OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 1 (Maio-Outubro 2023)
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NOTAS E REFLEXÕES
REFLEXÕES SOBRE O PAPEL DE XI JINPING DURANTE A GUERRA
DA UCRÂNIA: A LEGITIMIDADE DE UM LÍDER EM
RESSURGIMENTO NA BUSCA DA PAZ E AS CONSEQUÊNCIAS NA
ORDEM INTERNACIONAL
DANIEL DA COSTA LARA LEITÃO
d.lara.leitao@outlook.com
Mestrando em Relações Internacionais, na Especialidade de Estudos de Segurança, da Paz e da
Guerra, Universidade Autónoma de Lisboa (Portugal). Licenciado em Estudos de Segurança pela
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. As principais áreas de interesse são a
cooperação em Intelligence, conflitualidade geopolítica na Ásia-Pacífico, segurança em Angola e
Cibersegurança.
Após a investida militar da Rússia na Ucrânia, e com a densificação do conflito, surgiu
uma incógnita no seio da comunidade internacional sobre quem será o mediador efetivo
para alcançar um acordo de paz entre as duas partes beligerantes diretas da guerra.
As várias tentativas e iniciativas com objetivo de encontrar uma solução preliminar para
a redução da escala do conflito falharam. Desde os encontros entre Kuleba e Lavrov,
passando pela iniciativa de Erdogan e o contributo da Turquia no acordo dos cereais, à
intenção de Lula da Silva em mediar o conflito, poucos efeitos foram produzidos na
persecução da paz.
Se existe, na generalidade, a ideia de que os Estados Unidos da América detêm a
capacidade de colocar um fim à guerra, a China surge agora como ator que visa contrapor
essa conceção de uma América pacifista. Recentemente, a China apresentou um plano
de paz com 12 pontos. O ponto mais relevante no plano da pacificação, solicita o fim das
hostilidades.
Se por um lado, Washington envia uma mensagem clara sobre o que interpreta desse
plano, a China envia duas mensagens no plano interno e no plano internacional. No plano
interno, visa reforçar ainda mais a liderança de Xi Jinping enquanto líder revolucionador
e modernizador. No plano internacional, a China pretende claramente mostrar ser capaz
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de promover a paz e a estabilidade global, substituindo países que são responsáveis por
fazê-lo internacionalmente.
Apesar de ser um plano vago, Pequim deixa implícito que toda a negociação tem uma
base, e que esta poderia ser útil para se chegar a um consenso. Contudo, esse plano foi
prontamente rejeitado a partir da Casa Branca. There are 12 points in the Chinese plan.
If they were serious about the first one, sovereignty, then this war could end tomorrow
(Blinken, 2023). Surge, a partir de Washington, a ideia não só de que Pequim não tem a
legitimidade para procurar a paz entre duas partes beligerantes, mas também que a
intenção de Xi Jinping é uma atuação conjunta com Vladimir Putin para alterar os
parâmetros da atual ordem mundial.
Apesar de a presente reflexão deixar implícito que os EUA não pretendem abdicar da
dianteira num caminho para a paz, é também justo referir que, na nossa visão mais
realista,China sees the war in Ukraine as a big problem(Campbell, 2023). Se podemos
considerar como facto todas as iniciativas de Pequim, em alcançar a paz, é também
pertinente dizer que tal intenção ameaça a liderança de uma ordem liberal, encabeçada
pelos Estados Unidos da América. Esta ideia surge, sobretudo, no seguimento do
restabelecimento das relações diplomáticas entre o Irão e a Arábia Saudita, e das
possíveis consequências que dessa reaproximação possam advir no golfo pérsico.
E se é pertinente fazer uma abordagem a este marco diplomático da China, o que salta
à vista é uma consequência para países como a Arábia Saudita, Índia e Paquistão: “The
United States doesn’t want its partners doing business with Tehran” (Kugelman, 2022).
Estando praticamente todos os canais de comunicação cortados entre Washington e
Moscovo, a quase aversão de Washington a uma aproximação do seu competidor chinês
configura-se como praticamente automática. Entre argumentos e contra-argumentos
transversais às várias partes envolvidas, desde os Estados Unidos, OTAN, Rússia e China,
our thinking is necessarily clouded by the suffering that Russian President Vladimir
Putin’s aggression has inflicted on the people of Ukraine” (Westad, 2022: 1).
Sendo o posicionamento de Xi Jinping cada vez mais central na guerra da Ucrânia, tal
como o seu fulgor no cenário internacional, é também cada vez mais evidente um cenário
de competição, dinâmicas e interações não só entre os contendores, mas também entre
aqueles que aparentemente querem fazer a paz.
A guerra é, atualmente, marcada pela crescente competição e cada vez menos por apelos
à redução na escala do risco. Entre apelos do Secretário Geral das Nações Unidas, e
resoluções de um grande número de países, a tensão e alteridade intensifica-se não com
o outro mas com os outros. Wang Yi, frisou na Conferência de Segurança em Munique
que
human society must not repeat the old path of antagonism, division and
confrontation, and must not fall into the trap of zero-sum game, war and
conflict(Yi, 2022).
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Mas estarão todas as partes envolvidas interessadas em ganhos mútuos? Se China e
Rússia “share similar goals”
1
, os Estados integrantes da ordem liberal rejeitam uma
ordem una global, partilhada com estados autoritários. Não existe compatibilidade,
atualmente, no sistema internacional. Rússia e China, na base de uma cooperação
estratégica alargada pretendem alcançar um multilateralismo com dinâmicas e valores
diferentes do multilateralismo vigente.
No seu artigo intitulado Forging Ahead to Open a New Chapter of China-Russia
Friendship, Cooperation and Common Development”, Xi Jinping é afirmativo ao dizer que
os dois países trabalharam juntos rumo a um mundo multipolar
and a greater democracy in international relations. We have been active in
practicing true multilateralism, promoting the common values of humanity,
and championing the building of a new type of international circumstances
(…)” (Jinping, 2023).
Com a visita de 20 de março de 2023, Xi Jinping afirma-se, definitivamente, como player
central numa nova arquitetura do sistema internacional. Um sistema internacional com
múltiplas interações e cada vez mais competitivo.
Nessa dinâmica de competição, surgem ainda questões que acrescentam nebulosidade a
um panorama cada vez mais difuso. A empreitada de Xi, alavancada pela parceria com
Putin, ganha força pela multiplicidade de iniciativas bilaterais e multilaterais. A nível
económico e militar, a título de exemplo, a Organização para Cooperação de Xangai
congrega a Índia, Paquistão, China, entre outros países. Durante o período de guerra,
especialmente, a aproximação de Pequim a Moscovo poderá o só alimentar a perceção,
do ponto de vista de algumas lentes teóricas das Relações Internacionais, de que Xi
Jinping conduz agora uma política externa ambígua face ao tema da Ucrânia. O seu
pendor para o lado russo é visto como um caminho para o enfraquecimento, para a perda
de força do avanço chinês na corrida àquilo que é ainda uma incógnita: quem será o der
da ordem internacional? Que regras e que valores? Que alianças predominantes e,
sobretudo, que relação entre Estados Unidos da América e China?
Se por um lado, é difícil prever em que moldes se irá compor a ordem internacional, por
outro,
pundits and policymakers have described the emerging world in a variety of
ways: multipolar, polycentric, non-polar, neo-polar, apolar, post-american,
G-zero, and no one’s world(Acharya, 2014).
A ideia de que o mundo segue numa crescente ordem diversificada, ganha consistência.
E em contexto de guerra, a ambiguidade por nós referida torna os caminhos a seguir
mais estreitos e perigosos. Por onde irá a China? Por onde i a História? Não sabemos
se Xi Jinping ambiciona realmente um plano de paz, ou se tenciona usar a guerra da
Ucrânia para se fortalecer. Mas se existe, desde o dia 24 de fevereiro do ano transato,
grande incerteza quanto ao cenário estratégico, as oões que vão sendo tomadas por
1
Declaração de Xi Jinping no encontro com Vladimir Putin durante a visita a Moscovo
https://edition.cnn.com/europe/live-news/russia-ukraine-war-news-03-20-23/index.html
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Xi Jinping parecem causar mais um dilema existencial. Como irão os Estados Unidos
responder a várias frentes, simultaneamente?
Quanto ao apoio, ou não, de Xi a Putin as dúvidas dissiparam-se quase na totalidade, no
âmbito da visita a Moscovo após a emissão do mandado de prio a Vladimir Putin.
In terms of Chinese interests, this might not turn out to be quite as successful
a strategy as Xi assumes, at least not in the long run(Westad, 2022: 4).
Mas é possível que a China ganhe vantagem estratégica em qualquer dos cenários da
guerra. Apesar de haver outas leituras, que mui respeitamos.
No entanto, no nosso entendimento, a China poderá ter um aliado cada vez mais forte
caso haja um vencedor no plano militar: a Rússia. Em caso de derrota russa, que será o
cenário ideal para a estabilidade na Europa, a dependência da Rússia face à China
aprofundar-se-á. O grande dilema da China, será uma Rússia enfraquecida. Talvez seja
esse o fator que possa descodificar a parceria sem limites” entre Pequim e Moscovo, e
da diplomacia chinesa com caráter ambíguo.
A China encontra-se decidida a alcançar o caminho da prosperidade e da multipolaridade.
As the world’s second-largest economic power, China intends to play an
important role in shaping the global economic norms(Xuetong, 2022: 8).
Passado pouco mais de um ano, as forças motrizes capazes de promover a paz
prevalecem num caminho de ineficácia. Embora essa ineficácia se possa atribuir, em boa
parte, às convicções de um agressor, tanto a União Europeia como a OTAN têm
recentemente apresentado soluções exclusivamente no plano militar.
Enquanto as vias de comunicação com o Kremlin se estreitam, o mediador com mais
proximidade de Vladimir Putin parece estar disposto a estabelecer uma parceria quase
inabalável. o se trata de amizade, mas de interesses comuns. A China e a Rússia
desejam um sistema internacional diferente, com uma configuração mais alargada e
igualitária. Enquanto isso, a guerra torna-se cada vez mais uma incerteza. Resta saber
o posicionamento de Xi Jinping face ao conflito propriamente dito, e o que será feito para
travar o conflito.
Referências
Acharya, A. (2014). A Multiplex World. Em The End of American World Order (p. 1). Polity
Press. Obtido em 21 de Março de 2023, de ISBN-13: 978-0-7456-7247-2
Blinken, A. (2023). U.S. dismisses China’s Ukraine peace proposal as an attempt to
distract. Obtido em 18 de Março de 2023, de Politico:
https://www.politico.com/news/2023/02/24/united-states-china-ukraine-00084384
Campbell, C. (2023). Why China, Russia’s Biggest Backer, Now Says It Wants to Broker
Peace in Ukraine. Obtido em 2023 de Março de 20, de Time:
https://time.com/6257398/china-russia-ukraine-war-peace-talks/
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Jinping, X. (2023). Forging Ahead to Open a New Chapter of China-Russia Friendship,
Cooperation and Common Development. Obtido em 20 de Março de 2023, de Xinhua:
https://english.news.cn/20230320/208baba76dc14ed78d308bfa32b9d4e2/c.html
Kugelman, M. (2023). What the China-Brokered Saudi-Iran Deal Means for South Asia.
Obtido em 20 de Março de 2023, de Foreign Policy:
https://foreignpolicy.com/2023/03/16/china-saudi-iran-deal-south-asia-pakistan-india-
oscars-rrr/
Westad, O. A. (2022). The Next Sino-Russian Split? Beijing Regret Its Support Will
Ultimately Come to Regret Its Support of Moscow. Obtido em 20 de Março de 2023, de
https://www.foreignaffairs.com/articles/east-asia/2022-04-05/nextsino-russian
Xuetong, Y. (2022). China's Ukraine Conundrum. Why the War Necessitates a Balancing
Act. Obtido em 21 de Março de 2023, de
https://www.foreignaffairs.com/articles/china/2022-05-02/chinas-ukraine-conundrum
Yi, W. (2023). Wang Yi Attends the 59th Munich Security Conference and Delivers a
Keynote Speech. Obtido em 20 de Março de 2023, de Embassy of the People's Republic
of China in the Republic of the Philippines: http://ph.china-
embassy.gov.cn/eng/chinew/202302/t20230220_11027395.htm
Como citar esta Nota
Leitão, Daniel da Costa Lara (2023). Reflexões sobre o papel de Xi Jinping durante a guerra da
Ucrânia: A legitimidade de um líder em Ressurgimento na busca da paz e as consequências na
ordem internacional. Notas e Reflexões in Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 14,
1, Maio-Outubro 2023. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.1.03