OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL. 16, Nº. 1
Maio-Outubro 2025
395
UNIR MUNDOS: A LUTA DAS MULHERES SAHARAUIS CONTRA O
COLONIALISMO E O PATRIARCADO NOS CAMPOS DE REFUGIADOS E NA
DIÁSPORA ESPANHOLA
CAROLINA FERNANDES
caffs2@iscte-iul.pt
Aluna de Doutoramento em Estudos Internacionais no ISCTE Instituto Universitário de Lisboa
(Portugal). Tem um mestrado em Estudos Internacionais e uma licenciatura em Ciência Política,
no domínio das Políticas Públicas. (ISCTE-IUL). https://orcid.org/0009-0009-8078-8224
Resumo
Este artigo procura compreender os diversos papéis das mulheres Saharauis nos campos de
refugiados, na Argélia e na diáspora espanhola, relacionados com os esforços de resistência
das mulheres contra o Colonialismo e o Patriarcado. Com base na literatura académica e em
fontes primárias, este artigo discute o papel histórico das mulheres Saharauis, tanto na
sobrevivência do povo como no movimento de resistência. Surge um debate entre as
perspetivas das mulheres Saharauis nos campos e as da diáspora espanhola, que apresentam,
grosso modo, diferentes pontos de vista sobre a emancipação e os direitos das mulheres.
Através de um quadro de Feminismo Decolonial, examino as diferenças entre o quotidiano
das mulheres nos campos, que têm de se concentrar na sobrevivência, na educação e na
saúde, e o das mulheres em Espanha, que apresentam uma perceção distinta das questões a
partir da sua perspetiva externa. De um modo geral, o artigo defende o reconhecimento e a
amplificação das vozes das mulheres Saharauis, sublinhando o seu papel crucial na busca da
libertação da opressão colonial e patriarcal. Por fim, apela a um maior enfoque na ocupação
do Sahara Ocidental e na libertação do povo Saharaui.
Palavras-chave
Emancipação, Libertação, Resistência, Sahara Ocidental, Mulheres.
Abstract
This article seeks to understand the diverse roles of Sahrawi women in the refugee camps, in
Algeria, and in the Spanish diaspora, relating to women’s resistance efforts against
Colonialism and Patriarchy. Drawing from academic literature and primary sources, this article
discusses the historical role of women in the Sahrawi society, both in the survival of the people
and within the resistance movement. A debate emerges between the perspectives of the
Sahrawi women in the camps and those in the Spanish diaspora, which roughly present
different standpoints on women’s emancipation and rights. Through a Decolonial Feminism
framework, I examine the differences between the day-to-day lives of the women in the
camps, who must focus on survival, education, and health, and those in Spain, who present
a distinct lens of issues from their outside perspective. Overall, the article advocates for the
recognition and amplification of Sahrawi women’s voices, emphasising their crucial role in the
pursuit of liberation from both Colonial and Patriarchal oppression. Lastly, it calls for a greater
focus on the occupation of Western Sahara and the liberation of the Sahrawi people.
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Keywords
Emancipation, Liberation, Resistance, Western Sahara, Women.
Como citar este artigo
Fernandes, Carolina (2025). Unir Mundos: A Luta das Mulheres Saharauis Contra o Colonialismo e
o Patriarcado nos Campos de Refugiados e na Diáspora Espanhola. Janus.net, e-journal of
international relations. VOL. 16, Nº. 1. Maio-Outubro 2025, pp. 395-414. DOI
https://doi.org/10.26619/1647-7251.16.1.18.
Artigo submetido em 22 de maio de 2024 e aceite para publicação em 10 de março de
2025.
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UNIR MUNDOS: A LUTA DAS MULHERES SAHARAUIS CONTRA O
COLONIALISMO E O PATRIARCADO NOS CAMPOS DE
REFUGIADOS E NA DIÁSPORA ESPANHOLA
CAROLINA FERNANDES
Introdução
O debate em torno da emancipação das mulheres Saharauis no seio da sua sociedade
não é recente. Alguns académicos (Juliano, 1998; Zunes & Mundy, 2010) entendem a
sociedade como matriarcal e defensora dos direitos das mulheres. No entanto, como será
discutido neste artigo, esta perspetiva ignora as vozes e os entendimentos de muitas
mulheres Saharauis. Este artigo aborda estas perspetivas contraditórias, centrando-se
nas dinâmicas de poder, na resistência, na emancipação e na autodeterminação. Esta
investigação desafia as narrativas convencionais que ignoram a autonomia e a resistência
das mulheres Saharauis, dando prioridade às suas vozes e perspetivas. Centrar as vozes
das mulheres Saharauis não só enriquece os debates académicos como também desafia
o domínio de perspetivas externas na produção de conhecimento.
O interesse em torno deste foco de investigação surgiu quando conheci cinco crianças
dos campos de refugiados na Argélia, que tinham vindo para a Europa em 2019 ao abrigo
do programa Vacaciones en Paz
1
. Fiquei a conhecer a luta do povo Saharaui através das
conversas que tive com estas crianças e com o seu acompanhante. Estas conversas,
aliadas a um interesse anterior pelas lutas de libertação e pela emancipação das
mulheres, abriram caminho para o desenvolvimento de um interesse académico em torno
do papel e das perspetivas das mulheres Saharauis sobre a Colonização e as violações
dos direitos humanos, juntamente com o sistema Patriarcal de opressão. Procurando
adotar uma abordagem feminista e decolonial dos problemas que surgem do estudo da
literatura, bem como das conversas com as mulheres Saharauis, ouvi as várias
intervenções das mulheres entrevistadas sobre o papel histórico das mulheres Saharauis
na luta e sobrevivência do seu povo.
Por esta razão, neste artigo, criei uma conversa entre dois grupos de mulheres
Saharauis: as que vivem nos campos de refugiados argelinos e as que residem em
Espanha, como parte da diáspora. É neste contexto que surge a questão de investigação
1
Vacaciones en Paz é um programa tornado oficial nos anos 80 para acolher crianças Saharauis por famílias
de diferentes países geralmente Espanha, neste caso, Itália durante os meses de julho e agosto.
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a que pretendo responder neste artigo: Quais são as perceções atuais das mulheres
Saharauis nos campos de refugiados e na diáspora espanhola sobre os direitos e a
emancipação das mulheres? Para responder a esta pergunta, foi criado um diálogo entre
a literatura existente sobre cada grupo e a minha própria investigação anterior
2
.
Entrevistei um total de nove mulheres cinco vivem nos campos de refugiados
3
e quatro
a viver em Espanha. Contactei estas mulheres através de uma abordagem de
amostragem em bola de neve ou diretamente através de organizações. Depois de
estabelecer o contacto inicial, realizei entrevistas online, onde foram discutidos os temas
explorados neste artigo. Consequentemente, analisei a informação fornecida por estas
entrevistas através de Análise Temática Reflexiva. Assim, procuro compreender as
diferentes perspetivas que estas mulheres apresentam relativamente ao seu estatuto na
sociedade Saharaui e as suas críticas sobre o que consideram ser a falta de direitos das
mulheres. Desta forma, pretendo realçar a importância de centrar as perspetivas e os
entendimentos das mulheres Saharauis, em vez de retratar uma contribuição académica
ocidental centrada principalmente nas interpretações de académicos ocidentais.
Posicionamento: uma contribuição Decolonial
Antes de prosseguir, devo começar por reconhecer a minha posição no quadro académico
e social. Sou uma mulher branca da classe média, na casa dos 20 anos, nascida e criada
em Portugal um país onde a história é maioritariamente ensinada através de uma lente
Ocidental e Eurocêntrica. Este contexto molda inevitavelmente a minha perspetiva,
exigindo um esforço consciente para me envolver criticamente com histórias e narrativas
que foram ativamente suprimidas pelas estruturas Coloniais. A sociedade portuguesa
continua a debater-se com o reconhecimento das cicatrizes profundas e duradouras do
Colonialismo. Como resultado, as desigualdades sistémicas enraizadas na classe, raça,
etnia e sexualidade persistem, muitas vezes não reconhecidas por aqueles que não são
diretamente afetados ou estão ativamente envolvidos nestas questões.
Por esta razão, a par das preocupações Decoloniais e Pós-coloniais sobre as questões
inerentes ao Feminismo Branco, é fundamental uma reflexão sobre este enquadramento.
Françoise Vergès e Ashley J. Bohrer (2019) entendem que os países Ocidentais tendem
a reprimir a sua história Colonial e os abusos que levaram a cabo em primeira mão sobre
os povos no exterior. Estes países procuram enfraquecer os laços entre a escravatura, o
Colonialismo e o Imperialismo, para preservar o seu sentimento de inocência. Da mesma
forma, o Feminismo Branco usa a opressão das mulheres pelos homens para se distanciar
do legado racista do mundo Ocidental e, assim, ignorar as várias questões que
constituem formas de opressão, simplificando-as.
Por este motivo, e tendo em conta as minhas raízes, considero imperativo assumir uma
perspetiva Decolonial, de modo a impedir a replicação de questões como esta. O
Feminismo Decolonial foca-se no fortalecimento dos laços entre os aliados do Norte
Global e as lutas das mulheres do Sul Global, enfatizando a necessidade de romper com
o Capitalismo e o Patriarcado (Vergès & Bohrer, 2019). É aqui que a minha investigação
2
Investigação realizada no âmbito da minha dissertação de mestrado: Fernandes, C. A. (2023). Sahrawi
Women’s Resistance in the Refugee Camps and in the Spanish Diaspora.
3
Quatro delas foram entrevistadas com a ajuda de uma tradutora.
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se torna relevante, para contribuir para a amplificação das narrativas das mulheres
Saharauis nos seus próprios termos, num país onde pouca discussão sobre a resistência
do Sahara Ocidental é cultivada.
Para discutir a resistência de um povo do Sul Global, é necessário fazer a ponte entre as
lutas anti-Racista, anti-Capitalista e anti-Colonial, de modo a aprofundar as teorias sobre
libertação e emancipação. Além disso, para discutir a resistência de um povo de um país
Islâmico, é também fundamental compreender que, com a queda do Muro de Berlim, o
trabalho de emancipação do Movimento Feminista mainstream a crítica ao
autoritarismo religioso, a análise da dominação heteropatriarcal das mulheres e as
ligações entre Capital, Estado e Sexismo foi reduzido ao Secularismo e a criticismo
sobre o Islão (Vergès & Bohrer, 2019). É neste sentido que se deve contemplar o
Feminismo Ocidental Civilizador como inerentemente racista e centrado no Ocidente. Um
feminismo que considera os valores e culturas de fora como opressivos, e desvaloriza as
lutas do movimento feminista na década de 1970: a luta feminista na Europa tornou-se
uma ideologia neoliberal (Vergès & Bohrer, 2019).
O papel histórico das mulheres Saharauis
Ancestralidade nómada
O povo Saharaui é intrinsecamente nómada, de origem Berbere, descendente de
viajantes Iemenitas. Os Berberes Sanhaja chegaram ao que hoje conhecemos como
Sahara Ocidental cerca de 500 A.E.C. (Suarez, 2016). A língua falada desenvolveu-se ao
longo dos séculos e mantém-se viva atualmente graças aos esforços das mulheres
Saharauis (Sadiqi, 2008). A sociedade segue as normas familiares patrilineares e a
hierarquia de género, colocando as mulheres como dependentes e inferiores aos homens
(Sadiqi, 2008). A nível político, a sociedade que antecedeu o período de colonização
caracterizava-se por aquilo que Segato (2011, in Medina Martín, 2016) conceptualizou
como “patriarcado de baixa intensidade”, pois as decisões políticas eram discutidas com
as mulheres antes de serem postas em prática, uma vez que a sua participação era
considerada fundamental para a tomada de decisões.
Colonialismo Espanhol
A Colonização Espanhola, iniciada em 1884, instigou a mudança nas dinâmicas de género
existentes (López Tessore & Maiolino, 2022). A opressão e a supressão da cultura
Saharaui endureceram até 1940, quando os colonos se concentraram em enfraquecer a
cultura nómada do povo Saharaui (Medina Martín, 2016). O projeto de provincialização
levado a cabo por Espanha após a Guerra Civil (1936-1939) previa lançar as bases da
assimilação da sociedade colonizada, construindo uma relação ambivalente com esta.
Ambivalente porque as políticas em jogo serviam para a negação e para a identificação
com o sujeito colonizado, num estado de nem uma coisa nem outra (Tirado, 2024).
Espanha definiu a região do Sahara Ocidental tendo em conta as suas práticas Beduínas,
a língua Hassanyia e a religião islâmica, para a distinguir da metrópole (Tirado, 2024).
De 1964 a 1975, a exploração do fosfato aumentou, juntamente com esforços de
colonização mais fortes no sentido do enfraquecimento da cultura nativa (Rodríguez &
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Barrado, 2015 in Medina Martín, 2016). Os colonizadores opuseram-se fortemente às
dinâmicas de género em vigor nesta região (Medina Martín, 2016). Acreditavam que as
mulheres Saharauis estavam numa posição perigosa para o reforço do poder dos homens
na sociedade, nomeadamente através da sua certa independência e do direito ao divórcio
(Medina Martín, 2016). Em 1964, a Falange Espanhola levou a “Secção das Mulheres”
para o Sahara Ocidental, na esperança de alterar as dinâmicas de género estabelecidas
aquilo a que Medina Martín (2016, p.258) se refere como “colonialismo de género”, um
conceito desenvolvido por María Lugones
4
. Assim, as forças colonizadoras procuraram
criar uma mudança nos papéis tradicionais de género, procurando aproximá-los de
padrões ocidentalizados (Allan 2016). As mudanças ocorridas neste período levaram a
uma profunda alteração do papel da mulher, que passou a depender mais
economicamente do homem, e o divórcio passou a apenas ser possível mediante o
pagamento de uma taxa (Medina Martín, 2016).
No entanto, as mudanças que a Secção das Mulheres procurou realizar, ou mesmo que
conseguiu desenvolver, não ficaram isentas de indignação ou contestação. As mulheres
Saharauis defenderam o ensino de dinâmicas de género não opressoras (como a costura
e a cozinha como principais papéis das mulheres na sociedade e no lar); por exemplo,
foi sugerida a disponibilização de aulas de literatura (Allan, 2016). A pressão para mudar
o ensino levou a Secção a avançar para o reforço da educação das mulheres. À medida
que a pressão dos colonizadores aumentava, crescia também a necessidade de resistir
aos esforços para oprimir e alterar a cultura. As mulheres participaram em todas as
formas de resistência contra a opressão masculina e a Colonização (Allan, 2016). Em
1973, foi criado o movimento de libertação, a Frente Polisário, e, no seu seio, a Ala
Feminina (atualmente Unión Nacional de Mujeres Saharauis, UNMS), seguida do Exército
de Libertação Popular Saharaui (ELPS). Com a Ala Feminina, as mulheres tornaram-se
parte integrante das forças armadas, dos dispositivos de informação e dos ramos da
saúde (Lippert, 1992; Strzelecka, 2023; Zunes & Mundy, 2010). As mulheres
organizaram protestos e reuniões e estiveram na linha da frente da contestação ao
Colonialismo Espanhol nas décadas de 1960 e 1970 (Juliano, 1998; Sebastián, 2021).
Depois de Marrocos se ter tornado independente de França em 1956, o país começou a
interessar-se pelas regiões circundantes, incluindo o Sahara Ocidental (López Tessore &
Maiolino, 2022). Em 1974, perante a grande pressão das Nações Unidas, Espanha
anunciou a sua intenção de realizar um referendo sobre a autodeterminação do povo do
Sahara Ocidental ou de ser anexado por Marrocos ou pela Mauritânia (López Tessore
& Maiolino, 2022; Lovatt & Mundy, 2021). Paralelamente, Embarca Mahamud, Arbía
Mohamed Nas e Fatima Taleb que trabalhavam na altura para a Secção das Mulheres
começaram a reforçar as suas críticas à organização e à sua negligência em relação
aos interesses das mulheres (Allan, 2016). Isto levou a que se estabelecesse uma ponte
entre a contestação ao Patriarcado e ao Colonialismo e, consequentemente, a exigência
do direito de voto das mulheres no referido Referendo (Allan, 2016). Como dois sistemas
de opressão diferentes, mas interligados, o Patriarcado e o Colonialismo foram vistos
4
Lugones (2008, 2011, 2012) desenvolveu o conceito de “colonialismo de género” em várias obras, incluindo:
Lugones, M. (2008). Colonialidad y género. Tabula rasa, (9), 73-102. Lugones, M. (2011). Hacia un feminismo
descolonial. La Manzana de la Discordia, 6(2), 105119. Lugones, M. (2012). Subjetividad esclava, colonialidad
de género, marginalidad y opresiones múltiples. In P. Montes (Ed.), Pensando los feminismos en Bolivia (pp.
129140). Conexión Fondo de Emancipación.
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como duas questões a combater para a libertação do povo, e das mulheres em particular.
Assim, para libertar as mulheres Saharauis, a independência do Sahara Ocidental foi
considerada fundamental, carecia de correlação com a independência da ordem Patriarcal
estabelecida. No entanto, Marrocos considerou que o Referendo da Independência não
deveria ter lugar, por considerar que o território do Sahara Ocidental pertencia
historicamente ao Reino de Marrocos. Neste sentido, o país solicitou uma audiência ao
Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) (Lippert, 1992; Zunes & Mundy, 2010). Em 1975,
foi estabelecida uma Missão das Nações Unidas para analisar este processo. O TIJ
entendeu que não existiam laços entre Marrocos e a Mauritânia com o território do Sahara
Ocidental, enquanto as reivindicações de independência pareciam fortes (“Advisory
Opinion on the Western Sahara”, 1975).
Ocupação marroquina e a Guerra do Sahara Ocidental
A 6 de novembro de 1975, Marrocos e a Mauritânia invadiram o Sahara Ocidental com a
Marcha Verde, onde 300.000 cidadãos e 20.000 soldados invadiram a região (Lovatt &
Mundy, 2021; Zunes & Mundy, 2010). Uma semana depois, no dia 14, Espanha, Marrocos
e Mauritânia assinaram os Acordos de Madrid, nos quais ficou estabelecido que Espanha
passava a soberania sobre o Sahara Ocidental a Marrocos e à Mauritânia (López Tessore
& Maiolino, 2022; Lovatt & Mundy, 2021; Strzelecka, 2023) reconhecendo assim a
invasão. A Frente Polisário opôs-se a estes acordos, apoiada pela Argélia, e as Nações
Unidas não reconheceram esta transferência de poder (Lovatt & Mundy, 2021). Nem
Marrocos nem a Mauritânia recuaram, o que levou ao início da guerra do Sahara Ocidental
e à fuga para o exílio na Argélia de cerca de 40% da população Saharaui, onde foram
criados campos de refugiados (Lovatt & Mundy, 2021). A 27 de fevereiro de 1976, foi
proclamada a República Árabe Saharaui Democrática (RASD), que se tornou o governo
dos Saharauis no exílio, nos campos da Argélia (López Tessore & Maiolino, 2022; Lovatt
& Mundy, 2021; Medina Martín, 2016; Strzelecka, 2023). No dia seguinte, 28, as forças
espanholas retiraram-se do território ocupado. A guerra com Marrocos prolongou-se até
1991, mas a Mauritânia foi derrotada em 1979 (Lovatt & Mundy, 2021).
Entre 1981 e 1987, Marrocos construiu um muro de 2.700 km, o muro da vergonha,
rodeado por cerca de 10 milhões de minas antipessoais, que divide as regiões ocupada
(a oeste) e libertada (a este) do Sahara Ocidental (Estrada & Costa, 2017; Lee, 2015;
Lovatt & Mudy, 2021; Medina Martín, 2016) (ver figura 1). A zona libertada foi
bombardeada com napalm e fósforo branco, e na região ocupada os Saharauis são
torturados e sofrem desaparecimentos forçados (Medina Martín, 2016).
Enquanto os Saharauis da zona ocupada resistiam à opressão do Reino de Marrocos, nos
campos de refugiados a sobrevivência quotidiana estava em perigo. Com os homens na
linha da frente da batalha, as mulheres encarregaram-se de garantir que o seu povo
sobrevivesse para ver o dia seguinte: construíam as jaimas (tendas) que se tornariam
as casas das pessoas que viviam na hammada argelina e organizavam os campos de
refugiados para garantir a sobrevivência, a educação e a saúde das pessoas (Medina
Martín, 2016). Estes campos são autoadministrados pela Frente Polisário e pela RASD,
mas dependem da ajuda alimentar e humanitária internacional (Strzelecka, 2023).
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Figura 1. Mapa do Sahara Ocidental
5
Fonte: BBC News. https://www.bbc.com/news/world-africa-14115273
De acordo com Juliano (1998), as mulheres Saharauis recorreram a três estratégias para
garantir a sua posição na sociedade. A invisibilidade era uma forma de criticar os sistemas
de opressão, procurando influenciar posições e perspetivas, através de um ponto de vista
invisível, que permitisse a sua influência na sociedade. A autoafirmação permitiu às
mulheres combater abertamente as rias formas de opressão, depois de terem obtido
algum controlo para o fazer. A maternidade parte de um ponto de vista em que as
mulheres entendem a maternidade como uma forma de resistência ativa contra a
ocupação e a opressão do seu povo. No entanto, as prioridades de sobrevivência
enfrentadas nos campos de refugiados fecharam o espaço para as mulheres debaterem
a sua posição como um coletivo e, assim, a sua emancipação dentro da sociedade
Patriarcal Saharaui (Medina Martín, 2016).
30 anos de cessar-fogo
A quietude da guerra levou a um acordo de cessar-fogo entre o Reino de Marrocos e a
Frente Polisário em 1991 (Zunes & Mundy, 2010). A partir desta altura, a influência das
mulheres na sociedade a nível político diminuiu, uma vez que os homens regressaram
da frente de batalha para os campos de refugiados, reocupando os espaços que tinham
sido da responsabilidade das mulheres desde 1975 (Medina Martín, 2016). As Nações
Unidas estabeleceram uma missão denominada Misión de Naciones Unidas para el
Referendo en el Sáhara Occidental (MINURSO) que procurou monitorizar o cessar-fogo,
reduzir a força militar marroquina na região ocupada, bem como identificar e registar os
eleitores (Medina Martín, 2016). No entanto, esta é a única missão da ONU que não
5
A Oeste (amarelo), a zona controlada por Marrocos. A Este (laranja), o território controlado pela Frente
Polisário. O tracejado simboliza o muro contruído a separar as duas zonas, e o ponto verde indica a zona de
passagem na fronteira, em Guerguerat.
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supervisiona uma cláusula de observação e denúncia de violações de direitos humanos
desde 1978 (Lee, 2015; Medina Martín, 2016; Perez-Martin, 2014). Realizaram-se duas
tentativas de referendo em 1992 e 1997 mas estas foram encerradas depois de terem
sido levantadas questões de elegibilidade dos eleitores (Zunes & Mundy, 2010). As
esperanças de realizar um referendo diminuíram com o passar dos anos e, em 2019, a
Frente Polisário, apoiada pelo povo, começou a perceber a retomada da guerra como a
única solução possível para a independência do Sahara Ocidental. Em novembro de 2020,
o acordo de cessar-fogo foi quebrado por Marrocos, que violou o cessar-fogo em
Guerguerat, na zona libertada (Lovatt & Mundy, 2021).
Violação de Direitos Humanos no Sahara Ocidental Ocupado
A ocupação do Sahara Ocidental pelas forças marroquinas é altamente repressiva e
opressiva. Em 1976, cerca de 500 mulheres juntaram-se num protesto contra as
violações dos direitos humanos levadas a cabo por Marrocos no Sahara Ocidental
ocupado: a repressão, a tortura e os desaparecimentos forçados foram o foco deste
encontro. Este acontecimento colocou as mulheres na linha da frente dos esforços de
resistência (Medina Martín, 2016).
Em 2022, o hegoa
6
publicou um relatório sobre as violações dos direitos humanos das
mulheres Saharauis no Sahara Ocidental ocupado. O relatório detalha várias formas de
violação da liberdade e da segurança pessoal, como a violação do direito à vida, uma vez
que os Saharauis sofrem frequentemente de desaparecimentos forçados, são torturados
física e psicologicamente e assassinados. O relatório conta das várias formas de
privação dos direitos culturais dos Saharauis, como a proibição das casas tradicionais
(jaimas) e nomes Saharauis, vestuário e língua (Hassanyia). No que respeita aos direitos
sociais, os Saharauis estão sujeitos à recusa de cuidados médicos (e são frequentemente
ameaçados pelas forças marroquinas nos hospitais). As crianças são vítimas de assédio
na escola e podem ser seguidas até casa. Além disso, não existem universidades no
Sahara Ocidental ocupado, o que obriga os Saharauis que pretendem frequentar o ensino
superior a deslocarem-se para Marrocos (Azkue, et al., 2022).
As mulheres e as raparigas contam frequentemente que foram timas de violência sexual
por parte das forças marroquinas. Descrevem toques, agressões verbais, violações ou
ameaças de violação, violações coletivas e violações com objetos, torturas durante a
gravidez, abortos forçados, ser obrigadas a ouvir violências sexuais contra outra pessoa,
escravatura sexual, descargas elétricas nos seios e/ou nos órgãos genitais, mutilações
sexuais e esterilizações forçadas (Azkue, et al., 2022).
No que se refere aos direitos económicos, Marrocos procura ativamente excluir os
Saharauis da participação na sociedade através de políticas económicas e laborais. A
maioria das mulheres Saharauis no Sahara Ocidental ocupado não tem rendimentos ou
tem um rendimento extremamente baixo, o que enfraquece as suas possibilidades de
adquirir bens de primeira necessidade, como alimentos e provisões, deixando-as com
cada vez menos autonomia. Os Saharauis, na sua maioria mulheres, são discriminados
na força de trabalho, sendo vítimas de assédio no trabalho, congelamento de salários,
6
Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento e Cooperação Internacional da Universidade do País Basco.
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aumento da precariedade no trabalho e recusa de autorizações de trabalho. Os ativistas
que participam em atividades de defesa dos direitos do povo Saharaui são
economicamente postos como alvo, sofrendo represálias (Azkue, et al., 2022).
A Resistência das mulheres Saharauis nos campos de refugiados e na
diáspora Espanhola
As perceções das mulheres Saharauis nos campos de refugiados e na diáspora espanhola
sobre a opressão de nero, as prioridades específicas de género e as formas de luta
contra a opressão são divergentes (Fernandes, 2023; Medina Martín, 2016). Um aspeto
que reúne maior concordância entre estes dois grupos é o papel histórico das mulheres
Saharauis na sociedade, o que pode ser evidenciado em todos os aspetos da resistência,
particularmente da Marcha Verde em diante. Nesta época, as mulheres surgiram como
líderes do povo em êxodo e se estabeleceu no exílio, na hammada argelina. Assim, a
sociedade rapidamente reconhece as mulheres como as responsáveis pela sobrevivência
do povo Saharaui, resultante do seu papel na construção e organização dos campos de
refugiados, nomeadamente nas fases iniciais, uma vez que estabelecer rapidamente as
bases da vida nesta região era a maior prioridade, como evidenciam as seguintes citações
(Fernandes, 2023):
“Apesar de todo o sofrimento desde o momento em que as mulheres
Saharauis foram obrigadas a fugir das suas terras e chegaram aos campos de
refugiados, elas procuraram força para construir os campos, para poderem
construir as escolas, construir os centros e fornecer saúde e educação ao resto
da população. Elas obtiveram força do nada para poderem construir uma
sociedade inteira e continuar a lutar e manter a luta até aos dias de hoje”
(Amani)
7
.
“Mesmo desde o início da nossa luta, depois de a população ter fugido para
os campos de refugiados, podemos dizer que este foi o ponto em que as
mulheres Saharauis tiveram o início da sua presença significativa dentro da
sociedade, porque foram elas que basicamente construíram os campos de
refugiados. As mulheres assumiram o comando da construção dos campos de
refugiados. (…) Basicamente, pode dizer-se que a gestão e administração
interna dos campos estava nas mãos das mulheres Saharauis” (Qadira).
Portanto, apesar da compreensão académica do papel das mulheres Saharauis na
sociedade desde as eras madas Beduínas, a Marcha Verde apresenta-se como um
ponto de mudança no papel das mulheres, à medida que se tornam líderes comunitárias
e políticas, responsáveis pela sobrevivência do povo, da sua cultura e da sua resistência
e isto não parece ser contestado a qualquer nível. A opressão levada a cabo por
Marrocos tornou necessária e intensificou os debates sobre a opressão, as questões
femininas e a emancipação, à medida que as mulheres Saharauis se mobilizavam na
resistência. Com os homens nas linhas da frente da batalha, as mulheres ocuparam a
7
Os nomes utilizados nestas citações passaram por um processo de anonimização e pseudonimização para
garantir a proteção das entrevistadas.
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arena política, algo que de outra forma não teria sido possível, uma vez que estes espaços
foram meramente cedidos, e não obtidos. No entanto, isto abriu caminho para que as
mulheres assumissem um estatuto sem precedentes, ao serem reconhecidas como a
“espinha dorsal da luta” (Malika).
Ao longo da secção seguinte, serão apresentadas as perceções de nove mulheres
entrevistadas. Nos campos de refugiados foram entrevistadas cinco mulheres (quatro do
campo de Bojador e uma de Smara). Estas mulheres tinham entre 30 e 61 anos à data
das entrevistas. Trabalham em diversas áreas, desde os setores da saúde e da educação
até ao comércio e cargos políticos. Quatro destas mulheres foram entrevistadas com a
ajuda de uma tradutora de Hassanyia para inglês. Na diáspora espanhola, as mulheres
entrevistadas tinham entre 23 e 36 anos. A mais nova era estudante, enquanto outras
trabalhavam nos setores da saúde ou da educação. Todas podem ser consideradas
ativistas.
Os campos de refugiados
As próprias mulheres Saharauis articulam o seu papel central nos campos de refugiados
e na diáspora, enfatizando a sua liderança na educação, administração e organização
comunitária. Os seus relatos, juntamente com as perceções de académicos e da
sociedade civil, destacam as formas como moldam e sustentam a resistência coletiva.
Delgado & Franco (2024) apresentam quatro formas de resistência das mulheres nos
campos de refugiados. Em primeiro lugar, papéis profissionais educacionais, uma vez
que as mulheres Saharauis participam ativamente na educação e na liderança
comunitária, o que as coloca num papel central. Em segundo lugar, a resistência cultural
e simbólica, considerando o seu papel vital na transmissão da história, da língua e das
tradições do povo em geral, da cultura do povo Saharaui. Terceiro, a advocacia
internacional, considerando o seu papel na sensibilização para a luta pela
autodeterminação a nível global. E em quarto lugar, atos diários de desafio, considerando
a forma como as mulheres Saharauis resistem à eliminação do seu povo e da sua cultura,
através da manutenção da coesão comunitária.
No entanto, não existe consenso sobre a emancipação da mulher na sociedade Saharaui.
Enquanto uns percecionam esta sociedade como feminista e até matriarcal (Lovatt &
Mundy, 2021; Zunes & Mundy, 2010), outros criticam este entendimento (Medina Martín,
2016), afirmando que esta perceção é distorcida. Particularmente nos campos de
refugiados, existe alguma disputa entre as prioridades ou aquilo que alguns acreditam
que deveriam ser as prioridades das pessoas em relação a várias formas de resistência
e opressão (Fernandes, 2023). A luta Saharaui nos campos de refugiados entende como
prioridade máxima a revolução rumo à independência e à libertação (Ormazabal & López
Belloso, 2011). Isto faz com que questões como a luta emancipatória feminista sejam
colocadas em segundo plano, sob justificações relacionadas com os recursos e a divisão
da unidade do povo (Juliano, 1998; Strzelecka, 2023). Isto significa que, nos campos de
refugiados, a necessidade quotidiana é concentrar-se na obtenção e distribuição de bens
e medicamentos, enquanto o foco na saúde e na educação das pessoas é a questão
central. Os direitos das mulheres e a emancipação o considerados problemas
secundários, que não podem ser destacados e abordados agora apenas quando a
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independência for alcançada. Isto está de acordo com diferentes movimentos de
libertação nacional, que tendem a priorizar a causa nacionalista, negligenciando outras
questões, como a emancipação das mulheres (Strzelecka, 2023).
A cultura Saharaui está inerentemente ligada ao Islamismo, e as interpretações da lei
Islâmica dentro da sociedade Saharaui são moldadas por dinâmicas históricas, sociais e
políticas. Investigadores como Juliano (1998) defendem que certos costumes Islâmicos
como a proibição do álcool podem contribuir para reduzir a violência de género. No
entanto, esta investigação não tem como objetivo avaliar as tradições jurídicas islâmicas
ou aplicar-lhes perspetivas externas. Em vez de adotar pressupostos generalizados sobre
a Lei Sharia como inerentemente benéfica ou prejudicial para as mulheres, é crucial
centrar as perspetivas das mulheres Saharauis sobre as suas vidas, interpretações da
justiça e o seu papel na definição de normas de género na sua comunidade. Um fator
entendido por Juliano como garante de alguma igualdade de género é o não confinamento
das mulheres Saharauis nas suas casas, tal como acontece noutros países islâmicos. No
entanto, outras perspetivas, como a de Piniella (2018), sublinham que, apesar de não
confinar as mulheres ao lar, a sociedade Saharaui as confina à esfera privada. Além disso,
Juliano (1998) considera que o dote não é entendido como a compra de uma mulher,
mas sim como uma forma de compensar a família quando esta sai de casa. Em
concordância com a visão de Piniella mas em dissonância de perspetiva , Juliano
(1998) defende como aspeto positivo do estatuto da mulher na sociedade que a mulher
permaneça no lar a cuidar dos filhos, enquanto os homens são responsáveis pelo aspeto
económico do lar, através dos seus trabalhos. Este debate pode ser refletido na seguinte
citação:
“[A igualdade de género] podia ser melhorada, claro que podia, mas como
em todos os aspetos e em todos os países, a igualdade está a progredir em
todo o lado e, obviamente, ainda mais num campo de refugiados. Mas hoje
podemos dizer que sim. Pode ser melhorada, pode-se sempre melhorar o que
já se tem, mas sim, temos igualdade” (Karyme).
O estatuto da mulher na sociedade Saharaui sofreu uma alteração em 1975, com a
Marcha Verde. Fugindo para a segurança na Argélia, as mulheres estiveram na vanguarda
das responsabilidades de sobrevivência do seu povo nomeadamente dos idosos e das
crianças quando estabeleceram os campos (Fernandes, 2023; Medina Martín, 2016;
Strzelecka, 2023). Seis dos campos de refugiados estabelecidos desde então El Aaiún,
Auserd, Bojador, Smara e Dajla foram construídos por mulheres (Medina Martín, 2016),
Rabuni é a capital administrativa. Até ao acordo de cessar-fogo assinado em 1991, as
mulheres eram as líderes dos campos e dos seus povos, enquanto os homens estavam
na linha da frente da batalha (Medina Martín, 2016), uma vez que as mulheres
representavam cerca de 80% da população dos acampamentos (Caratini, 2006). Com o
foco na saúde e educação do povo, muitas mulheres formaram-se em diversas áreas em
universidades de Cuba, Espanha e Argélia (Lippert, 1992). A par do estabelecimento do
programa Vacaciones en Paz, bem como do apoio internacional (principalmente prestado
pela Argélia, Venezuela e Cuba), as gerações mais jovens interagiram com culturas
distintas, aprenderam novas línguas e formaram novas opiniões e interpretações da vida
nos campos. Isto trouxe novas discussões e ensinamentos aos campos de refugiados,
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principalmente para garantir a sobrevivência das pessoas, das suas origens e da sua
cultura (Fernandes, 2023). A educação das raparigas e das mulheres levou ao aumento
da idade média do primeiro casamento de 17/18 para 24/25 anos (Juliano, 1998). A
deficiência nos serviços de saúde nos campos, principalmente nos primeiros anos, levou
ao aumento das taxas de mortalidade feminina, ligada à gravidez e à maternidade
(Juliano, 1998; Zunes & Mundy, 2010).
Nos campos de refugiados, as mulheres estavam presentes em todos os aspetos da
resistência e da sobrevivência do povo: em cargos administrativos, na política, na
economia e em funções militares (tanto em combate como em cargos relacionados)
(Medina Martín, 2016; Strzelecka, 2023). Até 1991, cerca de 90% dos membros do corpo
da RASD eram mulheres (Zunes & Mundy, 2010). No entanto, a urgência de estabelecer
e organizar os campos durante os primeiros anos da guerra o permitiu que as mulheres
pensassem coletivamente sobre a sua posição enquanto mulheres e formassem uma
posição política (Barona, 2016).
A introdução de um sistema monetário nos campos de refugiados levou a uma mudança
negativa no papel das mulheres: a prostituição aumentou; o trabalho, por si só, perdeu
o seu valor; e à medida que o Capitalismo forçou uma mudança nas prioridades e
necessidades das pessoas, a esfera privada tornou-se hermética para proteger os bens
da família (Caratini, 2006; Juliano, 1998). O cessar-fogo levou à substituição das
mulheres por homens no plano político e a uma mudança nos dias quotidianos das
mulheres e nos seus interesses: o dote regressou e a cobertura de corpo passou a ser
obrigatória a partir dos 11 anos, por exemplo (Medina Martín, 2016; Zunes & Mundy,
2010). Além disso, durante os primeiros anos nos campos de refugiados, as mulheres
concentraram-se na construção de jardins de infância e de serviços de assistência à
infância. Entretanto, quando os homens regressaram da guerra em 1991, o número de
serviços prestados diminuiu profundamente. Isto levou as mulheres a assumirem a
responsabilidade pelos cuidados privados a crianças e idosos, o que levou ao abandono
de carreiras e aspirações educacionais (Strzelecka, 2023). Assim, o estatuto, os
interesses e as prioridades das mulheres foram prejudicados pelo regresso dos homens.
Isto é particularmente interessante tendo em conta as perceções das mulheres
relativamente a uma abordagem de género às questões abordadas ao vel da liderança,
sejam elas políticas ou não (Fernandes, 2023):
“Quando se compara posições onde estão homens e posições onde estão
mulheres, é totalmente diferente. (…) Definitivamente, as mulheres provaram
que são mais bem-sucedidas na gestão. (…) o também mais protetoras dos
recursos, (…) são também mais inclusivas em relação às pessoas com quem
trabalham” (Malika).
Não obstante, o papel das mulheres nos campos de refugiados e no movimento de
resistência é central, e isto não é verdade apenas em relação à economia e à política. No
plano cultural, as mulheres têm sido responsáveis pela sobrevivência da língua
Hassanyia, bem como dos costumes e tradições Saharauis, desde o Colonialismo
Espanhol (Juliano, 1998).
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A diáspora Espanhola
A resistência das mulheres Saharauis na diáspora espanhola concretiza-se,
principalmente, na educação de pessoas que não estão em contacto com a luta, no
ativismo, esforço diplomático e na educação (Fernandes, 2023). Aqui, as mulheres
devem equilibrar as expectativas da comunidade de acolhimento e da comunidade
doméstica; as duas culturas diferentes apresentam entendimentos diferentes sobre qual
deve ser o papel e o comportamento da mulher (Sebastián, 2021).
As mulheres Saharauis na diáspora espanhola apresentam um entendimento dissonante
do estatuto das mulheres nos campos de refugiados em relação às que vivem nos campos
(Fernandes, 2023). Ao contrário dos campos de refugiados, onde as mulheres tendem a
entender a sociedade como defensora dos direitos das mulheres ainda que carente de
maiores desenvolvimentos , na diáspora espanhola estas questões são objeto de um
discurso diferente. Neste caso, as mulheres entendem que, embora a sociedade Saharaui
possa ser percebida como matriarcal, esta perceção não está necessariamente alinhada
com os padrões feministas, particularmente em relação à violência psicológica e
emocional contra as mulheres. Tal violência impede a sua emancipação e o pleno
exercício de autonomia (Fernandes, 2023). Embora as mulheres Saharauis em Espanha
sejam mais propensas a discutir questões diretamente relacionadas com as mulheres, as
mulheres nos campos tendem a falar mais abertamente sobre lutas a vel nacional.
Notavelmente, gravidezes precoces e disparidades de género na educação são assuntos
amplamente discutidos na diáspora (Fillol, 2021).
A divergência de perspetivas entre as mulheres dos campos de refugiados e as da
diáspora espanhola pode ser encontrada em muitos aspetos. Nos campos de refugiados,
o aspeto mais importante a considerar é a resistência, juntamente com questões que
afetam a sociedade como um todo e o aquelas que têm como alvo principal as
mulheres. Assim, as mulheres percecionam a educação e a saúde como questões
primordiais na necessidade de foco e desenvolvimento (Fernandes, 2023; Medina Martín,
2016). Isto coloca questões específicas das mulheres em segundo plano. Por isso, as
mulheres nos campos de refugiados consideram que quando a independência for
alcançada é que haverá espaço e disponibilidade para discutir, abordar e combater a
desigualdade de género ou mesmo a opressão das mulheres (Fernandes, 2023):
“Diria que as necessidades e exigências das mulheres serão mais cobertas e
cuidadas quando tivermos a nossa independência. Porque agora o foco está
principalmente na luta no regresso à nossa terra, e depois as outras questões
ou necessidades são colocadas em segundo plano. Não são a prioridade,
digamos. Mas eu diria que quando obtivermos a nossa independência e o
controlo sobre os nossos recursos naturais, as questões que afetam as
mulheres serão mais tidas em conta e serão tratadas de forma adequada.”
(Amani).
A persistência da ocupação e a o conclusão do referendo acordado em 1991 podem
também ter levado a uma mudança no ímpeto revolucionário das gerações mais jovens,
que se tornam menos interessadas em acreditar que uma solução atual para a ocupação
(isto é, a independência) possa ocorrer em breve (Fernandes, 2023). Em contraste, as
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mulheres Saharauis na diáspora espanhola mencionam diversas questões que precisam
de ser desenvolvidas. Aqui, não só a invasão e ocupação de colonos marroquinos no
território do Sahara Ocidental é apresentada como um foco de resistência popular o
que, por si só, é limitativo de uma vida totalmente independente no estrangeiro , como
outros aspetos são também trazidos à luz. O Patriarcado é aqui fortemente criticado,
uma vez que as mulheres discutem a subjugação sociopolítica e económica das mulheres
aos homens sob a cultura Saharaui, opressora dos seus direitos, estatuto e autonomia
(Fernandes, 2023). Além disso, discute-se na diáspora que o quadro jurídico e político
não conta de uma garantia social efetiva dos direitos das mulheres. Isto é
principalmente comprometido pelas normas e expectativas sociais impostas às mulheres
pela sociedade e pelas suas próprias famílias, uma vez que a opinião social ou o olhar
social controla e oprime a autonomia das mulheres. Isto poderia levar as mulheres a
serem rejeitadas ou excluídas das suas famílias:
“Nós em Hassanyia, (…) temos uma palavra... é o olhar social. (…) No
momento em que se sai dessa linha do que é esperado de nós, somos
rejeitados, tanto nós como a nossa família. Portanto, acho que é muito... isto,
isto é, limita as mulheres especialmente, mais do que qualquer outra coisa
por causa do peso que carregam” (Nura).
Ao contrário do que se acredita nos campos de refugiados, as mulheres da diáspora
espanhola consideram que a luta pela emancipação de género e a luta pela independência
do Sahara Ocidental e do seu povo devem andar de os dadas, em simultâneo.
Entendem que se assim não for, a luta feminista acabará por ser esquecida, comparando
a luta feminista Saharaui com outras onde esse descaso aconteceu (Fernandes, 2023):
“Muitos, muitos Saharauis, tanto mulheres como homens, dizem que a luta
feminista é uma luta à qual devemos retomar assim que alcançarmos a
independência como país. Mas sabes qual é o problema? É que isto foi dito a
todas as mulheres em todos os conflitos ao longo da história. Disseram-nos
sempre que a nossa luta tem de esperar, que não somos a prioridade. E o
que a história nos tem mostrado é que um país no qual as mulheres não são
livres não é um país que pode progredir ou que irá progredir, social,
económica ou culturalmente. Portanto, o filme criado é que temos de esperar
até nos tornarmos independentes enquanto povo para lutar pelo feminismo.
A história mostrou que isso é falso, que não se pode fazer assim, porque esse
objetivo nunca é atingido. Por isso, as duas lutas têm de andar de mãos
dadas: a luta pela liberdade do povo Saharaui e a luta pela liberdade das
mulheres Saharauis. As duas lutas podem andar de mãos dadas, e devem
andar de mãos dadas para avançar e alcançar algo” (Nashwa).
Em concordância, Strzelecka (2023) destaca a tendência dos movimentos de libertação
nacional para priorizar a causa nacionalista, negligenciando outros assuntos, como a
emancipação das mulheres. Isto leva, por um lado, à falta de desenvolvimento de uma
consciência ou ideologia feminista e, portanto, à manutenção do sistema de opressão
Patriarcal como acontece com a Palestina.
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Na diáspora espanhola, outro aspeto vem ao de cima. Durante as entrevistas, uma das
mulheres manifestou preocupações sobre a perceção internacional dos direitos das
mulheres na sociedade Saharaui. Ela sugeriu que a noção de sociedade como matriarcal
poderia ser construída como propaganda política, em vez de uma realidade objetiva. Isto
significaria que, em vez de combater de forma ativa e eficaz a opressão das mulheres, a
compreensão da sociedade Saharaui como emancipada para as mulheres a nível
internacional é utilizada para obter solidariedade estrangeira para a luta: “Mas também
não deixa de ser propaganda política quando dizemos que a Polisário e a sociedade
Saharaui são as que mais representam as mulheres, porque isso não é verdade”
(Nashwa).
Em suma, este capítulo explora as perspetivas divergentes das mulheres Saharauis nos
campos de refugiados e na diáspora espanhola, moldadas pelas distintas condições
políticas, sociais e materiais de cada contexto. Enquanto as mulheres nos campos de
refugiados enfrentam desafios diários de sobrevivência incluindo o escasso acesso a
água, alimentos, medicamentos e bens , elas têm moldado ativamente a resistência
política e as estruturas comunitárias. Em contraste, na diáspora espanhola, a exposição
a diferentes estruturas sociais abre caminho para o envolvimento com perspetivas
feministas alternativas, incluindo as moldadas pelas normas Ocidentais.
A presença de estruturas feministas ocidentais na diáspora pode criar atrito e diálogo
com as próprias articulações feministas das mulheres Saharauis moldadas pelas
tradições políticas islâmicas e indígenas. As tradições feministas ocidentais e brancas
posicionaram frequentemente os feminismos islâmico e muçulmano como inerentemente
carentes de reforma, impondo limites de emancipação que não estão necessariamente
alinhados com as prioridades das mulheres Saharauis. Em vez de enquadrar estas
perspetivas como polos opostos, as mulheres Saharauis na diáspora têm a oportunidade
de navegar posições complexas que desafiam estas perspetivas binárias.
Discussão
Este artigo destaca os vários entendimentos e pontos de vista das mulheres Saharauis,
alinhando a academia com a luta Saharaui pela libertação e a luta das mulheres pela
emancipação. O atual Colonialismo marroquino e a repressão no Sahara Ocidental
ocupado o constituem uma forma de violência direta, como também tentam
suprimir discussões autónomas sobre o feminismo e os papéis de género. Apesar destas
restrições, as mulheres Saharauis continuam a moldar e a definir as suas próprias
estruturas feministas, resistindo tanto à dominação Colonial como às imposições
externas. Uma conversa feminista decolonial deve centrar-se nas perspetivas articuladas
pelas mulheres Saharauis, que resistem tanto à ocupação violenta como à imposição de
paradigmas feministas hegemónicos.
As questões acima abordadas não significam obrigatoriamente que as mulheres
Saharauis discordem entre si, mas também não concordam necessariamente quanto às
prioridades. As mulheres Saharauis entrevistadas reconhecem que estas diferentes
perspetivas existem e aceitam de onde vêm. Esta divergência de perspetivas pode ser
entendida por uma diversidade de fatores. O mais relevante, a meu ver, surge da cultura
e dos significados sociais específicos de cada região. Enquanto nos campos de refugiados
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a vida diária das mulheres se centra na sobrevivência quotidiana e na luta nacional pela
independência de um Sahara Ocidental livre, não têm havido muitas oportunidades para
discutir as questões das mulheres a partir de um ponto de vista coletivo; na diáspora
espanhola, as mulheres são influenciadas por um país com diferentes padrões de normas
de género, onde as suas prioridades diárias são a educação e o trabalho, ao mesmo
tempo que defendem a independência do seu país de origem. No entanto, isto também
pode resultar das interpretações da emancipação das mulheres e da igualdade de género
por si só, uma vez que as mulheres nos campos de refugiados parecem compreender a
sociedade como algo interessada em abordar as questões das mulheres, ao mesmo
tempo que contempla uma certa inexistência de opressão de género. Por outro lado, as
mulheres na diáspora parecem discordar desta perceção, o que pode explicar uma maior
abertura para abordar estas questões uma vez que as consideram mais urgentes e
inadiáveis.
Contudo, é fundamental discutir o papel desempenhado pela globalização nas diferenças
entre a cultura do povo Saharaui que vive nos campos de refugiados e as pessoas que
vivem na diáspora espanhola, e como isso afeta a autonomia, a opressão e a
emancipação das mulheres. Aqui, é relevante compreender que, mesmo vivendo numa
parte do mundo, uma pessoa pode ainda ser influenciada pelos padrões de outra, o que
torna mais difícil equilibrar as diferentes culturas e expectativas em jogo. Por um lado, a
globalização leva as mulheres que vivem em Espanha a necessitarem de encontrar
mecanismos para se protegerem dos danos da cultura de acolhimento e da cultura de
origem, uma vez que o que é esperado numa pode ser fortemente criticado na outra.
Isto significa que se tornam responsáveis pelas suas escolhas no país anfitrião perante
as suas famílias e amigos em casa, muitas vezes quase imediatamente, graças às redes
sociais. Por outro lado, a sociedade Saharaui nos campos pode ter tido de se tornar mais
fechada para se proteger dos padrões e imposições ocidentalizadas, levando a um
aprofundamento de normas opressivas sobre as mulheres, em nome da sua proteção e
da cultura. Assim, a sociedade Saharaui nos campos pode ter sentido a necessidade de
recorrer às mesmas normas que orgulhosamente rejeita, como forma de garantir a
proteção da cultura Saharaui (liberdade versus segurança).
Desta forma, é fundamental compreender a importância de garantir um diálogo entre a
sociedade dos campos de refugiados e aquela que vive na diáspora. Ao debater as
diferentes abordagens e perspetivas de cada sociedade, poderá haver hipóteses de
desenvolver ainda mais a identidade coletiva das mulheres e, assim, uma resistência
unificada das mulheres contra a ordem patriarcal que as oprime. Isto pode ser feito
enquanto se resiste ativamente à opressão das forças colonizadoras. Como este artigo
discutiu, as duas lutas podem e devem trabalhar em conjunto para garantir a liberdade
e a emancipação de todas as pessoas de diferentes formas de opressão Colonialismo e
Patriarcado.
A emancipação das mulheres Saharauis deve advir tanto da libertação do passado
colonial como das visões ocidentalizadas patriarcais e de feminismo branco; bem como
da libertação da opressão patriarcal e religiosa da sua sociedade. As mulheres Saharauis
devem lutar ativamente contra todas as formas de opressão que enfrentam, seja aquela
que procura escondê-las ou aquela que procura explorá-las.
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Conclusão
Este artigo tem como objetivo explorar as diferentes perspetivas sobre a emancipação
das mulheres e os direitos das mulheres Saharauis nos campos e na diáspora espanhola.
Através de uma análise histórica, examinei o impacto do Colonialismo nos papéis das
mulheres, tendo reparado como já a sociedade nómada Saharaui valorizava as opiniões
políticas das mulheres. O Colonialismo Espanhol, sobretudo depois de 1964,
institucionalizou o colonialismo de género, tentando remodelar as dinâmicas de género.
Ao longo de décadas de ocupação espanhola e marroquina, as mulheres Saharauis
estiveram na vanguarda da luta de libertação, nomeadamente nos territórios ocupados,
onde resistiram à repressão, à violência e às violações dos direitos humanos. Este artigo
explorou também as diferentes visões das mulheres entrevistadas sobre as prioridades
e a emancipação da sua sociedade. Enquanto as mulheres nos campos se concentravam
na sobrevivência, educação e libertação dos poderes Coloniais, as mulheres na diáspora
espanhola enfatizavam questões específicas de género para a libertação das mulheres
Saharauis.
O papel fundamental das mulheres Saharauis na sustentação do seu povo nos campos
de refugiados argelinos é amplamente reconhecido tanto na sociedade Saharaui como na
literatura existente. No entanto, existe uma grande falta de discussão sobre o papel das
mulheres durante a resistência contra o Colonialismo Espanhol até 1975, bem como
sobre o seu papel nas forças armadas. As narrativas tradicionais confinam
frequentemente as mulheres a papéis passivos, apesar das evidências claras da sua
presença nas linhas da frente da batalha. Isto leva à invisibilização de inúmeras mulheres
que se levantaram e lutaram com os seus pares por um Sahara Ocidental livre.
Assim, as próprias mulheres Saharauis devem poder expressar as suas preocupações e
pontos de vista; e as perspetivas das mulheres sobre os seus papéis na luta não devem
ser ditadas apenas pelas instituições formais, mas devem emergir de diversas
experiências vividas. Um diálogo feminista mais amplo e inclusivo que faça a ponte
entre as experiências das mulheres nos campos de refugiados e as da diáspora espanhola
pode fortalecer a identidade coletiva e reforçar a autonomia das mulheres na sociedade
Saharaui. Este intercâmbio promove uma compreensão mais profunda dos direitos e da
emancipação das mulheres num contexto Patriarcal e Colonizado, garantindo que
nenhum contributo é negligenciado.
Referências
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