problemáticas a supremacia Rússia do que apelidamos de o “lago Ártico”, a aceleração
russa dos processos de uma militarização, e a atuação da China que podem beneficiar a
Rússia designadamente ao trazer enormes investimentos que o Império do Meio tem
vindo a fazer na Gronelândia e na Islândia. Mas podemos ir mais longe. De facto, embora
as disparidades na correlação de forças entre os Estados NATO no Ártico e a Federação
Russa sejam grandes e favoveis à NATO, são-no cada vez menos a este nível regional.
Como Perez sublinhou,
(t)oday, the Arctic is the only region where Russia has military and strategic
supremacy, and as the ongoing crisis in Ukraine escalates, it brings with it
increased risk for conflict in the Arctic. Since 2014, Russia has built over 475
new structures across its Arctic military strongholds and has conducted
extensive military exercises, most recently in January 2022
24
.
O que, efetivamente teve lugar. Seguiram-se-lhe rios exercícios liderados pela
Federação Russa, que tiveram lugar em meados de Abril de 2023, designadamente o
Arctic Rescue Exercise, no qual participaram, 13 Estados, num total de 39 observadores,
originários, por exemplo, da China, do Irão e da Arábia Saudita
25
. Logo de seguida teve
lugar um exercício que o Kremlin apelidou de Secure Arctic 2023
26
, que incluiu 16
cenários e teve lugar em 9 reges árticas russas, de Murmansk, a oeste, a Chukotka, no
leste da Sibéria. Mais de 60.000 militares se empenharam em atividades de treino, de
acordo com as informações do Russian Emergency Ministry (Emercom). Os exercícios de
treino terminaram em 12 de Maio de 2023, apenas duas semanas depois de a Rússia ter
completado a sua presidência de dois anos do Conselho do Ártico. Um recado claro.
Pior, Moscovo fez questão de não se ficar por : a 19 de Setembro de 2023, pôs em
andamento os exercícios Finval-2023, com operações das suas forças e tropas
(envolvendo 1.800 militares, 15 warships, submarines, support vessels, aircraft and
24
Perez, Christian (2022), “How Russia’s Future with NATO will Impact the Arctic. Three critical ways the crisis
in Ukraine will determine the region’s future”, Foreign Policy.
25
Atle Staalesen (Apr. 11, 2023), “Russia's big Arctic rescue exercise was attended by observers from Iran
and Saudi Arabia”, The Barents Observer.
26
Thomas Nilsen (Sept. 19, 2023), “Russia kicks off trans-Arctic navy exercise”, The Barents Observer.
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coastal units are involved as the Northern Fleet starts an exercise that stretches all along
Russia’s Arctic, from the Barents Sea in the West to the East Siberian Sea”)
27
. Um novo
recado. O referido lançamento de um míssil na primeira semana de Novembro, que
percorreu os 6.000 mil quilómetros do Mar Branco a Kamchatka, a que atrás aludimos,
foi um outro passo performativo da narrativa que o Federação está a compor em
múltiplos âmbitos, não no Ártico, mas também um pouco por todos os teatros em que
se envolvido. Números e disparidades complementares deste tipo não soletram nada de
bom para o futuro desta grande área. Tendo isto em vista, e dada a postura da Rússia
no Ártico, afigura-se crucial que os Estados Unidos, a NATO, os membros do Conselho do
Ártico e os Arctic 7, assentem os seus planos numa análise e avaliação realistas das
posturas que aí queiram manter.
De facto, para o Kremlin, por mais sedutor que lhe seja observar o Ártico pelo prisma da
rivalidade entre as Grandes Potências o que sem dúvida se enquadraria nos atuais
anseios da Federação Russa por um renovado reconhecimento como uma grande
potência – muito pouco que sugira que a sua postura militar no Ártico possa, de facto,
uma vez tudo bem ponderado, continuar a mostrar-se exequível. Não nos parece que o
seja. De facto, assinala o regresso a uma variante da postura tradicional da era de uma
Guerra Fria focada em velhas tarefas de longa duração, como a de proteger os santuários
da sua frota de submarinos de mísseis balísticos e/ou de cruzeiro, em operações levadas
a cabo no Atlântico Norte no caso de uma guerra na Europa. Houve uma clara alteração
de circunstâncias. Os militares russos têm-se comprazido num retomar dessas missões,
desta feita com menos recursos e defrontando uma panóplia muito maior de capacidades
adversárias do que aquela a que faziam face nos tempos idos da Guerra Fria.
Fará diferença, para uma Rússia a abrir outras frentes em simultâneo, mobilizando
aliados tão improváveis como perigosos? Parece-nos ser cedo demais para uma resposta.
Todavia, embora o rígido impasse tenha prosseguido depois da invasão da Ucrânia e o
que daí adveio, algum tipo de cooperação entre a Rússia e os outros sete Estados do
Ártico, sobretudo nos domínios mais práticos e desprovidos de influência política, seria
desejável e pode parecer mesmo possível. A ver vamos se tal será possível. Incluem-se,
aqui, frentes como o combate às mudanças climáticas, as operações de busca e
salvamento e mesmo algumas das atividades cooperativas de pesquisa científica. Num
mundo ideal, tais campos de cooperação poderiam e deveriam ser abertos em tudo o
que se traduza em questões de interesse comum, como a segurança da navegação,
proteção ambiental, salvaguarda dos mananciais pesqueiros e mesmo a simples gestão
de incidentes. Mas disso, porém, aconteceu. Certo é que seria essencial que os aliados
da NATO encontrassem vias diplomáticas potenciais para gerir o impasse. E fazendo-o,
assumindo tomadas de posição firmes, de modo a que venham a emergir regras de
conduta que visem mitigar os riscos de crises ou incidentes, de modo a não originar uma
escalada potencialmente desastrosa para todos. No caso do Ártico, a situação tem sido
muito cuidadosa, sem grandes alaridos do lado de um Ocidente Alargado que tem vindo
a deixar a Rússia gastar no seu High North meios que Moscovo em boa verdade não tem.
O que até agora tem aparentemente produzido alguns bons frutos, mas também riscos.
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Com efeito, algum impasse foi criado com o abandono do modelo dos oito Estados (os
Arctic 8) e com a tão benvinda entrada da Finlândia e a esperada entrada da Suécia, a
curto prazo, na Aliança Atlântica. Mas há a referir que após a assunção pela Noruega do
Conselho do Ártico a partir 11 de maio de 2023, o clima de cooperação continua gélido
28
.
7. A presença da China em alguns dos novos palcos Árticos. Um cenário
prospetivo e os seus potenciais efeitos
Será bom recordar que, durante quase três décadas, o Conselho do Ártico foi apontado
como um bom exemplo de cooperação no período pós-Guerra Fria. Os cinco Estados-
membros ribeirinhos, incluindo a Rússia e os Estados Unidos, trabalharam em conjunto
em pesquisas sobre as mudanças climáticas e o desenvolvimento social em toda a região
ecologicamente sensível. Agora, volvidos quase dois anos, os membros do Conselho
deixaram de trabalhar com a Rússia, em parte em consequência da invasão da Ucrânia
e com a sua postura também reativa com o alargamento da NATO a norte e o que isso
pode significar para o Kremlin. Atualmente com a Noruega a presidir a um Conselho
quase inerte
29
, os especialistas irão decerto interrogar-se sobre se a viabilidade deste
grupo de concertação polar se encontra em risco, caso não seja capaz de prosseguir com
a cooperação multidomínio com o país (Federação Russa) que controla efetivamente mais
de metade da costa (53%) do Oceano Glacial Ártico
30
.
Um Conselho Ártico que se mantenha inoperante terá consequências nefastas para o
meio ambiente ecológico desta região e para os seus 4 milhões de habitantes, que se
debatem com os efeitos produzidos pelo desaparecimento do gelo marinho e o crescente
interesse de países não árticos nos recursos minerais, ainda por explorar, existentes
nesta inóspita região. Abrindo o leque: o trabalho do Conselho mais alargado, o chamado
Arctic 8formado pelos oito Estados Árticos da Rússia ao Canadá, Dinamarca, Islândia,
Noruega, Finlândia, Suécia e Estados Unidos produziu acordos de caráter vinculativo
28
Citando o que Colin Ward e Njord Weggei (2023), prudentemente escreveram no final do seu muito rico
artigo virado para as ambições e limites das ambições da Rússia no Ártico: “it is probably too early to give
an accurate and comprehensive estimate of the future Russian warfighting capability in the Arctic, given
the impact of the Ukraine war. It would be prudent, however, given what is known and what is coming to
light, to revisit assumptions that guided prewar analysis, campaign modeling, and wargaming concerning
the region. Indeed, U.S. military doctrine is explicit that assumptions should be constantly reconsidered in
light of new information, and NATO doctrine echoes this. As NATO’s new Supreme Allied Commander Europe
starts crafting the alliance’s new regional defense plans, there is an opportunity to consider some of these
preliminary findings in High North scenarios. In the meantime, the old saying, sometimes attributed to
Winston Churchill, that ‘Russia is never as strong as she looks; Russia is never as weak as she looks’, it
might be a prudent approach for the West with respect to its security and defense planning in the Arctic”.
29
Muitos foram os autores e as entidades que tiveram dúvidas quanto ao futuro do Conselho. Ver, por todos,
Brett Simpson (May 31, 2023), The Rise and Sudden Fall of the Arctic Council”, Foreign Policy, que depressa
argumentou que(w)ith Russia no longer involved, it’s hard to see what Arctic politics can still accomplish”.
30
Aao momento da invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022, o aumento das tensões
geopolíticas não foi impeditivo da colaboração dos Estados do Ártico sob os auspícios do respetivo Conselho.
Com o prosseguir da guerra na Ucrânia, o futuro da cooperação nesta área politico-geográfica parece estar
comprometido. Em 3 de março de 2022, o Arctic 7 emitiu uma declaração conjunta, a dar a conhecer a
suspensão da cooperação com a Rússia neste fórum. A Rússia parece não ter dado muita importância ao
isolamento a que foi votada pelos outros sete países no Ártico, concentrando-se nos seus próprios assuntos
internos do Ártico, procurou cooperar com a China e convidou-a a participar dos projetos russos de
desenvolvimento do Ártico. Hilde-Gunn Bye (8 de março, 2022), “Russian Invasion of Ukraine: Joint
Declaration from Arctic States: Pausing Arctic Council Meetings”, High North News. Como sublinhámos, a
situação não é hoje tão linear.
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no passado no tocante à proteção e preservação ambiental. Como referido, constituiu
também um fórum que proporcionava voz aos povos indígenas da região.
Mas não é palco das questões de segurança, dado não ter competências jurisdicionais
nesse plano, nem é plausível que na conjuntura presente as venha a ter. Com a
interrupção da cooperação com Moscovo, cerca de um terço dos 130 projetos deste
Conselho m ficado estagnados. Pior ainda: novos projetos não poderão prosseguir e os
que subsistem não têm condições de ser renovados. As comunidades científicas de ambos
os lados, o ocidental e o russo, deixaram simplesmente de compartilhar novo
conhecimento acerca das mudanças climáticas, por exemplo, e a cooperação para
possíveis missões de busca e salvamento ou desastres ecológicos, como sejam os
derramamentos de ramas de petróleo, foram descontinuados.
O facto de a Federação Russa se ver excluída e isolada pelos outros sete Estados árticos
(os Arctic 7), compele-a, para conseguir realizar com sucesso os seus ambiciosos planos
na região, a procurar, quantas vezes desesperadamente, parceiros não Ocidentais. Aqui
as diferenças de perspetiva russas e chinesas são marcadas, numa aparente alteração
de circunstâncias: aos olhos da Rússia a China afigura-se como um parceiro privilegiado
sobretudo pelo volume de investimento que poderá mobilizar. Para a China, a colaboração
com a Rússia neste campo é vista tanto como uma oportunidade quanto um desafio. Xi
Jin Ping terá de gerir esta questão com muito cuidado para evitar ver a China igualmente
condenada ao ostracismo por todos os restantes Estados (repetindo, os Arctic 7) deste
“quase-lago” interior. O que está, com efeito, a ter lugar: Pequim respondeu
positivamente ao convite de Moscovo de aprofundar a cooperação no Ártico. O que não
apenas fortaleceu a sua cooperação energética com a Rússia, mas ainda abriu a porta ao
aprofundamento da cooperação em novas áreas, como a navegação na Rota Marítima do
Norte. Cabe pôr aqui em evidência uma decisão geopolítica chinesa que vinha de ts,
designadamente a criação, gizada em 2017 e formalizada em 2018, daquilo que num
White Paper, Pequim decidiu apelidar de Polar Silk Road
31
.
Como seria de esperar, os mundos académicos e políticos depressa reagiram. No ano
seguinte, em Fevereiro de 2019, Maud Descamps, numa publicação da União Europeia,
colocou em cima da mesa um artigo, no Focus Asia. Perspective and Analysis, com o
título “The Ice Silk Road: is China a ‘Near Arctic State’?”, que explores the economic and
political impact surrounding potential new trade routes that could open-up in the Arctic
region given the rapid pace of melting polar ice-caps. Um artigo genérico e rico, que
disponibiliza uma análise, segundo a qual aquilo que está em causa são the measures
taken by China to ascertain greater access to the region and reap the financial benefits
31
Xinhua (Jan. 21, 2018), “China publishes Arctic policy, eyeing vision of Polar Silk Road”, Xinhuanet, Beijing.
Segundo o artigo official da Xinhua, o “Chinese Vice Foreign Minister Kong Xuanyou shows a white paper
on China’s Arctic policy during a press conference in Beijing, capital of China, Jan. 26, 2018. China published
a white paper on its Arctic policy Friday, pledging cooperative governance and elaborating a vision of “Polar
Silk Road”. O documento declara, logo à partida, que a “China, as a responsible major country, is ready to
cooperate with all relevant parties to seize the historic opportunity in the development of the Arctic, to
address the challenges brought by the changes in the region”, segundo o White Paper promulgado pelo seu
State Council Information Office. Para ler o texto original do White Paper, ver a tradução inglesa, publicada
pela The State Council of the People’s Republic of China.
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of this new frontier. O texto de Maud Descamps foi crítico e realista, por ter constatado,
por exemplo, que
Beijing is gearing up to further its presence in the Arctic by promoting the
Transpolar Sea Route, a passage that would make use over the shorter route
past the Arctic circle for commercial and civilian purposes. However, most of
the Chinese vessels which to date are able to operate in high north, all of
which are ice breakers, belong to the People’s Liberation Army navy (PLA-N)
while there is only one ship operated under the aegis of the Polar Research
Institute of China (PRIC)”.
A autora concluiu que “(t)he further development of channels between Europe and Asia
via the Arctic is an open question that is linked to geopolitics, sovereignty, sustainability
and reciprocity”
32
.
Tornou-se quase inevitável que muitas outras decisões se lhe seguissem, tanto na Europa
como na América do Norte. Pouco a pouco, o tom tem mudado, num Ocidente no qual
se têm vindo a registar algumas (poucas), dissonâncias no quadro de um crescente
coesão. Um de entre muitos exemplos surgiu em Fevereiro de 2023, três autores norte-
americanos, James McBride, Noah Berman e Andrew, Chatzky, publicaram na Foreign
Affairs, um artigo de maior fundo, a que deram o título de “China’s Massive Belt and Road
Initiative”
33
. Neste muito bem gizado artigo, os autores preconizaram como argumento
central que “China’s colossal infrastructure investments may usher in a new era of trade
and growth for economies in Asia and beyond. But skeptics worry that China is laying a
debt trap for borrowing governments. O ponto focal da crítica foi relativo à política de
endividamento que a China tem prosseguido. Sem focar especificamente a Polar Silk
Road, os três autores sublinharam com lucidez que
(a)s Russia’s relationship with the West has deteriorated, however, President
Vladimir Putin has pledged to link his Eurasian vision with the BRI. Some
experts are skeptical of such an alliance, which they argue would be
economically asymmetrical. Russia’s economy and its total trade volume are
both roughly one-eighth the size of China’s — a gulf that the BRI could widen
in the coming years”.
Mais, apelaram para uma intervenção robusta da Europa, trazendo à baila a questão
seguinte: “An Opportunity for the EU to Pitch In?”.
32
O texto de Descamps foi crítico e realista, ao constatar, por exemplo, que “Beijing is gearing up to further
its presence in the Arctic by promoting the Transpolar Sea Route, a passage that would make use over the
shorter route past the Arctic circle for commercial and civilian purposes. However, most of the Chinese
vessels which to date are able to operate in high north, all of which are ice breakers, belong to the People’s
Liberation Army navy (PLA-N) while there is only one ship operated under the aegis of the Polar Research
Institute of China (PRIC)”. E a autora conclui, argumentando que (t)he further development of channels
between Europe and Asia via the Arctic is an open question that is linked to geopolitics, sovereignty,
sustainability and reciprocity”.
33
McBride, James, Noah Berman e Andrew, Chatzky (Feb. 2, 2023) “China’s Massive Belt and Road Initiative”,
Foreign Affairs, Council on Foreign Relations, Washington.
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Não é tudo, no que toca ao conluio potencialmente mais aprofundado numa ligação
Rússia-China que ainda não é inteiramente clara, nem para a Europa nem para a América
do Norte. Nem, diríamos o será para a China e a Rússia. No que diz respeito à suspensão
do Conselho do Ártico, a China também declarou publicamente que não reconheceria o
Conselho do Ártico sem assia
34
. Tirando partido do confronto em curso entre a Rússia
e os outros sete países do Ártico, no quadro maior do Arctic 8, a China pressente e
aproveita a oportunidade para colocar em marcha com mais facilidade novos projetos de
cooperação no plano bilateral, e aí com vários focos e aparentemente, pelo menos para
já, sem grandes empecilhos, embora com alguma opacidade, como é pico dos
relacionamentos complexos entre “aliados”.
Para Pequim, o aprofundamento da cooperação ártica com a Rússia favorece os seus
próprios interesses em matéria de economia, segurança energética e influência política
nesta região. Porventura, a questão por um lado é a seguinte: quanto tempo pode durar
o bom momento da cooperação sino-russa promovida por conflitos externos de curto
prazo? Por outro lado, o aprofundamento da cooperação China-Rússia está a ocorrer no
pano de fundo de uma divisão cada vez maior dos desígnios dos outros atores com uma
agência potencialmente cada vez maior no Ártico, seja ela de cooperação ou de
competição.
Quanto mais aprofundada a cooperação da China com a Rússia for, maior a probabilidade
de causar mal-entendidos e vigilância de outros países do Ártico, o que pode levar à
criação de um clima de desconfiança relativamente a Pequim por outros Estados regionais
ou globais e até desencadear tensões e mesmo confrontos entre esta e outros Estados
nela com interesses.
Na conjuntura presente em movimento, as recentes aproximações entre a China, ou o
par China-Rússia, com Estados como o Irão ou a Coreia do Norte, para dar dois
exemplos, podem vir a ter consequências e suscitar reações que por enquanto não
logramos vislumbrar com grande clareza.
34
Quanto a esta questão, ver um outro artigo de A. Staalesen, (2022) “Chinese shippers shun Russian Arctic
waters”, The Barents Observer, 22 de agosto. Desde 2022, a China, e a companhia marítima estatal chinesa
COSCO tem recusado utilizar a Rota do Norte, embora continue a operar noutras regiões russas. Desde 22
de agosto de 2022, a Rosatom estatal russa que concede autorizações para a Rota, 869 navios a passaram,
todos eles russos. A COSCO chinesa não fez nenhum pedido de utilização da Rota do Norte desde a invasão
da Ucrânia. Segundo Russian Arctic expert Mikhail Grigoriev says international shipping companies now
carefully steer clear of Russia. The feeling among international shippers and traders is that everything
that goes through Russia now is like acid”, escreveu então M. Grigoriev. Segundo Elizabeth Buchanan, num
artigo publicado o conceituado Royal United Services institute (RUSI) britânico, num artigo intitulado “The
Ukraine War and the Future of the Arctic”, publicado a 18 de março de 2022, declarou aquilo que parece
estar em curso: que o conflito podia vir a pôr em causa “the existing rules-based Arctic order”. Ver também,
para uma leitura mais focada numa perspetiva genérica do potencial impacto do conflito em curso, também
do Royal United Services institute um outro artigo, este de Elizabeth Buchanan (Mar. 11, 2022), intitulado
“Ukraine War and the Future of the Arctic”, RUSI. O artigo mais recente e citado de Colin Wall e Njord
Wegge (Jan. 25, 2023), o primeiro norte-americano e o segundo um professor norueguês da Norwegian
Military Acafemy, as posições que assumem e mapeiam em pormenor, com interessantes nuances, quase
um ano depois do ataque à Ucrânia a evolução militar da Rússia no Ártico, tanto logística quanto operacional.
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8. Esmiuçando tanto quanto possível, quais serão as futuras dimicas
emergentes nesta região?
O impacto da guerra da Rússia na Ucrânia lesou claramente a convivência pafica e a
cooperação na região do Ártico. Os Estados-membros do grupo Arctic 7 recusaram-se a
colaborar com a Federação Russa, confrontando-a e marginalizando-a. Com a finalidade
de ultrapassar esta situação, a Rússia e sem meios para atuar isolada, viu-se e continua
a estar – na contingência de ter de encarar a China como o seu parceiro de eleição para
a prossecução dos seus projetos nesta grande área do High North. Embora a China tenha
sido por via de regra cautelosa, o ânimo da Federação Russa por uma cooperação com
Pequim nesta região parece estar a gerar, para ambos, uma possível oportunidade de
uma (re)aproximação entre estes dois Estados.
Mas apenas parcial e nem sempre favorável para Moscovo, sublinhe-se em todo o caso e
por exemplo, que Pequim precisa de permanecer muitíssimo atenta e cautelosa quanto
à hitese de um aprofundamento de quaisquer projetos de cooperação chinesa com a
Rússia. A razão para tal é simples de equacionar: tanto a conjuntura como a correlação
de forças entre estes dois Estados consubstanciam, hoje, dinâmicas muitíssimo
diferentes daquilo que foram no passado. No caso concreto do High North, estas
reaproximações, por muito boas que possam parecer para Moscovo, podem afetar, de
maneira negativa e irreversível, as suas relações com os outros Estados (os Arctic 7)
ligados a esta nova conjuntura regional sobretudo após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Um par de exemplos demonstra-o à saciedade. É um facto incontestável que a Rússia,
até dia 11 de maio de 2023, não permitiu a passagem pela Rota do Norte por navios de
Estados do Ocidente Alargado. O Kremlin autorizou, no entanto, a passagem de navios
chineses, alguns deles VLCCs (Very Large Container Carriers) comerciais, de par com um
número crescente de quebra-gelos construídos por Moscovo, e outros navios militares
e/ou dual use mas, decerto por prudência, a China decidiu não o fazer, pelo menos até
2023, data em que recomeçou o tnsito
35
.
Mais, como sublinhámos, a Rússia organizou, na Rota Marítima do Norte, exercícios
militares conjuntos de grande dimensão, designadamente os célebres Exercios Militares
russos conjuntos Vostok (Oriente) 2018, 2019 e 2022, ou no de 2023, que teve lugar no
Mar do Japão e não no Ártico, tem havido demonstrações de novos equipamentos,
algumas partilhas de tecnologia, e tem sido assegurada alguma interoperabilidade entre
as forças participantes. Apesar dos atrasos causados, por um lado por via da pandemia
35
Malte Humpert (Oct. 9, 2023), “Chinese Container Ship Completes First Round Trip Voyage Across Arctic”,
High North News. Como escreveu Humpert, (a) Chinese container ship has completed a three-months
round trip voyage from the Baltic Sea to China and back. It is the first step in establishing regular, albeit
small-scale, container liner service utilizing Russia’s Northern Sea Route”. O primeiro navio comercial a
passar a rota foi um navio da Maersk dinamarquesa, em 2018. Neste caso, como nota o autor, não só o
navio fez a round tour, com ida e regresso, mas também, the NewNew Polar Bear’s roundtrip voyage is
the first of its kind establishing regular service, rather than experimental or ad-hoc container ship voyages
such as Maersk’s 2018 voyage with the Venta Maersk (…) A NewNew Shipping Line entered the Arctic with
five container vessels this summer with service along the full route between China and St. Petersburg. The
ships are the 2,741 TEU Xin Xin Hai 1, the 2,741 TEU Xin Tian 1 and the 3,534-TEU NewNew Star. Estes
três porta-contentores rumaram até S. Petersburgo, entrando por isso no Báltico pelo Mar da Dinamarca;
os dois restantes ficaram em Arkhangelsk, perto da Península de Kola.
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e por outro, dada a atenção que Moscovo quis manter na Ucrânia, a cooperação tanto
comercial como militar com a China não estagnou completamente. Todavia, a Rússia
enfrenta agora, no Ártico, uma situação complexa, difícil, e sem paralelo. Atualmente, o
Kremlin está a ser objeto de múltiplas sanções impostas pelos Estados Unidos e pelos
outros Estados da NATO, da União Europeia, e por uma dúzia de outros que se lhes
juntaram. Concomitantemente todo o apoio destes países à Ucrânia provoca na Rússia
uma pressão crescente quer interna, quer externamente. Ao mesmo tempo, todas as
ligações e contactos oficiais entre o Arctic 7 e a Rússia depressa foram cancelados. A
título de exemplo, o “Conselho de Ministros Nórdico” comunicou a cessação da
cooperação regional entre os países nórdicos e a Federação Russa. A Gronelândia
interrompeu o intercâmbio de cotas de pesca com a Rússia; a Noruega seguiu o Conselho
Europeu e aderiu às sanções de medidas restritivas contra a Rússia, tal como previsto,
Moscovo deixou de presidir ao Arctic Council na data prevista de 11 de maio de 2023
36
.
Qual o quadro maior e qual será o desenlace final? Não será de descontar a hipótese
prospetiva da China estar a querer passo a passo, repetir, complementado o que está a
levar a cabo no sudeste da Eurásia – ao longo da antiga soft belly da URSS. Ou seja, no
arco centro-asiático uma nova One Road, One Belt, que lhe permitirá acessos
privilegiados aos Oceanos Índico e ao Atlântico Sul, onde tem um pied à terre de
Myanmar ao Sri Lanka, do Djibouti à Tanzânia, à Africa do Sul e Angola, para de novo só
citarmos alguns exemplos. E, do outro lado da Bacia Atlântica, parceiros que vão do Brasil
a uma enorme porção de Estados tanto os da costa leste da América do Sul como os da
costa oeste, sem esquecer os muito mais numerosos Estados existentes nas Caraíbas.
Mas desta feita, se assim for, a China está a fazê-lo com a Rússia, a norte. O que talvez
possamos apelidar de uma Northern One Road, One Belt de modo a entrar, por essas
vias, num próspero Atlântico Norte, no qual estão os dois maiores blocos económicos do
planeta: a União Europeia (e o Reino Unido), bem como a parcela norte do Novo Mundo,
designadamente o Canadá, os Estados Unidos da América, e um México cada vez mais
próspero. O que resultará daqui é ainda uma incógnita, mas podemos especular com
uma prospetiva que julgamos pelo menos credível. Como acima notámos, a hipótese
desta Rota Norte não é nova, tendo sido designada por Pequim uma Rota Polar da Seda
no White Paper de 2018, publicado em Pequim, a que atrás fizemos a devida alusão. No
Ocidente, tem sido utilizada, pelo menos desde 2021, numa tradução literal do Mandarim
original, a expressão “Polar Silk Road
37
.
Numa súmula interessante, depois de escrever sobre a cooperação que tem com Moscovo
e os interesses comuns que os dois Estados partilham, a referida Anu Sharma formulou
a seguinte série de ponderações, que fazemos nossas:
36
Edvardsen, Astri (May 12, 2023), “Russia: The Risk of Weakening the Arctic Council Should Not Be
Underestimated, High North News Apenas a Noruega participou na passagem de testemunho; os outros
Estados do Conselho, falaram online, por via digital com os russos e noruegueses presentes na cidade russa
de Salekhard. O impacto foi imediato. Como declarou o Embaixador russo, Nicolay Korshunov, "The future
of the council and cooperation within this format under Norwegian chairship appear uncertain".
37
Servirá, por todos, o estudo académico publicado pela Air University (AU) militar norte-americana um
par de anos, criada para apoio académico às relativamente recentes Air and Space Forces que os EUA
decidiram instituir como um quarto ramo das suas Forças Armadas: Anu Sharma (Oct. 25, 2021), “China’s
Polar Silk Road: Implications for the Arctic Region”, Journal of Indo-Pacific Affairs. Sharma é uma académica
e jornalista indiana, de Jaipur agora a trabalhar com os Estados Unidos a partir de Nova Deli.
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73
through various economic and commercial commitments, China has taken
constructive diplomatic steps to cultivate relations with the Arctic Council that
will facilitate Chinese interests. China has entered into joint ventures
with Russian gas companies, in addition to building an embassy in Iceland
and financing the Kouvola–Xi’an train in Finland. China has also warmed
relations with Norway and Greenland through various investments. This
inflow of investments will, in turn, help Greenland to lessen its reliance on
Denmark. Moreover, all this has helped China to increase its foothold in Arctic
nations
38
.
Estudos como estes têm obtido peso académico específico, dada a lucidez com que
desvendam a correlação de forças patente entre a China e a Rússia. Vale, a pena para o
sublinhar, citar aqui as palavras de um académico chinês da Universidade de Pequim,
Chuan Chen, num artigo recente que publicou em Abril de 2023, no The Arctic Institute,
sediado em Washington DC. Palavras essas que também fazemos nossas. Numa visão
bem fundamentada e mordaz, Chuan afirmou, com lucidez, num seu artigo, o seguinte:
China should ensure that its collaboration with Russia does not harm its
relationship with other Arctic states. At present, Russia is excluded and
isolated by the seven other Arctic states (Arctic 7) in the Arctic, and Russia’s
Arctic strategy has also been hindered. To realize its Arctic plans, Russia
desperately needs non-Western partners to jointly develop the Arctic.
Therefore, Russia sees China as a suitable option. For China, collaboration
with Russia is both an opportunity and a challenge, and China needs to handle
it carefully to avoid being ostracized by other countries in the Arctic”.
Ou seja, Pequim quer assegurar uma boa ligação com os Arctic 7, mesmo que para tal o
tenha de fazer sem Moscovo
39
.
O que pouco nos surpreende: a China e a Rússia são, em boa verdade, dois Estados
muito diferentes um do outro. Embora a China se considere “um Estado quase-Ártico”, a
verdade é que não o é. Não custa muito a compreender que a Federação Russa e a China
têm interesses divergentes, empenhamentos, visões de futuro, apostas e tipos de
alianças, Histórias, economias e demografias, assaz distintas uma da outra, bem como
conceitos de soberania e projetos políticos e geopolíticos bastante dissemelhantes. Em
termos das suas capacidades genéricas e dos seus respetivos caldos de culturas, é assim
difícil entrever a “amizade e aliança eternas” que professam ter uma pela outra. Ao
agregar estas duas leituras, na qual em sentido lato nos revemos, seria difícil expor as
coisas de forma mais clara quanto à tácita apetência do Império do Meio no que diz
respeito uma sua articulação/penetração no Atlântico Norte pela via disponibilizada por
38
Idem, op. cit.
39
Chuan Chen (Apr. 4, 2023), “China-Russia Arctic Cooperation in the Context of a Divided Arctic”, The Arctic
Institute, Center for Circumpolar Security Studies.
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Moscovo, literalmente “ladeando” por uma Rússia sob pressões resultantes das sanções
que lhe foram impostas pelo Ocidente em resposta à invasão da Ucrânia.
Caso o enquadramento conjuntural continue como está, o Kremlin nunca terá acesso aos
mercados norte-atlânticos que a China se propõe penetrar. Mas se e se, os Estados
na América do Norte e os Europeus (estes últimos por enquanto menos avessos a
colaborar com a China) o consintam. Uma hipótese, porém, nos parece pelo menos em
parte previsível: estamos perante uma nova realidade, onde, tal como no caso da
Southern One Road, One Belt, Moscovo não logra apresentar-se senão como um
segundo violino.
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