OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, N.º 2
Novembro 2024-Abril 2025
90
ESTRATÉGIA EUROPEIA EM BUSCA DE UMA “CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA”:
UMA CIDADANIA ECOLÓGICA PARA ALÉM DA ARITMÉTICA VERDE?
EVANTHIA BALLA
evanthia.balla@gmail.com
Professora Associada da Universidade de Évora (Portugal) e Investigadora do Centro de
Investigação em Ciência Política. É coordenadora do Mestrado em Relações Internacionais e
Estudos Europeus da Universidade de Évora. É também membro da comissão de curso do
Doutoramento em Teoria Política, Relações Internacionais e Direitos Humanos, criado em
parceria pelas Universidades de Évora e dos Açores. É doutorada em Ciência Política e Relações
Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Mestre em
Política Internacional pela Université Libre de Bruxelles, Bélgica, e Mestre em Estudos Europeus
pela University of Reading, Reino Unido. Tem uma licenciatura em Ciência Política e
Administração Pública pela Universidade de Atenas, Grécia. Os seus interesses de investigação
incluem a integração europeia; segurança europeia; política internacional; governação europeia;
cidadania, direitos humanos. Tem publicado vários artigos, relatórios e análises em revistas
científicas nacionais e internacionais.
Resumo
Este artigo examina a estratégia ambiental europeia e, em especial, a natureza de uma
cidadania ecológica europeia. Argumenta-se que a estratégia ambiental europeia, apesar da
sua importância, baseia-se sobretudo num modelo de gestão da natureza, atribuindo ao
cidadão um papel central nesta gestão. O atual quadro jurídico-político não demonstra um
novo paradigma de "consciência planetária" capaz de garantir uma verdadeira mudança. O
argumento está estruturado em quatro partes: em primeiro lugar, examinam-se os conceitos
do Antropoceno, Capitaloceno e o paradigma da Aritmética Verde, dando ênfase ao quadro
da estratégia ambiental europeia e o papel do cidadão europeu na mesma. Seguidamente,
observam-se os esforços, e pressupostos subjacentes, para salvar o planeta” a nível
internacional e europeu em busca de evidências de uma “consciência planetária”. Na terceira
parte, utiliza -se a leitura particular do quadro jurídico-político europeu, em especial do Pacto
Ecológico Europeu, efetuando uma análise critica do papel do cidadão como força matriz desta
mudança. Por fim, sintetizamos as principais conclusões e refletimos sobre a resposta da UE
ao desafio climático, à luz das tendências identificadas e da urgência de encontrar um novo
paradigma apto para a verdadeira mudança de pensamento. Este artigo contribui
teoricamente ao interpretar a estratégia europeia, e em particular a cidadania ecológica
europeia através do modelo de Aritmética Verde, e de gestão neoliberal. Igualmente, contribui
empiricamente ao destacar a forma como a cidadania europeia é entendida nos termos do
Pacto Ecológico Europeu..
Palavras-chave
Pacto Ecológico Europeu (PEE), Cidadania ecológica europeia, consciência planetária,
aritmética verde, gestão neoliberal.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
91
Abstract
This article examines the European environmental strategy and, in particular, the nature of a
European ecological citizenship. It argues that the European environmental strategy, despite
its importance, is mainly based on a model of nature management, giving citizens a central
role in this management. The current legal-political framework does not demonstrate a new
paradigm of ‘planetary consciousness’ capable of guaranteeing real change. The argument is
structured in four parts: firstly, the concepts of the Anthropocene, Capitalocene and the Green
Arithmetic paradigm are examined, emphasising the framework of the European
environmental strategy and the role of the European citizen in it. It then looks at the efforts,
and underlying assumptions, to ‘save the planet’ at international and European level in search
of evidence of a ‘planetary consciousness’. The third part uses a particular reading of the
European legal-political framework, especially the European Green Deal, to critically analyse
the role of the citizen as the driving force behind this change. Finally, we summarise the main
conclusions and reflect on the EU's response to the climate challenge, in the light of the trends
identified and the urgency of finding a new paradigm suitable for a real change in thinking.
This article makes a theoretical contribution by interpreting the European strategy, and in
particular European ecological citizenship through the Green Arithmetic model, and neoliberal
management. It also makes an empirical contribution by highlighting how European
citizenship is understood under the terms of the European Green Deal.
Keywords
European Ecological Pact (EEP), European ecological citizenship, planetary consciousness,
green arithmetic, neoliberal management.
Como citar este artigo
Balla, Evanthia (2024). Estratégia Europeia em Busca de uma “Consciência Planetária”: Uma
Cidadania Ecológica para além da Aritmética Verde?. Janus.net, e-journal of international relations.
VOL 15 N 2, Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107. https://doi.org/10.26619/1647-
7251.15.2.4.
Artigo recebido em 6 de Agosto de 2024 e aceite para publicação em 6 de Setembro de
2024.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
92
ESTRATÉGIA EUROPEIA EM BUSCA DE UMA “CONSCIÊNCIA
PLANETÁRIA”: UMA CIDADANIA ECOLÓGICA PARA ALÉM DA
ARITMÉTICA VERDE?
1
EVANTHIA BALLA
Introdução Como o cidadão pensa a Natureza?
“A forma de pensar que utilizamos para encontrar soluções para os
problemas mais graves da nossa era globalizada é, ela própria, um dos
problemas mais graves que temos de enfrentar” (Morin & Ceruti, 2013:
posiç. 1219).
Numa era marcada pela globalização e por avanços tecnológicos velozes, o impacto das
alterações climáticas afigura-se com um dos principais desafios políticos. A deterioração
ambiental global coloca uma série de desafios tanto ao nosso conhecimento como às
nossas respostas. Neste contexto, tem havido um debate frutuoso sobre o início das
condições que deram origem ao problema. Paul Crutzen de forma célebre afirmou que
transitámos do período geológico do Holoceno, a mais recente era glacial, ocorrida
cerca de 12 mil anos, para o Antropoceno, uma nova era da história da Terra dominada
pela pegada humana. Diversas alternativas ao conceito geológico do Antropoceno têm
sido propostas relativas ao pensamento de crise ecológica, particularmente nas ciências
sociais, como o Capitaloceno. Este conceito considera o capitalismo como forma de
organizar a natureza; ou seja, como uma ecologia global, onde poder, capital e natureza
estão interligados. Nesta perspetiva, a história foi moldada como soma das interações
entre humanos e a natureza, com base numa aritmética verde, que acabou por distorcer
o próprio planeta.
As respostas políticas às alterações climáticas têm vindo a intensificar-se ao longo do
tempo, tanto a nível nacional, como europeu e internacional. No entanto, estas respostas
não demonstram uma verdadeira conscientização sobre as origens do problema, falhando
em reconhecer plenamente a influência que o ser humano e as instituições exercem sobre
o ambiente.
1
Este estudo foi realizado no Centro de Investigação em Ciência Política (UIDB/ CPO/00758/2020)
da Universidade de Évora e apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pelo
Ministério da Educação e Ciência através de fundos nacionais.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
93
De acordo com a análise de Crutzen (2021) sobre o Antropoceno, compreende-se que
uma das grandes obrigações futuras da humanidade será de estabelecer uma estratégia
ponderada para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas face à inevitável
interferência humana. Assim, a aplicação dos conhecimentos adquiridos «na noosfera
2
,
agora mais conhecida como sociedade do conhecimento ou da informação» deverá ser
“sensata” (Crutzen, 2021, p. 27). Com efeito, o modo de pensar afigura-se como o fator
determinante da própria mudança.
O conceito da “noosfera” não é novo. Teilhard de Chardin (1961) na sua obra Hymn of
the Universe destacava a importância do desenvolvimento de uma “consciência
planetária”. O autor (1961, p. 89) referia que “[s]e os homens da Terra, em toda a Terra,
se quiserem amar uns aos outros, não basta que reconheçam uns nos outros os
elementos de um algo único; devem também, desenvolver uma consciência planetária”,
tomar consciência do facto de que, sem perda das suas identidades individuais, se estão
a tornar num alguém único”. De Chardin defende que a harmonia do planeta é o resultado
da amálgama de várias existências. Assim, o homem, os animais, mas também a própria
natureza, devem formar um só na teia da vida.
Crutzen (2021) sustenta, portanto, que não houve esta coexistência harmoniosa, mas
que a pegada humana ao longo dos três últimos séculos transformou a Terra de maneiras
profundas e duradouras. Crutzen sublinha que “[c]erca de 30 a 50% da superfície
terrestre do planeta é explorada por seres humanos. As florestas tropicais desaparecem
a um ritmo acelerado, libertando dióxido de carbono e aumentando fortemente a extinção
de espécies (2021, p.24).
Vários académicos analisaram as causas e os efeitos desta transformação. Moore (2016)
aponta para o pensamento dualista dominante, daquilo que ele chama, de “Aritmética
Verde”, ou seja, da ideia de que Humanidade (ou Sociedade) e Natureza, ou mesmo
Capitalismo e Natureza, somam-se. Moore argumenta que as formas de organização
humana são elas próprias criadoras de ambientes. As instituições humanas, como as
classes, os impérios e os mercados, são criadoras de ambientes na teia da vida, e elas
próprias são influenciadas por estas mudanças. Assim, o capitalismo como “forma de
organizar a natureza como um todo”
3
o referido Capitaloceno , tornou-se um
produto, mas também um produtor na teia da vida. Deste ponto de vista, o capitalismo
metamorfoseou-se num sistema global, a worldecology, em que a natureza serve (ou
deve servir) os objetivos do sistema: de alta produtividade a preços baixos (2016,
pp.:78-165). Assim, permanecendo e agindo dentro do mesmo sistema dificilmente
iremos conseguir responder ao desafio das alterações climáticas com êxito. Moore (2016,
p. 1) defende que “[o] tipo de pensamento que criou a atual turbulência global
dificilmente nos ajudará a resolvê-la”.
2
Isto é a esfera do raciocínio lógico. Termo derivado das palavras gregas Νους” (raciocínio lógico e mental)
e σφαρα” (esfera). Em 1924, Teilhard de Chardin e E. Le Roy cunharam o termo "noösphere", distinguindo
o papel crescente que o poder do pensamento humano e das suas vocações tecnológicas têm
desempenhado na construção do futuro e do seu ambiente.
3
E não apenas como sistema social e económico.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
94
De certo ponto, o Capitaloceno apresenta-se como conceito crítico ao do Antropoceno,
alternativo na sua explicação quanto às catástrofes naturais (Federau, 2023, p. 641),
perspetivando a mudança do paradigma atual.
Na mesma linha de pensamento crítico ao Antropoceno, e em conformidade com Moore,
San Román e Molinero-Gerbeau (2023) argumentam que o conceito de Antropoceno pode
ser compreendido de duas formas distintas: como “Antropoceno Geológico”, uma
perspetiva das ciências naturais que alude aos impactos mensuráveis das comunidades
humanas no planeta, segundo a escola de Stoermer e Crutzen
4
; e como “Antropoceno
Popular”, uma perspetiva das ciências humanas e sociais que se refere à forma de pensar
sobre as origens e a evolução da crise ecológica. Ao contrário do Crutzen, que mede as
mudanças ambientais impulsionadas pelas ões humanas, San Román e Molinero-
Gerbeau sustentam que é fundamental considerar as implicações culturais, sociais e
éticas importantes que conduziram a estas mudanças. Para os autores não foi o
άνθρωπος (-antropos/ o homem) que nos conduziu a um novo período geológico, mas a
cultura ocidental. Mais precisamente, os autores (2023, p. 39) defendem que “[o] próprio
capitalismo é uma estrutura material construída sobre os fundamentos ideológicos do
pensamento ocidental, cuja abordagem da predação da natureza precede o dualismo
cartesiano”
5
. Braidotti e Casper-Hehne (2023) também defendem que o conceito de
Antropoceno é um produto dos humanos ocidentais, pois baseia-se numa visão do mundo
ocidental, e em particular Europeia, que separa a “natureza da cultura, os corpos das
mentes, os humanos dos não-humanos e organiza todas as diferenças hierarquicamente”
(2023, p. 667). Igualmente, as autoras também sublinham que enquanto a maioria das
emissões globais são produzidas pelos países mais rico, o impacto recai nos ombros dos
mais pobres países do Sul Global (ibid, p. 668)
6
.
Quanto à governança da era do Antropoceno, afigura-se com uma governança neoliberal.
O termo “neoliberalismo” não significa o mesmo que o “capitalismo”: na realidade, surge
da “intensificação e a aceleração das possíveis consequências do capitalismo” (Hétier,
2023, p. 671). A nossa estratégia jurídico-política para responder aos desafios climáticos
tem vindo a assumir a forma de uma gestão neoliberal, baseada numa racionalidade de
custo-benefício e de técnicas de mercado difundidos em todos os domínios da sociedade
(Lawrence, 2017, pp. 7, 12)
7
. Neste modelo neoliberal de governança a sociedade torna-
se numa “sociedade empresarial” (Foucault, 2008, p. 147), e nela o “homo oeconomicus,
é o empresário de si mesmo, sendo para si o seu próprio capital, sendo para si o seu
próprio produtor, sendo para si a fonte dos [seus] ganhos” (2008, p. 226). No mesmo
4
Em 2000, Paul J. Crutzen e Eugene F. Stoermer publicaram um artigo intitulado “The ‘Anthropocene” na
revista Global Change Newsletter, disponível na íntegra no livro “Paul J. Crutzen and the Anthropocene: A
New Epoch in Earth’s History” (2021). O termo ganhou mais popularidade após o ensaio frequentemente
citado de Crutzen (2002).
5
Referência à “humanização” segundo os seus critérios ocidentais encontramos na obra de Teilhard de
Chardin. Segundo ao autor [h]oje, para permanecerem humanos ou para se tornarem mais plenamente
humanos, todos os povos, de uma ponta à outra da Terra, são inexoravelmente levados a formular as
esperanças e os problemas do mundo nos próprios termos concebidos pelo Ocidente (1961, 110)
6
Nestes termos, para as autoras é fundamental avaliar os aspetos discriminatórios do legado humanista,
pelo que são necessários os estudos interculturais, pós-coloniais e des-coloniais, teorias feministas e de
género e do pensamento ecológico para garantir que não continuam no Antropoceno.
7
Igualmente, Moore argumenta que as possibilidades de aquisição de recursos naturais baratos têm sido
limitadas desde os anos 70 enquanto uma nova tendência foi lancada, por vezes designada por
neoliberalismo, que se caracteriza pelo reforço do domínio do mercado (2016, p.: 92)
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
95
teor, Jopke (2021, p. 15) sublinha que a racionalidade neoliberal esbate a fronteira entre
os setores público e privado, mas também invade a esfera privada.
Neste contexto, como é que a União Europeia está a moldar o seu discurso e a sua praxis
para lidar com os desafios climáticos? Sendo líder na luta contra o desafio das alterações
climáticas, apresenta um novo pensamento que se transforma em prática num novo
paradigma de uma “consciência planetária”?
Hajer (1995), na sua obra “Politics of the Environmental discourse”, enfatiza certas
características no discurso político da “modernização ecológica” do final dos anos ’70,
que permitem abordar a crise ambiental como uma situação “gerível”. Nomeadamente,
o autor destaca que neste discurso os custos e benefícios da poluição podem ser
calculados; uma organização ambientalmente correta da sociedade é possível com a
participação de todos. Por conseguinte, a proteção do ambiente torna-se, em grande
medida, uma questão de gestão (1995, p. 26). Do mesmo modo, a autora Molek-
Kozakowska (2023) tem enfatizando que o discurso europeu, em particular o Pacto
Ecológico Europeu, adota um discurso neoliberal de “sustentabilidade”; e normaliza-a
como condição entre as ordens de discurso ambiental e económica, sem condicionantes
(2023, p.p.: 182199). A ênfase principal coloca-se na necessidade da transformação
económica e na gestão para a atenuação das consequências climáticas no mercado livre
(Molek-Kozakowska, 2023; Hetiér; 2023)
8
.
Igualmente, a estratégia ambiental europeia para o clima destaca o papel do cidadão na
luta contra as alterações climáticas, promovendo assim uma cidadania ecológica
9
. Porém,
vários teóricos apontam para as complexidades do modelo normativo de uma cidadania
ecológica (Vihersalo, 2016; Machin & Tanb 2022; Bourban, 2023; para a cidadania
ambiental vide também Dobson and Bell). Para Vihersalo (2017), o cidadão europeu
define-se como ator economicamente racional, que fará os ajustamentos ao seu
comportamento para proteger o ambiente, como é a redução do consumo de energia, ou
o consumo de produtos amigos do ambiente, beneficiando-se a si mesmo. Vihersalo
identifica a ausência de uma relação moral profunda entre cidadão e ambiente na
campanha climática da UE, pois apesar de haver algumas referências à proteção do
ambiente, não se trata de uma profunda ligação ética com o ambiente. Trata-se de um
objetivo duplo que consiste tanto na atenuação das alterações climáticas como na
“modernização ecológica”, que por sua vez levará a um maior crescimento económico
(Vihersalo 2017, p. 358).
8
Fiel a lógica neoliberal, oferece -se a possibilidade de uma reforma liderada pelo capitalismo rearmado
tecnologicamente aceitando de modo acrítico as estruturas e instituições existentes (vide “Workers and
Trade Unions for Climate Solidarity. Takling Climate Change in a neoliberal world” de Hampton, Paul, 2015.
Routledge: New York.
9
A literatura académica e o próprio discurso da União Europeia têm utilizado vários termos ao abordarem à
problemática das alterações climáticas e em particular a estratégica europeia e o conceito de uma nova
cidadania: “ambiental”; “climática”; ecológica”; “verde” (vide Vihersalo, 2017). Para os objetivos do
presente artigo que avalia o Pacto Ecológico Europeu, consideramos mais adequado o termo cidadania
“ecológica” europeia. Ao enfatizar a importância das questões ética e de justiça na pegada ecológica do
homem, como a criação de um espaço de cidadania, aproximamo-nos à “cidadania ecológica” de Dobson
(2003). Igualmente, quanto à estratégia da União Europeia, adotamos o termo “estratégia ambiental”,
termo este que a Comissão Europeia utiliza na sua página oficial:
https://environment.ec.europa.eu/strategy_en.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
96
No quadro jurídico-político ambiental europeu, o cidadão assume parte da
responsabilidade da gestão do ambiente. Nomeadamente, o Pacto Ecológico Europeu
adotado em 2019 colocou o cidadão ecológico europeu no centro da estratégia ambiental
como ‘força matriz’. Esta cidadania ecológica em génesis manifesta-se através de quatro
componentes: “direitos”, “deveres”, “virtudes” e “práticas”, de acordo com Machin e Tanb
(2022, p. 13). Contudo, como anotam os autores, as práticas de cidadania facilitam ações
importantes, mas também podem resultar em assimetrias entres os europeus. De facto,
as virtudes e práticas ambientais, parecem dirigir-se a um único “bem comum”, que pode
prejudicar o reconhecimento da própria diversidade social e política da Europa. Por outro
lado, os direitos e deveres ambientais estão distribuídos de forma desigual entre as
esferas pública e privada (Heyen et al, 2020; Heyen, 2022). A título de exemplo, existe
uma divisão laboral desigual entre a esfera publica e privada, que pesa significativamente
mais as mulheres, que deve ser tida em consideração e integrada na própria definição
de cidadania ambiental (MacGregor, 2006b), mudando o atual paradigma.
A seguir analisar-sea estratégia ambiental europeia, em particular o Pacto Ecológico
Europeu, à luz de uma análise crítica da natureza da cidadania ecológica europeia.
Estratégias climáticas e pressupostos subjacentes
Tsoukalis (2023, p. 61) defende que “[a]s alterações climáticas são o produto do maior
fracasso de mercado alguma vez registado
10
.
Um importante esforço internacional realizado nos últimos anos visa sensibilizar os atores
políticos e os cidadãos para a necessidade de colocar as alterações climáticas no topo da
agenda política internacional e para a necessidade de proteger as populações vulneráveis
que são particularmente afetadas pelas alterações climáticas. Nomeadamente, o Painel
Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate
Change (IPCC)) das Nações Unidas, criado em 1988 para avaliar o estado de
conhecimento científico e socioecónomico e as estratégias de resposta quanto às
alterações climáticas, tem alertado repetidamente sobre os crescentes riscos do
aquecimento global e a urgência de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e
de limitar as alterações climáticas a 1,5 °C (relatórios PIAC 2018, e relatório atualizado
de 2021)
11
. O IPCC tem também alertado para o facto de que as pessoas e os sistemas
mais vulneráveis serem desproporcionalmente afetados e os extremos climáticos terem
levado a impactos irreversíveis. De acordo com o último relatório do IPCC, entre 2010 e
2020, a mortalidade humana por catástrofes naturais, tais como inundações, secas e
tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis, em comparação com
regiões com muita baixa vulnerabilidade (2023, p. 51)
12
.
A União Europeia tem vindo a liderar o caminho da transição climática, tanto a nível
europeu como em termos de esforços internacionais. Tsoukalis, na sua recente obra
10
Que nos faz relembrar a afirmação de Nicholas Stern “as alterações climáticas são o resultado do maior
fracasso de mercado que o mundo já viu (2007).
11
IPCC (2018), Global Warming of 1.5 °C. https://www.ipcc.ch/sr15 ; and IPCC (2021). The Physical Science
Basis, https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM_final.pdf
12
IPCC (2023). Climate Change 2023: Synthesis Report. doi: 10.59327/IPCC/AR6-978929169164
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
97
Europe's Coming of Age, quis resumir estes esforços escrevendo que a UE tem colocado
consideráveis esforços “na tentativa de salvar a sua alma - e o planeta Terra com ela”
(Tsoukalis, 2023, p. 142).
Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em 1992, até ao Acordo de Paris, em 2015, a UE empenhou-se em
desenvolver um quadro jurídico-político de estratégia climática abrangente, e tem
atingindo resultados notáveis. De facto, em 2020 as emissões de gases com efeito de
estufa (GEE) da UE diminuíram 31% comparativamente aos níveis de 1990, excedendo
os objetivos do Protocolo de Quioto de reduzir as emissões em 20% até 2020. Vale
salientar que este êxito deve se em grande parte à criação em 2005 do primeiro grande
mercado de carbono do mundo ao adotar o seu regime de comércio europeu de licenças
de emissão (CELE), definindo um limite para as emissões de gases com efeito de estufa
(GEE) em atividades que representam cerca de 45% das emissões de GEE em toda a
União Europeia. Todavia, também se deve à desindustrialização gradual da Europa ao
longo das últimas cadas que tem sido um dos fator-chave para a redução das suas
emissões. As empresas europeias têm vindo a transferir a produção para o resto do
mundo, onde prevalecem normas ambientais menos exigentes. No entanto, isso significa
que enquanto as emissões de gases com efeito de estufa diminuem na Europa, as
emissões globais continuam a aumentar a um ritmo alarmante, agravando as condições
de vida das populações mais vulneráveis.
Por outro lado, as estratégias de luta contra as alterações climáticas, nomeadamente a
transição para uma economia verde, suscitam sérias preocupações quanto aos custos
excessivos que podem implicar, bem como quanto ao seu impacto nas sociedades e nas
pessoas mais vulneráveis. Tsoukalis (2023) nota que a revolta dos «gilets jaunes» em
França em 2018 foi resposta às decisões e políticas fiscais do governo francês, sobretudo
contra um novo imposto no preço da gasolina com base em preocupações ambientais.
Os manifestantes maioritariamente dos subúrbios e do campo, que dependiam da
gasolina barata para suas deslocações, foram afetados de forma desigual por esta
decisão e sentiram-se fortemente afetados pelas políticas fiscais do governo francês
(2023, pp. 140-142).
Neste quadro, vale também ressaltar os riscos das vozes negacionistas que desvalorizam
os impactos das alterações climáticas a nível global, disseminando um discurso populista-
nativista, sobretudo através das redes sociais. Discursos esses que têm estado na base
de estratégias e políticas unilateralistas que ferem esforços de acordos multilaterais.
Donald Trump, decidiu retirar os Estados Unidos da América do Acordo de Paris em 2017,
e Jair Bolsonaro foi acusado de encorajar a deflorestação e a exploração da Amazónia
durante a sua presidência, encarando as críticas internacionais como sendo ataques à
soberania Brasileira (Maisonnave, 2018). Tal regresso ao discurso da primazia do Estado-
nação, por vezes nativista, contradiz o caráter transnacional do clima e a importância do
multilateralismo para a sua salvaguarda
13
.
Similarmente, nas últimas décadas, as questões socioculturais e as políticas de
identidade têm dominado o discurso político nos países ocidentais, mais do que as
13
Quanto ao “nativismo”, adotamos a definição de Mudde, que considera o “nativismo” como conceito que
engloba “nacionalismo” e “xenofobia” (2019, p: 27).