via marítima permitiram que este novo sistema fosse difundido e depois ajustado por
outros povos da região, dando origem ao latim, ao grego e às restantes línguas da
antiguidade e da atualidade. O mesmo se aplica aos números que hoje usamos. De
origem indiana, estes números, que hoje chamamos de “árabes”, foram trazidos para a
Europa pelos mouros do Norte de África no século X d.C. Algumas invenções matemáticas
importantes, como o número “0” também são de origem indiana. Com estes exemplos,
Quinn revela que a ideia de glocalização (interação entre o local e o externo) é muito
antiga. Para a autora, este diálogo constante entre povos moldou as sociedades e fê-las
avançar.
Com base nesta constatação, fundamentada numa pesquisa muito bem desenvolvida,
recorrendo a um espólio muito alargado de fontes primárias e secundárias, a autora vai
retirar conclusões conceptuais, que têm ramificações para a Ciência Política e para as
Relações Internacionais. É aqui, aliás, que se centra o seu principal argumento. Segundo
Quinn, se a história é baseada em interações, a ideia de que a história se construiu com
base em civilizações é errada. Comumente, civilização é definida como um grupo
alargado de pessoas com traços culturais e valores em comum, fazendo, assim, parte de
um todo coerente. Estes traços e valores são específicos ao grupo e distinguem-nos de
outros grupos com características diferentes. No entanto, esta especificidade,
autenticidade, e diferenciação entre grupos é algo que autora não encontra no estudo
histórico que fez dos 4000 anos em análise. Dada a interação entre os vários povos neste
período, a tendência foi a fluidez, a co-criação e a polinização. Sendo assim, chamar os
Fenícios, os Gregos ou os Persas de “civilizações” é, segundo a autora, incorreto, porque
não se identificam características essencialmente particulares e distintivas em cada um
deles. Acrescenta Quinn que os próprios na altura não se viam desta forma, como
civilizações. As pessoas viam-se como membros de aldeias ou cidades, não como parte
de uma “civilização”. Aliás, o próprio conceito de civilização só vai surgir no século XVIII.
Se as civilizações não existiram enquanto tal historicamente, porque é que então
falamos, por exemplo, de “civilização ocidental”? É aqui que reside o cerne da leitura
académica e política da autora. A ideia do Ocidente, enquanto civilização distinta, é uma
construção, que apenas vingou por razões políticas. Segundo a autora, esta construção
emergiu depois das campanhas para expulsar muçulmanos e judeus do continente
europeu durante a Idade Média, e ganhou forma ideológica no século XVIII com base
naquilo que ela designa como “pensamento civilizacional”. Para Quinn, este pensamento
desenvolveu-se em duas fases: singular e plural. Na primeira, civilização é apresentada
como um estágio avançado de desenvolvimento das sociedades. Este conceito foi
introduzido, por volta de 1750, por filósofos franceses e britânicos e insere-se no que
atualmente designamos como teorias da evolução social. Vista deste modo, civilização é
o ponto final de um trajeto de evolução linear das sociedades desde formas mais
precárias de organização socioeconómica (nomadismo e pastorícia) até formas mais
desenvolvidas como o comércio e a indústria. A autora confirma esta visão citando John
Stuart Mill, filósofo britânico do século XIX, que afirma que “na vida selvagem não há
comércio, nem manufaturas, nem agricultura, ou quase nenhuma: a um país rico, fruto
da agricultura, do comércio e das manufaturas, chamamos civilizado” (página 3).
A civilização, neste sentido singular, era teoricamente um estado a que qualquer
sociedade humana poderia aspirar com esforço e educação suficientes, e todas as