OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, N.º 2
Novembro 2024-Abril 2025
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MODELO DE TRANSFORMAÇÃO DO PODER AÉREO NACIONAL FACE AO
PARADIGMA DA GUERRA AÉREA AUTÓNOMA
JOÃO PAULO NUNES VICENTE
joao.vicente.6@gmail.com
Brigadeiro-General Piloto Aviador da Força Aérea Portuguesa (Portugal). Diretor das Operações
Aéreas do Comando Aéreo. Doutor em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Docente do Doutoramento em Ciências Militares do
Instituto Universitário Militar e Investigador integrado no Centro de Investigação e
Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar (CIDIUM). Autor de vários livros e artigos na
área do Poder Aéreo, em particular no emprego de sistemas aéreos não tripulados.
Resumo
O conceito de Guerra Aérea Autónoma é um paradigma emergente, caraterizado pela
proliferação de Sistemas Aéreos com Funcionalidades Autónomas (SAFA) com elevados níveis
de inteligência artificial, empregues em diversos conceitos de operação disruptivos, com
potencial transformacional das funções operacionais do Poder Aéreo (PA), alterando a
utilidade deste instrumento militar. A investigação tem como objetivo propor um modelo de
transformação do PA nacional que maximize as oportunidades deste paradigma emergente,
verificando a sua aplicabilidade nas perspetivas operacional, estrutural e genética. A análise
revela o potencial para melhoria do produto operacional nas várias missões operacionais,
consubstanciada no alargamento da cobertura persistente dos espaços estratégicos de
interesse, em resultado da complementaridade de aeronaves tripuladas e SAFA, assim como
em conceitos de operação em equipa, em que os SAFA funcionam como extensão das
capacidades tripuladas e mesmo, através do emprego colaborativo de enxames com elevados
níveis de autonomia. O modelo apresentado propõe uma Visão e uma Estratégia centrada em
três Vetores de Transformação Educação, Inovação e Operações alavancando as áreas de
maior potencial e valor acrescentado da Força Aérea Portuguesa para aumentar o
conhecimento; maximizar competências, colaboração e cooperação; e expandir o produto
operacional.
Palavras-chave
Poder Aéreo, Guerra Aérea Autónoma, Sistemas Aéreos com Funcionalidades Autónomas,
Transformação, Força Aérea Portuguesa.
Abstract
The concept of Autonomous Air Warfare (AAW) is an emerging paradigm, characterized by
the proliferation of Aerial Systems with Autonomous Functionalities (ASAF) with high levels of
artificial intelligence, used in various disruptive operating concepts, with transformational
potential of Air Power’s operational functions, changing the utility of this military instrument.
The research aims to propose a model for the transformation of the national Air Power that
maximizes the opportunities of this emerging paradigm, verifying its applicability in
operational, structural, and genetic perspectives. The analysis reveals the potential for
improvement of the operational product in various missions, substantiated by the expansion
of persistent coverage of strategic interest areas. This is achieved through the
complementarity of manned aircraft and ASAF, as well as in team operation concepts, serving
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Modelo de Transformação do poder aéreo Nacional face ao Paradigma da Guerra Aérea
Autónoma
João Paulo Nunes Vicente
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as an extension of manned capabilities, and even through the collaborative use of swarms
with high levels of autonomy. The model presented proposes a Vision and Strategy centered
on three Transformation Vectors Education, Innovation and Operations leveraging the
areas of greatest potential and added value of the Portuguese Air Force to increase knowledge;
maximize skills, collaboration and cooperation; and expand the operational product.
Keywords
Air Power, Autonomous Air Warfare, Aerial Systems with Autonomous Functionalities,
Transformation, Portuguese Air Force.
Como citar este artigo
Vicente, João Paulo Nunes (2024). Modelo de Transformação do poder aéreo Nacional face ao
Paradigma da Guerra Aérea Autónoma. Janus.net, e-journal of international relations. VOL 15 N
2, Novembro 2024-Abril 2025, pp. 420-452. https://doi.org/10.26619/1647-7251.15.2.18.
Artigo recebido em 17 de Dezembro de 2023 e aceite para publicação em 8 de Setembro
de 2024.
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MODELO DE TRANSFORMAÇÃO DO PODER AÉREO NACIONAL FACE
AO PARADIGMA DA GUERRA AÉREA AUTÓNOMA
JOÃO PAULO NUNES VICENTE
1. Introdução
No âmbito desta investigação entende-se a Guerra Aérea Autónoma como um paradigma
emergente da Guerra Aérea, caraterizado pela proliferação de Sistemas Aéreos com
Funcionalidades Autónomas (SAFA) com níveis de Inteligência Artificial (IA) cada vez
mais evoluídos, empregues em diversos conceitos de operação disruptivos, com potencial
transformacional transversal às funções operacionais do Poder Aéreo (PA), alterando a
utilidade deste instrumento militar.
Enquanto as guerras pós-11 de setembro tiveram um efeito detonador para a proliferação
de aeronaves operadas remotamente, multifuncionais e dispendiosas (Vicente, 2013:
73), a Guerra na Ucrânia confirmou a tendência para a disseminação acelerada de
plataformas baratas, letais e descartáveis. Embora a maioria dos SAFA empregues seja
controlada remotamente, o que significa que a decisão de atacar ainda permanece nas
mãos de operadores humanos, a Ucrânia validou a importância das funcionalidades
autónomas num ambiente aéreo fortemente contestado, proporcionando maiores
incentivos para desenvolver e utilizar enxames de sistemas com níveis avançados de
autonomia (Hammes, 2023).
Neste sentido, Portugal e as Forças Armadas Portuguesas (FFAA), em particular a Força
Aérea Portuguesa (FAP) enquanto principal organização responsável pela geração e
emprego do PA nacional, devem analisar as consequências desta alteração de paradigma.
Isto porque inúmeras forças militares aliadas desenvolvem, integram e operam SAFA
cada vez mais avançados, obrigando a maior interoperabilidade para operar em coligação
com esses parceiros.
Também as ameaças provenientes de adversários estatais e não-estatais irão aumentar
em resultado da exploração de capacidades com níveis avançados de autonomia,
empregues em modelos operacionais disruptivos.
Ao nível nacional, Portugal demonstra ambição tecnológica e operacional neste domínio,
por exemplo, ao possuir uma Estratégia Nacional de IA (INCoDe.2030, 2019), e ao
produzir e/ou operar sistemas com veis variados de funcionalidades autónomas (Gray
& Ertan, 2021: 36).
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De igual forma, o Ministério da Defesa Nacional (MDN), antecipando as tendências
internacionais de transformação dos métodos de combate, reconhece a necessidade de
apostar em projetos de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (ID&I), com
“prioridade muito clara aos sistemas autónomos não tripulados, à robótica e à IA”
(Despacho n.º 4101/2018, de 23 de abril: 11678);
Finalmente, a Visão Estratégica 2022-2034 do Chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas (CEMGFA, 2022: 14-16) reconhece o potencial revolucionário dos sistemas não
tripulados e da IA, como capazes de alterar o paradigma da Guerra, mas com riscos de
segurança acrescidos, referindo a necessidade de atenção redobrada, nos processos de
planeamento estratégico e operacional, para a análise das implicações deste fenómeno
por forma a prever, mitigar e gerir os riscos associados.
Em termos de análises inseridas no contexto militar e com aplicabilidade ao PA nacional,
o enfoque tem sido na definição de uma Estratégia Nacional (Morgado, 2016; Vicente,
2013) ou em propostas de edificação da capacidade de sistemas de aeronaves
remotamente pilotadas nas FFAA (Gonçalves, 2017; Páscoa, 2020; Pinto, 2021).
Rodriguez (2021) restringiu a análise à compreensão do impacto do uso de sistemas
autónomos por forças militares à luz do DIH e Marques (2022) analisou a problemática
dos sistemas robóticos, mas delimitada ao Exército Português.
Neste enquadramento, e considerando que a investigação acerca dos níveis crescentes
de autonomia nos sistemas aéreos a nível nacional é ainda reduzida, importa prospetivar
opções que maximizem a utilidade do PA nacional através da aplicabilidade do paradigma
de GAA, contribuindo para informar a definição da estratégia aérea nacional futura, de
forma que esta transformação possa ocorrer de forma antecipada e deliberada, ou, por
outras palavras, de forma planeada.
Assim, o objeto de estudo desta investigação está delimitado aos espaços estratégicos
de interesse nacional de emprego do PA pela FAP. Tratando-se de uma investigação
centrada no PA, define-se a FAP como prisma institucional, sem desvalorizar o modelo
de operações conjuntas, nem o imperativo de uma abordagem multidomínio das
operações militares. De igual forma, circunscreve-se à análise da aplicabilidade do
paradigma da GAA, em termos do impacto do desenvolvimento e emprego dos SAFA,
para a transformação do PA nacional, nas vertentes operacionais, estruturais e genéticas.
Desta forma, considerando as estratégias de transformação em curso em organizações
militares de referência, esta investigação tem como objetivo propor um modelo de
transformação do PA nacional que permita a exploração das oportunidades do paradigma
emergente de GAA.
Em termos de organização, este estudo é desenvolvido em cinco capítulos. Após a
introdução é efetuado um enquadramento teórico e metodológico. Em seguida é
analisada a aplicabilidade deste paradigma à realidade nacional, antes de se propor o
modelo para a transformação do PA nacional. No último capítulo serão sintetizadas as
conclusões da investigação.
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2. Enquadramento teórico e metodológico
2.1 Autonomia nos Sistemas de Armas
Face à complexidade do conceito de “Autonomia” importa aprofundar a compreensão
com recurso ao relacionamento entre os seus atributos e ilustrando-os com exemplos
práticos.
Portugal possui nas suas FFAA Sistemas de Armas (SA) com diferentes níveis de
funcionalidades autónomas (Gray & Ertan, 2021: 36). No que concerne a domínio aéreo,
a Marinha emprega sistemas de defesa aérea de proximidade Goalkeeper e Phalanx com
capacidade para efetuar, de forma automática, sem interferência humana, a busca,
deteção, seguimento, priorização e destruição de alvos que, consoante a sua velocidade
e direção, sejam ameaça para o navio (Lewis, Blum, & Modirzadeh, 2016: 44). Outros
sistemas semiautónomos incluem os sseis Sea Sparrow (que equipam as fragatas) e
o míssil ar-ar de longo alcance AIM-120 Advanced Medium-Range Air-to-Air Missile (que
equipam os F-16). Em termos de mísseis antinavio, destaca-se o ssil Harpoon que
equipa o P-3C Cup+ e as fragatas e submarinos nacionais.
No que concerne à categorização, podem observar-se na Figura 1 os vários níveis de
autonomia dos sistemas. À medida que as máquinas se tornam mais sofisticadas,
adquirem capacidade para concretizar tarefas mais difíceis em ambientes complexos.
Contudo, as ações específicas tornam-se também mais imprevisíveis.
Figura 1 Mapa conceptual dos termos associados com “Autonomia”
Fonte: Schaub e Kristoffersen (2017: 9).
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Por outro lado, a Figura 2 carateriza a autonomia em termos da relação Homem-
Máquina durante a execução da tarefa, que se reflete no tipo de operação em modo
semiautónomo (human-in-the-loop homem no ciclo de decisão), autónomo-
supervisionado (human-on-the-loop homem em ciclo de decisão) e totalmente
autónomo (human-out-of-the-loop homem fora do ciclo de decisão).
Figura 2 Relação Homem-Máquina no Ciclo de Decisão
Fonte: Adaptado de Scharre (2018: 36-37).
Finalmente, a Figura 3 agrega os conceitos anteriores e ilustra os níveis de autonomia
dos sistemas em termos de contexto técnico (capacidade em termos de inteligência) e
de controlo (intervenção humana).