OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, N.º 2
Novembro 2024-Abril 2025
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ACORDOS PRÉ-ABRAÃO
MARTA RAQUEL FERNANDES SIMÕES LIMA PEREIRA
martarpereira@edu.ulisboa.pt
Doutoranda em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da
Universidade de Lisboa (Portugal). É mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Para tal, especializou-
se na relação entre Israel, Arábia Saudita e Estados Unidos da América. Assim, os seus
interesses recaem sobre o Médio Oriente, mais especificamente sobre Israel e a sua relação com
os países do Golfo Pérsico. https://orcid.org/0000-0001-8603-134X.
Resumo
Em setembro de 2020 o mundo ficou surpreso ao ser anunciado na Casa Branca um tratado
de normalização de relações entre duas monarquias do Golfo Pérsico, mais especificamente
entre o Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, e o Estado de Israel. Ainda mais surpresa ficou
a humanidade ao compreender o silêncio que emanou dos restantes países professantes do
Islamismo. Todavia, não se deve considerar os Acordos de Abraão como um momento de
normalização isolado no panorama das relações entre Israel e os estados árabes e
muçulmanos. É de se relembrar que ocorreram tratados de paz com Israel no passado, sendo
de se nomear o Tratado de Paz com o Egito em 1979 e o Tratado de Paz com a Jordânia em
1994. Tendo em conta que estes acordos existiam, coloca-se em causa a inovação dos
próprios Acordos de Abraão em termos de Relações Internacionais e regionais. Portanto, a
questão de partida que guiará este artigo é a seguinte: Como é que os Acordos de Abraão de
2020 são considerados inovadores em comparação com os Tratados de Paz celebrados entre
Israel e o Egito em 1979 e com a Jordânia em 1994? O objetivo principal deste artigo científico
será distinguir as diferenças a vários veis, nomeadamente ao nível socio-histórico e em
termos de impacto nas Relações Internacionais, entre os Acordos de Abraão e os Tratados de
Paz anteriormente celebrados entre Israel e, em primeiro lugar, o Egito, e de seguida, a
Jordânia. O principal argumento deste artigo é que os Acordos de Abraão são de uma natureza
diferente do Tratado de Paz entre o Egito e Israel de 1979 e o Tratado de Paz entre Israel e
a Jordânia de 1994, dado que os contextos sociohistóricos, geopolíticos e geoestratégicos
eram essencialmente distintos, como é percecionado ao se aplicar a Teoria da Balança da
Amaça e a Teoria da Aliança, ambas de Stephen Walt. Assim, o impacto de cada tratado nas
relações regionais e internacionais era distintivamente diferente. Para atingir estes objetivos,
este estudo seguirá esta metodologia: primeiramente, é considerado um estudo positivista.
De igual forma, dado que vai ocorrer validação por quadros teóricos utilizados, é um estudo
dedutivo. Aglomerará em si dois tipos de investigações, descritiva e explicativa. É
maioritariamente um estudo comparativo, dado que os Tratados de Paz de 1979 e 1994 vão
ser comparados com os Acordos de Abraão. Este estudo utilizará o método histórico
processual diacrónico para analisar o antes e depois dos Tratados de Paz e dos Acordos. Todos
os dados vão ser submetidos a análise de discurso. Uma das principais conclusões deste artigo
é que os Tratados de Paz de 1979 e 1994 foram celebrados após terem perdido guerras contra
Israel, o que conduziu a uma necessidade de paz com o estado judaico de forma a haver
recuperação financeira. Consequentemente, estes Tratados de Pa foram vistos como uma
aliança, nomeadamente, um positive balancing com Israel. Por outro lado, os Acordos de
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Abraão não sugiram de um contexto de guerra, tendo em vista que os Emirados Árabes Unidos
e o Bahrain nunca lutaram Israel, mas num contexto de perceção de uma ameaça comum, o
Irão. Consequentemente, a aliança com Israel foi tanto um hard e soft balancing.
Palavras-chave
Acordos de Abraão, Tratados de Paz, Israel, Jordânia, Egito, Médio Oriente.
Abstract
By September 2020 the world was surprised with the White House's announcement regarding
the normalization treaties between Israel and two Gulf Monarchies, Bahrain and the United
Arab Emirates. It is imperative, nonetheless, to not consider the Abraham Accords as a
normalization moment isolated from the framework of the relations between Israel and the
Arab and Muslim states. It is important to remember the past peace treaties with Israel,
namely the 1979 Peace Treaty with Egypt and the 1994 Peace Treaty with Jordan. Given that
these agreements already existed, the innovation of the Abraham Accords in terms of
international and regional relations is questionable. Therefore, the research question that will
guide this paper is as follows: How is the 2020 Abraham Accords considered innovative as
compared to the Peace Treaties celebrated between Israel and Egypt in 1979 and with Jordan
in 1994? The main goal of this investigative work is to understand the differences between
the Abraham Accords and the cited Peace Treaties at the sociohistorical level and the impact
on International Relations according to the Theory of the Balance of Threat and the Theory of
the Alliance, both by Stephen Walt. The main argument of this paper is that it is understood
that the Abraham Accords are of a different nature from the 1979 Peace Treaty between Egypt
and Israel and from the 1994 Peace Treaty between Israel and Jordan as the sociohistorical,
geopolitical and geostrategic contexts were essentially distinct, as it is perceived by applying
the Theory of the Balance of Threat and the Theory of the Alliance, both by Stephen Walt.
Therefore, the impact on the regional and international relations of each treaty was
distinctively different. To achieve these goals this study will follow this methodology: firstly,
it is considered a positivist study. Also, since there will be a validation of the theoretical
frameworks used, this study is deductive. It will agglomerate in itself two types of
investigations, descriptive and explicative. It is mainly a comparative study, as the 1979 and
1994 Peace Treaties with Israel will be compared with the Abraham Accords. This study will
also use the processual and diachronic historical method to analyze the before and after of
both Peace Treaties and the Accords. All data will be submitted through discourse analysis.
One of the main conclusions of this article is that both the 1979 and the 1994 Peace Treaties
were celebrated after having lost the war against Israel, which brought on the need for peace
with the Jewish state in order to recover financially. Therefore, these Peace Treaties were
seen as an alliance, specifically, a positive balancing with Israel. On the other hand, the
Abraham Accords did not happen in the context of war, as the United Arab Emirates and
Bahrain never fought Israel, but in the context of perceiving a common threat, Iran.
Consequently, they allied with Israel on a positive both hard and soft balancing alliance.
Keywords
Abraham Accords, Peace Treaties, Middle East, Israel, Jordan, Egypt.
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Como citar este artigo
Pereira, Marta Raquel Fernandes Simões Lima (2024). Acordos Pré-Abraão. Janus.net, e-journal of
international relations. VOL 15 N 2, Novembro 2024-Abril 205, pp. 136-134.
https://doi.org/10.26619/1647-7251.15.2.5.
Artigo recebido em 13 de Dezembro de 2023 e aceite para publicação em 7 de Agosto de
2024.
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MARTA RAQUEL FERNANDES SIMÕES LIMA PEREIRA
Introdução
Em setembro de 2020 o mundo ficou surpreso ao ser anunciado na Casa Branca um
tratado de normalização de relações entre duas monarquias do Golfo Pérsico, mais
especificamente o Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, e o Estado de Israel. Ainda mais
surpresa ficou a humanidade ao compreender o silêncio que emanou dos restantes países
professantes do Islamismo (Perper, 2020).
Na realidade, ao longo das décadas, algo é considerado como certo: existe uma tensão
eterna entre os países árabes e/ou islâmicos para com o único Estado Judeu do mundo,
Israel. Salienta-se que após o nascimento deste Estado, a 14 de maio de 1948, ocorreu
uma guerra contra este, sendo a mesma liderada pelos Estados árabes vizinhos e
financiada pelos restantes, como a Arábia Saudita (Labelle, 2011). No entanto, desde a
implementação da República Islâmica do Irão em 1979 que ocorreu uma alteração na
própria balança do poder no Médio Oriente. Na realidade, Estados árabes que professam
o Islamismo da variante sunita começaram a percecionar uma ameaça que o se
caraterizava por ser de uma religião oposta, mas sim da mesma religião, porém numa
variante distinta, a xiita. Além do mais, os Estados do rico Golfo rsico entenderam que
a Pérsia revestida de uma nova identidade desejava algo que eles reclamavam para si,
em especial a Arábia Saudita: a hegemonia da região (Miller, 2020).
Vários acontecimentos externos ocorreram que determinaram alterações de relações
nesta região do mundo. No início deste segundo milénio, a administração Obama deixou
de conceder importância ao Médio Oriente, procurando antes o pivot asiático. Além do
mais, procurou o Plano de Ação Conjunto Global, mais conhecido como Acordo Nuclear
com o Irão, que permitiria à República Islâmica começar a produzir urânio para fins
nucleares (IRNA, 2015). Pode referir-se que foram exatamente estas duas políticas que
motivaram as seguintes prosseguidas pela administração de Trump: o reconhecimento
de Jerusalém como a capital de Israel (U.S. Embassy in Israel, 2020) e, finalmente, os
Acordos de Abraão.
Todavia, não se deve considerar os Acordos de Abraão como um momento de
normalização isolado no panorama das relações entre Israel e os estados árabes e
muçulmanos. É de se relembrar que ocorreram tratados de paz com Israel no passado,
sendo de se nomear o Tratado de Paz com o Egito em 1979 e o Tratado de Paz com a
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Jordânia em 1994. Tendo em conta que estes acordos já existiam, coloca-se em causa a
inovação dos próprios Acordos de Abraão em termos de Relações Internacionais e
regionais.
Portanto, a questão de partida que guiará este artigo é a seguinte: Como é que os
Acordos de Abraão de 2020 o considerados inovadores em comparação com os
Tratados de Paz celebrados entre Israel e o Egito em 1979 e com a Jordânia em 1994?
O objetivo principal deste artigo científico será distinguir as diferenças a vários níveis,
nomeadamente ao nível sociohistórico e em termos de impacto nas Relações
Internacionais de acordo com a Teoria da Balança da Ameaça e a Teoria da Aliança,
ambas de Stephen Walt. Todavia, primeiramente, caracterizar-se historicamente o
Egito em 1979 e a Jordânia em 1994. De seguida, comparar-se-á os Acordos de Abraão
com os Tratados de Paz de forma histórica, utilizando as supracitadas teorias.
Seguidamente, descrever-segeopoliticamente e goestrategicamente o Egito em 1979,
a Jordânia em 1994 e o Médio Oriente em 2020, separadamente, realizando, depois, a
comparação. Finalmente, estudar-se as repercussões de cada tratado aos níveis
internacional e regional, de acordo com as teorias de Walt
Pode-se aferir que o argumento principal deste artigo científico consiste na compreensão
de que os Acordos de Abraão o de natureza distinta dos Tratados de Paz celebrados
entre Israel e, em primeiro lugar, o Egito, em 1979, e de seguida, a Jordânia em 1994,
por se considerar que os contextos sociohistóricos, geopolíticos e geoestratégicos são
essencialmente distintos, como se percebe ao se aplicar a Teoria da Balança da Ameaça
e a Teoria da Aliança, ambas de Stephen Walt. Consequentemente, entende-se que o
impacto nas Relações Internacionais entre ambos é distinto.
No que concerne à organização deste artigo, após a introdução, há um capítulo dedicado
à revisão da literatura e outro dedicado ao enquadramento histórico. Seguidamente, há
um capítulo em que se explica a metodologia que este artigo seguirá.
Subsequentemente, existem três capítulos, cada um dedicado a um dos objetivos
citados. Finamente, na conclusão conceder-se-á uma resposta à pergunta de partida.
Revisão da Literatura
Dado que os Acordos de Abraão são um acontecimento recente, a literatura relativa aos
mesmos ainda é precoce e pouco elaborada. Todavia, pode-se selecionar, da literatura
conhecida até ao momento de escrita, três grandes escolas de abordagem a este
acontecimento do século XX.
Numa primeira instância, encontramos uma abordagem ideológica. Podem salientar-se
duas perspetivas de utilizar esta abordagem. Por um lado, observa-se os Acordos de
Abraão como a revelação de que os assuntos de normalização com Israel e o assunto
palestiniano podem ser separados politicamente e emocionalmente (Stephens in Sorkin,
2021). Assim, a rejeição de Israel como deliberado na Declaração de Cartum de 1967
terminou. Para Israel, tal significa que o veto palestiniano para deliberações de paz
deixou de ter efeito. Contudo, esta perspetiva não tem em consideração o facto de os
países signatários dos denominados Acordos de Abraão não serem países que tenham a
influência do povo palestiniano. Assim, esta perspetiva não considera o fator geopolítico
cultural. Ainda na abordagem ideológica, observam-se os mesmos numa perspetiva Pan-
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Arabista de Nasser (Segell, 2021). Esta perspetiva tem como objetivos principais a
cooperação, a unidade e a solidariedade entre os estados Árabes, Africanos e, finalmente,
Israel. De acordo com esta perspetiva, o Bahrain, o Sudão e Marrocos foram liderados
pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) a realizar os Acordos em processos top-down
realizados entre líderes. Contudo, aparentemente não existe nenhum tipo de apoio
popular para o movimento ideológico, não havendo evoluções internas e regionais para
uma mudança positiva. No entanto, o facto de a perspetiva abordar os Acordos como
motivados por elites ignora o contexto histórico, geopolítico e geoestratégico dos
mesmos, não tendo em consideração a economia à priori aos Acordos, bem como o papel
da sociedade.
O segundo tipo de abordagem existente na literatura pode denominar-se como sendo
liberal. Mais uma vez, pode-se dividir a mesma em duas perspetivas distintas. Uma forma
de abordar liberalmente os Acordos de Abraão é tendo em consideração os fatores
humanos. Na realidade, esta abordagem observa os Acordos como sendo motivados
pelas próprias populações (Frish in Sorkin, 2021). De acordo com esta perspetiva, a
população está cansada de pedir por unidades pan-Árabe e pan-Islâmica e deseja por
melhores oportunidades económicas, melhor segurança social, melhor educação, mais
inovação, mais estado de direito e maior igualdade. Todavia, esta perspetiva acaba por
ser o extremo da apresentada como anteriormente, dado que, desta vez, ignora o
contexto político e sistémico da região. Por outro lado, observamos uma abordagem de
liberalismo económico (Egel, Efron & Robinson, 2021; Kram & Makovsky, 2021; Segell
2021). Nesta abordagem, refere-se que a relação económica bilateral entre Israel e os
Emirados Árabes Unidos é, na realidade, o fundamento poderoso para os Acordos de
Abraão. Os autores que defendem esta posição referem que estes Acordos permitem
maior interligação entre as economias e eventualmente entre países árabes e
muçulmanos. Esta expansão criaria um Médio Oriente mais integrado, permitindo que
desafios ambientais, económicos e sociais sejam referidos. Contudo, considera-se que,
se os interesses económicos ditassem os Acordos, mais países estariam dispostos a
assinar a normalização dos seus relacionamentos com Israel.
Finalmente observam-se duas abordagens realistas. A primeira refere que existe a
coexistência de pilar pragmático com um pilar ideológico na criação dos Acordos de
Abraão. De acordo com os autores (Krieg, 2020; Abdullah, 2021), o pilar pragmático é
baseado nos interesses nacionais dos países signatários, que consiste em maior
consolidação de poder, preservação das estabilidades económica e militar, bem como
desenvolvimentos tecnológicos e científicos para preservar a segurança. O pilar
ideológico, por sua vez, baseia-se no desejo por paz, por estabilidade regional e por uma
alteração de mentalidades. Todavia, entende-se que, na realidade, existe somente um
pilar, o pragmático. Analisando-se bem o exposto, compreende-se que o pilar ideológico
é consequente do pragmático. Na realidade, quando o poder é consolidado e
desenvolvimentos são efetuados, estes criam paz e estabilidade regionais, tornando as
mudanças em termos de mentalidade possíveis. A perspetiva final é caraterizada como
neorealista, dado que considera que os Acordos o o resultado de uma mudança no
Médio Oriente (Norlen & Sinai, 2020). Refere-se que, além de cada país signatário ganhar
profundadidade estratégica com os Acordos, um eixo de resistência foi criado (Guney &
Korkmaz in Kihlberg, 2021). Consequentemente, a maior consequência dos Acordos de
Abraão, de acordo com esta perspetiva, foi a formação de alianças no Médio Oriente,
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todavia, esta abordagem acaba por ser um estudo das consequências dos Acordos de
Abraão e não um estudo das causas que conduziram aos mesmos.
Principais conceitos e enquadramento teórico
Existem termos que, para efeitos de unanimidade na compreensão do alcance deste
artigo científico, serão necessariamente delimitados concetualmente.
Primeiramente, é de extrema importância referir que, para efeitos desta dissertação
seguir-se-á a definição de poder de Joseph Nye (1990). De acordo com este académico,
poder consiste na capacidade de afetar um outro de forma a atingir os objetivos
desejados. Este autor também distingue entre dois tipos de poder. Hard power, a
primeira distinção que o autor realiza, consiste na capacidade de levar avante os seus
objetivos através de ações coercivas ou ameaças. Historicamente, o hard power é
mensurado por critérios como tamanho populacional e/ou territorial, geografia, recursos
naturais, força militar e força económica. Por outro lado, existe o soft power, que é
definido por ser a capacidade de moldar as preferências dos outros através da cultura,
valores políticos e instituições ou autoridade moral. Contudo, a realidade das Relações
Internacionais revela a necessidade de usar o soft como o hard power conjuntamente.
Assim, esta capacidade de combinar estes dois tipos de poder é chamada de smart
power. Os apoiantes de smart power articulam as vantagens do hard power, como o
poder militar, ao investir em alianças e instituições. Desta forma, os principais poderes
são capazes de atingir resultados máximos de forma legítima.
É essencial também definir o termo “geopolítica”. Na visão de Flint, geopolítica não é só
a questão de país competirem entre si. É a possibilidade de se competir por um território
por meios além das práticas de outros estados. Consequentemente, seguir-se a
definição da geopolítica contemporânea que consiste em identificar “the sources,
practices, and representations that allow for the control of territory and the extraction of
resources” (Flint, 2006, p.16).
Relativamente ao termo “geoestratégia”, para Foucher, significa a aplicação da razão
geográfica à condução da guerra e/ou à criação de um esquema de defesa nacional
(Foucher, 2000, p.165). Por a geopolítica simplificar realidades numa perspetiva
localizada, a geoestratégia surge numa perspetiva de aplicar práticas a lugares
analisados numa perspetiva de operação militar. Considera a avaliação das ameaças
externas e a balança do poder de acordo com os interesses do Estado e as configurações
espacial, física e humana da nação.
Finalmente, temos o conceito de Médio Oriente, em que se utilizará a definição de Tibi
(1989). A razão para esta escolha é que o autor não tem em consideração as relações
estruturais e os processos de interação tuos em formas específicas, como também
leva em consideração um quadro de fatores linguísticos, étnicos, socioeconómicos e
culturais. Refletindo nestes aspetos, Tibi delimita o Médio Oriente em três sub-regiões:
o Oriente Árabe (Mashreq), o Norte de África (Magrebe) e a Região do Golfo (Khaleej).
Quanto ao quadro teórico, este será estudado tendo em consideração quatro grandes
pontos. Primeiramente, considerar-se-á como caraterizar a região utilizando o quadro do
Realismo nas Relações Internacionais (Kauppi & Viotti, 2020, pp. 21-24) que tem as
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seguintes proposições. Primeiramente, para o realista, os estados são os atores chave
de análise num sistema internacional de estados anárquico, ou seja, sem um governo
central legítimo. Como se observa no Médio Oriente, não existe nenhum estado forte o
suficiente para criar um governo central. Igualmente considera-se que os estados são
atores unitários, sendo os seus governos os agentes de política externa. Também se
considera que os estados o atores racionais, ou seja, a política externa é conduzida de
forma racional, sempre colocando em consideração os objetivos, as alternativas, os
benefícios e os custos. Finalmente, para os realistas, o interesse máximo que conduz a
política externa é a segurança nacional e/ou internacional, examinando-se, portanto,
potenciais usos de força e conflitos. Como se observa no Estado da Arte, os Acordos de
Abraão devem ser estudados considerando um cálculo de custos e benefícios para
proteger a segurança nacional dos Estados signatários.
O Realismo desdobra-se em Neorrealismo (ou Realismo Estruturalista) quando se coloca
uma maior ênfase no sistema internacional. Os neorrealistas definem o sistema tendo
em conta as várias distribuições de poder e de capacidades entre os estados, podendo-
se discernir polaridades de acordo com o número de potências e os diferentes efeitos que
estas trazem (Kauppi & Viotti, 2020, pp. 34-35), podendo haver ou equilíbrios ou
alianças. Os neorrealistas podem distinguir-se entre defensivos e ofensivos. Estes
últimos, liderados por Mearsheimer (Kauppi & Viotti, 2020, p.46), defendem que a
anarquia leva ao desejo de expandir as capacidades de poder relativas, vendo-a como
única forma de se manterem seguros. Por sua vez, os primeiros, encabeçados por Waltz
(Kauppi & Viotti, 2020, pp. 45, 46), referem que os estados anseiam, acima de tudo,
sobreviver e procurar a sua segurança, havendo, consequentemente, uma manutenção
do status quo. É dentro do Neorrealismo Defensivo que se encontram as duas teorias de
Stephen Walt (1985 & 1989) que serão o quadro teórico principal deste artigo.
Walt refere que é através das alianças que os Estados reagem perante uma ameaça
externa. De acordo com a teoria da balança da ameaça deste autor, os Estados reagem
não contra um poder superior, mas contra ameaças percecionáveis. Estados com mais
poder agregado (sendo estas capacidades medidas em termos de total de população e
maior inovação tecnológica e industrial), com maior proximidade geográfica, com forças
militares ofensivas e intenções agressivas (Estados que se assemelham agressivos levam
mais facilmente os outros a balançar contra eles) são razão de uma coligação de Estados
que desejam manter o status quo.
Perante a ameaça, Stephen Walt distingue entre duas estratégias para a formação de
alianças. A primeira estratégia consiste em bandwangoning
1
. Esta consiste no
alinhamento de um Estado ameaçado com o Estado ameaçador e revisionista, que coloca
em causa do status quo. Esta política externa é mais beligerante e ofensiva. O objetivo
principal é criar estabelecimentos militares eficazes e resolver à força para resolver
disputas internacionais. A segunda estratégia de formação de alianças distinguida por
Walt é a de balancing. Esta aliança consiste na realização de um alinhamento entre os
diversos Estados que desejam preservar o status quo com a principal potência que o
representa de forma a oporem-se principal fonte de perigo. Podem existir quatro tipos
diferentes de balancing. Balancing negativo ocorre quando o objetivo principal é exercer
1
Consiste no termo inglês para referir à adesão a algo. Todavia, por o termo perder a sua exatidão na tradução
ao português, decidi continuar a usar a palavra em inglês.