OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL. 16, Nº. 1
Maio-Outubro 2025
468
MEIO AMBIENTE E ECONOMIA DE COOPERAÇÃO NA TRÍPLICE FRONTEIRA
AMAZÔNICA. O CASO DO POVO TIKUNA NO BRASIL, COLÔMBIA E PERU
JACKSON BENTES
Jackson.bentes@lasalle.org.br
Investigador de Pós Doutoramento em Relações Internacionais no OBSERVARE-Universidade
Autónoma de Lisboa. Pós-Doutor em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília. Graduado em Filosofia (Bacharelado
e Licenciatura) pela Universidade La Salle de Canoas, RS. Diretor Geral da Faculdade La
Salle/Manaus (Brasil). Diretor do Centro Educacional La Salle. Docente da disciplina "Ética",
"Educação" e "Filosofia" do UNILASALLE/Lucas. Membro do grupo de Pesquisa da Universidade La
Salle-Canoas/RS. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes
temas: Filosofia, Ética e Filosofia da Educação, História da Educação. Avaliador do BASis.
http://lattes.cnpq.br/8595759894540190
BRÍGIDA BRITO
bbrito@autonoma.pt
Professora Associada, Coordenadora do Mestrado em Relações Internacionais, Subdiretora do
Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa e do
OBSERVARE-UAL (Portugal). É investigadora integrada o IPRI-Nova. Doutora e Mestre em
Estudos Africanos, Socióloga com Pós Doutoramento concluído sobre temáticas socioambientais
desenvolvido no Centro de Estudos Africanos do ISCTE-IUL. Consultora na elaboração de
diagnósticos prévios e avaliação de projetos de cooperação para o desenvolvimento, colaborando
com entidades públicas, organizações da sociedade civil portuguesas e africanas, e organizações
internacionais, entre as quais o Banco Mundial. Os seus interesses de investigação são
enquadrados pela relação socioambiental, os impactos sociais e humanos das alterações
climáticas e a sustentabilidade. https://orcid.org/0000-0002-1683-5593
Resumo
O artigo resume um estudo em curso sobre tribos indígenas da Amazônia e a forma como
estas superam os desafios, desde a preservação ambiental até a sustentabilidade das
comunidades. O problema formulado tem o intuito de compreender os impactos
socioambientais e culturais emergentes da denominada "economia de cooperação" dos
Tikunas e os fluxos econômicos globais na fronteira Brasil-Colômbia-Peru. É abordado como
essa relação gera conflitos e adaptações, mas também reconfigura territórios em meio à
preservação da floresta. O objetivo é analisar a intercepção entre a “economia de cooperação"
e a exploração econômica que ocorre na tríplice fronteira da Amazônia (Brasil-Colômbia-Peru),
reconfigurando dinâmicas socioambientais e culturais, determinando os mecanismos de
adaptação, resistência e conflitos diante das pressões internacionais que afetam a governança
territorial. A pesquisa, de caráter exploratório, segue uma abordagem multidisciplinar que
associa perspectivas das relações internacionais, ecologia e economia, valorizando uma
epistemologia indígena. Foi seguida uma investigação bibliográfica e estudo de campo através
do método qualitativo de análise. Para prossecução dos fins de análise da interação entre a
preservação ambiental, os hábitos de vida Tikunas e as necessidades econômicas locais, foram
utilizadas técnicas como o inquérito e o estudo de campo. Os primeiros resultados favorecem
a compreensão dos conflitos entre expansão económica e manejo da floresta amazónica no
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meio de complexidades inerentes à gestão sustentável de terras de preservação, respeitando
culturas indígenas e desafios económicos regionais.
Palavras-chave
Emancipação, Libertação, Resistência, Sahara Ocidental, Mulheres.
Abstract
The article summarises an ongoing study of indigenous tribes in Amazonia and how they
overcome challenges that include environmental preservation and community sustainability.
The problem formulated aims to understand the socio-environmental and cultural impacts
emerging from the Tikunas' so-called “economy of cooperation” and global economic flows on
the Brazil-Colombia-Peru border. It looks at how this relationship generates conflicts and
adaptations, but also reconfigures territories in the midst of forest preservation. The aim is to
analyse the interception between the ‘economy of cooperation’ and economic exploitation that
takes place on the triple frontier of the Amazonia (Brazil-Colombia-Peru). This reconfigures
socio-environmental and cultural dynamics, determining the mechanisms of adaptation,
resistance and conflict in the face of international pressures that affect territorial governance.
The research, which is exploratory in nature, follows a multidisciplinary approach that
combines perspectives from international relations, ecology and economics, valuing an
indigenous epistemology. A bibliographical research and field study were carried out using the
qualitative method. In order to analyse the interaction between environmental preservation,
Tikuna lifestyles and local economic needs, techniques such as surveys and field studies were
carried out. The initial results favour an understanding of the conflicts between economic
expansion and management of the Amazon rainforest within the complexities inherent in the
sustainable management of preservation lands, respecting indigenous cultures and regional
economic challenges.
Keywords
Tikuna peoples, Amazonia, economy of cooperation, environmental preservation, Triple
Frontier.
Como citar este artigo
Bentes, Jackson & Brito, Brígida (2025). Meio Ambiente e Economia de Cooperação na Tríplice
Fronteira Amazônica. O Caso do Povo Tikuna no Brasil, Colômbia e Peru. Janus.net, e-journal of
international relations. VOL. 16, Nº. 1. Maio-Outubro 2025, pp. 468-488. DOI
https://doi.org/10.26619/1647-7251.16.1.21.
Artigo recebido em 2 de fevereiro de 2025 e aceite para publicação em 17 de março de
2025.
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MEIO AMBIENTE E ECONOMIA DE COOPERAÇÃO NA TRÍPLICE
FRONTEIRA AMAZÔNICA. O CASO DO POVO TIKUNA NO
BRASIL, COLÔMBIA E PERU
JACKSON BENTES
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[Cooperação] Ajudei meu irmão a escalar uma montanha, e no
final percebi que também cheguei ao topo.
Autor desconhecido
Introdução
A preservação da Amazônia constitui um desafio global que demanda a articulação e a
cooperação entre as comunidades locais e a comunidade internacional.
Costa (1992 apud Oliveira e Mondardo, 2014) aponta uma questão comum vivida na
tríplice fronteira, também denominada de trapézio amazônico, que liga o Brasil, a
Colômbia e o Peru. Independente de suas nacionalidades, as comunidades locais tendem
a manter vivos os laços e os elementos identitários que possuíam como lugares de cultura
de origem.
A preservação e a proteção da biodiversidade da Amazônia requerem ações coordenadas
entre os diferentes atores, nomeadamente os Tikunas, o governo e as instituições
envolvidas. Desta forma, a concertação possibilita desenhar um arcabouço estratégico
para o desenvolvimento de políticas públicas integradas promovendo um equilíbrio entre
o crescimento econômico, a inclusão social e a sustentabilidade. Este entendimento
ganha relevo em um ano em que o Brasil recebe a Conferência das Nações Unidas sobre
as Mudanças Climáticas, a COP30
1
.
1
O Brasil se prepara para sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada
em Belém (PA), em novembro de 2025. Disponível em: https://cop30nopara.com.br/ [consultado em 31 de
março de 2025].
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Agregando esse eixo estratégico aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), estabelecidos pela Agenda 2030
2
da Organização das Nações Unidas (ONU),
foram definidos quatro ODS ambientais diretos e pelo menos três ODS relacionados com
as temáticas ambientais
3
.
Como ressalta Lima (2020, n.p.), a vasta biodiversidade da região amazônica torna a
sua conservação uma prioridade para o equilíbrio ecológico mundial. Os recursos naturais
da Amazônia, são ameaçados a cada ato humano de degradação do ambiente. Por outro
lado, fragilizam a vida dos povos que vivem na e da floresta, inviabilizando práticas
econômicas sustentáveis e modos de vida dos povos autóctones, impedindo que estes
desempenhem um papel crucial na sustentabilidade e vivência harmônica com a floresta.
O presente artigo apresenta resultados provisórios decorrentes de um projeto de
investigação que visa compreender as dinâmicas criadas através das vivências dos
Tikunas no meio ambiente. O papel do povo Tikuna na conservação da biodiversidade é
o pressuposto da pesquisa tendo presentes as pressões dos grupos econômicos
interessados em explorar as riquezas dos subespaços amazônicos com o mundo
globalizado em um movimento de “fluidez territorial” (Arroyo, 2001)
4
. Conforme Arroyo
(2001) as ações modernizantes trazem consigo, a reboque, naturais crises de transição
e suas consequentes repercussões espaciais, na tríplice fronteira. Esta é uma região na
qual existe o “livre acesso” para os povos da região, em especial indígenas, à informação
e ao capital, onde se estabelecem relações de “livre comércio” e, também de cooperação.
Albert e Kopenawa (2010) discutiram sobre o impacto das políticas ambientais e
econômicas dos povos indígenas na Amazônia, que não gozam do devido cuidado, o que
compromete o seu desenvolvimento, mas também do bioma que abriga uma
biodiversidade inigualável. A floresta exerce um papel crucial na regulação climática
global, gerando equilíbrios socioambientais.
O problema de pesquisa busca compreender como se articulam os impactos
socioambientais e culturais decorrentes da relação entre a economia de cooperação dos
povos Tikunas, ancoradas em modos de subsistência, e os fluxos econômicos globais na
tríplice fronteira amazônica (Brasil-Colômbia-Peru). Decorrentes desta relação
configuram-se conflitos, adaptações e reconfigurações territoriais em um contexto de
preservação da Amazônia.
O objetivo do artigo é analisar como a intersecção entre a economia da cooperação da
comunidade Tikunas e a descoberta econômica na tríplice fronteira amazônica
reconfigura as dinâmicas socioambientais e culturais, averiguando os mecanismos de
adaptação, resistência e conflito contra as pressões internacionais que infundem a
governança territorial.
2
A Agenda 2030 (2015-2030) foi acordada e estabelecida na Cimeira de Nova Iorque de 2015 aquando do
balanço sobre os resultados da implemetação dos antecessores Objetivos de Desenvolvimento do Milénio
(2000-2015).
3
Os ODS ambientais são o referente à água potável e saneamento, o 13º respeitante à ação climática, o
14º centrado na vida marinha, e o 1vocacionado para a vida terrestre. Paralelamente, os ODS7 sobre
energias renováveis e acessíveis, o ODS11 sobre cidades e comunidades sustentáveis, e o ODS12 sobre
produção e consumo sustentáveis relacionam-se com temáticas ambientais.
4
In Arroyo (2001), entendido com a qualidade dos territórios nacionais que permite uma aceleração cada vez
maior dos fluxos que o estruturam, do conjunto de objetos concebidos para garantir o movimento, como
acontece na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
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E, como objetivos específicos, é proposto:
a) estudar o efeito das atividades econômicas, tais como o agronegócio, a mineração e
o desmatamento, sobre as comunidades indígenas e o ambiente;
b) estudar as práticas de uso e conservação sustentável dos recursos naturais
desenvolvidas pelos Tikunas; e
c) estudar as políticas regionais e as ações internacionais, como a Agenda 2030 e os
ODS, para a conservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável das
comunidades Tikunas.
Metodologicamente, a pesquisa exploratória permitiu a coleta de dados recolhidos na
aldeia indígena e uma conceituação multidisciplinar do problema de pesquisa,
incorporando ideias dos campos das Relações Internacionais, Antropologia, Ecologia e
Economia. Uma epistemologia indígena foi valorizada, seguida de revisão bibliográfica
com análise crítica e trabalho de campo.
Sustentado em Elman (2005), foi adotado o emprego de "tipologias explicativas" como
ferramenta metodológica de pesquisa qualitativa em política internacional. A sugestão
de Figueiredo Filho (2019) é a escolha dos modelos adequados à interpretação crítica
dos resultados. Na obra "A interpretação das culturas" (Geertz, 1978) é apresentado o
conceito de "descrição densa (thick description), como interpretação cultural voltada
para a análise da interpretação dos símbolos e dos significados encaixados na prática
social.
Entre as técnicas utilizadas, destacam-se:
a) a entrevista semiestruturada a membros da comunidade Tikuna e outros atores que
desenvolvem trabalho com os indígenas enquanto representantes de organizações
ambientais e religiosas;
b) a análise documental de políticas públicas e acordos internacionais relacionados com
a preservação da Amazônia;
c) o trabalho de campo que incluiu a observação in loco das condições ambientais e
sociais nas áreas de fronteira, nomeadamente visitas ao território Tikuna e às áreas
desmatadas.
O artigo inicia com a apresentação da metodologia, objetivos e abordagem do problema
que reflete as interseões cotidianas na fronteira Brasil-Colômbia-Peru. E, finalmente, o
povo Magüta (Tikunas) é introduzido a partir da "tradição da criação", os elementos da
cultura e da identidade, entre os quais a língua e sua relação com a terra, que esta
última é concebida como a casa sagrada para este povo ameríndio que habita as terras
da região amazônica sem fronteiras demarcatórias
5
.
5
“Em termos de suas propriedades específicas, a língua Ticuna apresenta pontos em comum com algumas
outras línguas indígenas faladas no Brasil, ao mesmo tempo que oferece características desafiadoras, quer
quanto à fonologia, quer quanto à fonologia quer quanto à sintaxe” (Soares, 2008, n.p.). [...] o Ticuna é
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Dado ser um modelo de referência internacional em relação aos Objetivos e metas, é
apresentada a Agenda 2030. Os ODS podem ser entendidos como uma proposta para o
desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental,
colocando os povos Tikunas como colaboradores para a proteção dos ecossistemas
terrestres. Em seu contexto, o ODS15 que se dedica à proteção dos ecossistemas
terrestres (United Nations, 2015) ganha relevância na análise. Por fim, é exposta a
aplicação de políticas públicas locais e das iniciativas globais como a Agenda 2030.
Uma investigação in loco foi usada para aprender mais sobre o estilo de vida deste grupo,
práticas e uso sustentável dos recursos naturais disponíveis. A economia de cooperação
dos Tikunas é primordial para garantir a sustentabilidade da floresta, pois é baseada no
uso sustentável dos recursos naturais.
O direcionamento investigativo que envolve o meio ambiente e os povos indígenas,
objetiva analisar a intersecção entre a economia de cooperação
6
e a exploração
econômica na tríplice fronteira amazônica. O conhecimento desta realidade se faz por
meio de uma aprendizagem sobre andar nas trilhas amazônicas com olhar atento à
natureza, ampliando o entendimento a respeito do modo de vida dos Tikunas.
1. Fatores antropogênicos no sobreuso da natureza
A relação socioambiental é ancestral atendendo ao facto de que a natureza, na vertente
dos espaços e dos recursos, sejam vivos ou inertes, de fauna ou de flora, sustenta a vida
humana. É na natureza que as comunidades encontram fontes de subsistência,
utilizando-as para a transformação produtiva e para a rentabilização econômica. Esta
relação não parece ser um problema, já que tem acompanhado a vida humana ao longo
dos tempos.
A preocupação surge sempre que a interação entre as populações humanas, nas
múltiplas formas de intervenção individuais, comunitárias, corporativas e empresariais
ou estatais, nacionais, regionais ou internacionais resultam em modelos de atuação
ambientalmente intrusivos. Tendencialmente, estes geram desequilíbrios ameaçando a
sustentabilidade
7
, em particular na perspectiva do longo prazo.
Paul Crutzen e Eugene Stoemer exploram o conceito de “The Age of Humans” a propósito
da abordagem do Antropoceno, traduzida na conceção de que,
O mundo entrou numa nova era geológica, a do Antropoceno, que
significa época da dominação humana. Representa um novo período da
história do Planeta, em que o ser humano se tornou a força impulsionadora
da degradação ambiental e o vetor de ões que o catalisadoras de uma
provável catástrofe ecológica (Crutzen e Stoemer, 2000, n.p.).
importante para o conhecimento das línguas naturais e para a compreensão da história dos povos e das línguas
indígenas faladas no Brasil.
6
A denominação “economia de cooperação” respeita às atividades praticadas em conjunto pelos Tikunas em
prol do grupo, tais como a agricultura de subsistência, a caça, a pesca e o artesanato.
7
A sustentabilidade é aqui assumida em consonância com os princípios apresentados e defendidos no Relatório
Brundtland (Brundtland [1987], 1991), a saber a interdimensionalidade sistémica e a solidariedade
intergeracional.
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Este é o período que foi iniciado com a Revolução Industrial (Maldonado, 2017; Crutzen,
2002) e que, ao longo do tempo, foi potenciado pela expansão econômica, o que também
permite associar o conceito mais recente de Capitaloceno, largamente desenvolvido por
Andreas Malm (2020; Arons, 2020). Nestas abordagens, o mundo do capital, entendido
como decorrente da ação empresarial e corporativa sobrepõe-se aos interesses da
natureza, utilizando-a muitas vezes sem planeamento, degradando-a e contribuindo para
a esgotabilidade de partes ou do todo, eventualmente com um sentido irreversível.
Os ecossistemas vulneráveis, ora identificados com endemismos, ora associados a meios
naturais intensamente procurados pela atividade extrativa, transformadora e
exportadora são os mais afetados pela intervenção humana não planeada. Estes são os
casos das bacias hidrográficas dotadas de minerais rentistas como por exemplo o ouro
objeto do garimpo, ou das florestas densas e tendencialmente tropicais que revestem
extremo interesse para o setor madeireiro dada a existência de madeiras nobres e
árvores centenárias e de grande porte que garantem elevadas margens de rentabilidade.
Ainda que envolvendo planeamento no uso, a percepção de que existem limites
planetários é cada vez mais uma realidade no seio da comunidade científica. Will Steffen
et al (2015) desenvolveram esta abordagem alertando para os riscos inerentes. Este
conceito oferece um enquadramento que permite definir as zonas de fronteira entre o
equilíbrio planetário e o risco socioambiental a partir da identificação e caracterização de
nove indicadores
8
.
Atualmente, e por referência ao ano de 2023, dos nove limites planetários identificados,
seis foram ultrapassados encontrando-se em situação de risco. De uma forma geral, pode
considerar-se que, a nível mundial, quatro destes limites planetários estão diretamente
relacionados com os impactos socioambientais. As implicações geradas para as
comunidades que vivem na dependência do meio natural resultam impactantes, não
sendo fácil nem imediata a sua reversão. Desta forma, considera-se que as mudanças
climáticas, as alterações no uso do solo, os modelos de utilização da água doce, incluindo
a quantidade, e a integridade da biosfera no sentido genético e funcional são as
dimensões que produzem implicações diretas na vida das comunidades locais. Estas
quatro dimensões afetam diretamente os modelos de vida comunitários, em particular
se forem consideradas comunidades vulneráveis pela ancestralidade e tradição na
relação que estabelecem com os espaços naturais e com os recursos. De ressaltar que,
aparentemente, as populações indígenas são as que sentem os impactos dos limites
8
Os nove limites planetários considerados são as mudanças climáticas, com destaque para a contínua subida
da temperatura do ar e do mar, os eventos climáticos extremos e a sua frequência; a incorporação de novas
entidades, em que se enquadram os organismos geneticamente modificados e os microplásticos; a destruição
do ozono atmosférico com o agravamento do buraco na camada de ozono; o carregamento de aerossóis
atmosféricos, nomeadamente a contaminação da atmosfera por aerossóis produzidos por humanos ou as
micropartículas resultantes da queima de combustíveis fósseis e dos incêndios florestais; a acidificação dos
oceanos, destacando-se o agravamento do branqueamento dos corais com possibilidade de extinção em
algumas regiões do mundo; os fluxos bioquímicos, incluindo os ciclos do fósforo e do nitrogénio com uso
excessivo de fertilizantes químicos no solo; o uso da água doce, definido como recurso vital, sofrendo pressão
por parte da agricultura intensiva, pastagens e criação de gado; a integridade da biosfera, do ponto de vista
genético e funcional; e a mudança no uso do solo, traduzida pela transformação de florestas, terrenos de
pastagem e pântanos que passam a ser utilizados para agricultura intensiva e pecuária após ações de
desflorestação. Disponível online em: https://www.science.org/doi/10.1126/science.1259855 [consultado em
31 de março de 2025].
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planetários de forma mais direta, que são as que mantêm uma relação estreita com
os espaços e os recursos, deles dependendo.
2. Os guardiões da floresta: resistência às intervenções da
modernidade
O povo Magüta é também conhecido como Ticuna ou Tikuna
9
. Os Tikunas são um dos
grupos indígenas mais numerosos da Amazônia
10
, povo ameríndio que habita a região
fronteiriça entre o Trapézio Amazônico: Brasil (57.571), Colômbia (8.000) e Peru
(6.982), totalizando mais de 72.553 nativos
11
.
De La Rosa (2000, p. 296) descreve sobre a situação social-histórica destes povos que
lhes foi imprimida pelos brancos, como “natural” e fruto de um castigo divino
12
.
Ao longo de gerações, esses grupos têm desempenhado um papel central na proteção
da floresta amazônica, construindo modos de vida sustentáveis com base no uso dos
recursos naturais. O ambiente onde os Tikunas vivem, incorporando práticas
sustentáveis de terra em seu modo de vida tradicional, é um modelo de coexistência
harmônica com a natureza que deve ser cuidadosamente aprendido.
Nas aldeias ou comunidades, as práticas tradicionais de manejo sustentável dos recursos
naturais não são mais comuns, as plantações dão lugar aos alimentos industrializados.
Posey (1999) destaca que o conhecimento cultural e espiritual dos povos indígenas é
essencial para a preservação da biodiversidade. Entre os Tikunas, a distribuição de áreas
de cultivo, a valorização de espécies nativas e o manejo sustentável dos recursos naturais
são práticas que garantem a subsistência das famílias gerando um equilíbrio ecológico.
O grande repto que se instaurou às comunidades dos Tikunas residentes na tríplice
fronteira consiste em como enfrentar os desafios severos decorrentes de atividades de
devastação que ameaçam essa coexistência harmônica com a “mãe natureza”. Essa
relação é, pois, ameaçada pela pressão de atividades como o desmatamento
13
, a
mineração e a expansão do agronegócio, que colocam em risco tanto a floresta como as
próprias comunidades.
9
Cf. Museu Nacional/UFRJ (1985, p. 67-68). Merece destaque a origem da criação do povo Magüta, contada
pelos anciãos, que Ngutapa, o Deus da criação, existia antes de todos, não tendo pai ou mãe.
10
Estudos Tikuna. Outras denominações do Povo da língua Ticuna. “A maior concentração da população Tikuna
ocorre no grupo de pessoas entre 5 e 29 anos, o que representa aproximadamente 58% do total. Se somarmos
a este valor o de pessoas com menos de 5 anos, a percentagem sobe para 70,5%, dados que nos permitem
constatar que esta localidade é maioritariamente constituída por jovens e crianças(Nosso Povo, s.d., p. 02).
11
Cf. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Ticuna [consultado em 31 de março de 2025] constituem o maior
grupo indígena do país.
12
Cf. De La Rosa (2000) sobre o mito da queda dos Ticuna “cuenta que los primeros seres humanos, los
magüta, eran poderosos e inmortales pero se convierten en mortales y pierden sus poderes al apartarse de las
leyes tradicionales, instituídas por el dios Yoi. Como consecuencia de esa pérdida de su condición semidivina
pero También como otra forma de castigo los mnagúta, ya convertidos en los ticuna, son dominados por los
blancos”.
13
O desmatamento, a exploração madeireira e os incêndios florestais associados aos eventos de El Niño cada
vez mais frequentes e intensos, poderão aumentar significantemente as emissões de carbono oriundas de
mudanças no uso do solo (Moutinho, 2006). Disponível em: https://ipam.org.br/entenda/como-o-
desmatamento-contribui-para-as-mudancas-climaticas/ [consultado em 31 de março de 2025]
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Na tríplice fronteira
14
, a língua ticuna destaca-se como parte do patrimônio cultural
imaterial
15
a ser protegido, dada a importância de salvaguardar a biodiversidade e o
legado cultural dos povos que vivem em harmonia com a floresta. Nesse contexto, a
preservação da cultura, das tradições e dos costumes dos povos indígenas é fundamental
para o equilíbrio ambiental. Diferente dos modelos de exploração intensiva que têm
gerado grandes impactos ambientais na região, as práticas tradicionais dos povos
indígenas baseiam-se no respeito e no entendimento dos ciclos naturais da
biodiversidade e da interdependência entre os seres vivos.
Os povos indígenas são, portanto, guardiões da fronteira e atores essenciais para a
preservação da Amazônia. Eles habitam vastas áreas de floresta e possuem
conhecimentos ancestrais que promovem uma convivência harmônica com a natureza. A
rotação de áreas de cultivo, a utilização de técnicas de manejo sustentável e a valorização
de espécies nativas são exemplos de práticas que garantem a preservação dos
ecossistemas, ao mesmo tempo que oferecem subsistência para as comunidades
16
.
2.1. O Povo Tikuna: entre a preservação e a exploração da floresta
A floresta amazônica é, para os Tikunas, não apenas uma localização geográfica, mas
um lar sagrado e fonte de sustento espiritual e material. Em seu estudo, Da Silva et al
(2020) descobriram que a vegetação da Amazônia é essencialmente composta de floresta
ombrófila tropical densa e pluvial, floresta ombrófila aberta e campinarana.
Estes padrões florestais são favoráveis à proteção, caça e outras práticas dos Tikunas,
enraizadas em um conhecimento ancestral sobre a terra, a biodiversidade e os ciclos
naturais. Paralelamente, oferecem um modelo eficaz em prol da sustentabilidade. As
práticas desenvolvidas contrastam fortemente com as atividades econômicas predatórias
de empresas multinacionais e que promovem o desmatamento e a exploração de ouro
17
,
com uso de mercúrio, além de outros produtos que têm causado danos ao meio
ambiente.
O cenário atual da Amazônia é marcado por rápidas mudanças globais, testemunhadas
pelo crescimento das atividades econômicas e pela exploração dos recursos naturais. O
crescimento dessas atividades extrativas ou exploratórias necessita de uma análise
crítica da inter-relação entre o meio ambiente, a economia e os povos indígenas. Essas
dinâmicas socioeconômicas e ambientais provam que a sustentabilidade da Amazônia
não será alcançada sem o envolvimento ativo dos povos indígenas.
O povo Tikuna não apenas desempenha um papel crucial na salvaguarda da
biodiversidade da Amazônia, mas também enfatiza o imperativo de adotar e implementar
14
A situação de fronteira conjugada com o fluxo migratório intenso fez com que municípios construíssem as
suas relações socioeconômicas ao longo dos anos. Este é o caso do município de Leticia, na Colômbia, e da
cidade de Tabatinga, no Brasil, ou o município de Puerto Nariño, na Colômbia, e a cidade de Caballo Cocha, no
Peru (Hayashi, 2020; Observatório Regional Amazônico, 2000, p. 2) Disponível em:
https://oraotca.org/pt/povosindigenas/ [consultado em 31 de março de 2025]
15
A este respeito, é de notar como referido na nota 5 que a língua Ticuna apresenta aspetos comuns com
outras línguas indígenas brasileiras.
16
Estes elementos foram observados no decurso da pesquisa no terreno e confirmados pelas entrevistas
realizadas.
17
O garimpo é uma prática que, mais do que local ou comunitária, tem vindo a ganhar relevo através da
atividade de grupos organizados.
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políticas que levem em consideração as realidades locais e mundiais. Fortalecer suas
práticas e garantir seus direitos territoriais são ações essenciais para a preservação da
floresta, tornando-se uma peça-chave para atingir as metas estabelecidas e promover o
equilíbrio socioeconômico-ambiental.
O papel dos povos indígenas vai além de uma mera resistência cultural. Eles o agentes
centrais na preservação ambiental, contribuindo para o equilíbrio ecológico e para a
mitigação das mudanças climáticas através das suas atividades de preservação do
ecossistema florestal e consequente conservação de espécies. A compreensão desse
complexo de inter-relações entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade exige
uma abordagem integrada e sistémica que reconheça o valor do conhecimento tradicional
indígena, integrando-o nas políticas públicas e em projetos de preservação.
Cunha (2009) argumenta que a cultura indígena, muitas vezes subestimada nas políticas
públicas de conservação, contém saberes fundamentais para a preservação ambiental.
As terras indígenas, quando devidamente protegidas, são mais eficazes na conservação
da biodiversidade do que as áreas de preservação administradas exclusivamente pelo
Estado (Brush, 1993).
Desta forma, promover o equilíbrio entre um crescimento econômico e a preservação da
floresta na região amazônica faz-se necessário e urgente. As práticas de uma “economia
de cooperação” na agricultura de subsistência, na caça e pesca e no artesanato usadas
pelos indígenas para seu sustento mostram-se fragilizadas em um ambiente manipulado
por atividades predatórias, que invadem as suas terras e se apropriam dos recursos
naturais.
2.2. A floresta dos Tikunas, o lar sagrado
A preservação da floresta na Amazônia é uma tarefa das mais desafiadoras para a
sociedade brasileira, que requer a colaboração entre sociedade, governo e o homem
amazônico, devendo-se incluir, nesta tarefa, as instituições internacionais que possuem
interesse nas riquezas amazônicas.
O desmatamento que ocorre na região soma-se à arrebatadora mineração, às mudanças
climáticas, aos incêndios florestais e às atividades ilegais. Não obstante, aos esforços do
Governo Brasileiro ao implementar projetos como o Plano Amazônia: Segurança e
Soberania (AMAS)
18
.
O AMAS mostra o compromisso por parte do Governo Brasileiro em contemplar os 17
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, corroborando para que se constitua como
um arcabouço normativo para o desenvolvimento de políticas voltadas à proteção
ambiental, à redução das desigualdades e à promoção de práticas econômicas
sustentáveis.
18
O AMAS é uma das principais estratégias de implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do
Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e foi instituído com o objetivo fortalecer presença do Estado na
Região Amazônica e intensificar o combate a crimes ambientais e conexos. [Consultado em 02.11.2024].
Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2024/06/plano-amazonia-
seguranca-e-soberania-sera-fortalecido-com-injecao-de-r-318-milhoes [consultado em 31 de março de 2025]
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De forma particular, o Povo Tikuna tem concordância com o ODS15, que visa “assegurar
a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce
interiores e seus serviços, em especial florestas, zonas úmidas, montanhas e terras
áridas, em conformidade com as obrigações decorrentes dos acordos internacionais”
(United Nations, 2015, n.p.).
Ao assumir como meta até 2030, o Brasil mostra compromisso para conservar as Áreas
de Preservação Permanente (APP), Reservas Legais (RLs) e terras indígenas como
vegetação nativa. A floresta dos Tikunas é a área mais atingida pela falta de efetividade
das políticas governamentais e os povos indígenas os mais prejudicados.
O que se constata é que, nos últimos anos, o Brasil não vem cumprindo com seu
compromisso de usar os sistemas de preservação como Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC), Áreas de Preservação Permanente (APPs), Reservas Legais
(RLs) e outras categorias
19
, para preservar - inclusive - os 30% das terras indígenas da
Amazônia, necessitando de medidas urgentes para cumprir a meta. A necessidade de
políticas nacionais e dos compromissos internacionais, tais como o Acordo de Paris,
devem cada vez mais estar em consonância entre si e serem postos em prática.
É preocupante que os povos indígenas, no caso os Tikunas e as comunidades ribeirinhas,
definidas como o homem amazônico, habitantes das áreas de fronteira entre o Brasil,
Colômbia e o Peru, margem das cidades de Tabatinga, Letícia e Ilha de Santa Rosa
(cf. Mapa 1), tenham que conviver diariamente com os impactos gerados pelo avanço de
atividades predatórias como o desmatamento, a exploração madeireira, mineração,
agricultura extensiva e pecuária, além dos incêndios provocados por grupos criminosos.
Com aborda Castro (2002, p. 162) em A Inconstância da Alma Selvagem", o
pensamento do povo indígena segue uma cognição distinta do homem ocidental,
principalmente nesta relação com a natureza. Para o autor trata-se de um modo de
pensar intrigante e inovador que é exemplificado na caracterização e recursiva do
dualismo e da formulação internacionalizante e autorreferencial do ameríndio.
A relação dos Tikunas com a natureza é uma vivência que fortalece a sua cultura e, a
partir dos recursos naturais obtêm tudo o que é necessário para a sobrevivência e o bem-
estar da comunidade indígena. Esta dinâmica se aloca no que Castro (2002) chama de
“luta contra os automatismos intelectuais de nossa tradição”.
Para os Tikunas, a floresta também é fonte de conhecimento espiritual, o que quer dizer
que, para eles, uma relação simbólica que transcende o mundo material, fazendo
parte de um complexo sistema de consolidação no qual a natureza e os espíritos
interagem diretamente no cotidiano do povo. Esse respeito pela natureza é uma lição
valiosa na era das mudanças climáticas e do desmatamento. Os Tikunas têm um modelo
19
Até 2020, serão conservadas, por meio de sistemas de unidades de conservação previstas na Lei do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e outras categorias de áreas oficialmente protegidas como Áreas
de Preservação Permanente (APPs), Reservas Legais (RLs) e terras indígenas com vegetação nativa, pelo
menos 30% da Amazônia, 17% de cada um dos demais biomas terrestres e 10% de áreas marinhas e costeiras,
principalmente áreas de especial importância para biodiversidade e para serviços ecossistêmicos, assegurada
e respeitada a demarcação, regularização e a gestão efetiva e equitativa, visando garantir a interligação,
integração e a representação ecológica em paisagens terrestres e marinhas mais amplas. Disponível em
www.ipea.gov.br [consultado em 31 de março de 2025].
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de existência sustentável que contrasta com o uso explorador dos recursos florestais por
empresas ou grupos estrangeiros que estão invadindo a floresta amazônica.
Mapa 1. Diagnóstico socioambiental da tríplice fronteira: Tabatinga (Brasil), Letícia (Colômbia) e
Santa Rosa (Peru).
Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Localizacao-da-triplice-fronteira-entre-
Tabatinga-Brasil-Leticia-Colombia_fig31_358686796 [consultado em 31 de março de 2025]
A floresta amazônica é mais do que uma área geográfica para os Tikunas (cf. mapa 2),
é a terra natal do gênero sagrado e o suporte material e espiritual deste grupo. Eles têm
um uso costumeiro dos recursos em combinação com o ecossistema, o que revela um
amplo conhecimento da biodiversidade. Esse respeito em relação à natureza é uma lição
importante em tempos de mudanças climáticas e destruição ambiental, pois os Tikunas
apresentam um modelo de vida sustentável que contrasta com o uso predatório dos
recursos amazônicos por parte de empresas ou grupos externos que exploram a floresta.
Eles utilizam técnicas tradicionais de manejo de recursos que estão em harmonia com o
ecossistema, incluindo a agricultura de subsistência, a caça e a coleta. Estas práticas são
sustentáveis porque o fazem de maneira a garantir a renovação dos recursos, zelando
pela preservação da floresta.
É neste espaço, caracterizado como lar sagrado, que o indígena edifica o sustento
espiritual e material da sua coletividade ou que, segundo Castro (2002), preserva a
imaginação como fator não canônico do pensamento e desconstrói modelos p-
formados, conjecturando outros.
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Mapa 2. Ilustração da região amazônica habitada pelos Tikunas na Tríplice Fronteira: Brasil,
Colômbia e Peru
Fonte: Pintura feita por um artesão local da cidade de Puerto Nariño Colômbia, registo próprio.
3. Os Tikunas e a agenda 2030
A Agenda 2030, ao propor o desenvolvimento sustentável em suas dimensões
econômica, social e ambiental, coloca os povos indígenas no centro das discussões. O
ODS15, que trata da proteção dos ecossistemas terrestres, é uma questão relevante para
os Tikunas, cuja organização social, está intrinsecamente ligada à integridade da floresta
(Nações Unidas, 2015). Descola (2012) argumenta que as práticas indígenas devem ser
reconhecidas como modelos de sustentabilidade, pois se baseiam no manejo equilibrado
dos recursos naturais e na preservação das espécies nativas. Além disso, estes desafios
também estão ligados a outros ODS, tais como o combate a pobreza (ODS1), a segurança
alimentar (ODS2) e o fomento de ações que promovam o combate a nutrição nas
comunidades tradicionais.
Muitos dos objetivos dos ODS abordam os perigos mais eminentes que as
crianças e os adolescentes enfrentam, sendo um dos mais relevantes a
desnutrição, que ameaça a vida das crianças e prejudica a sua saúde e seu
crescimento físico, sua educação e seu futuro. A desnutrição crônica ainda é
um problema em grupos mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas e
ribeirinhos. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2018, a prevalência de
desnutrição crônica entre crianças indígenas menores de cinco anos era de
28,6% (Resumo Executivo Unicef, 2019, p. 6). Os números variam entre
etnias, alcançando 79,3% das crianças ianomâmis (Fundação Abrinq, 2023,
p. 28).
Brush (1993, p. 151) enfatiza que os índios têm um sólido conhecimento dos
ecossistemas locais e que esse saber foi coletado ao longo de séculos. A sabedoria
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engloba práticas capazes de estender a diversidade da paisagem e facilitar a reconstrução
da biodiversidade nos ecossistemas degradados. O conjunto de práticas seguidas pelos
Tikunas para a preservação da biodiversidade é o resultado de uma experiência histórica
de experimentos e de provas, atualmente refletindo uma adaptação benevolente do
homem ao ambiente.
Para que os ecossistemas e a biodiversidade sejam gerenciados de forma sustentável, é
imperativo que o complexo conhecimento-prática-crença dos povos indígenas seja
reconhecido e valorizado. Incentivar sistemas de gerenciamento de recursos baseados
na comunidade é uma forma estratégica de preservar tal conhecimento e garantir a
sustentabilidade ambiental.
O combate às alterações climáticas globais não pode apenas ser reduzido a ações
externas, mas deve incorporar ativamente as comunidades que vivem em ecossistemas
vulneráveis. A experiência tradicional dos Tikunas no uso sustentável da terra, gestão da
biodiversidade e controle do fogo pode ser adicionada às estratégias de desenvolvimento
sustentável e contribuir eficazmente para a mitigação dos efeitos climáticos. Esta
integração é especialmente fundamental no ecossistema amazônico, onde a floresta
desempenha uma função reguladora-chave no equilíbrio climático global.
Manter comunidades sustentáveis na Amazônia, como as dos Tikuna, é uma tarefa
complexa, mas crucial para o cumprimento dos ODS e dos compromissos assumidos no
âmbito da Agenda 2030. Esta meta exige um esforço concertado e sem precedentes de
todas as partes interessadas envolvidas, incluindo governos, organizações internacionais
e sociedade civil. Em particular, o ODS13 Ação contra a mudança global do clima tem
sinergias importantes com outros ODS, tais como ODS6 Água potável e saneamento,
ODS7 Energia limpa e acessível, ODS9 Indústria inovação e infraestrutura, e ODS11
Cidades e comunidades sustentáveis. Manter uma comunidade sustentável é uma
quimera, mas necessária e impreterivelmente urgente para que sejam alcançados os
ODS, sabendo que essa missão exige um esforço incomparável de todos. Nesse sentido,
é oportuno lembrar que não basta exigir políticas públicas eficazes, é necessário garantir
a sua aplicação em escalas geográficas e de Relações Exteriores para que sejam
administráveis.
A Agenda 2030 da ONU, cujo objetivo é alcançar o desenvolvimento sustentável nas suas
três dimensiões econômica, social e ambiental, contém a conservação de ecossistemas
terrestres como um dos seus maiores objetivos (ODS15 - Vida Terrestre). Ademais,
outros ODS abordam diretamente os desafios com os quais são confrontados os povos
indígenas da Amazônia, como o combate à pobreza (ODS1), a segurança alimentar
(ODS2), o acesso a educação de qualidade (ODS4) e a promulgação das sociedades
pacíficas e inclusivas (ODS16). Dessa forma, os povos indígenas como os Tikunas não
aparecem apenas como destinatários dos objetivos mundiais, mas também como
protagonistas na aplicação de soluções sustentáveis para a Amazônia.
A preservação da Amazônia passou de um desafio local para uma preocupação global,
mas que, finalmente, precisa de um processo de articulação para permitir que as
comunidades locais avancem na cooperação com a comunidade internacional. A
implantação de políticas integradas promove o desenvolvimento econômico, nos moldes
do desenvolvimento sustentável, para que essas políticas não estejam apenas escritas
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na Agenda 2030, mas façam parte de políticas nacionais, regionais e internacionais de
inclusão social e de sustentabilidade ambiental.
Portanto, é oportuno salientar que a preservação das terras indígenas é a porta de
entrada para a conservação das áreas iníquas da floresta. A pesquisa desenvolvida
estabelece que as terras indígenas são mais eficientes na conservação da biodiversidade
do que as unidades de conservação sob a administração do Governo Brasileiro.
3.1. De que maneira o povo Tikuna pode auxiliar o alcance da agenda
2030?
Ao longo de gerações, os grupos Tikunas foram responsáveis pela preservação da floresta
amazônica, desenvolvendo estilos de vida baseados no uso sustentável dos recursos
naturais.
O Relatório Brundtland ([1987] 1991) foi o impulso hegemônico na abertura da discussão
acadêmica do desenvolvimento sustentável, dando início ao conceito que serviu de base
para os ODS. São esses modelos, frequentemente esquecidos pelas práticas tradicionais
de desenvolvimento, que podem ser a base para o manejo sustentável e conservação a
nível global.
Segundo Sachs (2015) é importante incentivar os cidadãos para usar um modo holístico
de lidar com problemas globais que hoje nos parecem insolúveis, tais como a pobreza
extrema e persistente. Nesse sentido, é importante explorar os princípios dos ODS e
compreender como as práticas inovadoras podem promover o desenvolvimento
sustentável.
Ao pesquisar a presença do plurilinguismo na região da tríplice fronteira, Viana e Margotti
(2021, p. 40) percebem o alto índice de violência contra as comunidades originárias que
ajudou a dizimar centenas de grupos indígenas e, como consequência, o extermínio das
línguas que eles falavam. No entanto, os mesmos autores (Idem, p. 43) observam que
a língua ticuna vem sendo utilizada de modo predominante. Consequentemente a
continuidade, ou persistência no uso da língua, é o fomento cultural das gerações
alternantes. Um mero exemplo pode ser procurado no caso das crianças e adultos rindo
e discutindo na língua nativa.
Além de sua rica herança cultural e linguística, os Tikunas também habitam um ambiente
onde a conservação da floresta amazônica torna-se cada vez mais importante. Neste
triângulo fronteiriço, a língua ticuna é uma obra de patrimônio cultural imaterial. Não há
dúvida de que esta precisa de ser protegida, defendendo-se a necessidade de preservar
a biodiversidade e o património de pessoas que vivem em completa harmonia com a
floresta.
En cuanto al conocimiento del castellano, casi la totalidad de este pueblo
indígena tiene habilidades para hablarlo (cerca del 84,5%), y un pequeño
porcentaje (8%) no tiene ningún conocimiento de él, es decir, solo habla el
tikuna. Estas grandes percentagens indicam que o processo de alfabetização
em Tikuna não é recente. (…) Con respecto a las habilidades para leer y
escribir en tikuna, aproximadamente la mitad de las personas pertenecientes
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a este pueblo saben leer en su lengua, y un 34,5% adicional sabe, además,
escribirla. Estos amplios porcentajes indican que el proceso de lectoescritura
en tikuna no es reciente (Nosso Povo, s.d., pp. 2-3).
Nessa medida, a preservação da cultura, das tradições e dos costumes das pessoas
indígenas é determinante para a manutenção do equilíbrio ambiental. Posey (1999, p. 4)
destaca que o conhecimento cultural e espiritual das pessoas indígenas desempenha um
papel fundamental na conservação da biodiversidade. A ordenação espacial das zonas de
cultivo, a valorização de espécies nativas e o manejo sustentável dos recursos naturais
constituem práticas que garantem a subsistência dessas comunidades. Apesar do caráter
iminentemente pragmático dessas técnicas de conservação e de gestão, os povos
indígenas tradicionais frequentemente as compreendem como elementos intrínsecos de
uma base espiritual que permeia as suas relações com o meio ambiente.
Toda a criação é sagrada, e o sagrado e o secular são inseparáveis. A espiritualidade é a
forma mais elevada de consciência, e a consciência espiritual é a forma mais elevada de
conscientização. A esse respeito, uma dimensão do conhecimento tradicional não é
conhecimento local, mas conhecimento do universal como expresso no local.
Nas culturas indígenas e locais, existem especialistas que são peculiarmente
conscientes dos princípios organizadores da natureza, às vezes descritos
como entidades, espíritos ou leis naturais. Assim, o conhecimento do meio
ambiente depende não apenas da relação entre humanos e natureza, mas
também entre o mundo visível e o mundo espiritual invisível (Posey, 1999, p.
4).
Na cultura dos Tikunas as práticas de gestão e de conservação têm este caráter
pragmático e que normalmente se entende como um conhecimento vindo da base
espiritual. Alheios aos padrões de exploração intensiva, e que podem ser definidos como
fatores antropogénicos (Crutzen, 2002) tendo provocado impactos ambientais
gigantescos na região, as práticas tradicionais dos Tikunas da tríplice fronteira e dos
demais povos indígenas se baseiam num profundo respeito e num conhecimento dos
ciclos naturais, da biodiversidade e da interdependência entre os seres vivos.
Os indígenas são assim os protagonistas da defesa da Amazônia, trabalhando para
alcançar as metas dos ODS e em particular do ODS15. Esses atores não apenas habitam
imensas selvas, mas também têm a velha e preciosa memória que põe em funcionamento
uma habitação respeitosa no mundo natural. Uma alternância de terra cultivada, uma
adoção de práticas de manejo sustentável e a valorização das espécies locais são apenas
alguns casos de uma atividade que preserva os ecossistemas enquanto oferece
subsistência às comunidades. Essas práticas, muitas vezes ignoradas pelas abordagens
convencionais do desenvolvimento, podem ser usadas como modelos de gestão e
conservação globais, alinhando-se aos princípios delineados pelos ODS e adotados na
Cimeira de Nova Iorque de 2015.
A partir disso, fica claro como o desatento para com circunstâncias como a manutenção
da cultura, das tradições e dos hábitos das populações indígenas é relativamente
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responsável pela degradação ambiental, e põe em risco não apenas o ecossistema
amazônico, mas também a própria subsistência das populações que beneficiam da
floresta, bem como as implicações diretas com outros ecossistemas além-fronteira.
3.2. Conflitos ambientais e pressões sobre as comunidades indígenas:
Desafios para sustentabilidade
A tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru é uma das áreas mais impactadas
pela exploração ilegal de recursos naturais associada a práticas de desmatamento,
mineração e queimadas criminosas. Essas práticas, além de afetarem a biodiversidade,
geram consequências desafiadoras à gestão ambiental e impactam a sobrevivência das
comunidades indígenas, cujas práticas econômicas, sociais e tradicionais são
comprometidas com a degradação ambiental (Cunha, 2019).
A expansão dessas atividades predatórias de natureza antropogênica agrava a perda da
biodiversidade e o desequilíbrio ecológico, aguçando os conflitos sociais e a
marginalização das populações indígenas, obrigadas a abandonar os seus modos de vida
tradicionais em busca de alternativas econômicas factíveis.
Ramos (1998, p. 276) sustenta que o indigenismo no Brasil foi caracterizado por uma
sequência de políticas públicas envolventes, sem a referência às necessidades efetivas
das populações. E destaca a ambiguidade da sociedade brasileira frente às populações
indígenas, festejadas ao mesmo tempo como símbolos da maturidade nacional e
combatidas como obstáculos ao desenvolvimento. Essa dupla vertente se manifesta em
políticas públicas aparentemente envolventes e que, frequentemente, não atendem às
necessidades efetivas dessas comunidades.
Nas áreas de fronteira, tais como entre as cidades de Tabatinga (Brasil), Letícia
(Colômbia) e Ilha de Santa Rosa (Peru), esta questão se materializa, com a expansão do
agronegócio, a desflorestação da madeira, a contaminação dos recursos hídricos, a
mineração e a pecuária pressionando as populações locais.
Os desafios com os quais os povos Tikunas se confrontam na implantação da preservação
da Amazônia, segundo Almeida (2020), Santos (2019) e Little (2021), são cada vez mais
sofisticados, em especial nas áreas fronteiriças. A perda da biodiversidade e a degradação
ambiental não colocam em risco os ecossistemas, mas também a segurança alimentar,
a saúde e a cultura das comunidades indígenas, cujos modos de vida estão
intrinsecamente conectados com a integridade da floresta. A preservação das práticas
tradicionais indígenas ajuda a garantir a sustentabilidade da Amazônia e o alcance dos
objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) inscritos na Agenda 2030. Por isso, é
essencial reconhecer e fortalecer o papel das comunidades indígenas na preservação
ambiental, incentivando políticas públicas integradas com os conhecimentos tradicionais.
Com uma abordagem colaborativa, será possível superar os desafios ambientais e sociais
que ameaçam a Amazônia e seus povos indígenas.
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Considerações finais, ainda que parciais
Apresentamos dois pontos que foram abordados a partir da pesquisa realizada junto às
comunidades Tikuna, tendo em mente a preocupação de esclarecer o equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico e a preservação da floresta amazônica através de práticas
inerentes a uma “economia de cooperação”. Culturalmente, o ecossistema com sua
biodiversidade é um dos mais ricos do mundo, atravessando a tríplice fronteira
amazônica, entre o Brasil, a Colômbia e o Peru.
As relações económicas caracterizam-se pela presença de uma “economia indígena de
cooperação” muito semelhante ao que Godbout (1992) chamou de economias
comunitárias. A cooperação pode ser entendida como um sistema articulado com a
cosmovisão, a gestão territorial e a reprodução cultural. Um governo sustentável exige
um diálogo para “bem viver”, conforme críticas ao desenvolvimento sustentável
hegemônico (Acosta, 2010) em contraste com agendas globais como os ODS.
Submetido a destacar a complexa interação entre o meio ambiente, a economia e as
comunidades indígenas, além da sua interdependência, é necessário adotar uma
abordagem integrada que considere tanto a tradição das práticas de conservação como
as pressões económicas e sociais que são impostas pela modernização (UNDP, 2020, p.
188).
Os diversos desafios enfrentados no território direcionam-se desde a conservação do
meio ambiente até a sustentabilidade das comunidades indígenas, sem deixar de focar
em soluções baseadas na natureza que possam abarcar os efeitos das condições
climáticas extremas na saúde, entre outros aspectos (UNDP, 2020, p. 188).
Na compreensão da teoria da dependência de recursos, é possível verificar que a
incorporação de fluxos globais exerce pressão sobre a autonomia das comunidades
indígenas. De referir a esse propósito, o incentivo a atividades econômicas
insustentáveis, como o desmatamento, a mineração e exploração de madeira, e a
poluição dos recursos hídricos. Consequentemente, estas ações ameaçam a proteção da
integridade da floresta e a sobrevivência dos Tikunas. A luta contra a preservação da
cultura, tradições e hábitos dos Tikunas é uma busca não de justiça social, mas
também de uma política de conservação da biodiversidade e de promoção de um
desenvolvimento sustentável efetivo (UNDP, 2020, p. 188).
A falta de eficácia das políticas blicas e a vulnerabilidade na implementação de acordos
internacionais, como a Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
são expressas nas comunidades Tikuna devido à falta de políticas públicas em geral e
focadas na conservação ambiental.
Os órgãos dos governos tiveram programas políticos de nome Bolsa Verde, do lado
brasileiro, e Pagamento por Serviços Ambientais, do lado colombiano, mas embora estes
Governos demonstrem um esforço na proteção dos territórios indígenas e o
reconhecimento de seus direitos fundamentais são necessários investimentos que
assegurem a conservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável das
comunidades fronteiriças (UNDP, 2020, p. 189).
Os "incentivos globais também importam" ao serviço dos hábitos sustentáveis de gestão
dos recursos naturais que os Tikunas adotaram e que são a chave do determinante papel
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da preservação da floresta e da fauna. A agricultura de subsistência, a pesca e o
artesanato aliados a um respeito intrínseco pelos ciclos naturais oferecem um modelo
coexistente entrelaçado com a harmonia da natureza. É através do contato adequado
dessa temática que ao longo do artigo foram comparados com as malfadadas atividades:
contaminação dos rios, corte ilegal de madeira e mineração. Estas práticas dos Tikunas
não apenas garantem a subsistência das comunidades, mas também contribuem para a
conservação da biodiversidade e para o controle dos efeitos das alterações climáticas
(UNDP, 2020, p. 188).
Em princípio, a proteção da tríplice fronteira amazônica requer uma cooperação
internacional e regional efetiva, a implementação de políticas sólidas e o respeito pelo
valor do conhecimento tradicional indígena. É requerida uma abordagem holística e
inclusiva, na direção de preservar a floresta amazônica e garantir o bem-estar das
comunidades que dela são dependentes, de acordo com os princípios da Agenda 2030
(UNDP, 2020, p. 189) e tendo o foco na construção de um futuro sustentável tanto para
a vida humana quanto para a natureza.
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