OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 14, Nº. 1 (Maio-Outubro 2023)
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NACIONAL-POPULISMO NO BRASIL: UMA REFLEXÃO SOBRE A ASCENSÃO DE
JAIR BOLSONARO E O IDEÁRIO DA EXTREMA-DIREITA
HÉLDER PRIOR
hprior@autonoma.pt
Doutor em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira
Interior com a menção Doctor Europaeus pelos estudos de investigação realizados na
Universidade Autónoma de Barcelona (2008-2012). Professor Visitante Estrangeiro no Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
(2019-2022). Realizou investigação de Pós-doutoramento na Universidade de Brasília, entre
2014 e 2015, com financiamento da Capes, e investigação de Pós-doutoramento na Universidade
da Beira Interior e na Universidade Autónoma de Barcelona, entre 2016 e 2018, com
financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É Professor Auxiliar do Departamento
de Ciências da Comunicação da Universidade Autónoma de Lisboa (Portugal) e Investigador
Integrado do Labcom/Universidade da Beira Interior e do OBSERVARE
Resumo
O ensaio que o leitor tem entre mãos visa problematizar a afirmação do nacional-populismo
no Brasil, colocando em relação a ascensão do bolsonarismo com novas formas de mediação
da política assentes em práticas de comunicação directa proporcionadas pelas redes sociais
digitais. Com um olhar sobre as Eleições Presidenciais Brasileiras de 2018, problematizam-se
as estratégias de comunicação política do então candidato pelo Partido Social Liberal, Jair
Bolsonaro, tendo em conta dimensões discursivas próprias da mecânica populista. Com efeito,
ambicionamos compreender as principais conceptualizações sobre populismo e democracia
para, em um segundo momento, analisar a ascensão do bolsonarismo como um projecto
“antipolítico”, de cunho populista, e com raízes no activismo judicial da Operação Lava Jato.
Também realizamos um mapeamento sobre as supostas relações entre as categorias de
“populismo”, “neofascismo”, “novas direitas” e “bolsonarismo”, no sentido de melhor
compreender o campo da disputa política no Brasil contemporâneo.
Palavras-chave
Populismo; Extrema-direita; Bolsonarismo; Brasil.
Abstract
The essay that the reader has in his hands aims to discuss the affirmation of national populism
in Brazil, placing in relation the rise of Bolsonarism with new forms of mediation of politics
based on direct communication practices provide by digital social networks. With a look at the
2018 Brazilian Presidential Elections, we explore the political communication strategies of the
then candidate for the Social Liberal Party, Jair Bolsonaro, taking into account discursive
dimensions proper to populist mechanics. Indeed, we aspire to understand the main
conceptualisations about populism and democracy to, in a second moment, reflect on the rise
of Bolsonarism as an "anti-political" project, populist in nature, and with roots in the judicial
activism of Operation Car Wash. We also conducted a mapping on the supposed relations
between the categories of "populism", "neo-fascism", "new right" and "Bolsonarism", in order
to better understand the field of political dispute in contemporary Brazil.
Keywords
Populism; far-right; Bolsonarism; Brazil.
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e o ideário da extrema-direita
Hélder Prior
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Como citar este artigo
Prior, Hélder (2023). Nacional-populismo no Brasil: uma reflexão sobre a ascensão de Jair
Bolsonaro e o ideário da extrema-direita. Janus.net, e-journal of international relations, Vol14 N1,
Maio-Outubro 2023. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.1.7
Artigo recebido em 3 de Novembro de 2022, aceite para publicação em 6 de Março de
2023
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NACIONAL-POPULISMO NO BRASIL:
UMA REFLEXÃO SOBRE A ASCENSÃO DE JAIR BOLSONARO E O
IDEÁRIO DA EXTREMA-DIREITA
HÉLDER PRIOR
Populismo: a revolta contra a democracia liberal
O espectro do populismo é, na contemporaneidade, convocado no espaço político,
mediático e até no senso comum, para qualificar dirigentes e movimentos políticos
eminentemente disruptivos, polémicos, anti-sistema e de forte apelo popular.
Multifacetado, ambíguo, vago, banalizado, em muitos casos utilizado de modo pejorativo
para qualificar dirigentes ou partidos políticos, o populismo, como categoria de análise
social e política, oferece-nos problemas muito específicos, tratando-se de um termo
essencialmente contestado. O facto de o conceito ser camaleónico, condicionado por
variáveis nacionais e geográficas, tem gerado um interessante debate em diferentes
disciplinas. “Um rasgo característico persistente e recorrente da literatura sobre
populismo é a sua reticência ou dificuldade para dar um significado preciso ao
conceito”, adverte Ernesto Laclau em A Razão Populista (2005: 15).
Nesse início de século, com particular incidência na última década, temos assistido ao
crescimento de uma miríade de partidos políticos e movimentos que articulam a política
mediante o todo do populismo, justamente surgidos nas franjas políticas mais
radicais. Fala-se, com efeito, no debate político, mediático e também académico, sobre
a proeminência de lideranças populistas e sobre a forma como essas lideranças e
movimentos utilizam as condições de circulação discursiva dos media digitais para apelar
à insatisfação popular contra o sistema político dominante. Trata-se do avanço de um
populismo reacionário que explora discursivamente o carácter emancipatório do povo
frente às elites, e que se sustenta na retórica sobre a propalada crise das instituições da
democracia representativa, sobre o modo como as elites se alhearam das preocupações
do cidadão comum, no problema da corrupção, na perda de autenticidade da política, e
no avanço da anti-política, isto é, na repulsa à política e aos políticos tradicionais, por
um lado e, por outro lado, na ideia que os princípios diagicos, pluralistas e convergentes
são desnecessários para a construção de um governo democrático em um mundo
globalizado.
O populismo é o oposto do pluralismo na política. Fala em nome de uma
maioria imaginária, e rejeita todos os pontos de vista que considera como
parte da minoria. Especialmente na sua versão de direita, os seus inimigos
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incluem frequentemente minorias religiosas e étnicas, e envolvem sempre a
imprensa independente (Finchelstein, 2020: 5).
De facto, o populismo é construído a partir da ideia de deturpação da democracia
plebiscitária por interposição das elites e de um processo de burocratização do Estado
que rompe com os princípios da ética da autenticidade própria da democracia como poder
do demos. O populismo converteu-se, assim, em um conceito recorrente, de uso
generalizado na esfera pública contemporânea, que tem sido utilizado para classificar e
capturar significações acerca de movimentos políticos muito diversos, da direita à
esquerda, dos movimentos agrários surgidos na ssia (Narodniki) e nos Estados Unidos
no século XIX (People’s Party), aos movimentos socialistas latino-americanos, sem
esquecer, mais recentemente, o ressurgimento de sentimentos conservadores,
nacionalistas, autoritários e xenófobos em alguns países europeus. Na maior parte dos
casos, a ambiguidade do conceito é substituída pela descrição de um conjunto de
características fundamentais e até tipologias de populismo, como assinalou, por exemplo,
Margaret Canovan, ao distinguir entre populismos agrários e populismos políticos
(Canovan, 1999), aos quais podemos acrescentar a recente discussão acerca dos
“populismos mediáticos” (Mazzoleni, 2008), do “populismo judiciário (Blokker e
Mazzoleni, 2020) ou do “populismo médico” (Lasco e Curato, 2019).
O populismo coexiste com o anti-elitismo, ou seja, com a ideia que as instâncias de
representação política foram ocupadas e colonizadas por dirigentes políticos abnegados
do interesse da res publica e da defesa dos interesses do povo. Divide, por conseguinte
e de modo simbólico, a sociedade em dois grupos homogéneos e antagónicos: de um
lado, o povo puro ou autêntico; do outro lado, as elites, geralmente qualificadas como
corruptas, “nós versus eles”, aqueles que aspiram a ser identificados como legítimos
representantes do povo, que assumem e defendem valores identitários do bom povo ou
do povo nativo, contra aqueles que querem subverter os valores sociais ou culturais,
qualificados como uma ameaça, como inimigos ou out-groups corrompidos moralmente.
Neste sentido, os populistas constroem um conceito que eles próprios afirmam
representar de modo autêntico, unindo públicos diversos e “demandas sociais
insatisfeitas” (Laclau, 2005) representando o povo como uma espécie de maioria
silenciada e ignorada pelas elites ou pelo statu quo.
Articulando conceitos como “povo”, “vontade geral” e interesse comum”, os populistas
aproximam-se da crítica de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ao governo
representativo. Para o filósofo genebrino, o governo representativo é percepcionado
como uma forma aristocrática de poder, uma vez que o povo não é mais do que uma
entidade passiva que apenas é mobilizada de tempos em tempos em processos eleitorais.
Face à vontade de todos (volonté de tous), que não é mais do que a soma de interesses
particulares em um determinado momento, a vontade geral resulta da capacidade dos
cidadãos de se unir em comunhão e de legislar em benefício do bem comum e do
interesse público (Rousseau, 1989). Os populistas de sucesso apelam, por conseguinte,
às noções de volonté nérale e de auto-governo, propostas por Rousseau, para defender
que a política deve ser devolvida aos cidadãos, construindo, assim, o conceito de “povo”
como um dos elementos definidores do populismo.
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Por outro lado, um dos aspectos fundamentais da retórica populista é a crítica ao sistema
político, geralmente descrito como tendo sido ocupado pelas elites. Neste ponto, o anti-
elitismo e a exploração da retórica anti-sistema implicam, igualmente, a construção do
conceito de “elite” enquanto entidade corrupta ou desinteressada da vida do cidadão
comum. Na perspectiva da comunicação populista, as elites dão prioridade aos seus
próprios objectivos em detrimento do interesse geral e das demandas do povo, o que as
torna incapazes de representar a maioria silenciada (Hameleers e Rens Vliegenthart,
2020). O aspecto determinante da distinção entre o povo e a elite é moral, já que o povo
é caracterizado como uma entidade pura, ao contrário das elites, definidas como
corruptas e interessadas nos seus próprios degnios. De acordo com Cas Mudde e Rovira
Kaltwasser, a elite “é definida com base no poder, ou seja, inclui a maioria das pessoas
que têm lugares destacados na política, na economia, nos media e nas artes” (Mudde e
Kaltawasser, 2017: 25). Para estes autores, o populismo é uma “ideologia de baixa
densidade”, a thin-centered ideology, cuja porosidade e maleabilidade permitem que se
adapte a múltiplos contextos. Trata-se de um modo maniqueísta de conceber a
democracia, dividindo a sociedade entre puros e impuros. Do lado dos puros, encontra-
se o povo, silenciado pelos impuros, na maior parte dos casos, as elites corruptas,
afastadas das preocupações do cidadão comum.
Uma ideologia de baixa densidade que considera que a sociedade está, em
última instância, dividida em dois campos homogéneos e antagónicos o
povo puro versus a elite corrupta e que defende que a política deveria ser
uma expressão da volonté nérale (vontade geral) do povo (Mudde e
Kaltwasser, 2017: 18).
Os populistas interpretam a política como um campo de batalha moral entre o verdadeiro
povo, ou o povo impoluto, e as elites ou outros grupos que os populistas considerem
como outsiders ou grupos de fora. Geralmente, estes grupos o descritos e qualificados
como uma ameaça aos desígnios do povo nativo. Assim, minorias étnicas, religiosas,
imigrantes ou outros grupos excluídos da sociedade, o interpretados como uma
ameaça aos valores sociais partilhados pelo “bom povo”. As mensagens dos líderes
populistas incluem apelos ao povo puro, evocando aspectos nativistas e nacionalistas, ao
mesmo tempo que instigam à revolta moral contra os out-groups. A identificação de um
out-group típico não é, porém, uma característica definidora de todos os tipos de
populismo, que, dependendo do contexto, essa mobilização pode ser feita contra
inimigos internos ou inimigos vindos de fora. o obstante, a retórica out-group é
frequentemente utilizada por populistas de esquerda, geralmente contra a banca e os
inimigos “capitalistas”, e por populistas de direita, habitualmente contra imigrantes ou
minorias (de Vreese et al., 2018: 428). Em conclusão, e tal como enfatizam Albertazzi e
McDonell (2008: 4-5), o populismo é constituído pela tríade “povo”, “elites” e outros”,
estes “outros” identificados como perigosos para a sociedade.
À luz dos principais estudos sobre populismo, podemos, por conseguinte, sistematizar
algumas características do fenómeno: (1) a hostilidade face à democracia liberal; (2) a
referência à comunidade ou ênfase da vontade geral do povo; (3) a proclamação de
determinados valores políticos e sociais; (4) a percepção de um estado de crise que
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necessita de reparação; (5) a distinção moral entre as elites e o povo (Taggart, 2004;
Mudde e Rovira Kaltwasser, 2017; Laclau, 2005).
Para Ernesto Laclau, máximo expoente dos estudos que analisam o populismo como
discurso, o conceito é um modo de operação e construção da política, uma táctica que
permite a articulação de “demandas insatisfeitasda sociedade. Nas palavras do teórico
argentino, que inspirou vários partidos populistas da esquerda radical: “por populismo
não entendemos um tipo de movimento identificável com uma base social especial ou
com uma determinada orientação ideológica mas antes uma lógica política(Laclau,
2005: 150).
Em A Razão Populista, Laclau define o populismo como uma lógica retórica de
confrontação social que opõe povo e elites dominantes. Quando a hegemonia política é
questionada, isto é, quando os detentores do poder ou “bloco dominante” perdem a
legitimidade e o apoio social por parte dos cidadãos, entram em operação novos
mecanismos de disputa da dominação política, mecanismos que estabelecem um conflito
entre o “bloco dominante”, ou poder hegemónico, e o povo como entidade traída ou
negligenciada pelo establishment. Neste sentido, o populismo cria uma identidade política
erigida a partir do conflito, da oposição entre “nós”, o povo, e “eles”, as elites ou grupos
hegemónicos. Ao instituir o conflito na política através de um movimento contra-
hegemónico, o populismo é identificado, por Laclau, como uma força positiva ou
emancipatória, no sentido em que permite que o processo democrático passe a
contemplar demandas e grupos excluídos pelas elites ou pelo “bloco dominante”. Com
efeito, para Laclau o populismo não é uma forma de degradação da democracia, uma vez
que permite a ampliação das bases democráticas da sociedade ao incluir grupos excluídos
pelo establishment e ao realçar a soberania popular, a vontade geral do povo e o governo
da maioria. Esta visão do populismo como “força positiva” ou “emancipatória”, torna-se
problemática no contexto das democracias liberais, embora se deva reconhecer, tal como
enfatizam Eatwell e Goodwin, que o populismo “também levanta legítimas preocupações
democráticas que milhões de pessoas querem levar a debate e resolver” (2019: 11).
A democracia liberal consiste em um sistema de governo em que direitos e liberdades
individuais são oficialmente reconhecidos e protegidos, no qual todos participam através
do voto em um representante e em que o exercício do poder político é limitado pelo
Estado de direito, reconhecendo-se a divisão tripartida do poder político entre Legislativo,
Executivo e Judicial, a pluralidade de visões e opiniões, bem como a protecção dos
direitos dos grupos minoritários (Eatwell e Goodwin, 2019: 91). Porém, ao opor-se ao
princípio do pluralismo, polarizando a sociedade entre povo e elites, puros e impuros, o
populismo rejeita alguns princípios fundamentais das democracias liberais, como o
respeito às minorias ou à pluralidade e heterogeneidade de visões políticas. É,
justamente, neste sentido, que autores como Cas Mudde, Jan-Werner Müller, Galston ou
Pappas, consideram que o populismo é uma ameaça à democracia liberal, não obstante
o seu carácter democrático. A propósito, Galston acrescenta:
Os populistas dizem atacar o liberalismo em nome da democracia. Conseguem
faz-lo porque a democracia traz consigo princpios que operam em diferentes
dimensões. “Democracia” diz respeito a um modo de governo, enquanto
“liberal” define o campo no qual esse modo de governo pode operar de
maneira legtima. No conceito de democracia liberal, o antónimo de “liberal”
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no “conservador”, mas total”. A democracia liberal uma democracia
limitada pelo medo da tirania e pelo princpio dos direitos individuais (Galston,
2020: 34).
Líderes populistas atacam os inimigos do povo”, sejam as elites ou os out-groups, em
termos morais, isto é, interpretando o povo como uma entidade virtuosa e apresentando
os “inimigos do povo” como entes corruptos, pertencentes a forças ocultas ou
demoníacas que corrompem a democracia. O sucesso do populismo depende de um
conflito entre essas forças demoníacas corrompidas política e moralmente, e o “povo
puro” ou os cidadãos comuns que precisam de ser defendidos desses inimigos. Alguns
deres nacionais-populistas, um tipo de populismo construído a partir da direita, de
cunho nacionalista e agenda conservadora, defendem princípios iliberais que suscitam
preocupações associadas aos direitos das minorias, particularmente dos imigrantes,
demonizados comopotenciais bombas biológicas”, como é exemplo o discurso de Viktor
Orbán, na Hungria. Os mesmos princípios iliberais permitem a Jair Bolsonaro, no Brasil,
atacar o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e a própria imprensa,
argumentando que a democracia se fortaleceria se tais instituições não fiscalizassem o
governo.
A democracia liberal só existe de forma totalmente desenvolvida há cerca de 100 anos.
Apesar de se ter tornado dominante no Ocidente, tendo sido apontada por Fukuyama
como “a derradeira forma de governo humano”, a democracia liberal continua a enfrentar
desafios, sobretudo devido à influência de pequenos círculos de poder, eminentemente
elitistas, que operam por detrás da democracia. O continuado poder do nacionalismo
étnico, bem como a desconfiança face às elites, têm possibilitado, com efeito, o
crescimento das “democracias iliberais” e do nacional-populismo.
Da Lava Jato ao Bolsonarismo: activismo judicial e a crise da democracia
A ascensão dos populismos tem-se sentido, sobretudo, em muitos países europeus e
também nos Estados Unidos da América, embora a vitória de Jair Bolsonaro, na Eleição
Presidencial Brasileira de 2018, seja uma das manifestações de maior relevo. Mediante
um discurso nacional-populista, o ex-capitão do Exército prometeu fazer ouvir a voz do
povo, principalmente dos brasileiros mais negligenciados pelo sistema político ou mais
críticos face ao statu quo, ou, nas palavras do próprio Bolsonaro, a “tudo isso que es
aí”. A crise do governo de esquerda, liderado por Dilma Rousseff até ao impeachment de
2016, bem como a generalização da ideia de corrupção endémica derivada da
mediatização da Operação Lava Jato
1
e de sucessivos escândalos de corrupção
envolvendo quer o governo da República, quer os governos estaduais, desencadearam
um conjunto de revoltas populares que polarizaram a sociedade brasileira entre puros e
1
O escândalo Lava Jato eclodiu em Março de 2014, após o desvelamento de uma rede criminosa de
branqueamento de capitais que utilizava postos de abastecimento de combustível e lavagem de automóveis,
conhecidos no Brasil por lava a jato. O desenvolvimento das investigações revelou um esquema criminoso
de desvios de recursos públicos da empresa Petrobras para financiar partidos políticos através de concursos
manipulados pelas maiores construtoras brasileiras. O nome da operação policial acabou por consagrar um
dos maiores escândalos políticos da vida pública brasileira, também apelidado, na sua fase inicial, de
Petrolão.
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impuros. De um lado, aqueles que apoiavam o activismo político-judicial do juiz Sérgio
Moro, líder da justiça Federal na condução da Operação Lava Jato, definidos como “o
povo de bem”; do outro, aqueles que apoiavam a narrativa dos grupos políticos de
esquerda, criminalizados pelos discursos anti-corrupção que emergiram na sociedade
brasileira, particularmente através das redes sociais digitais.
No processo de pulverização dos partidos hegemónicos, particularmente do Partido dos
Trabalhadores, mas também das alternativas de centro e centro-direita, a maior parte
das instituições mediáticas brasileiras, historicamente de viés conservador, concentradas
em oligopólios familiares, de propriedade cruzada e de baixo paralelismo político
(Azevedo, 2006), operaram no sentido de legitimar a narrativa dos procuradores da Lava
Jato e do juiz Sérgio Moro, justamente na identificação do Partido dos Trabalhadores com
o fenómeno da corrupção política. Inspirado pelo processo Mani Pulite
2
, processo judicial
que dizimou os maiores partidos italianos com o intuito de purgar o sistema político
corrupto, o juiz Sérgio Moro foi convertido em algoz e símbolo da moralidade pelos media
brasileiros, tendo sido considerado “personalidade do ano”e “brasileiro do ano” pelas
revistas Veja e Istoé, respectivamente. Entre 2015 e 2018, a politização do judiciário e
a mediatização da justiça conduziram à divulgação, para a imprensa, de partes
processuais e escutas telefónicas que visavam criminalizar o PT, particularmente Lula da
Silva, apontado como favorito na disputa eleitoral de 2018. Um dos casos que maior
convulsão social e política provocou foi a divulgação, em 2016, de uma conversa
telefónica entre Lula e Dilma Rousseff, cuja publicidade foi decretada por Sérgio Moro
após interceptações ilegais, conforme o próprio juiz reconheceu. Já em 2018, e a apenas
uma semana antes da primeira volta das eleições, o juiz liberou parte da delação
premiada de Antônio Palloci, ex-ministro da Fazenda do governo Lula, um acto político
do judiciário interpretado como mais uma tentativa de interferir no processo eleitoral.
Deste modo, a nese do antipetismo, concepção política fundamental para entender a
eleição de 2018, não pode deixar de ser relacionada com a actuação da Lava Jato na
criminalização de actores importantes da política brasileira, especificamente do maior
partido de esquerda e do ex-presidente Lula, condenado por Sérgio Moro em 2017 e, por
isso, afastado do processo eleitoral de 2018 devido à Lei da Ficha Limpa, projecto
sancionado pelo próprio Lula da Silva em 2010 e que torna inelegível um candidato
condenado por decisão judicial. De referir que, em 2021, o Supremo Tribunal Federal
(STF) anulou as condenações da Lava Jato contra Lula da Silva, decretando parcialidade
de Sérgio Moro nos processos do Triplex do Guarujá e do Sítio de Atibaia. O ódio ao
sistema político dominante, especificamente aos actores tradicionais identificados com o
fenómeno da corrupção, é uma concepção de política que resultou na convergência do
activismo político da Lava Jato com o emergente campo do bolsonarismo como a principal
corrente de desafio ao sistema hegemónico. Não ao acaso, o ex-juiz Sérgio Moro, símbolo
da luta moral contra a corrupção, aceitou ocupar a pasta do Ministério da Justiça no
governo Bolsonaro. Com efeito, entre 2016 e 2018, vários factos políticos são gerados
pelo processo de mediatização e politização da justiça com o intuito de criminalizar o PT
2
A operação “Mãos Limpas”, Mani Pulite, foi uma investigação judicial realizada em Itália, inicialmente na
cidade de Milão, que implicou a banca, a Máfia, o Banco do Vaticano e os maiores partidos políticos italianos.
A operação visava esclarecer casos de corrupção durante a década de 90 e pulverizou os partidos italianos
que tinham dominado o cenário político, como a Democracia cristã, o Partido Socialista Italiano, o Partido
Liberal Italiano ou o Partido Social Democrata Italiano.
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e, sobretudo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o obstante o facto do maior
partido da esquerda se ter envolvido, entre o Mensalão
3
e o Petrolão, em vários
escândalos, sobretudo na compra de apoio político e na distribuição de cargos para
sustentar os seus governos e aprovação das suas políticas no Congresso Nacional.
Efectivamente, a baixa exigência republicana dos partidos políticos brasileiros,
particularmente do Partido dos Trabalhadores durante ts mandatos, e as dificuldades
dos partidos da oposição em aceitar os resultados eleitorais de 2014, o factores
importantes que ajudaram a germinar a crise da democracia brasileira.
Por outro lado, o conturbado processo de impeachment que, em 2016, culminou no
afastamento de Dilma Rousseff, intensificou o processo de polarização política e o
sentimento “antipetista” de camadas importantes da sociedade brasileira, já que, apesar
de Dilma Rousseff ter sido afastada devido a crimes de responsabilidade fiscal, foram as
várias acusações de corrupção relacionadas com o desvio de dinheiro público da estatal
Petrobras para o financiamento ilícito de campanhas eleitorais, que instigaram a
cobertura adversária dos media e as manifestações populares pró-impeachment que
ocorreram entre 2015 e 2016 (Prior, 2020). Ora, em um contexto de crise de
governabilidade, de avanço das investigações da Lava Jato e de manifestações populares
anti-política, Jair Bolsonaro, uma figura surgida nas margens do espectro mais radical da
direita política brasileira, emerge como a principal alternativa anti-sistema, como o
representante legítimo dos “puros”, do “cidadão de bem”, contra os “impuros”,
representados pela esquerda e por alguns movimentos sociais progressistas envolvidos
na defesa de grupos minoritários.
Apesar de ter surgido das franjas políticas mais conservadores e minoritárias, Jair
Bolsonaro foi capaz de se assumir como a principal figura anti-política e anti-petista,
recorrendo ao moralismo e ao messianismo como principais estratégias políticas,
instigando sentimentos de indignação frente à política e assumindo a necessidade de
purgar o sistema e de moralizar a sociedade, ameaçada por comportamentos apontados
como desviantes e contrários à identidade brasileira. O avanço da extrema-direita como
principal força reacionária, respondeu ao sentimento punitivo da política, à punição dos
políticos corruptos como principal demanda da sociedade. Em conjunto, os factores
elencados anteriormente abriram uma brecha considerável para o nacional-populismo de
Bolsonaro, aquilo que Eatwell e Goodwin apelidam de “base de potencial”, devido ao
elevado número de brasileiros que deixaram de se identificar com os políticos instalados.
Se, até ao início de 2018, Jair Bolsonaro ocupou as margens do espaço político, ficando
conhecido por criticar as instituições da democracia, pela defesa da ditadura militar
(1964-1985) e por discursos racistas e amisóginos, discursos que, no entanto, lhe
valeram ampla visibilidade mediática, com o fracasso do projecto centrista, em boa parte
devido à impopularidade do governo liderado por Michel Temer após o afastamento de
Dilma Rousseff, os grupos mediáticos, empresariais e conservadores, chegaram à
conclusão que apoiar o ex-capitão do Exército era a única forma de derrotar o projecto
da esquerda, liderado por Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, em substituição
de Lula da Silva. Foi neste contexto que surgiu um certo pânico moral na sociedade
3
Esquema de corrupção que desviava dinheiro público para comprar o apoio político de parlamentares ao
governo do Partido dos Trabalhadores. O esquema de corrupção começou em 2002 e só foi revelado em
2005, após uma entrevista do deputado Roberto Jefferson ao jornal Folha de S. Paulo.
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brasileira, em boa parte sustentado pelo medo ao comunismo, tal como havia sucedido
nos anos 50 e 60, e pela disseminação de informações falsas nos media digitais, como a
polémica relacionada com o kit gay
4
nas escolas, e outros exemplos de uma alegada
imoralidade social fomentada pelos grupos de esquerda e que estaria a ameaçar
instituições como a família, a escola ou a religião.
Nessa operação, Bolsonaro e Moro o apresentados como fonte de pureza
ética e também moral. O campo da cultura é integrado ao da luta
anticorrupção e emergem os puros absolutos durante a campanha eleitoral
de 2018, sempre em contraposição ao PT e à esquerda, apresentados como
centro da corrupção (Avritzer, 2020: 151).
Novas direitas, bolsonarismo e neofascismo
Ora, é neste contexto que a expressão “nova direita” ganhou força, a par de outras
expressões que têm sido utilizadas para interpretar a ascensão do bolsonarismo, como
os termos “maré conservadora”, “autoritarismo ou “neofascismo”. A formação da nova
direita brasileira é um fenómeno complexo que envolve questões como o desgaste
político do Partido dos Trabalhadores relacionado, sobretudo, com o fenómeno da
corrupção e com a mediatização da Operação Lava Jato, a defesa de uma agenda social
conservadora inerente à contrariedade a uma agenda de costumes, como os temas do
aborto ou da despenalização da maconha, e a formação de grupos parlamentares de viés
conservador, como a bancada BBB, termo utilizado para se referir, conjuntamente, às
bancadas armamentista, da bala, bancada evangélica, da bíblia, e bancada ruralista, do
boi. Nas palavras de Odilon Neto:
Os tempos mais recentes no cenário político brasileiro evidenciam o
crescimento da atividade de pequenas e médias organizações e, em especial,
de um discurso e imaginário político de extrema-direita, com capilaridade na
sociedade. Permeados pela misoginia, em contrariedade às políticas sociais e
de distribuição de renda, assim como o desprezo aos direitos humanos, esses
agrupamentos partilham elementos de continuidade de uma cultura política
autoritária, em que o anti-comunismo é um elemento de engrenagem
sistmica, de culto à liderança e de escolha de salvadores da pátria” (Neto,
2020: 160).
O período de hegemonia das forças de esquerda no contexto latino-americano e,
particularmente, brasileiro, resultou na progressiva articulação de movimentos
autoritários e conservadores, desenvolvidos antes e após a lenta transição democrática,
em torno de um discurso de oposição às pautas progressistas, ao imaginário do
“marxismo cultural” e ao suposto avanço do comunismo no Brasil. O aprofundamento da
crise política, sobretudo após o impeachment de Dilma Rousseff, fomentou o surgimento
4
Expressão pejorativa utilizada por Jair Bolsonaro para se referir ao projecto Escola sem Homofobia do
governo federal brasileiro, material didático para professores e alunos sobre os direitos humanos da
comunidade LGBT. Jair Bolsonaro apelidou o seu opositor, Fernando Haddad, de ser o candidato do kit gay,
acusando-o, falsamente, de ter incluído no programa livros sexuais para serem distribuídos nas escolas com
o intuito de sexualizar os jovens e implementar ideologia de género.
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de lideranças políticas mais radicais, como a Frente Nacionalista, fundada em Curitiba,
com inspiração no fascismo italiano e no integralismo de Plínio Salgado. O integralismo
brasileiro foi a maior força fascista no continente latino-americano e tem persistido como
o principal referencial político da extrema-direita. Inspirado na tríade “Deus, Pátria e
Família”, slogan usado várias vezes por Jair Bolsonaro em discursos à nação ou em
materiais de propaganda, o integralismo brasileiro foi um dos movimentos coadjuvantes
da implantação da ditadura militar, em 1964. Defendendo a construção do PAN (Partido
da Ação Nacionalista), o movimento, fundado em 1932 por Plínio Salgado, procurou
assumir-se como representante autêntico do nacionalismo brasileiro, tendo como
princípios fundamentais a luta contra a ameaça do imperialismo estrangeiro e do
comunismo.
Apesar de fragmentada e desarticulada, a extrema-direita brasileira chegou a alcançar
7,39% dos votos nas eleições de 1994, por meio da candidatura de Éneas Carneiro e do
fortalecimento político do Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), de cunho
nacionalista e conservador, com apoio de pequenos grupos conspiracionistas e de
concepções ideológicas relacionadas ao anti-semitismo e ao negacionismo, alguns deles
ligados ao integralismo brasileiro. Devido à ascensão do PT e de lideranças políticas de
esquerda na América Latina, o PRONA acabou extinto em 2006, embora tenha
permanecido como a principal referência partidária da extrema-direita brasileira. As
actividades da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011 com o objectivo de
averiguar as violações aos direitos humanos durante a ditadura militar, intensificaram a
actuação de grupos políticos de extrema-direita ligados ao PRONA e de sectores militares
que passaram a contestar os relatórios desta comissão através de narrativas alternativas,
como o então deputado federal, Jair Bolsonaro. Instigados pelo aprofundamento da crise
política iniciada logo após as eleições de 2014, partidos políticos como o Partido
Trabalhista Renovador Brasileiro (PTRB), liderado por Levy Fidelix, assumem um
posicionamento mais radical, aproximando-se de grupos neofascistas como a Frente
Nacionalista e de partidos de direita inspirados no PRONA, como o Partido Liberal (PL),
que em 2022 elegeu a maior bancada no Congresso Nacional, e o Patriota, anteriormente
Partido Ecológico Nacional, de agenda religiosa e militar. Estes aspectos acabam por ser
relevantes, que o vice-presidente do Brasil, o general Hamilton Mourão, é filiado ao
PTRB e o filho de Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, filiou-se ao Patriota em 2021. Apesar
do bolsonarismo não ser fruto directo do neofascismo, a movimentação das novas
direitas” e a sua aproximação a grupos neofascistas ajudou a fomentar o bolsonarismo e
o fortalecimento da candidatura de Jair Bolsonaro na eleição de 2018. De referir que, na
Eleição Presidencial de 2022, Jair Bolsonaro foi candidato à reeleição pelo Partido Liberal,
ajudando a consolidar este partido como a força mais representada na Câmara dos
Deputados e no Senado.
Bolsonaro era um representante de parcelas mais radicais da extrema-direita
brasileira. Figura politicamente ativa desde o período da transição
democrática, Bolsonaro se notabilizou pela defesa da tortura e de outras
atividades incompatíveis com a legalidade democrática, fomentando a
descrença na democracia liberal, nos ritos institucionais, no desprezo às
minorias e na perseguição política aos adversários. Dessa maneira, não é de
espantar que o então deputado Jair Bolsonaro tenha sido reconhecido como
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uma possível liderança por grupos mais radicais da extrema direita brasileira,
inclusive de inspiração neonazista (Neto, 2020: 170).
Populismo 2.0: a construção da “bolsoesfera digital”
O poder popular não precisa mais de intermediação, as novas tecnologias permitiram uma
relação directa entre o eleitor e seus representantes
Jair Bolsonaro
De uma forma geral, os líderes populistas utilizam uma linguagem comum, por vezes
grosseira, para demonstrarem a sua afinidade com o “povo real”, o cidadão genuíno,
visando cimentar o seu papel de outsiders com o recurso a uma terminologia de “nós
contra eles”, “bem contra o mal(Eatwell e Goodwin, 2019: 60). Devido ao facto de
serem movimentos ou organizações mais beis em comparação com os partidos
políticos tradicionais, os movimentos populistas são mais dependentes dos meios de
comunicação. De acordo com Mazzoleni (2008), os media comerciais, sobretudo as
televisões privadas e os media sensacionalistas, são aqueles que dedicam maior atenção
aos movimentos ou actores populistas, enfatizando uma cobertura mais crítica às elites
e ao establishment. Os políticos populistas m uma relação dicotómica com os media
convencionais. Por um lado, consideram que os media convencionais integram o
establishment corrupto e protegem as elites. Por outro, beneficiam da cobertura dos
media mais sensacionalistas que mesclam informação política com entretenimento no
sentido de aumentar as audiências (Moffitt e Tormey, 2014; Prior, 2021).
Tal como os actores políticos tradicionais, os políticos populistas procuram adaptar as
suas mensagens à lógica dos media. Estratégias próprias da mediatização, como a
simplificação das mensagens, a personalização, a dramaticidade, a priorização do
conflito, e o foco em eventos escandalosos, são alguns critérios de noticiabilidade que se
combinam com o estilo da comunicação populista. A propósito, Mazzoleni argumenta,
justamente, que a relação entre o fenómeno da mediatização e o populismo é muito
próxima. Por conseguinte, termos como telepopulismo” ou “populismo mediático”
(Mazzoleni, 2008; Krämer, 2014) têm sido utilizados para caracterizar a relação dos
media convencionais com o populismo.
O sucesso dos actores populistas depende da estrutura de oportunidade discursiva, isto
é, das possibilidades que uma mensagem tem de ser difundida na esfera pública ou de
conquistar visibilidade mediática. Neste ponto, as redes sociais digitais converteram-se
em um mecanismo especialmente importante para contornar a hegemonia dos media
convencionais na administração da visibilidade pública e dos temas entendidos como
relevantes para a cidadania, desafiando o discurso imposto pelas elites políticas e
mediáticas. As plataformas digitais oferecem uma autonomia comunicacional que
permite aos políticos e aos movimentos sociais difundir as suas mensagens sem
intermediação, ultrapassando as barreiras dos gatekeepers do espaço público. “Na era
digital, as audiências, antes passivas, tornam-se activas, e os actores de fora do sistema
convertem-se nos novos heróis da web 2.0” (Alonso-Muñoz, 2018: 66).
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No âmbito das novas oportunidades discursivas oferecidas pela Internet, os políticos
populistas encontraram nas plataformas digitais um espaço importante para difundir as
suas mensagens, contactar directamente com a cidadania e estimular sentimentos de
indignação face ao establishment e face às elites. As plataformas digitais oferecem novas
possibilidades de comunicação directa entre os políticos e o povo, permitindo que os
primeiros incutam valores, crenças, opiniões e atitudes fora dos mecanismos tradicionais
de mediação e sem a influência dos filtros jornalísticos, apelando ao povo sem
intermediários. Alguns autores sublinham, justamente, que os movimentos populistas
contemporâneos capitalizam o poder da web e das redes sociais digitais, valendo-se do
potencial democrático da Internet para fomentar a representação directa e a soberania
popular. Gerbaudo (2018) apelidou este fenómeno de “populismo 2.0”.
O novo ecossistema comunicacional, composto por uma mutação nas condições de
circulação discursiva na rede, pautado pela capilaridade, ubiquidade, portabilidade e
compartilhamento, enfraqueceu os pólos intermediários de inspiração mass mediática
entre o cidadão-eleitor e os dirigentes políticos, provocando uma descentralização dos
processos comunicacionais própria dos cibermeios.
De acordo com Castells (2009), a “mass-self communication”, ou comunicação individual
de massas, é um tipo de comunicação que, beneficiando da rede, pode alcançar uma
audiência infinita, mas que, por outro lado, está ao alcance de qualquer indivíduo,
estimulando audiências activas. Deste modo, através das plataformas digitais os actores
políticos beneficiam de mais autonomia comunicacional (Jenkins, 2006), controlando o
processo de comunicação, os enquadramentos informativos e as narrativas políticas, ao
mesmo tempo que estimulam vínculos emocionais com a cidadania. Efectivamente, as
redes sociais estimulam a personalização ou personificação da política, oferecendo aos
políticos a possibilidade de humanizar a sua imagem ou de acentuar características que
os aproximam do cidadão comum. Ao partilharem momentos da sua vida privada e ao
enfatizarem as dificuldades diárias do povo, os políticos populistas conseguem assumir-
se como a “voz do povo”.
As campanhas políticas de Jair Bolsonaro ilustram a exploração da comunicação directa
e do modelo da rede por parte dos movimentos neopopulistas. Os social media foram
propositadamente escolhidos por Bolsonaro como a principal arena pública de desafio ao
statu quo brasileiro, isto é, à classe política dominante, aos partidos políticos da
governação e aos meios de comunicação hegemónicos. Se, em pouco tempo, Jair
Bolsonaro se tornou no principal outsider da política brasileira, o desafiador da “velha
política”, tal não pode ser dissociado da cultura digital que caracterizou a sua
candidatura, por um lado e, por outro lado, da exploração da revolta ética contra o
establishment político e contra o fenómeno da corrupção.
Com efeito, os media digitais oferecem aos movimentos populistas a possibilidade de
recorrerem a canais alternativos de comunicação directa de onde emergem outros
regimes comunicacionais fora das instâncias mass mediáticas, regimes importantes na
disseminação de discursos anti-establishment que estimulam a mobilização cidadã
necessária à sua base de apoio. Nas Presidenciais Brasileiras de 2018, a Internet mudou
o cenário de centralidade da televisão no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
(HGPE). Em 2018, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) beneficiou da maior
fatia de tempo no HGPE, mas a campanha de Jair Bolsonaro, que no primeiro turno das
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eleições beneficiou de apenas 8 segundos diários, deixou para trás campanhas que
utilizaram as estratégias enunciativas típicas da comunicação de massa e com muito
mais tempo de exposição televisiva.
Por conseguinte, uma das principais características da comunicação política da
candidatura de Bolsonaro tem que ver com uma profunda alteração nas condições de
produção e de circulação das mensagens, um processo que saiu das fronteiras de campos
especializados, como o campo do jornalismo, e que foi operado mediante uma nova
ambiência com claras manifestações de recusa, e inclusivamente repulsa, por formas de
interacção que envolvessem estruturas e representantes de instâncias mediadoras. A
criação, em Setembro de 2017, da TV Bolsonaro, o canal oficial do candidato na
plataforma Youtube que, em Abril de 2023, conta com 1 milhão e quatrocentos mil
subscritores, ilustra a escolha dos media alternativos como forma de desafio às elites
políticas e mediáticas.
Todavia, a principal novidade da campanha eleitoral de 2018 foi a utilização da aplicação
WhatsApp como mecanismo eficaz da operacionalização da campanha digital de
Bolsonaro. A campanha do candidato do PSL conseguiu construir um canal de propaganda
política incutida de forma directa em bolhas digitais exclusivas e de forte capilaridade,
em que os próprios utilizadores estavam dispostos a produzir e a partilhar conteúdo
favorável a Bolsonaro. Embora a utilização das redes sociais não tenha sido uma novidade
nas estratégias de comunicação e de marketing político, as eleições de 2018
consolidaram a centralidade da aplicação WhatsApp como canal de propaganda, mas
também de prolongamento das discussões políticas em grupos criados na plataforma.
Por outro lado, o WhatsApp converteu-se em fonte de informação para muitos
utilizadores de onde emergiram outros “regimes de opiniões” (Fausto Neto, 2019)
provenientes, por exemplo, do “individualismo em rede” (Castells, 2009) como fonte de
relatos que escapam às lógicas regulatórias dos media tradicionais e às suas formas de
enunciação. É, justamente, neste sentido, que emerge a discussão acerca da circulação
da desinformação nas redes sociais e da pós-verdade como estratégias de propaganda
do populismo digital (Waisbord, 2018; Prior, 2021). A fabricação, montagem e circulação
de narrativas nos media digitais, escapa a uma órbita regulatória, isto porque é muito
difícil rastrear o conteúdo de desordem informacional que circula nas redes, instalando
um cenário paradoxal da sociedade mediática: “quanto mais rede, mais zonas de
sombras se instalam nos veios em que circulam e se transformam sentidos” (Fausto
Neto, 2019: 194).
O novo quadro enunciativo proporcionado pela Internet permitiu à candidatura de
Bolsonaro mobilizar elementos operativos da mecânica populista. Ora, o discurso
populista é sempre anti-sistema e um dos principais méritos do candidato Bolsonaro foi
o de se ter apresentado como político de ruptura com o establishment governativo,
mesmo actuando politicamente há praticamente três décadas e de ter passado por nove
partidos políticos. O populismo surge em um contexto de recuo do institucionalismo
provocado por crises no sistema político, na esfera da justiça, ou inclusive em instituições
como a família e a religião. Como, a propósito, sublinha Laclau, "a primeira dimensão de
fractura é a experiência de uma falta, uma brecha que surgiu na continuidade harmoniosa
do social. Há uma plenitude da comunidade que está ausente. Isto é decisivo: a
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construção do povo será uma tentativa de dar um nome a essa plenitude ausente”
(Laclau, 2005: 113).
No período compreendido entre 2014 e 2018, uma nuvem negra se instalou nas
instituições brasileiras, da política à justiça, sem esquecer os media tradicionais e as
redes sociais digitais permeadas por discursos de ódio, circulação de informações falsas
e polarização política. O resultado da eleição brasileira de 2018 não pode ser
compreendido sem a consideração de um enquadramento mais amplo acerca do contexto
político polarizado, iniciado nas Jornadas de Junho de 2013, e aprofundado pela crise
política que, em 2016, acabou por destituir Dilma Rousseff mediante um controverso
processo de impeachment. Paralelamente, a ampla mediatização da Operação Lava Jato,
deflagrada no início de 2014, contribuiu para a descredibilização da classe política, num
primeiro momento de nomes importantes do Partido dos Trabalhadores, como o ex-
presidente Lula da Silva, mas posteriormente de políticos e de partidos do centro-direita,
como o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, partido de Michel Temer, que
sucedeu a Dilma Rousseff no governo interino, e Eduardo Cunha, ex-presidente do
Congresso Nacional e responsável pela abertura do processo de impedimento. Também
a alternativa tradicional ao Partido dos Trabalhadores, o Partido Social da Democracia
Brasileira, que apoiou o processo de impeachment e as posteriores reformas impopulares
do governo de transição, foi envolvido nas investigações da Lava Jato e em sucessivos
escândalos de corrupção, sobretudo nos governos estaduais de São Paulo e Minas Gerais.
Com efeito, a tradicional polarização da política brasileira, desde 1994 entre o PT e o
PSDB, deu lugar a dois novos movimentos que mediram forças nas eleições de 2018: o
lulismo e o “partido da Lava Jato”. Esvaziado o centro político como principal alternativa
à esquerda brasileira, Jair Bolsonaro foi quem mais beneficiou dos discursos anti-
corrupção, mas também da própria actuação de Sérgio Moro, juiz que impediu a
candidatura do ex-presidente Lula da Silva. Bolsonaro colocou-se como principal
protagonista da ruptura política desejada pelos eleitores brasileiros, em um contexto
político e social de insatisfação generalizada face à corrupção endémica desvelada pelos
desdobramentos da Operação Lava Jato.
Operando uma mecânica discursiva que remete à construção da fronteira antagónica
amigo/inimigo, nós versus “eles”, a campanha de Bolsonaro adoptou uma estratégia
beligerante entre “puros” e “impuros”. De acordo com Cas Mudde e Kaltwasser, “os
populistas de sucesso conseguem combinar uma vasta gama de queixas sociais em torno
de um discurso populista de nós, o bom povo contra eles, a elite corrupta” (Mudde e
Kaltawasser, 2017: 127). Um dos principais sucessos da campanha de Bolsonaro teve
que ver com um apelo a recursos retóricos de mobilização de sentimentos anti-Partido
dos Trabalhadores, explorando a polarização social herdada das eleições brasileiras de
2014 e aprofundada pelo processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff em
2016. A mobilização do chamado antipetismo e, durante a campanha, do anti-comunismo
e anti-esquerdismo generalizados, ocorreu associando estes movimentos à corrupção e,
em geral, à degeneração dos valores sociais e morais da nação brasileira, retratada como
estando a ser ameaçada nos seus valores tradicionais, particularmente em núcleos como
a escola e a família, associando essa degeneração a comportamentos e a pautas
defendidas por movimentos progressistas de esquerda, como os movimentos feministas,
a população LGBT ou o Movimento Sem Terra (MST). O antagonismo amigo-inimigo
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acabou por se sobrepor à polarização povo versus elites, permitindo construir a sensação
de uma ameaça permanente à integridade do “cidadão de bem”. Neste ponto, “narrativas
conspiratórias” sobre a deturpação de valores da identidade nacional e a referências a
“forças terríveis" conotadas à esquerda estiveram entre os conteúdos que mais
circularam no WhatsApp (Cesarino, 2020: 100).
A “cadeia de equivalências” foi sendo construída à medida que o eixo amigo-inimigo se
associou a outros dois importantes eixos da mecânica populista de Bolsonaro: o
moralismo e a construção do verdadeiro povo brasileiro constitdo por cidadãos de bem
que assumem sentimentos nacionalistas e identitários. O politólogo Jan-Werner Müller
destaca, justamente, que o populismo converte o debate de ideias, próprio de uma
democracia, em uma luta moralista e anti-pluralista. Na construção da suposta essência
do verdadeiro povo brasileiro, aplicaram-se estratégias argumentativas de dualidade e
antagonismo que visavam reforçar a lealdade dos convertidos, estimulando a
identificação tribal e, simultaneamente, visando seduzir potenciais eleitores através de
valores nativistas, idiossincráticos, identitários e de costumes. O investimento discursivo
no eixo moralista da mecânica populista de Bolsonaro, permitiu estabelecer fronteiras
entre grupos, os puros e homens de bem, contra inimigos corruptos, bandidos que
contaminam a sociedade, ou grupos que causam repulsa, como movimentos feministas,
gays e lésbicas, e demais grupos protegidos pelas políticas de reconhecimento das pautas
progressistas que visam proteger as minorias ou grupos sociais em situação de
desigualdade estrutural. “Construiu-se, em oposição a essa concepção do inimigo, uma
cadeia de equivalência articulada através de identidades vagas como indivíduos, cristãos,
trabalhadores ou “patriotas”, colocados como preteridos ou oprimidos pela militncia pelo
direito à diferenca (Cesarino, 2020: 109).
Uma das estratégias fundamentais do nacional-populismo de Jair Bolsonaro, foi a de
incentivar a polarização social e política entre nós, o positivo, e eles, o negativo. Para
mobilizar partes do eleitorado ligadas a valores religiosos, morais e nacionais, a
campanha de Bolsonaro exaltou valores e estruturas tradicionais ligadas ao
conservadorismo social brasileiro e ao ideário da extrema-direita, identificado os
divergentes como inimigos antagonistas, “marginais vermelhos” que devem ser
combatidos para purgar a sociedade:
Não tem preço as imagens que vejo agora da Paulista e de todo o meu querido
Brasil. Perderam ontem, perderam em 2016 e vão perder a semana que vem
de novo. Só que a faxina agora semuito mais ampla. Essa turma, se quiser
ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou o pra fora ou
vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria
(Bolsonaro, 2018).
5
Conclusão
A Eleição Presidencial Brasileira de 2018 é um exemplo do processo de transformação de
uma multidão insatisfeita, porém heterogénea na sua fase inicial, na unificação de uma
liderança nacional-populista que alegava vir de fora do sistema corrupto e imoral para
5
https://www.reuters.com/article/politica-eleicao-bolsonaro-vermelhos-ban-idBRKCN1MW017-OBRDN
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purgar a sociedade e restituir a ordem social, moral e política. Como em um jogo
desportivo, a campanha de 2018 transformou eleitores em adeptos ou “torcedores”, em
que era impossível não pertencer a um dos lados da barganha. Desde o início da
campanha, Bolsonaro utilizou a camisola verde e amarela da selecção nacional brasileira,
em contraposição ao vermelho do PT e do comunismo, apropriando-se da simbologia
nacional e do discurso patriótico numa luta moral e emocional contra as cores e as
ameaças da esquerda e do comunismo. O caso brasileiro possibilita-nos compreender
como o nacional-populismo ganhou força no processo eleitoral de 2018, sobretudo
através de um activismo judicial e mediático que criminalizou as elites políticas brasileiras
e os principais partidos da governação e que causou um certo pânico moral na sociedade
através do fenómeno da corrupção. A discussão sobre o populismo contemporâneo no
Brasil resulta, com efeito, da articulação entre democracia e escândalo, insatisfação
popular, enfraquecimento institucional, judicialização e polarização política, factores
fundamentais para entender a mecânica populista operada por Jair Bolsonaro na eleição
de 2018. Este artigo corresponde a uma tentativa de compreender a ideologia
bolsonarista, focando em um conjunto de acontecimentos que ocorreram entre 2013 e
2018 e que resultaram na vitória do candidato da extrema-direita.
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Nacional-populismo no Brasil: uma reflexão sobre a ascensão de Jair Bolsonaro
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