OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 1 (Maio-Outubro 2023)
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A RELEVÂNCIA DA APE PARA O ESTUDO DA POLÍTICA EXTERNA:
O CASO DA ADESÃO DE PORTUGAL À CEE
FLÁVIO BASTOS DA SILVA
flaviobsilva2000@gmail.com
Mestrando em Relações Internacionais na Universidade Lusíada, Porto (Portugal), licenciado em
Estudos Europeus, Estudos Lusófonos e Relações Internacionais, Universidade Lusófona,
Centro Universitário do Porto
Resumo
A Análise de Política Externa (APE) é um sub-field dentro das Relações Internacionais, que, tal
como a própria disciplina, surgiu após a Segunda Guerra Mundial, num cenário de intensa
proliferação dos estudos acerca da realidade internacional. Foi neste movimento de afirmação
desta nova disciplina, acompanhado pela crescente relevância da política externa, quer para
os Estados, quer para as RI, que o próprio estudo da política externa se desenvolveu e
autonomizou, através do surgimento da APE. Dotada de uma metodologia inovadora e
procurando realizar uma análise mais profunda do que a abordagem tradicional, a APE centrou
o objeto de estudo no decisor e nas causas que realmente o levaram a adotar uma dada
decisão. Neste artigo, iremos procurar expor a relevância da Análise de Política Externa e, para
isso, recorreremos a um estudo de caso: a adesão de Portugal às Comunidades Europeias.
Finalizada em 1986, a adesão à CEE foi o culminar de um longo processo de adesão que se
iniciou em 1976/77, quando o I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, enviou o
pedido de adesão. É aqui, no envio do pedido de adesão, que encontramos o centro da decisão,
e, portanto, é também aqui que o nosso estudo se vai centrar. Recorrendo à APE, observamos
que, por detrás desta decisão, não encontramos como motivação somente o interesse
nacional, como uma análise tradicional poderia sugerir, mas sobretudo pressões, perceções e
ideais que se traduzem na vontade do decisor. Desta forma, a adesão de Portugal à CEE foi,
mais do que resultado da Estrutura, resultado da perceção e idiossincrasia da Agência, cuja
caracterização é apresentada neste artigo.
Palavras-chave
Portugal; Comunidade Económica Europeia; Política Externa; Análise de Política Externa;
Relações Internacionais
Abstract
Foreign Policy Analysis is an innovative tool within International Relations, which, like the
discipline itself, emerged after the Second World War, in a scenario of intense proliferation of
studies about the international reality. It was in this movement towards the affirmation of this
new discipline, accompanied by the growing relevance of foreign policy, both for States and
for IR, that the study of foreign policy itself developed and became autonomous, through the
emergence of the APE. Endowed with an innovative repertoire and seeking to carry out a
deeper analysis than the traditional approach, the APE moved the object of study to the
decision maker and to the causes that really led him to adopt a given decision. In this article
we will seek to expose the relevance of the Foreign Policy Analysis, and, for that, we will resort
to a case study: Portugal's accession to the European Communities. Completed in 1986, joining
the EEC was the culmination of a long membership process that began in 1976/77, when the
First Constitutional Government, led by Mário Soares, sent the application for membership. It
is here, in sending the application for membership, that we find the center of the decision, and
therefore, it is here that our study will also focus. Using the APE, we observe that, behind this
decision, we do not find only national interest as a motivation, as a traditional analysis might
suggest, but above all pressures, perceptions and ideals that translate into the will of the
decision maker. In this way, Portugal's accession to the EEC was, more than a result of the
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A relevância da APE para o estudo da política externa: o caso da adesão de Portugal à CEE
Flávio Bastos da Silva
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structure, a result of the perception and idiosyncrasy of the agency, whose characterization is
presented in this article.
Keywords
Portugal; European Economic Community; Foreign Policy; Foreign Policy Analysis;
International Relations
Como citar este artigo
Silva, Fávio Bastos da (2023). A relevânca da APE para o estudo da política externa: o caso da
adesão de Portugal à CEE, Janus.net, e-journal of international relations, Vol14 N1, Maio-Outubro
2023. Consultado [em linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-
7251.14.1.13
Artigo recebido em 8 de Janeiro de 2023 e aceite para publicação em 24 de Fevereiro de
2023
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A RELEVÂNCIA DA APE PARA O ESTUDO DA POLÍTICA EXTERNA:
O CASO DA ADESÃO DE PORTUGAL À CEE
FLÁVIO BASTOS DA SILVA
Introdução
No relacionamento entre os Estados, a política externa assume-se enquanto um
instrumento indispensável. Sendo uma política pública, esta tem como missão
materializar a vontade do Estado, através do decisor político, que, ao contrário das
demais políticas públicas, a política externa versa, não para o interior, mas para o exterior
das fronteiras. Esta especificidade da política externa levou os realistas a considerarem-
na como uma política pública especial. Mas partindo do quadro da Ciência Política para o
as Relações Internacionais (RI), apercebemo-nos que classificar a política externa como
uma política pública é redutor. Não que ela não seja uma política pública, mas antes por
ser muito mais do que isso. A política externa não só afeta o Estado que a adota como
todo o Sistema Internacional. Por isso, mais do que um meio necessário ao
relacionamento interestatal, esta é o derradeiro instrumento à disposição dos Estados
para atuarem dentro do Sistema Internacional, para cooperarem, para imporem a sua
vontade além-fronteiras. Nas palavras de Freire (2011: 13), a política externa “projecta
interesses e objectivos domésticos/internos para o exterior”, sendo “uma ferramenta
essencial no posicionamento dos actores no sistema internacional”. segundo o
Dicionário de Relações Internacionais, a política externa é “a actividade pela qual os
Estados agem, reagem e interage (…) uma actividade de fronteira cruzando dois
ambientes o interno e o externo”, pelo que, ambos os meios, são “o pano de fundo,
com base no qual as directrizes da política externa são delineadas” (Sousa, 2005: 144).
Enquanto instrumento essencial para a relação entre Estados e para o posicionamento
destes no Sistema Internacional, a sua importância divide-se entre a sua missão
enquanto política pública e o seu papel dentro das relações internacionais, tanto no
quadro empírico, como no quadro científico. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a
política externa impulsionada pela crescente necessidade de relacionamento entre os
Estados, assim como pela própria valorização e reforço das Relações Internacionais
enquanto área de estudo conseguiu adquirir uma progressiva relevância. Porém, o seu
estudo ainda era muito limitado. Foi graças aos trabalhos inovadores de diversos teóricos
que surgiu a Análise de Política Externa (APE), impondo uma diversificação das
abordagens adotadas pelas RI na compreensão e análise do seu objeto de estudo. Com
isto, o estudo da política externa passou para um campo autónomo dentro das Relações
Internacionais, a APE, que, dotada de um reportório inovador, procurou ir mais longe do
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que a abordagem tradicional, desviando o foco de análise da origem e resultado da
decisão para a própria decisão em si.
Assim, o presente artigo tem como objetivo expor a relevância da Análise de Política
Externa para o estudo das Relações Internacionais, aplicando-a a um caso concreto, a
adesão de Portugal às Comunidades Europeias, ou melhor, a decisão de Portugal em
aderir às Comunidades.
A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, foi o culminar
de um processo de definição da política externa portuguesa no período pós-
revolucionário, permitindo ao país adotar um novo rumo de política externa. Por isso,
podemos afirmar que, dentre toda a história da política externa portuguesa, este seja
um dos acontecimentos mais marcantes, dado os seus impactos, mas sobretudo o seu
significado a europeização de Portugal.
Deste modo, o foco deste artigo será descobrir a composição e caracterização da Agência
portuguesa aquando da decisão de Portugal em aderir à Comunidade Económica
Europeia, assim como as razões por detrás da mesma. O presente artigo será, por uma
questão de pragmatismo, dividido em três partes: uma primeira onde será realizada um
estudo sobre a relevância e inovação da APE; um segundo onde será apresentada e
decisão, assim como a conjuntura (doméstica e internacional) da época, isto é, a
Estrutura; e, finalmente, uma terceira onde o objetivo será aplicar os métodos da APE à
referida decisão, identificando a Agência e as suas motivações.
A análise de Política Externa (APE)
As Relações Internacionais, enquanto disciplina, são um feito bastante recente, e cuja
origem remonta ao pós Segunda Guerra Mundial. Foi ainda no período entre guerras, que
o estudo das relações internacionais se começara a desenvolver graças às propostas
idealistas de Woodrow Wilson, resultando na criação das primeiras cátedras destinadas
ao estudo da política internacional. Apesar disto, não podemos falar de RI enquanto
disciplina ou em teorias das relações internacionais antes das cadas de 1940 e 1950,
pois aí é que se iniciou o estudo sistematizado das relações internacionais, muito
graças à Teoria Realista. Os anos seguintes são de intensa proliferação no estudo da
política internacional e, a par deste, também no estudo da política externa, que
rapidamente se assume enquanto um subfield dentro das RI (Mendes, 2020). O estudo
da política externa acaba por se conseguir afirmar através das suas abordagens próprias,
como a Análise de Política Externa, resultando numa rutura com a abordagem tradicional
e de pendor realista. A partir daqui os académicos apercebem-se, sucessivamente, da
importância do estudo da política externa no seu entendimento da política internacional,
dado que a política internacional é nada mais do que ‘a soma das políticas externas dos
Estados’. Neste sentido podemos definir política externa como o “conjunto de decisões e
acções de um Estado em relação ao domínio externo” (Magalhães, 1995: 23), ou então
como an activity of the State with which it fulfils its aims and interests within the
international arena” (Petric, 2013: 1).
Através da APE surge uma nova abordagem no estudo da política externa, por via de
diversos trabalhos pioneiros, dos quais podemos destacar: Decision-Making as an
Approach to the Study of International Politics (1954), de Richard Snyder, Henry Bruck
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e Burton Sapin; Man-Milieu Relationship Hypotheses in the Context of International
Politics (1957), de Harold e Margaret Sprout; Pre-theories and Theories of Foreign Policy
(1964), de James Rosenau; e Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis
(1971) de Graham Allison.
Esta nova abordagem surge na esteira do debate Agência/Estrutura, que há muito que
vem opondo os académicos de Relões Internacionais e que se foca “em saber qual é o
factor determinante do nosso mundo social: a agência(as acções dos atores ou a sua
capacidade de actuar) ou a ‘estrutura’ (as vastas restrições no âmbito das quais os
actores agem, tais como a anarquia ou a sociedade internacional, o capitalismo global ou
o direito internacional)” (Brown & Ainley, 2012: 117). Neste sentido, a APE vem contribuir
para este debate, analisando o impacto que tanto a Agência como a Estrutura têm na
política externa dos Estados.
A grande proposta da APE é centrar o estudo da política externa na Agência, entendida,
não como o Estado, mas antes como o decisor político, rejeitando a abordagem
tradicional, e tipicamente realista, que entendia o Estado enquanto ator unitário. Nas
palavras de Snyder, Bruck e Sapin (2002: 59), the state is its decision-makers”, pelo
que o que importa analisar é quem está por detrás da decisão, identificando a Agência,
assim como as verdadeiras razões que a justificam. Deste modo podemos destacar que
o grande objeto de estudo da APE são as decisions taken by human decisionmakers with
reference to or having known consequences for entities external to their nation-state
(Hudson, 2014: 4), e que procuraram ser explicadas através dos factors that influence
foreign policy decisionmaking and foreign policy decisionmakers(Hudson, 2014: 6). O
estudo em APE exige que, a par da Agência, identifiquemos a Estrutura e as ideias e
valores associados a uma dada decisão.
De forma sintética podemos apresentar a essência da APE através de três grandes
contributos que esta trouxe para o estudo da política externa. Primeiro, a existência de
uma interligação entre a política externa e a política interna. Até então o realismo
considerava a política externa como totalmente independente da política interna e daquilo
que se passava dentro do Estado, sendo somente uma resposta deste face ao ambiente
internacional. Com a APE esta conceção é posta em causa, sendo substituída pela crença
de que a política externa é também influenciada por fatores internos, tais como os
comportamentos da própria sociedade, e os ideais dos decisores políticos. Por outro lado,
a APE também veio pôr fim à conceção do Estado enquanto um “ator unitário e coerente
que prossegue objetivos claros de acordo com um interesse nacional objetivo” (Mendes,
2020: 74), remetendo, assim, o foco de análise do Estado para o decisor, em virtude da
política externa ser o resultado, não do interesse nacional compreendido em termos de
objetivos supremos e permanentes do Estado como elemento unitário nem de uma
decisão que cabe ao Estado, como se este se tratasse de uma entidade capaz de decidir
por si só, mas sim de uma decisão que cabe aos decisores políticos e que é influenciada
por diversos fatores, desde o entendimento destes acerca do interesse nacional, às
pressões externas ou internas ou até às suas próprias motivações. Por fim, a APE
também veio contrariar a noção de que o Estado é um ator racional, e que, portanto, a
política externa, na sua formulação, depende exclusivamente de critérios racionais. Mais
uma vez, para a APE, ela depende tanto das motivações do decisor, como das pressões
que este pode sofrer e que nada podem ter de racional. Na realidade, a APE conseguiu
opor-se às ideias de racionalidade dentro da política externa e ao primado do interesse
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nacional de tal maneira que o próprio realismo foi obrigado a concordar com a
importância destas mudanças. Olhamos para o Neorrealismo e observamos uma
evolução do Realismo Clássico na direção do reconhecimento da complementaridade
entre o interno e o externo, ou então para o Realismo Neoclássico, e temos uma diferente
perceção acerca do papel do decisor, que o realismo de Morgenthau nem suponha.
Em direção à evolução e advogando que a decisão em política externa não é totalmente
racional e depende muito mais do que do interesse nacional, a APE veio, de forma
ousada, alargar o estudo da política externa à análise de diversos fatores, como o meio
interno, as ideias do decisor, ou até mesmo de processos organizacionais, políticos e
burocráticos como teorizou Allison, permitindo-nos entender o que (ou melhor, quem)
verdadeiramente se encontra na tomada de cada decisão. Para tal, a APE exige que
partamos a caixa negra, de forma a conhecermos os reais decisores e as reais
motivações. Desta forma, e como esclarece Mendes (2020: 77), “para além dos fatores
sistémicos e estruturais, o que é decisivo é estudar a Agência dos decisores”, ou seja,
importa atender ao “contexto” em que se formula a decisão, assim como às “ideias e
perceções” do decisor. Para isto, a APE atende, no seu estudo, a diversos níveis de
análise, nomeadamente, “indivíduos, burocracias, sociedades, sistema internacional”
(Mendes, 2020: 77).
Com a APE, o decisor, e em especial o seu psicológico, ganham, pela primeira vez, real
relevância. Os novos estudos da política externa vão procurar explicar a decisão partindo
dos aspetos psicológicos do próprio decisor, assim como da forma como estes o
influenciaram e, por conseguinte, influenciaram a própria decio. Neste sentido, Harold
e Margaret Sprout (1969) dividem o universo da decisão em dois ambientes, o psicológico
e o operacional. Quando nos referimos a ambiente psicológico, falamos das ideias, das
perceções, das motivações pessoais do decisor, que moldam a sua visão do mundo. o
ambiente operacional é o ambiente dito real, composto pelo meio interno e externo,
sendo aquele onde a decisão se materializa e opera. Estes dois ambientes nem sempre
são congruentes, dado que a análise que o decisor faz do ambiente interno e externo
nem sempre é a mais correta, ou pelo menos aquela que interpreta corretamente a
realidade envolvente. Aqui reside a razão para, no estudo da política externa, ser
especialmente importante atendermos ao aspeto psicológico e à forma como este molda
a perceção do decisor. Como apontam Harold e Margaret Sprout (1969: 49),
the first step in linking environmental factors to policy-making decisions is
to find out how the given policy-maker, or policy-making group, conceives the
milieu to be and how that unit interprets the opportunities and limitations
implicit therein with respect to the ends to be accomplished”.
Nesta linha, podemos assumir que “os fatores ideacionais (perceções, ideologias,
crenças, identidades)” são especialmente importantes, dado
“que, por um lado, influenciam de forma substancial a disposição dos
decisores políticos relativamente à escolha de determinadas alternativas, e
por outro, são eles que influenciam a forma como os decisores definem
problemas e alternativas” (Mendes, 2017: 27).
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Assim, os fatores percetivos e ideológicos, ao condicionarem a visão do decisor, têm um
profundo impacto na decisão em si, o que faz cair por terra a visão tradicional de que a
política externa é decidida somente em razão da pressão estrutural, ou tendo somente
por base o interesse nacional. o as perceções e “interpretações” (Mendes, 2017: 27)
que o decisor constrói que moldam a sua visão da realidade, e, por conseguinte, moldam
a própria cena internacional. Ainda neste domínio, Snyder, Bruck e Sapin (2002: 76)
afirmam que os decision-makers operate in a highly particular and specific context”,
pelo que é importante atendermos aos condicionamentos e influências que o meio lhes
impõe, assim como à sua própria idiossincrasia, sendo essencial [the] re-creation of the
‘world’ of the decision-makers as they view it(Idem: 59), através do entendimento da
perceção, das escolhas e das expectativas do decisor.
Mais tarde Allison também defendeu esta visão, ao afirmar que, mesmo que a política
externa possa ser uma resposta (ou ação) do Estado face à realidade internacional, a
decisão cabe sempre a decisores políticos, que não são independentes do que os rodeia,
e que, por isso, deve-se estudar o processo de tomada de decisão para, aí, encontrar as
motivações que levaram a com que se decidisse de uma determinada maneira. Surgem
assim, alguns modelos de análise, se bem que muito ligados ao estudo da política externa
como uma política pública, por um lado, o Modelo do Ator Racional este modelo não foi
desenvolvido por Allison, mas antes apresentado de forma sumaria por este, como o
modelo que a maioria dos estudiosos seguia à época, e que ainda era muito associado
aos pressupostos realistas de que a decisão é sempre dominada por critérios racionais
e, por outro, o Modelo da Política Burocrática e o Modelo da Política Organizacional.
Também James Rosenau aprofundou esta conceção, considerando que o decisor é
influenciado por um conjunto de inputs internos e externos, mas, mais do que isso, que
tanto o meio interno como o meio externo interagem, formando processos de linkage
entendidos enquanto any recurrent sequece of behavior that originates in one system
and is reacted to in another(Rosenau, 1969: 45) que condicionam, ainda mais, o
decisor. Ainda, neste sentido, Putnam apresentou o seu modelo de negociação em dois
tabuleiros, afirmando que, o decisor, mais do que enfrentar, simultaneamente, pressões
do meio interno e do meio externo, tem de mover duas negociações políticas para chegar
a uma decio em cada um destes planos.
Concluindo, podemos afirmar que a Análise de Política Externa surgiu com o intuito de
contestar o papel atribuído pelos realistas, no estudo da política externa, ao interesse
nacional e à Estrutura (externa), assim como a própria ideia de racionalidade na decio.
Para os realistas, a política externa era simplesmente influenciada por questões externas,
não sendo mais do que uma resposta, natural e quase que automática, do Estado às
pressões da Estrutura. A APE veio, por um lado, alargar este conceito de Estrutura do
meio externo ao meio interno assumindo, inclusive, interdependência entre ambos,
como demonstraram Putnam e Rosenau e, por outro lado, demonstrar que além da
Estrutura outras variáveis importam, como as ideias e perceções do decisor, permitindo,
assim, aprofundar o estudo da política externa. A APE surge, desta forma, como uma
abordagem mais alargada e abrangente de entender a decisão em política externa,
propondo um novo modo de análise mais capaz do que as tradicionais teorias das
relações internacionais que não são capaz de explicar, na sua totalidade, muitos dos
fenómenos da política internacional. A política externa é formulada através de diversos
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ambientes e englobando vários fatores, sofrendo diversas influências, que nenhuma
teoria das relações internacional é suficientemente capaz de interpretar, pelo que a APE
propõe, através dos seus modelos teóricos, uma “abordagem complementar que
enriquece o nosso entendimento da política internacional” (Freire, 2011: 18).
A estrutura e a decisão de Portugal em aderir à CEE
Durante séculos, a trajetória da política externa portuguesa focou-se na dicotomia entre
a Terra e o Mar. Com a Revolução dos Cravos (1974), Portugal inicia um percurso de
redefinição das suas prioridades de política externa. Mais uma vez, repensa-se a opção
política de Portugal no quadro da dicotomia entre a Terra agora representada pela
Europa comunitária , e o Mar identificado com a opção atlântica. No período imediato
da Revolução, a integração de Portugal no projeto europeu não era um dos objetivos a
alcançar. Na realidade, “quer o programa do MFA, quer os documentos programáticos
que se seguiram, apontaram sempre para outras metas e outros destinos, nem sempre
condizentes com a adesão às Comunidades Europeias” (Almeida, 2005: 269).
Estrutura Internacional: A détente
A década de 1970 é uma época particularmente importante na história da Guerra Fria.
São diversas as alterações estruturais que ocorrem no Sistema Internacional, e que são
acompanhadas de mudanças na economia e no comércio internacional (Westad, 1995),
assim como de uma vaga revolucionária que atinge a Europa do Sul, desde Portugal a
à Grécia. Esta é a época da tente, uma fase da Guerra Fria que se prolonga desde a
década de 1960 até a década de 1980 (Westad, 1995). Esta fase é marcada, apesar de
tudo, por um desanuviamento entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União
Soviética (URSS). Por um lado, porque os conflitos internacionais durante a década de
1960, sobretudo a Crise dos Mísseis de Cuba, impeliram a necessidade de um maior
apaziguamento entre as duas superpotências, mas, por outro porque cada superpotência
tivera de lidar com problemas internos, sobretudo a União Soviética, cujo
enfraquecimento marcara muito este período. Como nos apontam Kaspi & Duroselle
(2014: 281), “a política externa de Kruchev conduzira a crises, e os seus êxitos não
tinham sido evidente”, pelo que quando este é substituído por Brejnev, em 1964, o seu
sucessor segue uma via diferente, procurando “um relativo desanuviamento
internacional” (Idem: 282), o que criou um cenário internacional mais calmo, permitindo
um reforço do poder americano. A détente também ficou marcada pelo reforço da
superioridade tecnológica e económica norte-americana. Vale recordar que 1969 foi a
data da chegada do Homem à Lua, impulsionando a Corrida ao Espaço. Em oposição ao
poderio americano, a União Soviética via o seu crescimento económico abrandar, ao
mesmo tempo que a contestação dentro da Europa do Leste crescia, com a Roménia a
demonstrar vontade em escapar à esfera de influência de Moscovo, recebendo visitas de
Estado de De Gaulle (1968) e Nixon (1969), e com a Checoslováquia a tentar uma
liberalização, que obrigaria a uma forte resposta por parte da URSS (Kaspi & Duroselle,
2014). Mas os Estados Unidos da América também não foram imunes a problemas. Na
transição entre a década de 1960 e 1970, os EUA eram humilhados na Guerra do
Vietname, levando a opinião pública a manifestar-se, criando um difícil cenário político
que o escândalo Watergate (1972) intensificou. Ainda neste período tinha lugar a Rutura
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Sino-Soviética, em virtude das divergências ideológicas criada por Mao, permitindo com
que, anos mais tarde, os EUA, através da Diplomacia Triangular de Kissinger, passassem
a relacionar-se com a China Comunista, abrindo-a ao mundo. Por outro lado, esta fase
fica, também, marcada pela afirmação dos países do Terceiro Mundo no palco
internacional, assim como pela eclosão de vários conflitos regionais, como a Segunda
Guerra Israelo-Árabe (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973), em que a União Soviética
e Estados Unidos apoiaram fações distintas. O final da guerra ficou marcado pela
contenda entre ambas as superpotências, sobretudo com a URSS a ameaçar intervir do
lado egípcio face à superioridade israelita.
Dentro do espaço europeu, a détente ficou marcado por um primeiro alargamento da
CEE, em 1973 (Dinamarca, Irlanda e Reino Unido) e pela aproximação entre o Ocidente
e o Leste europeu. Num primeiro momento através do entendimento entre a RDA e a
RFA, motivado pela Ostpolitik de Willy Brandt, e, posteriormente, pelo diálogo entre as
duas Europas através da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa (CSCE).
Apesar dos “resultados (…) muito dececionantes” (Kaspi & Duroselle, 2014: 366), a CSCE
permitiu o contacto regular entre a Europa democrática e a Europa comunista, reforçando
o desanuviamento quer no continente, quer entre o Bloco Ocidental e o Bloco Soviético.
A détente foi, assim, um período marcado por uma política de desanuviamento entre as
superpotências que se traduziu em tentativas e acordos de desarmamento, como o SALT
I (1972), e onde tanto os EUA como a URSS enfrentaram diversos desafios internos e
externos, mas que, apesar de tudo, permitiram um melhor entendimento entre o
Ocidente e o Leste. Tanto soviéticos, sob a figura de Brejnev, como norte-americanos,
representados por Johnson, Nixon e Carter, reconheceram que o desanuviamento era o
melhor caminho rumo à paz e segurança, deixando bem claro que não tinham qualquer
interesse em entrar em conflito um com o outro.
Estrutura doméstica: conjuntura política e o pedido de adesão
Em 1977, data do pedido formal de adesão, Portugal era uma jovem democracia. Tinham
passado apenas três anos desde a Revolução de 1974 e a nossa Constituição tinha sido
aprovada há menos de um ano. Relativamente ao I Governo Constitucional, que tomara
posse em julho de 1976, havia a esperança, tanto interna como externa, de que fosse
capaz de assegurar a estabilidade que o país tanto necessitava, definindo um rumo de
política interna e de política externa que permitisse a Portugal crescer e desenvolver-se.
Os anos anteriores haviam sido marcados por uma grande instabilidade e constantes
lutas políticas. Os Governos Provisórios procuraram responder aos objetivos do
Movimento das Forças Armadas (MFA), sintetizado pela famosa expressão ‘democratizar,
descolonizar e desenvolver’. Apesar disso, e ainda que o I Governo Provisório fosse
liderado por um político moderado, denotou-se uma crescente instabilidade política e
social no país, motivada sobretudo pelas discordâncias políticas entre os principais
partidos: Partido Comunista Português, Partido Socialista, Partido Popular Democrático e
Partido do Centro Democrático Social. A predominância crescente da ala radical do MFA
e do PCP sobretudo com os II, III, IV e V Governos Provisórios, liderados por Vasco
Gonçalves agravou o delicado cenário político do país, impondo uma viragem à
esquerda. Este foi o período do Processo Revolucionário Em Curso (PREC), onde se
procedeu à planificação da economia e a extensas nacionalizações. É também nesta
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altura que a instabilidade política e social atinge o seu auge com a tentativa de Golpe de
Estado de Spínola a 11 de março de 1975, o famoso episódio do ‘Verão Quente’ (1975)
e a tentativa de Golpe de Estado do 25 de novembro, por parte da esquerda radical, que
terminou com o PREC. A partir daí o país começou a estabilizar e o VI Governo Provisório,
colhendo o apoio norte-americano e europeu, foi capaz de regressar à trajetória de
abertura internacional que o I Governo Provisório tinha tentado.
Durante os Governos Provisórios, o posicionamento relativamente ao rumo da política
externa que Portugal deveria seguir o foi constante, oscilando, como defende Alice
Cunha (2013: 384-386), entre uma orientação terceiro-mundista, ou a aproximação ao
bloco Soviético, ou a manutenção no Mundo Ocidental, representada pela aproximação
aos EUA e aos países da CEE. Entretanto, iam existindo aproximações à então
Comunidade Económica Europeia, em especial durante os Governos em que Mário Soares
se encontrava como Ministro dos Negócios Estrangeiros. Este foi o caso do I Governo
Provisório, onde Portugal procurou uma aproximação aos demais países da CEE em
matéria de cooperação económico-comercial, chegando mesmo a haver uma declaração
do então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, onde claramente se
demonstra o interesse de Portugal em negociar com este bloco, apesar de “a adesão não
[ser] (…) possível na altura” (Cunha, 2013: 389-390).
As convicções europeístas do I Governo Provisório rapidamente saem goradas quando o
II Governo Provisório adota uma postura diferente, impondo uma “viragem à esquerda”
(Cunha, 2013: 390) e preferindo o diálogo com os países terceiro-mundistas e do Leste
europeu. Esta postura mantém-se nos seguintes Governos Provisórios, havendo,
inclusive, uma “rejeição de qualquer hipótese de associação à CEE (Cunha, 2013: 393),
até que com o VI Governo Provisório, liderado por Pinheiro de Azevedo, Portugal altera
substancialmente a linha que vinha seguindo, e, mesmo mantendo uma postura
socialista, decide por uma nova aproximação à CEE, renegociando os acordos
existentes e permitindo o reforço da ligação de Portugal com os países desta organização.
Esta posição é fortalecida pelo golpe de 25 de novembro de 1975, que travou os “avanços
da esquerda” (Cunha, 2013: 392), permitindo a inserção do país no seio das economias
de mercado. A partir daí, é desfeita qualquer hipótese de alinhamento ao Bloco do Leste,
mas continuam as dúvidas se Portugal deve ou não aderir à CEE e ao Bloco Ocidental.
em 1976, Portugal começa a conseguir uma “estabilização da democracia”, ao mesmo
tempo que se vai aproximando dos outros países da Europa Ocidental, mas sem se
presumir, sequer, qualquer hipótese de adesão à CEE” (Cunha, 2013: 396). É neste
contexto que Portugal consegue estabelecer novos protocolos com a Comunidade.
A transição democrática não foi livre de pressões externas, tanto por parte dos EUA,
como da URSS e dos países da Europa Ocidental. Relativamente aos Estados Unidos,
estes sempre demonstraram o seu desagrado relativamente à incorporação de membros
do PCP na governação do país, mesmo com o I Governo Provisório. Através de Kissinger,
os EUA adotaram uma política bastante dura para com o rumo do processo
revolucionário, o que ficara conhecido como a ‘Teoria da Vacina’, i.e., Kissinger acreditava
que “Portugal estava perdido para o comunismo e devia ser isolado, servindo assim de
lição a outros que pudessem estar tentados a seguir o mesmo caminho” (The American
Academy of Diplomacy, as cited in Sá, 2009: 312). Por oposição, Frank Carlucci,
embaixador norte-americano em Portugal, considerava indispensável o apoio dos EUA à
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democratização do país. mais tarde é que Carlucci convence Kissinger a apoiar as
forças democráticas em Portugal, resultando no “afastamento definitivo de Vasco
Gonçalves” (Sá, 2009: 434).
Em relação à Europa Ocidental, foram diversas as forças políticas a demonstrarem-se
solidárias com o país, apoiando-o no processo de transição através do auxílio aos partidos
portugueses. Aqui destacam-se as contribuições dos socialistas europeus ao Partido
Socialista (PS) de Mário Soares, culminando na criação do Comité de Amizade e
Solidariedade para a Democracia e Socialismo em Portugal. Neste apoio Willy Brandt,
chanceler alemão, teve um profundo impacto, sobretudo tentando convencer Kissinger
que Portugal o era uma causa perdida” (Sá, 2009: 390). Posteriormente, o Estado
Português também recebeu ajuda financeira da Comunidade Económica Europeia para
apoiar o seu desenvolvimento. Quanto à União Soviética, Brejnev apoiou financeiramente
o PCP, o que preocupara a administração norte-americana. Apesar de tudo, os EUA
acreditavam que a URSS não tinha total controlo sobre o PCP nem estava interessada
em intervir em Portugal.
Após, em 1976, ser eleito o I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares e com
José Medeiros Ferreira como Ministro dos Negócios Estrangeiros, “a opção europeia foi
assumida politicamente” (Vicente, 2013: 40), estando, assim, introduzida a formulação
de uma opção de política externa com o foco principal virado para o continente europeu”
(Chaves, 2013: 41). Logo com o início da atuação do executivo de Soares, Portugal
consegue novas aproximações à CEE, chegando mesmo a afirmar-se, através do Ministro
dos Negócios Estrangeiros, JoMedeiros Ferreira, a “intenção de solicitar o pedido de
adesão” (Chaves, 2013: 42). A adesão de Portugal às Comunidades Europeias foi pedida
em 1977, pelo então Primeiro-Ministro, Mário Soares, e pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros, José Medeiros Ferreira. Este foi o culminar de uma ideia que muito
existia em Portugal, havendo, inclusive, tentativas de adesão ainda durante a ditadura
de Salazar, mas que somente se materializaram com a democratização do regime e com
o I Governo Constitucional, que, pela primeira vez, demonstrou real interesse político em
fazer parte do projeto de integração europeia. Após o périplo de Mário Soares pela
Europa, passando por várias capitais europeias, incluindo Londres capital do Reino
Unido, que viria a “assumir a presidência em exercício do Conselho de Ministros” (Cunha,
2018: 72) o Governo de Soares conseguiu com que a Assembleia da República, a 18
de março de 1977, votasse “favoravelmente a entrega do pedido de adesão” (Cunha,
2018: p.75), o que viria a acontecer a 28 de março do mesmo ano, numa carta enviada
pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira, cabendo a entrega ao
embaixador António de Siqueira Freire.
A adesão de Portugal às Comunidades Europeias inaugura um novo rumo da política
externa portuguesa, ou o que Severiano Teixeira (2010: 55) apelida de novo “modelo de
inserção internacional” alicerçado na Europa”, no Atlântico” e nas “relações pós-
coloniais”.
Motivações e o papel do decisor na adesão de Portugal à CEE
A opção da Agência portuguesa em enviar, em 1977, o pedido de adesão de Portugal às
Comunidades Europeias, encontra-se fundamentada num conjunto de motivações, quer
estruturais, quer ideológicas e pessoais, que moldaram a perceção do decisor.
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Como causas que, à partida, poderiam ser tidas como as principais, encontramos os
condicionamentos estruturais internos, nomeadamente as debilidades económicas e
democráticas do país e a deterioração do seu poder internacional. No quadro económico
e democrático, Portugal era um país pobre, atrasado e com um projeto de
democratização que era constantemente ameaçado, pelo que a adesão às Comunidades
Europeias era uma opção lógica para desenvolver o país e para proteger o jovem regime
(Cunha, 2018: 77-80). Neste sentido, era considerado “interessante e necessário que
Portugal integrasse um bloco económico tecnologicamente evoluído”, de forma a
potenciar as empresas e o mercado nacional, garantindo o acesso a “mercados externos
para os produtos portugueses, nomeadamente para os têxteis” (Chaves, 2013: 41). Por
outro lado, tanto a projeção do poder, como a própria postura internacional de Portugal
encontravam-se ameaçadas pelo fim do império, impelindo a com que Portugal se
juntasse a um bloco forte, tornando-se, assim, capaz de redefinir o seu papel no mundo
e garantindo a defesa dos [seus] interesses permanentes” (Chaves, 2013: 42). Devemos
recordar que Portugal já não era mais uma potência colonial, já não tinha a extensão e
conseguinte projeção internacional que o império lhe dava, pelo que era necessário
encontrar um novo meio de assumir uma posição de relevo no xadrez internacional e a
aproximação à Europa apareceu como uma, senão a única, opção viável. Aliás, partindo
do pressuposto de que o decisor sabia que “haveria lugar a um novo alargamento da
CEE”, de “que a Espanha iria também pedir a adesão” e de que haveria “uma
aproximação dos PALOP à Convenção de Lomé”, era obvio e fundamental para o país
adaptar-se e acompanhar as mudanças que se avizinhavam, sob pena de ficar numa
posição internacional frágil, sem qualquer influencia, quer face ao bloco das Comunidades
Europeias, quer face ao ex-ultramar” (Chaves, 2013: 41). Externamente, o mundo
enfrentava uma nova fase da Guerra Fria, a détente, marcada por um desanuviamento,
mas onde nem os EUA nem a URSS demonstravam clara vontade em interferir na
definição da política portuguesa. Aliás, durante muito tempo os Estados Unidos optaram
pela ‘Teoria da Vacina’, e mesmo depois de garantida a democratização e das relações
normalizadas, o se notou qualquer influência norte-americana na adesão portuguesa
à CEE.
Fora as motivações impostas pela Estrutura, outras importaram, nomeadamente a
perceção do decisor, tal como nos apontam Snyder, Bruck e Sapin (2002). Assim, vemos
que foi graças à convicção do decisor de que a Europa unida representava uma
oportunidade única para o país, que o levou, mais do que por força da própria Estrutura,
em requer a adesão do país ao projeto de integração europeu. Neste sentido, foram não
tanto as circunstâncias, mas a perceção do decisor relativamente a estas que o levam a
adotar certas decisões. Desta forma, o decisor estava seguro de que era absolutamente
necessário para Portugal a sua integração na Europa comunitária. Aliás, Mário Soares,
em entrevista ao The Times, afirmou que se isso não tivesse acontecido teria sido um
“desastre” para o país, dado que, face às “dificuldades financeiras a recusa poderia
conduzir a um renascer do autoritarismo” (The Times, as cited in Vicente, 2013: 40).
Em discurso oficial na Assembleia da República
1
, dias antes de enviar o pedido de adesão,
Mário Soares identifica como motivações a necessidade de “vencer a crise e dar ao povo
português o vel de vida a que tem direito” e a “busca de uma nova identidade nacional”,
1
Assembleia da República. (1977). Diário da Assembleia da República I Legislatura, 1ª Sessão Legislativa,
88 (março): 3011-3034. https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/01/01/088/1977-03-18
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ao mesmo tempo que se concede a “Portugal o lugar que merece na cena internacional”,
graças ao vazio que a descolonização e a queda do Império trouxera para o país.
Passados 28 anos desde o envio do pedido de adesão e exatamente 19 anos desde a
entrada na CEE, Mário Soares, em discurso na cerimonia comemorativa da assinatura do
Tratado de Adesão
2
, reconhece que as principais razões por detrás da sua decisão em
levar Portugal para junto das Comunidades Europeias foram “a consolidação da
democracia”, mas também o reconhecimento de que o ciclo imperial tinha terminado
com a descolonização”, o que, aliás, seria fulcral para uma reaproximação entre Portugal
e os seus ex-domínios coloniais.
Além da perceção do decisor, é visível que, também os seus ideias tiveram impacto na
decisão. Na verdade, a importância concedida aos ideais e à idiossincrasia do decisor são
temas recorrentes em APE. Partindo desta assunção, é importante analisarmos até que
ponto os ideias europeístas se encontravam inseridos na cabeça do próprio decisor, aqui
assumido como Mário Soares. Revisitando a sua vida, em especial a sua juventude, é
claro que o europeísmo em Mário Soares foi desde sempre muito evidente e o próprio
nunca deixou de o referir, tanto quando enfrentava o Estado Novo em território nacional,
como quando se encontrava exilado. Aliás, o próprio beneficiou muito do seu exilio para
crescer intelectualmente, e, com isso, para reforçar a sua admiração e paixão pela
Europa.
O interesse e a confiança de Mário Soares para com o projeto de integração europeia
começam-se a evidenciar ainda na cada de 60, após o seu afastamento do PCP. A
partir daí, Soares passa a basear as suas aspirações para Portugal no “modelo político
da Europa Ocidental” e nos seus “valores”, “vendo na Europa padrões de vida aplicáveis
e exemplares para Portugal” (Sebastião, 2010: 22-24).
Na década de 70, exilado em França, Mário Soares aposta na internacionalização da
recém-criada Acção Socialista Portuguesa, através de “encontros mais frequentes com
as lideranças europeias”, provando a existência em Portugal, de uma oposição socialista
ao regime, na linha do pensamento europeu” (Sebastião, 2010: 24-25). Podemos
assumir que a ASP era um mecanismo que personificava e materializava o pensamento
político de Soares. A partir daí, observamos um fortalecimento crescente do interesse da
ASP, e, por conseguinte, de Mário Soares, pelo projeto europeu, iniciando cedo
“contactos com organizações ligadas à unificação da Europa” (Sebastião, 2010: 34). A
proximidade entre os socialistas portugueses e as forças de integração europeia reforça-
se muito ao longo da década de 70, mas já antes havia contactos com o Movimento
Europeu e o Movimento Federalista Europeu, junto do qual “Soares manteve uma
intervenção ativa”, demonstrando claramente a sua postura e “às suas ideias pró Europa”
(Sebastião, 2010: 34-36). Nos anos seguintes, a “ASP faz também tentativas de
aproximação com a Comunidade Europeia, chegando a conseguir assento como
observadora nos VIII e IX Congressos do Bureau dos Partidos Socialistas da Comunidade”
(Sebastião, 2010: 38). Era, portanto, evidente o interesse de Mário Soares
relativamente a uma futura participação de Portugal no projeto europeu.
2
Soares, M. (2005). Discurso de Mário Soares na Cerimónia Comemorativa da Assinatura do Tratado de
Adesão. http://www.fmsoares.pt/mario_soares/textos_ms/001/3.pdf
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No Portugal em vias de se democratizar, e nas vésperas das eleições de 1976, o PS,
em plena campanha eleitoral, expunha as suas ideias para um Portugal desenvolvido e
democrático, e para tal não abdicava da defesa da integração do país no projeto
comunitário. Liderado por Mário Soares, seu fundador e então Secretário-Geral, o PS
organizou, entre os dias 13 e 14 de março, no Porto, um congresso para expor as suas
ideias quanto à Europa. Intitulado A Europa connosco, este foi não só o tema para esta
cimeira no Porto, como foi omote da campanha eleitoral” do partido
3
. Mais do que isso,
também foi a forma perfeita para Mário Soares definir “um objetivo fundamental caso
ganhasse as eleições: a adesão à CEE” (Cunha, 2018: 68). Podemos, portanto, afirmar
que, aqui, encontra-se consubstanciada toda a ideia de enviar o pedido de adesão de
Portugal à CEE, pelas os do partido criado e liderado por Mário Soares, e o seu
principal ideólogo.
Nesta campanha que precedeu as eleições de 1976, o programa eleitoral do PS
“privilegiava os grandes pilares estruturantes de um Estado Social, que pretendia edificar
em Portugal”2, e para alcançar isso mesmo, definiu “como condição essencial para o
desenvolvimento do país, a adesão de Portugal às Comunidades Europeias”2.
Após a tomada de posse do novo executivo, e em plena apresentação do Programa de
Governo na Assembleia da República, a 2 de Agosto de 1976
4
, Mário Soares afirma a
dedicação da sua governação para com a “opção europeia”, reafirmando a sua intenção
de requerer “a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia”. Em posterior
discurso na Assembleia da República, a 18 de março de 1977
5
, dias antes de enviar o
pedido de adesão, Soares volta a salientar “a firme intenção do Governo português de
pedir a adesão plena às Comunidades Europeias”.
Em entrevista ao jornal britânico The Times, a 11 de fevereiro de 1977
6
, o então
Primeiro-Ministro, Mário Soares chega mesmo a afirmar-se como um patriótico, mas
também partidário de uma Europa”, defendendo a existência de uma Europa política
com reais instituições supranacionais de tal modo que calculo que a entrada dos países
do Sul da Europa representa uma enorme contribuição para esta Europa”.
Sumariamente, podemos concluir que a convicção europeísta cresceu em Mário Soares
durante o seu exilio de Mário Soares, que, numa primeira face, lhe permitiu fundamentar,
graças ao apoio dos partidos socialistas de toda a Europa, a sua alternativa ao
Salazarismo, mas que, numa face posterior, levou Soares a defender a entrada de
Portugal nas Comunidades Europeias, tanto pelos seus ideais como pela convicção de
que está será a única hipótese do país sobreviver e poder se desenvolver. A conceção de
que a ideia partiu, portanto, de Mário Soares, encontra-se claramente fundamentada,
mas não nos é possível apontar o então Primeiro-Ministro como o único decisor, na
medida em que, apesar de ser este o responsável pelo pedido de adesão, ele nunca
esteve sozinho, vendo-se apoiando por um largo aparelho de onde participava o seu
partido, em especial o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira,
3
Partido Socialista. (NA). Exposição “A Europa Connosco”. https://ps.pt/exposicao-a-europa-connosco/
4
Assembleia da República. (1977). Diário da Assembleia da República I Legislatura, 1ª Sessão Legislativa,
17 (agosto): 399-438. https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/01/01
5
Assembleia da República. (1977). Diário da Assembleia da República I Legislatura, 1ª Sessão Legislativa,
88 (março): 3011-3034. https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/01/01
6
Entrevista de Mário Soares ao The Times, de 11 de fevereiro de 1977, as cited in Vicente (2013, p.40)
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encarregue de escrever “o draft do programa de Governo”
7
, tendo deixado a sua
“impressão digital, sobretudo no que diz respeito ao pedido de adesão à CEE”6. Assim, e
apesar do papel inequívoco de rio Soares que chegou mesmo a declarar “Somos
europeus, sentimo-nos europeus e queremos, nós, portugueses, que o nosso país faça
finalmente ouvir a sua voz e participe ativamente na construção da Europa”
8
é obvio
que também Medeiros Ferreira é uma personagem com alguma importância dentro da
decisão. Aliás, tendo, inclusive, vindo a afirmar ser ele “o responsável pela tomada de
decisão, a 4 de fevereiro de 1977”6. Neste sentido, é possível concluir que Medeiros
Ferreira foi o responsável pelo envio do pedido de adesão, mas tal necessitou,
obviamente, da concordância do Chefe de Governo e líder do partido, Mário Soares, um
convicto europeísta e sempre defensor da adesão de Portugal às Comunidades. Assim,
Mário Soares acaba por ser a personalidade de decisão que se destaca, dado que, por
maior que tenha sido a vontade e a participação de Medeiros Ferreira, este estava sempre
dependente da decisão de Soares, líder do executivo. Neste sentido, Mário Soares chega
mesmo a declarar, no seu discurso na cerimónia comemorativa dos 20 anos desde a
assinatura do tratado de adesão de Portugal à CEE, em 2005, que havia sido por sua
iniciativa que o país requereu a adesão, ao afirmar os motivos que me levaram a
requerer a adesão à CEE”
9
.
Posto isto, podemos afirmar, sem dúvida, que foi graças “à acção e vontade política do
1.º Governo Constitucional, chefiado pelo Dr. rio Soares, e que vence as outras
correntes de opinião existentes, que Portugal envereda definitivamente por esta linha de
alianças internacionais e por este caminho da construção europeia” (Chaves, 2013: 42).
Considerações finais
A Análise de Política Externa é, hoje, uma ferramenta de grande importância para o
estudo e compreensão da decisão em política externa, indo mais longe do que a
abordagem tradicional e permitindo conceder uma especial atenção ao papel
desempenhado pelo decisor, nomeadamente à perceção e aos ideais deste. Tal
importância não pode ser negada e encontra-se bastante fundamentada no presente
estudo da decisão de Portugal em aderir às Comunidades Europeias. Uma decisão onde
os condicionamentos estruturais importaram, mas onde a perceção e a idiossincrasia do
decisor foi mais relevante. Apesar da existência de algumas suposições de pressão
externa, nomeadamente norte-americana, para Portugal aderir à CEE, e, assim, optar
definitivamente pela aproximação ao Ocidente, o presente artigo não as aprofundou por
não se encontrarem suficientemente corroboradas. Assim, cai por terra a visão
tradicional, que definia a política externa como uma resposta do Estado face à conjuntura
internacional. Fica assim comprovada a relevância da APE no estudo da política externa.
No respeitante à decisão de Portugal em aderir à CEE, em concreto, estando finalizada a
investigação, a APE impõe-nos um olhar baseado no papel desempenhado pela Agência
7
Castanheira, J., & Silva, M. (2012, 28 de julho). "Sentia-me capaz de exercer qualquer cargo". Expresso.
https://expresso.pt/actualidade/sentia-me-capaz-de-exercer-qualquer-cargo=f742244
8
Partido Socialista. (NA). Exposição “A Europa Connosco”. https://ps.pt/exposicao-a-europa-connosco/
9
Soares, M. (2005). Discurso de Mário Soares na Cerimónia Comemorativa da Assinatura do Tratado de
Adesão. http://www.fmsoares.pt/mario_soares/textos_ms/001/3.pdf
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(decisor) e pela Estrutura (doméstica e internacional), mas também pelas ideias e
valores.
Quanto à Agência, podemos concluir claramente que é composta pelo Primeiro-Ministro
do I Governo Constitucional, Mário Soares, assim como pelo seu então Ministro dos
Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira. O papel de Mário Soares é inegável. Foi
graças ao seu trabalho durante os primeiros Governos Provisórios que foi possível para
Portugal se aproximar das Comunidades Europeias e foi ele que, enquanto fundador e
der do Partido Socialista, tomou a decisão de, primeiramente, definir como objetivo
eleitoral do PS a adesão à CEE, e, em segunda instância, de enviar, a 28 de março de
1977, o pedido de adesão. Sem dúvida que as suas ideias europeístas influenciaram tanto
o rumo político do PS como a trajetória política seguida pelo I Governo Constitucional,
por si presidido, desde a tomada de posse aao envio do pedido de adesão. Enquanto
der do PS e enquanto Primeiro-Ministro nunca escondeu as suas pretensões em que
Portugal aderisse à CEE e isso foi constantemente visível. Mas, além de Soares, também
José Medeiros Ferreira tem lugar na Ancia desta decio, se bem que com um papel
ligeiramente menos preponderante, dada a primazia de Soares dentro do executivo. De
qualquer modo, Medeiros Ferreira foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros aquando do
envio do pedido de adesão, foi responsável, em conjunto com Soares, pelo programa
eleitoral do partido, e foi ele o responsável pelo envio da carta com o pedido formal de
adesão.
Ao nível da Estrutura, podemos afirmar que aqui ganha especial relevo a conjuntura
interna. Ou seja, a base estrutural da decisão deve-se principalmente às circunstâncias
que existiam dentro do próprio país, dado o fator externo ter sido menos relevante.
Analisando a conjuntura externa da época, EUA e URSS concordaram com o
desanuviamento. Durante os Governos Provisórios, denotaram-se interferências de
ambos: da URSS através das ligações com o PCP e com a fação mais radical do MFA; e
dos EUA que evoluíram da ‘Teoria da Vacina’ para uma posição mais ativa nos últimos
Governos Provisórios. Apesar disso, não podemos assumir qualquer pressão de nenhuma
superpotência na decisão de Portugal em aderir à CEE. Ademais, tanto os EUA como a
URSS estavam ocupados com os seus próprios problemas, e, quanto a esta última,
Brejnev sabia que interferir diretamente na política de um Estado-membro da NATO não
seria aceitável para os EUA, podendo pôr em causa a détente. Quanto à CEE e aos seus
membros, também não se denotou pressão. É certo que existiram ajudas financeiras ao
país e aos partidos portugueses, e é evidente que havia consciência, por parte de Mário
Soares, de que um novo alargamento poderia existir, mas não existem registos de que
qualquer tipo de pressão direta possam ter sido exercidas. Quanto à Estrutura interna,
constatamos, por sua vez, diversos fatores que podemos apontar como pressões sobre
o decisor, nomeadamente a debilidade económica, política e social que o país enfrentava
no rescaldo da Revolução. Em 1976-77, Portugal era uma jovem democracia frágil, que
se via ameaçada por fações comunistas e fascistas dentro do próprio país, e que,
portanto, precisava de ajuda para se solidificar, aparecendo a CEE como um garante de
estabilidade. Por outro lado, o decisor sabia perfeitamente que o país necessitava de se
desenvolver economicamente e de recuperar o atraso e as Comunidades Europeias
haviam provado ser um modelo bastante bem-sucedido nesse domínio, pelo que a
adesão de Portugal era vista como uma forma de combatermos o subdesenvolvimento
do país.
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Por fim, no respeitante às ideias e valores, ou seja, aos aspetos ideacionais do próprio
decisor, é de destacar não os ideais europeístas de Mário Soares como a sua perceção
acerca da Estrutura. Conforme analisado, Mário Soares foi um profundo adepto dos
princípios de uma Europa unida e soliria e via-a não só como um modelo de sucesso,
mas sobretudo como um projeto do qual gostaria de que Portugal fizesse parte. Fora a
contribuição destas ideias, a perceção de Mário Soares acerca da necessidade de Portugal
se desenvolver económica e politicamente e de se inserir num bloco para reforçar o seu
prestígio internacional, aparecendo a CEE como uma possibilidade, foi mais importante
do que a necessidade em concreto. Desta forma, mais do que qualquer importância que
a Estrutura (interna e externa) possa ter tido, e tal como salienta a APE, terá sido a
perceção do decisor o que mais motivou a decisão. Referimo-nos à perceção acerca da
conjuntura externa, isto é, do sistema internacional, e da conjuntura interna (política,
social e económica) que rodeava o decisor, tendo em conta a indefinição de rumo
nacional resultante da dissolução do Império e pela conseguinte necessidade de Portugal
escolher um bloco, sob a pena de ficar mais isolado e sem ativos que lhe garantissem
uma suficiente projeção do poder.
Em conclusão, podemos propor um modelo de análise baseado na interação existente
entre a Agência, a Estrutura e as ideias e valores, onde a Agência portuguesa composta
por Mário Soares e José Medeiros Ferreira agiu sobre a Estrutura, mas mais
determinada pelas suas ideias e perceções do que propriamente por qualquer
condicionamento estrutural. Ainda antes de chegar ao poder, Mário Soares,
demonstrava a sua convicção para com o projeto de integração europeia, pelo que as
pretensões do decisor há muito que estavam delineadas, acabando por se materializar
quando Soares chega ao poder e observa uma conjuntura que, segundo ele, seria
favorável à aplicação das mesmas. Logicamente que houve pressões e influências
sistémicas que facilitaram e de certo modo até permitiram a decisão, mas estas não
impuseram qualquer obrigação à Agência, na medida em que esta tinha a ideia
europeia muito bem definida. Portanto, os condicionamentos da Estrutura vieram criar
as condições perfeitas para que o decisor, Mário Soares, conseguisse concretizar as suas
pretensões. Deste modo, importaram mais as ideias e valores por detrás da decisão do
que as pressões interpostas pela Estrutura. Assim, concluímos que a Agência decidiu,
maioritariamente, por força das suas próprias convicções, da sua idiossincrasia.
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