inevitável. Por conseguinte, a incerteza deve também ser tida em conta como parte
integrante da ontologia da guerra, que torna tão difícil prever o seu excesso e com o qual
o cálculo político-estratégico tem de lidar.
Assim, em que medida a ontologia da guerra influencia a definição e a natureza da
estratégia militar? Para Coutau-Bégarie (2008: 75) a estratégia é a “dialética de
inteligências” em ambiente conflitual baseada na utilização ou ameaça de utilização da
força para os fins da política. Para Couto (2020: 227) a estratégia é a “ciência a arte de
desenvolver e utilizar as forças materiais e morais de uma unidade política ou coligação,
a fim de se atingirem objetivos políticos que suscitam, ou podem suscitar, a hostilidade
de uma vontade política”. Das definições anteriores, quando a forma de coação é a
militar, estamos no domínio da estratégia militar, cuja definição dominante no Ocidente
corresponde ao processo que relaciona objetivos e meios militares disponíveis (Ends +
Ways + Means) (Lykke Jr., 1989), que reflete a Doutrina Weinberger quanto ao privilégio
no emprego de forças militares como último recurso, com objetivos claros e apenas com
o apoio da população para evitar que os EUA se envolvessem em “atoleiros” como o
Vietname (Webb, 2019: 94-95).
Em situação de guerra ou crise, a estratégia militar identifica-se com a política,
monopolizando toda a sua ação (Coutau-Bégarie, 2008: 123). Uma vez que a estratégia
militar é julgada pelos resultados, planos bem desenhados e estruturados, grandiosidade
dos meios, ou genialidade são inúteis se no final o sucesso não é alcançado (Creveld,
2017: 94-95). Embora a estratégia tenha como finalidade a vitória militar, esta deve ser
sempre vista na dimensão política (Coutau-Bégarie, 2008: 80). Como ato da política, o
estadista e o comandante militar devem tentar perceber o tipo de guerra que vão
combater, porque as situações e as motivações das partes não são constantes
(Clausewitz, 1984: 88). Bush e Blair não entenderam a natureza da guerra em que os
seus exércitos intervieram no Afeganistão e no Iraque, tentando resolver situações
eminentemente políticas com meios desenhados para guerras convencionais, em linha
com a doutrina Weinberger (Elliot, 2015: 86-87) e, por conseguinte, com a definição de
Lykke. Os soviéticos lidaram com o mesmo problema no Afeganistão, entre 1979 e 1989,
cujo resultado foi decisivo para o fim da União Soviética (Braithwaite, 2011).
Ter uma natureza significa que, independentemente da evidência empírica, a estratégia
vale para além dos adjetivos que se queira atribuir: estratégia subversiva; estratégia
nuclear; estratégia militar convencional. Uma teoria geral da estratégia tem
aplicabilidade universal, independente das formas de luta ou combate (Gray, 2006: 3-
5). Seja para designar os meios, para designar a forma de alcançar a vitória, ou para
privar o adversário da sua capacidade de lutar, a estratégia é definida como a “escolha
de soluções vitoriosas” (Foucault, 1982: 793). Se o objetivo é o sucesso, o elemento
mais importante da natureza da estratégia militar é ser instrumento da política para o
emprego, ou ameaça do emprego, da força militar (Cf. Gray, 2006: 15).
A definição dos objetivos e a escolha dos meios é governada pelo contributo para o
sucesso, ao qual se opõe a capacidade, intenções e linhas de ação do adversário (Creveld,
2017: 97). Deste modo, a estratégia envolve sempre um grau de incerteza, conferido
pela presença do adversário e pelo acaso, que dificulta a sua implementação. Não sendo
possível controlá-los, o plano tem de ser regularmente revisto e acompanhado pela
política e pela estratégia, porque a ação militar só faz sentido se contribuir para o sucesso