incluem frequentemente minorias religiosas e étnicas, e envolvem sempre a
imprensa independente (Finchelstein, 2020: 5).
De facto, o populismo é construído a partir da ideia de deturpação da democracia
plebiscitária por interposição das elites e de um processo de burocratização do Estado
que rompe com os princípios da ética da autenticidade própria da democracia como poder
do demos. O populismo converteu-se, assim, em um conceito recorrente, de uso
generalizado na esfera pública contemporânea, que tem sido utilizado para classificar e
capturar significações acerca de movimentos políticos muito diversos, da direita à
esquerda, dos movimentos agrários surgidos na Rússia (Narodniki) e nos Estados Unidos
no século XIX (People’s Party), aos movimentos socialistas latino-americanos, sem
esquecer, mais recentemente, o ressurgimento de sentimentos conservadores,
nacionalistas, autoritários e xenófobos em alguns países europeus. Na maior parte dos
casos, a ambiguidade do conceito é substituída pela descrição de um conjunto de
características fundamentais e até tipologias de populismo, como assinalou, por exemplo,
Margaret Canovan, ao distinguir entre populismos agrários e populismos políticos
(Canovan, 1999), aos quais podemos acrescentar a recente discussão acerca dos
“populismos mediáticos” (Mazzoleni, 2008), do “populismo judiciário” (Blokker e
Mazzoleni, 2020) ou do “populismo médico” (Lasco e Curato, 2019).
O populismo coexiste com o anti-elitismo, ou seja, com a ideia que as instâncias de
representação política foram ocupadas e colonizadas por dirigentes políticos abnegados
do interesse da res publica e da defesa dos interesses do povo. Divide, por conseguinte
e de modo simbólico, a sociedade em dois grupos homogéneos e antagónicos: de um
lado, o povo puro ou autêntico; do outro lado, as elites, geralmente qualificadas como
corruptas, “nós versus “eles”, aqueles que aspiram a ser identificados como legítimos
representantes do povo, que assumem e defendem valores identitários do bom povo ou
do povo nativo, contra aqueles que querem subverter os valores sociais ou culturais,
qualificados como uma ameaça, como inimigos ou out-groups corrompidos moralmente.
Neste sentido, os populistas constroem um conceito que eles próprios afirmam
representar de modo autêntico, unindo públicos diversos e “demandas sociais
insatisfeitas” (Laclau, 2005) representando o povo como uma espécie de maioria
silenciada e ignorada pelas elites ou pelo statu quo.
Articulando conceitos como “povo”, “vontade geral” e “interesse comum”, os populistas
aproximam-se da crítica de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ao governo
representativo. Para o filósofo genebrino, o governo representativo é percepcionado
como uma forma aristocrática de poder, uma vez que o povo não é mais do que uma
entidade passiva que apenas é mobilizada de tempos em tempos em processos eleitorais.
Face à vontade de todos (volonté de tous), que não é mais do que a soma de interesses
particulares em um determinado momento, a vontade geral resulta da capacidade dos
cidadãos de se unir em comunhão e de legislar em benefício do bem comum e do
interesse público (Rousseau, 1989). Os populistas de sucesso apelam, por conseguinte,
às noções de volonté générale e de auto-governo, propostas por Rousseau, para defender
que a política deve ser devolvida aos cidadãos, construindo, assim, o conceito de “povo”
como um dos elementos definidores do populismo.