África e o discurso de La Baule de François Mitterrand, em 1990, promovendo o fim do
monopartidarismo e abrindo as portas para as conferências nacionais em toda a
francofonia.
Os fatores ligados à problemática identitária atrás expostos, acelerados pelo processo
histórico, vão criar entre duas etnias com origens diferentes as condições para uma visão
genocida, como é exemplificado pelo Ruanda.
A "revolução Hutu" desencadeou um enquadramento propício para a diáspora e a
ostracização da minoria Tutsi, perante fronteiras porosas em que os refugiados de ambos
os lados circulam pelo Ruanda, Uganda, Burundi ou República Democrática do Congo.
Neste contexto, em abril de 1994, o abate do avião que transportava o Presidente Hutu
(J. Habyarimana) foi apenas um pretexto para a criação de um ambiente propício ao
"poder Hutu" das milícias Interahamwe e ao começo do genocídio, com a morte de quase
1 milhão de pessoas em cerca de dois meses.
Existem várias interpretações acerca do que se passou naquelas trágicas semanas:
visões oficiais de vitimização Tutsi chegando a comparar o grupo étnico à sorte dos
judeus durante o Holocausto, na sequência da propaganda difundida pela FPR após o
genocídio (Braeckman, 1994; 1996), ou ainda a ideia do duplo genocídio (Péan, 2010 e
Rever, 2020, entre outros), logo apelidada pelo discurso oficial como "negacionista". A
própria missão humanitária da Operação Turquoise foi considerada pela visão oficial
como uma farsa, uma forma de proteger e deixar fugir os genocidas.
Os acontecimentos posteriores vão fazer vacilar os "factos" da versão oficial. Em 1996,
a Frente Patriótica do Ruanda (FPR) invade o Leste da República Democrática do Congo,
um ano depois a Alliance of Democratic Forces for the Liberation of Congo (AFDL), de
Laurent Kabila, entra vitoriosa em Kinshasa. Em outubro de 1997, o Partido Congolês do
Trabalho (PCT) retoma o poder em Brazzaville pela força das armas e com o apoio de
tropas regulares angolanas.
Entretanto, entre 1998 e 2003, deu-se o maior conflito armado de África, em que
participaram oito estados e cerca de vinte e cinco movimentos armados, e que provocou
cerca de cinco milhões de mortos. Estava aberta a porta para a balcanização da República
Democrática do Congo. Movimentos como o Rally for Congolese Democracy-Goma (RCD-
Goma) ou o The March 23 Movement (M23, atualmente quase extinto), entre outros,
continuaram a disseminar o terror por províncias como o Kivu ou o Kasai.
As voltas e reviravoltas da geopolítica também desempenharam o seu papel.
Durante os anos noventa, como assinalado anteriormente, assistimos a uma relação
diplomática e política algo conturbada entre os dois principais atores extracontinentais
intervenientes, isto é, foram os anos difíceis da coexistência entre Washington e Paris
(Tedom, 2015: 24-37).
Na viragem do século, Brasil, Rússia, Índia, China e Africa do Sul ( BRICS) começam a
ganhar protagonismo, especialmente evidente no caso da China, após a adesão à
Organização Mundial do Comércio. A “sede” de matérias-primas por parte de Pequim
levou a uma nova abordagem para os países da África Central, a chamada relação
"ganhador-ganhador", resumidamente, a capacidade de assegurar recursos essenciais
para o crescimento do dragão asiático em troca de infraestruturas.