OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL. 16, Nº. 2
novembro 2025-abril 2026
272
MULHERES EM ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: O CASO DE MARIA DE
LOURDES PINTASILGO NA UNESCO (1975 -1979)
RAQUEL VALENTE DOS SANTOS
raquelvalentedossantos@gmail.com
Centro de Estudos InternacionaisISCTE (Portugal). bolseira de Doutoramento da Fundação para
Ciência e Tecnologia (FCT) com referência 2022.14193.BD e doutoranda em História Moderna e
Contemporânea Defesa e Relações Internacionais no ISCTE Instituto Universitário de Lisboa.
Desde 2023 é Professora Assistente Convidada na Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, https://orcid.org/0000-0001-5727-4406
Resumo
Maria de Lourdes Pintasilgo, a única mulher a desempenhar, até hoje, o cargo de primeiro-
ministro em Portugal, teve um papel de relevo nos mais importantes fóruns internacionais. O
presente artigo analisa a atuação, enquanto Embaixadora de Portugal junto da UNESCO, entre
1974 a 1979. Com base em bibliografia de referência, documentação de arquivo e periódicos
da época, procura-se investigar o processo de decisão que conduziu ao pedido de regresso de
Portugal à UNESCO; compreender quais as razões da escolha de Maria de Lourdes Pintassilgo
para desempenhar o cargo de Embaixadora; e identificar as suas principais áreas de atuação,
com a finalidade de garantir a reinserção de Portugal na organização, após a saída voluntária
em 1971, por decisão do Governo português.
Palavras-chave
Embaixadora, Maria de Lourdes Pintasilgo, Portugal, Política Externa Portuguesa, UNESCO.
Abstract
Maria de Lourdes Pintasilgo, the only woman, to this day, to serve as Prime Minister in
Portugal, played a prominent role in major international forums. This article analyzes her
intervention as Portugal's Ambassador to UNESCO between the years 1974 and 1979. Based
on reference bibliographies, archival documents, and periodicals from that time, it seeks to
investigate the decision-making process that led to Portugal's request to rejoin UNESCO; the
reasons behind the choice of Maria de Lourdes Pintasilgo for the position of ambassador; and
to identify her main areas of activity aimed at ensuring Portugal's reintegration into the
organization, following the voluntary withdrawal in 1971, by decision of the Portuguese
Government.
Keywords
Ambassador, Maria de Lourdes Pintasilgo, Portugal, Portuguese Foreign Policy, UNESCO.
Como citar este artigo
Santos, Raquel Valente dos (2025). Mulheres em Organizações Internacionais: O Caso de Maria de
Lourdes Pintasilgo na UNESCO (1975 -1979). Janus.net, e-journal of international relations. VOL.
16, Nº. 2, novembro 2025-abril 2026, pp. 272-289. DOI https://doi.org/10.26619/1647-
7251.16.2.15
Artigo submetido em 14 de setembro 2024 e aceite para publicação em 7 de setembro
de 2025.
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MULHERES EM ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: O CASO DE
MARIA DE LOURDES PINTASILGO NA UNESCO (1975 -1979)
RAQUEL VALENTE DOS SANTOS
A UNESCO e a política externa portuguesa
A cooperação intelectual, em termos multilaterais, remonta ao final da Primeira Guerra
Mundial. Através da Sociedade das Nações (SDN)
1
, foi criado, a 4 de janeiro de 1922, o
Comité Internacional de Cooperação Intelectual (CICI), ao qual foi atribuído o estatuto
de órgão consultivo do Conselho da SDN, com objetivos de “renovar os vínculos entre
academias e especialistas, os quais foram paralisados no decorrer da guerra; a
necessidade de estabelecer uma coordenação entre as diversas atividades nacionais; e
a pertinência de estabelecer Comités Nacionais para a cooperação intelectual”
(Valderrama, 1995, p. 2).
O rápido sucesso do Comité tornou necessário repensar o conceito de cooperação
internacional”, o que conduziu, em setembro de 1924, à criação do Instituto Internacional
de Cooperação Intelectual (IICI), com sede em Paris.
Com o estabelecimento do IICI, consolidou-se o entendimento de que a cooperação
intelectual visava “a colaboração internacional para assegurar o avanço da civilização em
geral e do conhecimento humano, particularmente, o desenvolvimento da disseminação
das ciências, letras e artes”, bem como “criar um estado de espírito propício à resolução
pacífica de problemas internacionais no âmbito da Liga das Nações” (Valderrama, 1995,
pp. 3 - 4).
O IICI funcionou durante quatorze anos e desempenhou um papel de grande relevância
em várias áreas, entre as quais se destacam a educação, as ciências sociais, atividade
de âmbito científico, cinema, bibliotecas, arquivos e direitos de autor.
Entre 1939 e 1945, com o decorrer da Segunda Guerra Mundial, as atividades do Instituto
ficaram suspensas e, terminado o conflito, o IICI cessou funções com a assinatura, a 18
de abril de 1946, de um acordo que previa a transferência dos seus arquivos para as
Nações Unidas, a iniciar em1947 (Lacoste, 1993, p. 29).
1
Sobre a SDN ver: Ostrower, Gary (1995), The League of Nations. From 1919 to 1929, The International
Cooperation Towards Peace in the 20ª Century, Nova Iorque, Avery Publishing Group; Gill, George (1996), The
League of Nations from 1929 to 1946, Avery Publishing Group; Kennedy, Paul (2006). The Parliament of Man.
The Past, Present, and Future of the United Nations, New York: Random House; Marbeau, M (2001). La Société
des Nations, Presses Universitaires de France.
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Com a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, foi estabelecido um
conjunto de agências especializadas sob o seu domínio. Para assumir as funções
anteriormente desempenhadas pelo IICI, foi fundada, a 16 de novembro de 1946, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O
principal objetivo da UNESCO - "contribuir para a paz e a segurança, promovendo a
colaboração entre as nações por meio da educação, ciência e cultura"
2
- conduziu a que
a organização fosse considerada uma esperança para “governar” as relações
internacionais de forma mais democrática e pacífica (Maurel, 2010, p.19). Contudo, o
contexto internacional em que em foi criada, marcado pela devastação do após Segunda
Guerra Mundial e pelo início da Guerra Fria, dificultou a sua ação, evidenciando-se, desde
cedo, uma divisão entre Ocidente / Oriente (Maurel, 2005, pp. 123-124).
Ao longo dos anos, tem sido notável o papel da UNESCO na criação de diversas iniciativas
globais de carácter cultural, científico e educacional, exemplificadas pela proteção do
património cultural, a promoção da ciência e pela erradicação do analfabetismo. Essas
iniciativas são transmitidas aos Estados-membros, sendo particularmente relevante
observar a forma diferenciada como cada um as implementa (Duedal, 2016, pp. 153-
181).
No entanto, apesar dos sucessos alcançados, a organização enfrenta diversos obstáculos,
entre os quais se destacam, a localização da sede da UNESCO em Paris e o papel
preponderante dos Estados europeus, o que conduz a que muitas das suas ações se
concentrem, essencialmente, na Europa (Maurel, 2012, p. 62). Acrescem ainda o
nepotismo nas nomeações para cargos, as tensões entre Estados-membros, a excessiva
burocracia e os problemas de financiamento, fatores que, em conjunto, dificultam a plena
afirmação dos ideais da UNESCO (Maurel, 2010, pp. 173- 216).
No que respeita às relações estabelecidas entre Portugal e a UNESCO, estas estiveram
sempre diretamente relacionadas com a posição do país nas Nações Unidas. Apesar de
manifestar interesse na organização logo após a sua criação, em 1946, Portugal adotou
uma atitude cautelosa: ao longo das décadas de 1940 e 1950 manteve em aberto a
possibilidade de adesão; em 1961 procedeu à nomeação de um Observador Permanente;
e apenas em 1965 apresentou formalmente o pedido de adesão como Estado Membro
de pleno direito. Importa salientar que este pedido coincidiu com o momento em que a
questão colonial portuguesa adquiriu uma visibilidade internacional, particularmente,
considerável. A década de 1960 ficou marcada pela independência de mais de uma
dezena de novos Estados africanos, bem como pela aprovação, pela ONU, de um conjunto
de resoluções (1514, 1541 e 1542) relacionadas com a recusa portuguesa em fornecer
informações relativas aos seus territórios coloniais (Santos, 2011, pp. 63-68).
Nas Nações Unidas consolidou-se uma maioria fortemente crítica à colonização, enquanto
o Governo português mantinha-se agarrando à ideia de “conservar um império colonial,
solidamente, amarrado à metrópole” (Silva, 1995, p. 38). Se os representantes
portugueses na ONU enfrentaram “o espírito anticolonialista” e a “hostilidade da
comunidade internacional” (Teixeira, 2000, p.101), nos fóruns da UNESCO a situação
não foi, de todo, diferente.
2
Constitution of the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, consultado em
https://www.unesco.org/en a 10 de agosto de 2024.
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Desde a criação da UNESCO até a adesão formal de Portugal, em 1965, o país adotou
uma postura de “constante avaliação e reavaliação das vantagens e das desvantagens
inerentes à sua participação na organização” (Rodrigues, 2006, p. 179). Contrariamente,
às expetativas do Governo português, o estatuto de Estado-Membro intensificou as
críticas à política colonial portuguesa. Pouco após a adesão, ainda em 1965, o Conselho
Executivo da UNESCO aprovou a Decisão 70EX/1, determinando que Portugal não seria
convidado a participar nas atividades da organização até à divulgação dos resultados de
um estudo de campo sobre a educação nos territórios africanos sob jurisdição
portuguesa. Nesse mesmo ano, foram também aprovadas as resoluções XI e XX, que
condenavam todas as formas de colonialismo e racismo. Em 1968, a Assembleia Geral
da UNESCO reforçou a sua posição anticolonialista ao aprovar a Resolução 9.12, que
condenava a manutenção dos regimes coloniais e de todas as formas de discriminação
racial, bem como a Resolução 9.14, que repudiava os atos de agressão cometidos pelas
forças militares portuguesas em África, instando os Estados-Membros a suspenderem
toda a cooperação com Portugal nas áreas da educação, ciência e cultura. Dois anos
depois, em outubro de 1970, o Conselho Executivo da UNESCO decidiu prosseguir com
o apoio às organizações e aos refugiados provenientes de territórios coloniais
libertados (Santos, 2021, pp. 93-94).
Perante as constantes resoluções, o Governo português manifestou a sua insatisfação
face à orientação da UNESCO contra Portugal, considerando o conjunto de medidas
adotadas uma ingerência nos assuntos internos do Estado português. Em consequência,
o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui d'Espinay Patrício, comunicou ao Diretor-Geral
da organização que Portugal solicitava a sua saída de Estado-Membro da UNESCO,
formalizada em dezembro em 1972.
Somente em Setembro de 1974, com a democratização do regime português, resultante
da Revolução de 25 de Abril, Portugal regressou UNESCO, sendo a liderança da Missão
Portuguesa atribuída a Maria de Lourdes Pintasilgo.
Maria de Lourdes Pintasilgo: Breve Biografia
Maria de Lourdes Ruivo da Silva Pintassilgo nasceu a 18 de janeiro de 1930, em Abrantes,
filha de Jaime de Matos Pintassilgo, comerciante, e de Amélia do Carmo Ruivo da Silva
Matos Pintassilgo, doméstica (Souza, 2013, p. 345).
Em 1933, três anos após o seu nascimento, foi institucionalizado em Portugal, o regime
do Estado Novo, assumindo a chefia do Governo António de Oliveira Salazar. Desde cedo,
para Maria de Lourdes, “obedecer e respeitar os chefes, exigindo-se a si própria a
excelência, sempre ultrapassável” , constituiu um lema de vida que manteve nas duas
primeiras décadas de existência, altura em que “a submissão dalugar à contestação,
embora sempre dentro do cenário de aperfeiçoamento contínuo” (Beltrão & Katton, 2007,
p.22).
Após a mudança da família para Lisboa, em 1937, Maria de Lourdes Pintasilgo realizou a
instrução primária no Colégio Garrett, obtendo as melhores classificações da instituição,
e em outubro de 1940, ingressou no Liceu Dona Filipa de Lencastre (Beltrão & Katton,
2007, p.33).
Aluna de mérito e excelência, decidiu, em 1948, ingressar no Instituto
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Superior Técnico (IST), para cursar Engenharia Química. Uma escolha deveras
interessante: “feudo masculino por excelência”, poucas eram as raparigas que
frequentavam o IST, faculdade de engenharia com prestígio internacional e um grau de
exigência que ultrapassava muitas das congéneres europeias” (Beltrão e Katton, 2007,
p. 65). Em 1953, Maria de Lourdes Pintasilgo concluiu a licenciatura e iniciou a sua
carreira profissional como investigadora bolseira do Instituto de Alta Cultura, da Junta
de Energia Nuclear, e a partir de julho de 1954 desempenhou funções na Companhia
União Fabril (CUF).
Foi durante os anos da universidade que Maria de Lourdes Pintasilgo que se aproximou
da vida internacional. No primeiro ano no IST aderiu à Juventude Universitária Católica
Feminina (JUCF), ocupando o cargo de Presidente do organismo de 1952 a 1956, e
organizando, em colaboração com Adérito de Sedas Nunes, o I Congresso Nacional da
Juventude Universitária Católica (Amaral, 2009, pp.77-96).
Durante o exercício das suas funções, Maria de Lourdes Pintasilgo viajou com frequência
ao estrangeiro, adquirindo uma “consciência cosmopolita”, e avaliando à distância o
“atraso do seu país e o sistema político que o amordaça” (Beltrão e Katton, 2007, p. 83).
Na qualidade de presidente da JUCF participou no Movimento Internacional de Estudantes
Católicos (Pax Romana), destacando-se de tal modo que foi escolhida para integrar o
Comité Diretor, e, mais tarde, eleita a primeira mulher presidente do Movimento (1956-
1958). Durante as suas viagens internacionais, estabeleceu contato com o Movimento
Graal,
3
o qual introduziu em Portugal, no ano de 1962, em colaboração com Teresa Santa
Clara Gomes. Nesse período, abandonou a carreira de engenheira, para desenvolver, no
quadro do Movimento, projetos “diretamente com camadas sociais onde a necessidade
de transformação mais se fazia sentir”. Entre 1964 e 1969 foi eleita Vice-Presidente do
Graal Internacional (anos em que estabeleceu residência em Paris), sendo responsável
pela “coordenação de equipas em rios continentes, sobretudo orientadas para o
desenvolvimento social e para a promoção das mulheres enquanto motores de
transformação da sociedade” (Bettencourt, 1995, p. 219).
Em Portugal, Oliveira Salazar foi substituído, em julho de 1968, por Marcello Caetano na
chefia do Governo. O novo Presidente do Conselho, apreciando “a capacidade
organizativa, a agilidade verbal, a inteireza ética, a imensa cultura técnica e humanística”
de Maria de Lourdes Pintasilgo, convidou-a a desempenhar funções políticas como
Procuradora da Câmara Corporativa,
4
cargo que ocupou, na qualidade de independente,
até 1974 (Beltrão e Karron, 2007, pp. 106-107). Seguiram-se, em Portugal, outras
funções governativas: consultora do Secretário de Estado do Trabalho e Previdência
Social, Joaquim Silva Pinto entre 1970 e 1973, e em novembro de 1973 foi nomeada
presidente da Comissão para a Política Social relativa à Mulher onde “foram propostas
diversas alterações ao direito da família e a legislação sobre o trabalho das mulheres”
(Souza, 2013, p. 588).
Entre 1971 e 1972, a convite de Marcello Caetano, Maria de Lourdes Pintasilgo integrou
a delegação portuguesa à Assembleia Geral da ONU, participando em reuniões nas quais
3
Sobre o Graal ver: Fontes, Paulo de Oliveira (2001) << Movimentos eclesiais contemporâneos >> in Carlos
Moreira Azevedo (Dir.) Dicionário de História Religiosa de Portugal, Vol. IV, Lisboa, Círculo de leitores, pp. 459-
470.
4
Entre 1969 e 1973, Maria de Lourdes Pintasilgo foi a única mulher na Câmara Corporativa.
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se debateu a autodeterminação dos territórios portugueses. Durante esses encontros,
defendeu “a falta de um estudo objetivo por parte das Nações Unidas do conceito de
autodeterminação”; propondo a criação de um grupo de reflexão sobre o problema de
África “com gente competente e sensível à questão do ultramar” (Antunes, 1985, pp.
361-362).
Após a Revolução de 25 de abril de 1974, assumiu os cargos de Secretária de Estado da
Segurança Social em 1974, durante o I Governo Provisório, e de Ministra dos Assuntos
Sociais entre 1974-1975.
No âmbito da política nacional, o ano de 1979 representou, para Maria de Lourdes
Pintassilgo, o maior desafio: foi eleita Primeira-Ministra, sendo até hoje a única mulher
portuguesa a assumir o cargo. O V Governo Constitucional, um governo de iniciativa
presidencial
5
, tomou posse a 1 de agosto de 1979, constituído por “uma equipa
simultaneamente pluralista e coesa, pragmática e idealista” (Pintassilgo, 1980, p.71), e
apostando “no diálogo com as populações e num programa de ousadas reformas sociais
no domínio da saúde e de previdência” (Reis, 1994, p. 68). O V Governo terminou o seu
mandato a 3 de janeiro de 1980, na sequência das eleições a 2 dezembro de 1979, que
deram a vitória à Aliança Democrática, assumindo o cargo de Primeiro-Ministro, Francisco
Sá Carneiro.
Ainda no domínio da política nacional, Maria de Lourdes Pintasilgo candidatou-se à
Presidência da República Portuguesa, em 1986, obtendo apenas 7,38% da votação,
sendo eleito para o cargo, rio Soares. Perante este desfecho, e “perdidas as
esperanças de um papel cimeiro na vida pública portuguesa, ferida no seu orgulho e
frustrada nas expectativas (…), tem, felizmente dentro de si, muitos caminhos, muitas
atividades onde continuar a investir” (Beltrão & Katton, 2007, p. 327).
A partir dos anos 1980, foi no plano internacional que Maria de Lourdes Pintasilgo
desenvolveu um conjunto de atividades de grande prestígio. Em 1982, integrou o
Conselho Diretivo do World Policy Institute, em Nova Iorque; em 1983, foi membro do
Conselho Diretivo da Universidade das Nações Unidas (até 1989), por designação do
Secretário-Geral da ONU e do Diretor-geral da UNESCO; e, nesse mesmo ano, foi
convidada a integrar o Conselho de Interação de Ex- Chefes de Governo, tendo
oportunidade de conviver com importantes nomes da política internacional, como Helmut
Schmidt e Jimmy Carter, entre outros. Tornou-se ainda membro de diversas entidades,
incluindo o Clube de Roma (Paris- 1984), a Fundação Europa (América Latina - 1984), e
o Sisterhood Is Global Institute (Nova Iorque- 1986). Em 1986, criou, em colaboração
com Brice Lalonde, François Roelants de Vivier e Cármen Diez Riveira, a Plataforma
Europeia para o Ambiente (Beltrão & Katton, pp. 286;288; 342). Por fim, de 14 de
setembro de 1987 a 24 de julho de 1989 exerceu funções como deputada no Parlamento
Europeu, por convite do Partido Socialista, aceitando a posição na qualidade de
independente.
5
Durante a presidência de António Ramalho Eanes foram nomeados três governos de iniciativa presidencial
entre 1978 e 1979: o primeiro, sob liderança do engenheiro Nobre da Costa; um segundo governo, sob
liderança de Carlos Alberto Mota Pinto, e por fim, o terceiro e último, sob liderança de Maria de Lourdes
Pintasilgo.
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Na década de 1990, Maria de Lourdes Pintasilgo integrou diversos organismos
internacionais de relevo. Foi membro do Conselho da Ciência e da Tecnologia ao Serviço
do Desenvolvimento (1989-1991) do Grupo de Peritos da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Económico (1990-1991). Entre 1990 e 1992, destacou-se no papel
de Conselheira Especial do Reitor da Universidade das Nações Unidas. Exerceu,
igualmente, funções de liderança, presidindo ao Grupo de Peritos do Conselho da Europa
sobre Igualdade e Democracia (1992-1994), à Comissão Mundial Independente sobre a
População e Qualidade de Vida (1992 -1997), ao Conselho Diretivo do Instituto Mundial
de Investigação sobre Desenvolvimento Económico, da Universidade das Nações Unidas
(1993-1998) e ao Comité dos Sábios (1995-1996). Foi ainda membro do Instituto para
o Desenvolvimento e a Ação Cultural (Rio de Janeiro, 1997), do Institute for Democratic
Electoral Assistance (Estocolmo, 1997); e do Conselho de Women World Leaders
(Cambridge,1998).
A 2 de fevereiro de 1991, Maria de Lourdes Pintasilgo recebeu da Universidade Católica
de Lovaina (Bélgica), o grau de Doutoramento Honoris Causa “gesto de enorme valor,
dado o prestígio desta universidade no mundo intelectual, e dentro da Igreja” (Beltrão &
Katton, 2007, p. 353). Foi ainda distinguida com diversas condecorações, entre as quais
se destacam: The 1986 Living Legacy Award, atribuído pelo Women’s International
Center, em San Diego; a Grã-Cruz da Ordem Militar do Nosso Senhor Jesus Cristo (1981);
a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1994); a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade
(2017)
6
; e a Medalha Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras (1997).
Desde 2001 presidiu à Fundação Cuidar O Futuro, instituição de direito privado, sem fins
lucrativos, fundada a 13 de julho desse ano, e responsável pela preservação e divulgação
do seu espólio documental.
Maria de Lourdes Pintasilgo faleceu em Lisboa, a 10 de julho de 2004, aos 74 anos.
Embaixadora na UNESCO (1975-1979)
Após a Revolução de abril de 1974, o Governo português ambicionava, em termos de
política externa, a plena integração em organismos internacionais, quer através do
reforço da sua posição naqueles que já era membro, quer pela adesão às organizações
a que ainda não pertencia.
No caso específico da UNESCO, a documentação existente demonstra que, logo no mês
seguinte à Revolução dos Cravos, em maio de 1974, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Mário Soares, iniciou a recolha de toda a informação e dos procedimentos
necessários para garantir o regresso de Portugal à organização. Todavia, a situação
colonial, e o rumo a seguir relativamente ao processo de descolonização ainda não se
encontravam, claramente, definidos. Apenas com a promulgação da Lei 7/74, que
formalizou o reconhecimento do direito à autodeterminação e independência dos
territórios até então sob domínio colonial português, o país encontrava-se, totalmente,
disponível para iniciar conversações com os organismos internacionais.
6
As condecorações em Portugal podem ser consultadas em https://www.ordens.presidencia.pt/
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Mulheres em Organizações Internacionais: O Caso de Maria de Lourdes Pintasilgo
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A 30 de agosto de 1974, Mário Soares remeteu uma carta ao Diretor-Geral da UNESCO,
René Maheu, notificando-o da intenção do Governo português em promover o regresso
do país à organização, acrescentando que Portugal se comprometia “fielmente a cumprir
todas as estipulações contidas no Ato Constitutivo da organização”
7
. Simultaneamente,
procedeu à entrega, no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Londres
8
, do instrumento
diplomático relativo à readmissão de Portugal na UNESCO.
O regresso efetivo de Portugal à organização foi formalizado a 11 de setembro de 1974,
ocasião em que o Diretor-Geral da UNESCO, René Maheu, felicitou o país pela iniciativa,
sublinhando que a “cooperação entre Portugal e a UNESCO é mutuamente benéfica e
decisiva”
9
.
Após o regresso do Portugal à UNESCO, impunha-se a criação de uma Missão Permanente
em Paris, o que foi definido a 30 de junho de 1975, com a promulgação do Decreto-Lei
329/75, pelo Presidente da República Portuguesa, Francisco da Costa Gomes. A
composição da Missão Permanente de Portugal junto da UNESCO ficou então estabelecida
nos seguintes termos: um chefe de missão, na qualidade de representante permanente;
um funcionário do serviço diplomático “de categoria igual ou inferior a conselheiro de
embaixada”, um consultor cultural e/ou científico, e por fim, um secretário, dois
escriturários-dactilógrafos, um motorista e um contínuo
10
.
A principal questão que se colocava dizia respeito a quem deveria assumir a liderança da
Missão Portuguesa em Paris. A vida foi esclarecida a 23 de setembro de 1975, quando,
em carta enviada ao Diretor-Geral da UNESCO, Amadou Mahtar M´Bow, o Ministro dos
Negócios Estrangeiros, Ernesto de Melo Antunes, informou que o Governo português
decidira nomear Maria de Lourdes Pintassilgo como embaixadora junto da organização.
11
Maria de Lourdes Pintasilgo partiu rumo a Paris, em dezembro de 1975, para
desempenhar o cargo. O seu primeiro desafio enquanto embaixadora consistiu na seleção
dos membros que integrariam a Missão sob a sua liderança. Para Conselheiro de
Embaixada escolheu Luís de Sousa Lobo, Professor da Universidade Nova de Lisboa; para
conselheiro científico nomeou Jorge Ritto; e, por fim, designou Alberto Melo para a àrea
da educação
12
.
A instalação da Missão Portuguesa em Paris foi bem-sucedida, tendo a embaixadora e os
restantes membros da equipa sido calorosamente, pelas demais delegações. Esta
receção, sem dúvida, acabou por “facilitar a tarefa da nossa representante e permitir-lhe
perseguir o objetivo estabelecido pelo Governo Português de reforçar os laços com a
UNESCO”
13
.
7
Arquivo Histórico Diplomático (AHD), CLT, Maço 411 A, Carta de Mário Soares a René Maheu, 30 de agosto
de 1974.
8
Local onde se encontra depositado a Constituição da UNESCO desde 1946.
9
AHD, CLT, Maço 411 A, Carta de René Maheu, 20 de setembro de 1974.
10
Portaria 411-A/75 de 2 de julho de 1975, Diário do Governo n.º 150/1975, 2º Suplemento, Série I de 1975-
07-02.
11
Arquivo Maria de Lourdes Pintasilgo (AMLP), Pasta 0105.018, Carta de Ernesto Melo Antunes a Amadou
Mahtar M´Bow, 23 de setembro de 1975.
12
AMLP, Pasta 0039054, Carta de Maria de Lourdes Pintasilgo a Humberto Delgado, Diretor Geral dos Serviços
Centrais do MNE, 30 de setembro de 1975.
13
AMLP, Pasta 0237.029, Carta de Ernesto Melo Antunes para Amadou Mahtar M´Bow, 24 de fevereiro de
1976.
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Simultaneamente, e com o intuito de assegurar um pleno aproveitamento da participação
portuguesa na UNESCO foi criado no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um
grupo de trabalho preparatório da futura Comissão Nacional da UNESCO.
14
Competia-
lhe, entre outras funções, estudar a experiência dos outros países e recolher a informação
necessária do nosso país “de modo a propor os moldes de constituição e funcionamento
da Comissão Nacional de UNESCO”, bem como funcionar como “canal de comunicação
entre a Missão Permanente de Portugal junto da UNESCO e o Ministério dos Negócios
Estrangeiros”. Para integrar o grupo de trabalho foram selecionadas personalidades de
grande relevo: Adérito Seda Nunes (investigação), Teresa Santa Clara Gomes
(educação), Manuel Fernandes Tomás (tecnologia), João Martins Pereira (tecnologia),
Ana Hidalgo Barata (MNE) e, para apoio logístico dos serviços ministeriais em Portugal,
Magalhães Cruz.
De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, os principais objetivos
da Missão Permanente consistiam em promover o contacto de Portugal com outras
culturas; contribuir para a paz internacional; assegurar o preenchimento da quota de
funcionários da UNESCO atribuída ao país, mediante a seleção dos mais competentes; e,
num plano imediato, garantir a participação em todas as reuniões organizadas UNESCO,
bem como nas Conferências Gerais da organização.
15
1976: a 19ª Conferência Geral da UNESCO em Nairobi
A 19.ª Conferência Geral da UNESCO, realizada em Nairobi de 26 de outubro a 30 de
novembro de 1976, constituiu o primeiro grande desafio da Missão Portuguesa no seu
regresso à organização.
Como membros da Missão Permanente de Portugal, além da Embaixadora Maria de
Lourdes Pintasilgo, participaram Jorge Ritto e Luís Sousa Lobo; como membros do Grupo
de trabalho da UNESCO, Manuel Fernandes Tomás; José Carlos Ferreira de Almeida,
Teresa Santa Clara Gomes e José Manuel Prostes da Fonseca; como funcionários do MNE,
ligados às atividades da UNESCO, Nataniel Costa e Ana Maria Hidalgo Barata. Entre os
participantes estavam ainda nomes como o perito no domínio da educação, Alberto de
Melo e em substituição do Ministro da Educação, o Secretário de Estado da Investigação
Científica, o Professor José Tiago de Oliveira.
16
A 19.ª Conferência Geral ficou marcada pela discussão sobre a liberdade de imprensa,
centrando-se o debate numa declaração proposta pela União Soviética “sancionando o
controlo governamental sobre a imprensa”, e segundo a qual os governos deviam ser
“responsáveis pelo conteúdo dos meios de informação.”
17
A posição da delegação
soviética gerou grande controvérsia, com os delegados dos países ocidentais a afirmarem
que “os Estados deveriam proteger o direito de todos exprimirem franca e livremente as
suas opiniões”
18
e que a declaração proposta pela União Soviética “significava a aceitação
de uma ideologia da informação, diretamente contrária, aos princípios estabelecidos na
14
Cuja criação oficial foi em julho de 1979 pelo Decreto-Lei Nº218/79.
15
AHD, CLT, Maço 414, Missão Permanente junto da UNESCO, sem data.
16
AHD, CLT, Maço 434, Despacho de Ernesto de Melo Antunes, 6 de julho de 1976.
17
O Dia, 4 de novembro de 1976, p.8.
18
Jornal Novo, 10 de novembro de 1976, p.8.
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Declaração Universal dos Diretos Humanos”.
19
Face à contestação dos restantes países,
o delegado soviético apressou-se a esclarecer que a proposta se destinava apenas “a
sublinhar a responsabilidade dos Estados pelos seus próprios órgãos de comunicação
social controlados oficialmente.”
20
Após longa discussão, a 19.ª Conferência Geral adotou uma resolução que previa o
reequilíbrio da informação e o financiamento para a coordenação de programas na área
da comunicação social. A delegação portuguesa manifestou-se totalmente desfavorável
a esta resolução. No plenário da UNESCO, realizado a 29 de novembro de 1976, Maria
de Lourdes Pintassilgo afirmou que se tratava de uma resolução com um discurso
“moralizante” para os profissionais de comunicação social, desprovida de qualquer valor
cultural, uma vez que “os problemas de fundo trazidos pelos mass media à sociedade
contemporânea não eram adequadamente abordados”. Acrescentou ainda que a
declaração lhe causou, inclusive, uma certa “preocupação e perplexidade”. Durante a sua
intervenção, a embaixadora salientou que os Estados-membros se tinham comprometido
“a ajudar os meios de comunicação a desempenhar o seu papel, no sentido de reforçar
a paz e a compreensão internacional”, sublinhando, contudo, a necessidade de realizar-
se um estudo mais alargado sobre a questão, “que tenha em conta o espetacular
aumento do volume das operações de mass media no mundo de hoje.” Para Maria de
Lourdes Pintasilgo, os meios de comunicação representavam um novo poder “que se
introduz na nossa vida diária e forma às nossas opiniões”, lamentando, por essa razão,
que pouco tivesse sido feito para os analisar forma ampla e verdadeiramente científica.
A embaixadora questionava-se se a UNESCO poderia aprovar uma declaração sobre o
papel dos meios de comunicação social antes de se realizar e concluir um estudo mais
aprofundado, ignorando a complexidade subjacente à natureza e à função dos mesmos.
Ao longo do seu discurso, Maria de Lourdes Pintasilgo defendeu, fortemente, que a
UNESCO deveria ter a iniciativa de conduzir um estudo sobre o poder dos meios de
comunicação, contribuindo para uma melhor compreensão dos mesmos e do papel que
lhes cabe. A embaixadora apresentou, inclusive, alguns exemplos significativos: seriam
inofensivos para a paz os meios de comunicação que dão prioridade “à capacidade de ter
e possuir sobre a de ser e viver”; se seriam inofensivos para a compreensão
internacional, os meios de comunicação que, mantém “uma visão provinciana, senão
nacionalista”; e se seriam inofensivos para a eliminação do racismo, os meios de
comunicação que, “persistem em ignorar os grupos marginais, os membros sem voz
dessas sociedades?”
21
.
Na 19.ª Conferência Geral foi ainda debatida a reivindicação dos países do Hemisfério
Sul sobre a necessidade de se estabelecerem infraestruturas de comunicação nos seus
territórios, de forma a que “a informação não fosse apenas veiculada pelas grandes
agências internacionais, todas elas situadas no Hemisfério Norte”.
22
A este propósito,
Maria de Lourdes Pintassilgo defendeu, desde o início, que “para a salvaguardada da
circulação de uma informação correta e livre, o problema fundamental a resolver era o
da injustiça das relações entre o Norte e o Sul.” Para a embaixadora, a discussão e a
19
O Dia, 29 de outubro de 1976, p.13.
20
A Capital, 6 de novembro de 1976, p.16.
21
AMLP, Pasta 0229.041, Ata da 30ª Sessão plenária, 29 de novembro de 1976. Intervenção de Maria de
Lourdes Pintasilgo. Anexo III 19 C/ VR.36, pp. 36-39.
22
Diário de Notícias, 27 de novembro de 1976, p.7.
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adoção de uma declaração sobre o papel dos meios de comunicação deveriam ser adiadas
até à realização da próxima Conferência Geral, e deveriam ser tomadas as medidas
necessárias para se proceder a uma análise mais atualizada dos meios de comunicação.
A intervenção de Maria de Lurdes Pintassilgo no plenário da UNESCO revelou-se tão
contributiva para o debate que várias delegações governamentais se pronunciaram para
apoiar as críticas e as sugestões apresentadas por Portugal
23
.
Por fim, a 19.ª Conferência Geral da UNESCO deu também especial atenção às questões
africanas, aprovando uma resolução que condenava o colonialismo e o racismo,
defendendo a luta do povo africano “para recuperar a sua identidade, soberania e
independência”.
24
Em relação a esta resolução,
25
a 22 novembro de 1976, Maria de
Lourdes Pintassilgo salientou que, o ponto-chave, residia na confirmação “da existência
de um governo autónomo e independente em Angola e no exercício real da soberania
sobre o território”, observação que foi sublinhada por todos os intervenientes.
De notar que, dez dias antes do encerramento da Conferência Geral, foram realizadas
eleições para o Conselho Executivo da UNESCO. Surpreendentemente, Portugal
conquistou um lugar: Maria de Lourdes Pintasilgo obteve o maior número de votos a
eleger no Grupo Europeu, com um total de 122 votos, sendo eleita membro do Conselho
Executivo da UNESCO
26
.
1977: A visita do Diretor Geral da UNESCO a Portugal
Os laços entre Portugal e a UNESCO fortaleceram-se, progressivamente, sendo exemplo
dessa aproximação a visita, em agosto de 1977, do Diretor-Geral da organização,
Amadou Mahtar M´Bow, a Portugal.
A 8 de julho de 1977, o Ministério dos Negócios Estrangeiros Português foi informado por
Maria de Lourdes Pintassilgo de que foi sugerida a possibilidade de se realizar uma visita
do Diretor-Geral da UNESCO a Lisboa. A embaixadora sublinhava o interesse político
desta visita, recordando que o Diretor Geral exprimia, repetidamente, “grande interesse
e apoio a Portugal
27
.
A Missão Permanente de Portugal junto da UNESCO sugeriu que a visita tivesse lugar a
7 de agosto, a convite do Governo português e, consequentemente, financiada por
Portugal, que assumiria todas as despesas de estadia. Solicitou-se, assim, autorização
junto do MNE para cobrir os custos decorrentes da estadia e do programa da visita do
Diretor-Geral da UNESCO, incluindo: marcação de uma suíte no Hotel Ritz;
disponibilização de um automóvel com condutor, ao serviço do Diretor-Geral;
organização de um jantar oferecido pelo Primeiro-Ministro, de caráter privado; e a
preparação de um almoço oficial.
23
AMLP, Pasta 0229.041, Ata da 30ª Sessão plenária de 29 DE novembro de1976. Intervenção de maria ed
Lourdes Pintasilgo. Anexo III 19 C/ VR.36, p.39.
24
O Dia, 1 de dezembro de 1976, p.5.
25
Uma das grandes novidades foi a atribuição, por proposta do Conselho Executivo da UNESCO, do estatuto
de observador a S. Tomé e Príncipe, Moçambique e Cabo Verde e a possibilidade de adesão como Estado-
membro de Angola.
26
O Século, 23 de novembro de 1976, p.13.
27
AHD, CLT, Maço 473, Telegrama de Maria de Lourdes Pintasilgo, 8 de julho de 1977.
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Maria de Lourdes Pintasilgo propôs ainda a marcação de encontros com o Presidente da
República, o Primeiro-Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros (Santos, 2022, pp.
275).
Amadou Mahtar M´Bow chegou a Lisboa a 3 de agosto de 1977, sendo recebido por Maria
de Lourdes Pintasilgo e por um representante do MNE. Questionado pelos jornalistas,
manifestou a sua satisfação pelo convite oficial do Governo português para visitar o país
e “travar conversações sobre as relações de cooperação atualmente existentes” com a
UNESCO.
28
a embaixadora portuguesa sublinhou que a visita do Diretor-Geral
constituía “o reconhecimento, por parte da UNESCO, da transformação radical de
Portugal e da vontade inequívoca que houve para proceder à descolonização.”
29
A
presença do Diretor-Geral da UNESCO a Portugal, representava, ainda, “uma garantia”
do papel que a organização desempenharia na promoção de “um novo desenvolvimento
da educação, ciência e cultura em Portugal.”
30
A visita a Lisboa revelou-se um êxito, evidenciado pela análise de um conjunto de cartas
enviadas por Amadou Mahtar M´Bow às diversas personalidades com quem se reuniu. A
António Ramalho Eanes, o Diretor Geral agradeceu a calorosa receção durante a sua
visita ao país, sublinhado que a sua deslocação a Lisboa “permitiu reforçar a sua
convicção de que os laços de cooperação existentes entre Portugal e a UNESCO apenas
tornarão o futuro ainda mais apertado.” A Mário Soares, manifestou particular satisfação
“pela ampla troca de opiniões sobre os principais aspetos da cooperação” e assegurou
que os efeitos desta colaboração seriam “de grande valor para a comunidade
internacional.” Ao Secretário de Estado e da Investigação Científica, Tiago de Oliveira,
M´Bow felicitou-o pela sessão de trabalho organizada por si e pelos seus colaboradores,
mencionando que a cooperação estabelecida entre Portugal e a UNESCO poderia ser
amplamente desenvolvida, afirmando-lhe: “farei tudo em meu poder para agir nessa
direção”. Por fim, numa carta dirigida a Maria de Lurdes Pintassilgo, Amadou Mahtar
M´Bow agradeceu a estadia em Portugal e referiu que as conversações que manteve
com as altas personalidades que conheceu em Lisboa, constituíram encorajamento e
estimulação”, convencendo-o de que a cooperação entre Portugal e a UNESCO
desenvolvia-se da forma mais “harmoniosa” e que os seus efeitos “serão benéficos para
toda a comunidade internacional.”
31
A visita permitiu importantes progressos em diversos
domínios, incluindo a política educativa, a área científica e a implementação de projetos
culturais (Santos, 2021, pp. 280-284).
1978: A 20ª Conferência Geral em Paris
O ano de 1978 ficou marcado pela realização da 20.ª Conferência Geral da UNESCO, em
Paris. A 31 de julho de 1978, Maria de Lourdes Pintassilgo remeteu uma carta ao Ministro
dos Negócios Estrangeiros, Victor de Machado, expressando a sua preocupação em
apresentar, com a maior brevidade, a proposta reativa à composição da delegação
28
AHD, CLT, Maço 474, Apontamento do MNE, 8 de agosto de 1977.
29
A Capital, 8 de agosto de 1977, p. 20.
30
AHD, CLT, Maço 474, Apontamento do MNE, sem data.
31
AHD, CLT, Maço 474, Correspondência envia por Amadou Mahtar M´Bow, 1977.
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portuguesa para a 20.ª Conferência Geral, com início previsto para 24 de outubro de
1978.
A delegação portuguesa à 20 Conferência Geral era composto pelos membros da
Delegação Permanente de Portugal junto da UNESCO: a Embaixadora Maria de Lourdes
Pintassilgo, o Conselheiro Científico, Luís Sousa Lobo, o Conselheiro cultural, Alberto Melo
e o Conselheiro de Carreira, Jorge Ritto. Participou ainda na conferência o representante
da Secretaria de Estado, Carlos David Calder.
32
Na qualidade de Estado-membro, Portugal participou ativamente, tal como sucedeu em
Nairobi, nos vários trabalhos da Conferência-Geral, na qual foram discutidos dois
documentos fundamentais: um novo projeto de declaração sobre os meios de
comunicação e o relatório da Comissão McBride.
Sobre o assunto, Maria de Lourdes Pintasilgo afirmou que a delegação portuguesa o
ficou satisfeita com o projeto de declaração sobre os meios de comunicação proposto
pela UNESCO, justificando a sua posição por considerar o texto “muito moralista e
limitado”, dirigindo sobretudo a incentivar os órgãos de comunicação social a contribuir
para a paz internacional, evitando “propaganda belicista, racista ou do “apartheid”, mas
não sem insistir “suficientemente sobre problemáticas mais complexas.” No entanto, e
apesar de todas as suas limitações, Maria de Lourdes Pintasilgo reconhecia que a
declaração representou “avanços para as aspirações dos países mais pobres” e constituiu
um esforço da UNESCO no sentido de elaborar uma resolução que lhes pudesse ser útil.
33
A resolução acabou por ser aprovada por 144 países, entre os quais Portugal.
O texto da declaração sobre os meios de comunicação social previa o “estabelecimento
de um novo equilíbrio e reciprocidade na circulação da informação.” A este propósito,
Maria de Lourdes Pintassilgo defendeu que o desequilíbrio informativo tinha de ser
corrigido, mediante “uma redistribuição de bens e não considerando o problema como
sendo exclusivo dos países do Terceiro Mundo.” Nas palavras da embaixadora
portuguesa, os órgãos de comunicação social “criam imagens, estereótipos, gostos,
modelos de sociedade, que influem no interior de todas as sociedades, sejam elas quais
forem”
34
. A 14 de novembro de 1978, durante a sua intervenção na UNESCO, Maria de
Lourdes Pintassilgo destacou que os meios de comunicação emergiriam como um novo
poder nas sociedades, transmitindo “modelos sociais, estilos de vida, valores e
comportamentos”, impondo-se, muitas vezes, à identidade cultural preexistente.
No que respeita ao Relatório McBride, redigido por uma comissão presidida pelo irlandês
Seán McBride, tratava-se de um documento que analisava os problemas da comunicação
a nível mundial, identificando, entre outros problemas, o acesso desigual à informação e
à comunicação, e constatado o desequilíbrio dos fluxos de informação entre os países em
desenvolvimento. Maria de Lourdes Pintasilgo considerou o relatório um documento de
“qualidade excecional”, que abordava e retratava os problemas dos meios de
comunicação, bem como defendia as condições para uma nova ordem internacional de
informação. Na sua perspetiva, esta nova ordem de comunicação conduziria a uma
melhor distribuição de recursos e à denúncia do notável desequilíbrio “das possibilidades
32
AHD, CLT, Maço 435, Telegrama de Carlos Jorge Mendes Correia Gago, 23 de outubro de 1978.
33
Expresso, 18 de novembro de 1978, p.8.
34
O Jornal, 30 de novembro de 1978, p.7.
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de comunicação de um pequeno grupo de países.” Segundo a embaixadora portuguesa,
o Relatório McBride reconhecia, que "a comunicação é um problema, em primeiro lugar
porque é tardio, nos seus princípios, nos seus parâmetros e no seu desenvolvimento, em
comparação com as mudanças que o as aspirações que se manifestam na vida política
e socioeconómica de muitos países, bem como no vel internacional.Na sua visão, o
direito de comunicar e de se expressar, livremente, era um ideal democrático ainda por
ser alcançado, devendo ser complementado “pela afirmação de um princípio de justiça
capaz de superar a situação em que uma minoria é a única capaz de informar, emitir e
expressar enquanto a maioria permanece recetora passiva.” A embaixadora portuguesa
considerava ser necessária uma classe profissional que estivesse ao serviço da sociedade
e não de grupos favorecidos, e que essa mesma classe podia existir se pudesse
funcionar “como mecanismo de feedback em relação a qualquer desconforto ou aspiração
do tecido social.” Maria de Lourdes Pintasilgo finalizou a sua intervenção afirmando, que
o Relatório McBride permitiu “conferir substância a uma nova ordem internacional de
informação”, e situou a UNESCO, numa das “suas dimensões fundamentais - ser um
lugar de encontro de culturas e pensamentos”
35
.
1978- 1979: português: língua de trabalho na UNESCO
Os anos de 1978 e 1979 foram marcados no que respeita às relações Portugal-UNESCO,
pela possibilidade de a língua portuguesa se tornar uma das línguas de trabalho da
organização.
A ausência da língua portuguesa na UNESCO era justificada por variadas razões. Antes
do 25 de abril, o isolamento internacional a que Portugal estava sujeito; já no período
democrático, a explicação residia no facto de a diplomacia portuguesa e as suas
delegações nas reuniões internacionais “não estarem sensibilizadas para o problema e
não terem compreendido a sua importância. Apesar de terem sido empreendidas algumas
iniciativas, tinham sempre caráter pontual e pouco coordenadas
36
.
A questão ganhou maior relevo em consequência de uma reunião da UNESCO realizada
na Fundação Gulbenkian, entre 4 a 13 de abril de 1978, sendo esta a primeira vez que a
organização promoveu uma iniciativa de caráter intergovernamental em Portugal, e
recorreu à utilização da língua portuguesa. Não só os discursos inaugurais, como toda a
documentação circulada e produzida no âmbito dessa reunião foi traduzida também em
português.
A realização da reunião em Portugal foi aproveitada para o desenvolvimento de uma
ofensiva pela promoção internacional da língua portuguesa: o Ministro dos Negócios
Estrangeiros deu instruções à missão diplomática junto da UNESCO para requerer a
admissão do português como língua oficial da organização. Acrescentava o Governo
português que a língua “é o veículo indispensável para a divulgação e valorização da
cultura que exprime”. Apesar da ambição portuguesa, entre os obstáculos à adoção do
português como língua oficial na UNESCO encontrava-se a oposição dos Estados que têm
35
AMLP, Pasta 0229.041, Intervention de Madame Pintasilgo, Comission IV. Point 12 (20C/94) Rapport
intérimaire de la Comission Internationale d`étude des problèms de la communication, Paris 14 novembre de
1978, pp. 60 65.
36
Diário de Notícias, 11 de maio de 1978, p.2.
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uma maior contribuição, uma vez que no que respeita às implicações de natureza
financeira, “a comparticipação portuguesa em termos percentuais era de cerca de
0.19%”
37
.
Em nota publicada em 1979, Maria de Lourdes Pintasilgo explicou a sua posição referente
à questão, afirmando que os problemas levantados pela possibilidade da introdução do
português na UNESCO deviam ser considerados “no contexto mais vasto da introdução
de novas nguas nos organismos que constituem o sistema das Nações Unidas.” A
embaixadora portuguesa recordava que no Relatório 104 EX/SR.32, o Conselho Executivo
defendeu a implementação de uma seletividade tanto nos serviços de tradução de
documentos como nos serviços de interpretação disponíveis para conferências e
reuniões.
38
Maria de Lourdes Pintasilgo acrescentava que os serviços linguísticos
absorviam 11% do orçamento da UNESCO e mencionava a noção do efeito
multiplicador” da introdução de uma nova língua: “como cada língua tem de ser traduzida
e interpretada para todas as outras e vice-versa o mero de combinações linguísticas
aumenta consideravelmente com cada nova língua” .
A embaixadora portuguesa elucidava para o problema prático da interpretação
simultânea de uma língua menos divulgada, que por falta de intérpretes fluentes para
todas as outras línguas, são normalmente traduzidas para uma língua corrente (inglês
ou francês), a partir da qual os restantes efetuam a sua interpretação. Maria de Lourdes
mencionava que “todo o acréscimo significativo nos serviços linguísticos já existentes em
organismos das Nações Unidas, ameaçam impor à organização em questão uma carga
administrativa demasiado pesada e desviar recursos de utilizações mais produtivas.” A
embaixadora relembrou ainda, que tendo mencionado na UNESCO, a possibilidade da
língua portuguesa ter o estatuto de língua de trabalho, “devido ao número e a dispersão
geográfica dos que se exprimem em português,” foi indiretamente contestada por
diversas delegações que assinalaram que nem o mero de pessoas que falam uma
língua, nem a variedade geográfica são argumentos válidos, dado que o que está em
causa é a “identidade cultural veiculada pela língua” e que essa pode corresponder a uma
pequena zona do mundo. Como seria esperado, outras delegações, originárias dos países
com quota mais elevada no orçamento, como o caso do Estados Unidos, Suíça, etc.,
declararam que não se justificariam as despesas e não estariam dispostos a contribuir.
Concluía Maria de Lourdes Pintassilgo, que a avaliação das possibilidades de introdução
do português deveria ser feita tendo em conta a situação no conjunto do sistema das
Nações Unidas e “não isoladamente num organismo que pode não ser o mais adequado
à situação conjuntural.” No entanto, existiam outras vias de entrada do português na
atividade dos organismos das Nações Unidas, de que era exemplo a introdução seletiva,
em que a ngua é utilizada apenas em reuniões em determinadas áreas ou em
determinadas publicações, representando encargos administrativos e financeiros
menores que o estatuto de língua de trabalho da organização, e com um alcance e
difusão, certamente, mais amplos. Concluía Maria de Lourdes Pintassilgo, que o avanço
37
AMLP, Pasta 0102.026, Esclarecimento a Requerimento, 8 de março de 1979.
38
AMLP, Pasta 0102.014, Relatório 104 EX / SR 32 sobre as deliberações do Conselho Executivo da UNESCO
sobre o uso de novas línguas dentro dos organismos da ONU, p. 18.
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na utilização do português na UNESCO dependia “ de uma ação cuidadosa e coordenada”
que, “tenha em conta a complexidade da situação e afine os obstáculos existentes”
39
.
A título de curiosidade, a língua portuguesa conseguiu afirmar-se nessa altura em
organismos internacionais importantes: nas reuniões dos órgãos diretores da
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), realizadas, de 25 de setembro
a 3 de outubro de 1979, a Assembleia Geral da Organização aprovou, por unanimidade,
o português como língua de trabalho, autorizando o seu Diretor-Geral, Arpad Bogsch, a
fornecer para esse objetivo a quantia de 90.000.00 francos suíços.
40
Pela primeira vez,
a língua portuguesa foi consagrada como língua de trabalho numa das agências
especializadas do sistema das Nações Unidas. As publicações sobre direito de autor e
sobre direitos de propriedade intelectual chegariam aos novos países africanos de
expressão portuguesa e também ao Brasil em português.
Conclusões
Ao longo do presente artigo avaliou-se o contributo de Maria de Lourdes Pintasilgo
durante o processo de restabelecimento de relações diplomáticas de Portugal com a
UNESCO, em resultado da saída da organização em 1972.
Com a Revolução de abril de 1974, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha a difícil
tarefa de demonstrar à comunidade internacional que Portugal, contrariamente aos anos
de Salazar e Caetano, tornou-se num regime democrático, cuja participação em
organizações internacionais tornou-se um objetivo de enorme relevância, o que incluía,
colaborar ativamente com a ONU e com os organismos de si dependentes, como a
UNESCO, com os quais esteve três décadas em conflito, devido à sua política colonial.
Formalizado o processo de readmissão de Portugal na UNESCO, em setembro de 1974,
a escolha de Maria de Lourdes Pintasilgo para liderar a Missão de Portugal junto da
UNESCO, em Paris foi surpreendente. A delegação portuguesa não teve dificuldades em
comunicar com as restantes delegações dos países membros, com a Embaixadora Maria
de Lourdes Pintasilgo a desempenhar um papel bastante ativo em todos os fóruns da
organização, fazendo sugestões e criticas, inclusive, nos temas mais controversos, de
que são exemplo a questão da liberdade de imprensa, e o Relatório McBride, nas 19ª e
20ª Conferências Gerais da organização Destaca-se ainda a promoção da visita do
Diretor-Geral da organização a Portugal em 1977, da qual resultaram diversas
colaborações entre o governo português e a UNESCO, e financiamento para atividades
de relevo para a cultura e sociedade portuguesas.
O seu mandato foi suspenso, temporariamente, em 1979, aquando do seu afastamento
para desempenhar funções governativas, no cargo de Primeira-Ministra em Portugal,
num governo de iniciativa presidencial que durou apenas cinco meses (agosto de 1979 a
3 de janeiro de 1980).
O novo Governo eleito, a Aliança Democrática, impediram o seu regresso a Paris, não
autorizando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, representando por Diogo Freitas do
39
AMLP, Pasta 0102.006, Nota de Maria de Lourdes Pintasilgo sobre a introdução de novas línguas na UNESCO,
1979, pp. 1-6).
40
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e-ISSN: 1647-7251
VOL. 16, Nº. 2
Novembro 2025-abril 2026, pp. 272-289
Mulheres em Organizações Internacionais: O Caso de Maria de Lourdes Pintasilgo
na UNESCO (1975 -1979)
Raquel Valente dos Santos
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Amaral, que Maria de Lourdes Pintasilgo voltasse a desempenhar as funções na UNESCO
para as quais tinha sido nomeada, alegadamente, com base em questões de confiança
política, decorrentes de divergências ideológicas entre a embaixadora e o novo partido
no poder.
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