OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, N.º 2
Novembro 2024-Abril 2025
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ESTRATÉGIA EUROPEIA EM BUSCA DE UMA “CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA”:
UMA CIDADANIA ECOLÓGICA PARA ALÉM DA ARITMÉTICA VERDE?
EVANTHIA BALLA
evanthia.balla@gmail.com
Professora Associada da Universidade de Évora (Portugal) e Investigadora do Centro de
Investigação em Ciência Política. É coordenadora do Mestrado em Relações Internacionais e
Estudos Europeus da Universidade de Évora. É também membro da comissão de curso do
Doutoramento em Teoria Política, Relações Internacionais e Direitos Humanos, criado em
parceria pelas Universidades de Évora e dos Açores. É doutorada em Ciência Política e Relações
Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Mestre em
Política Internacional pela Université Libre de Bruxelles, Bélgica, e Mestre em Estudos Europeus
pela University of Reading, Reino Unido. Tem uma licenciatura em Ciência Política e
Administração Pública pela Universidade de Atenas, Grécia. Os seus interesses de investigação
incluem a integração europeia; segurança europeia; política internacional; governação europeia;
cidadania, direitos humanos. Tem publicado vários artigos, relatórios e análises em revistas
científicas nacionais e internacionais.
Resumo
Este artigo examina a estratégia ambiental europeia e, em especial, a natureza de uma
cidadania ecológica europeia. Argumenta-se que a estratégia ambiental europeia, apesar da
sua importância, baseia-se sobretudo num modelo de gestão da natureza, atribuindo ao
cidadão um papel central nesta gestão. O atual quadro jurídico-político não demonstra um
novo paradigma de "consciência planetária" capaz de garantir uma verdadeira mudança. O
argumento está estruturado em quatro partes: em primeiro lugar, examinam-se os conceitos
do Antropoceno, Capitaloceno e o paradigma da Aritmética Verde, dando ênfase ao quadro
da estratégia ambiental europeia e o papel do cidadão europeu na mesma. Seguidamente,
observam-se os esforços, e pressupostos subjacentes, para salvar o planeta” a nível
internacional e europeu em busca de evidências de uma “consciência planetária”. Na terceira
parte, utiliza -se a leitura particular do quadro jurídico-político europeu, em especial do Pacto
Ecológico Europeu, efetuando uma análise critica do papel do cidadão como força matriz desta
mudança. Por fim, sintetizamos as principais conclusões e refletimos sobre a resposta da UE
ao desafio climático, à luz das tendências identificadas e da urgência de encontrar um novo
paradigma apto para a verdadeira mudança de pensamento. Este artigo contribui
teoricamente ao interpretar a estratégia europeia, e em particular a cidadania ecológica
europeia através do modelo de Aritmética Verde, e de gestão neoliberal. Igualmente, contribui
empiricamente ao destacar a forma como a cidadania europeia é entendida nos termos do
Pacto Ecológico Europeu..
Palavras-chave
Pacto Ecológico Europeu (PEE), Cidadania ecológica europeia, consciência planetária,
aritmética verde, gestão neoliberal.
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Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
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Abstract
This article examines the European environmental strategy and, in particular, the nature of a
European ecological citizenship. It argues that the European environmental strategy, despite
its importance, is mainly based on a model of nature management, giving citizens a central
role in this management. The current legal-political framework does not demonstrate a new
paradigm of ‘planetary consciousness’ capable of guaranteeing real change. The argument is
structured in four parts: firstly, the concepts of the Anthropocene, Capitalocene and the Green
Arithmetic paradigm are examined, emphasising the framework of the European
environmental strategy and the role of the European citizen in it. It then looks at the efforts,
and underlying assumptions, to ‘save the planet’ at international and European level in search
of evidence of a ‘planetary consciousness’. The third part uses a particular reading of the
European legal-political framework, especially the European Green Deal, to critically analyse
the role of the citizen as the driving force behind this change. Finally, we summarise the main
conclusions and reflect on the EU's response to the climate challenge, in the light of the trends
identified and the urgency of finding a new paradigm suitable for a real change in thinking.
This article makes a theoretical contribution by interpreting the European strategy, and in
particular European ecological citizenship through the Green Arithmetic model, and neoliberal
management. It also makes an empirical contribution by highlighting how European
citizenship is understood under the terms of the European Green Deal.
Keywords
European Ecological Pact (EEP), European ecological citizenship, planetary consciousness,
green arithmetic, neoliberal management.
Como citar este artigo
Balla, Evanthia (2024). Estratégia Europeia em Busca de uma “Consciência Planetária”: Uma
Cidadania Ecológica para além da Aritmética Verde?. Janus.net, e-journal of international relations.
VOL 15 N 2, Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107. https://doi.org/10.26619/1647-
7251.15.2.4.
Artigo recebido em 6 de Agosto de 2024 e aceite para publicação em 6 de Setembro de
2024.
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ESTRATÉGIA EUROPEIA EM BUSCA DE UMA “CONSCIÊNCIA
PLANETÁRIA”: UMA CIDADANIA ECOLÓGICA PARA ALÉM DA
ARITMÉTICA VERDE?
1
EVANTHIA BALLA
Introdução Como o cidadão pensa a Natureza?
“A forma de pensar que utilizamos para encontrar soluções para os
problemas mais graves da nossa era globalizada é, ela própria, um dos
problemas mais graves que temos de enfrentar” (Morin & Ceruti, 2013:
posiç. 1219).
Numa era marcada pela globalização e por avanços tecnológicos velozes, o impacto das
alterações climáticas afigura-se com um dos principais desafios políticos. A deterioração
ambiental global coloca uma série de desafios tanto ao nosso conhecimento como às
nossas respostas. Neste contexto, tem havido um debate frutuoso sobre o início das
condições que deram origem ao problema. Paul Crutzen de forma célebre afirmou que
transitámos do período geológico do Holoceno, a mais recente era glacial, ocorrida
cerca de 12 mil anos, para o Antropoceno, uma nova era da história da Terra dominada
pela pegada humana. Diversas alternativas ao conceito geológico do Antropoceno têm
sido propostas relativas ao pensamento de crise ecológica, particularmente nas ciências
sociais, como o Capitaloceno. Este conceito considera o capitalismo como forma de
organizar a natureza; ou seja, como uma ecologia global, onde poder, capital e natureza
estão interligados. Nesta perspetiva, a história foi moldada como soma das interações
entre humanos e a natureza, com base numa aritmética verde, que acabou por distorcer
o próprio planeta.
As respostas políticas às alterações climáticas têm vindo a intensificar-se ao longo do
tempo, tanto a nível nacional, como europeu e internacional. No entanto, estas respostas
não demonstram uma verdadeira conscientização sobre as origens do problema, falhando
em reconhecer plenamente a influência que o ser humano e as instituições exercem sobre
o ambiente.
1
Este estudo foi realizado no Centro de Investigação em Ciência Política (UIDB/ CPO/00758/2020)
da Universidade de Évora e apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pelo
Ministério da Educação e Ciência através de fundos nacionais.
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De acordo com a análise de Crutzen (2021) sobre o Antropoceno, compreende-se que
uma das grandes obrigações futuras da humanidade será de estabelecer uma estratégia
ponderada para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas face à inevitável
interferência humana. Assim, a aplicação dos conhecimentos adquiridos «na noosfera
2
,
agora mais conhecida como sociedade do conhecimento ou da informação» deverá ser
“sensata” (Crutzen, 2021, p. 27). Com efeito, o modo de pensar afigura-se como o fator
determinante da própria mudança.
O conceito da “noosfera” não é novo. Teilhard de Chardin (1961) na sua obra Hymn of
the Universe destacava a importância do desenvolvimento de uma “consciência
planetária”. O autor (1961, p. 89) referia que “[s]e os homens da Terra, em toda a Terra,
se quiserem amar uns aos outros, não basta que reconheçam uns nos outros os
elementos de um algo único; devem também, desenvolver uma consciência planetária”,
tomar consciência do facto de que, sem perda das suas identidades individuais, se estão
a tornar num alguém único”. De Chardin defende que a harmonia do planeta é o resultado
da amálgama de várias existências. Assim, o homem, os animais, mas também a própria
natureza, devem formar um só na teia da vida.
Crutzen (2021) sustenta, portanto, que não houve esta coexistência harmoniosa, mas
que a pegada humana ao longo dos três últimos séculos transformou a Terra de maneiras
profundas e duradouras. Crutzen sublinha que “[c]erca de 30 a 50% da superfície
terrestre do planeta é explorada por seres humanos. As florestas tropicais desaparecem
a um ritmo acelerado, libertando dióxido de carbono e aumentando fortemente a extinção
de espécies (2021, p.24).
Vários académicos analisaram as causas e os efeitos desta transformação. Moore (2016)
aponta para o pensamento dualista dominante, daquilo que ele chama, de “Aritmética
Verde”, ou seja, da ideia de que Humanidade (ou Sociedade) e Natureza, ou mesmo
Capitalismo e Natureza, somam-se. Moore argumenta que as formas de organização
humana são elas próprias criadoras de ambientes. As instituições humanas, como as
classes, os impérios e os mercados, são criadoras de ambientes na teia da vida, e elas
próprias são influenciadas por estas mudanças. Assim, o capitalismo como “forma de
organizar a natureza como um todo”
3
o referido Capitaloceno , tornou-se um
produto, mas também um produtor na teia da vida. Deste ponto de vista, o capitalismo
metamorfoseou-se num sistema global, a worldecology, em que a natureza serve (ou
deve servir) os objetivos do sistema: de alta produtividade a preços baixos (2016,
pp.:78-165). Assim, permanecendo e agindo dentro do mesmo sistema dificilmente
iremos conseguir responder ao desafio das alterações climáticas com êxito. Moore (2016,
p. 1) defende que “[o] tipo de pensamento que criou a atual turbulência global
dificilmente nos ajudará a resolvê-la”.
2
Isto é a esfera do raciocínio lógico. Termo derivado das palavras gregas Νους” (raciocínio lógico e mental)
e σφαρα” (esfera). Em 1924, Teilhard de Chardin e E. Le Roy cunharam o termo "noösphere", distinguindo
o papel crescente que o poder do pensamento humano e das suas vocações tecnológicas têm
desempenhado na construção do futuro e do seu ambiente.
3
E não apenas como sistema social e económico.
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De certo ponto, o Capitaloceno apresenta-se como conceito crítico ao do Antropoceno,
alternativo na sua explicação quanto às catástrofes naturais (Federau, 2023, p. 641),
perspetivando a mudança do paradigma atual.
Na mesma linha de pensamento crítico ao Antropoceno, e em conformidade com Moore,
San Román e Molinero-Gerbeau (2023) argumentam que o conceito de Antropoceno pode
ser compreendido de duas formas distintas: como “Antropoceno Geológico”, uma
perspetiva das ciências naturais que alude aos impactos mensuráveis das comunidades
humanas no planeta, segundo a escola de Stoermer e Crutzen
4
; e como “Antropoceno
Popular”, uma perspetiva das ciências humanas e sociais que se refere à forma de pensar
sobre as origens e a evolução da crise ecológica. Ao contrário do Crutzen, que mede as
mudanças ambientais impulsionadas pelas ões humanas, San Román e Molinero-
Gerbeau sustentam que é fundamental considerar as implicações culturais, sociais e
éticas importantes que conduziram a estas mudanças. Para os autores não foi o
άνθρωπος (-antropos/ o homem) que nos conduziu a um novo período geológico, mas a
cultura ocidental. Mais precisamente, os autores (2023, p. 39) defendem que “[o] próprio
capitalismo é uma estrutura material construída sobre os fundamentos ideológicos do
pensamento ocidental, cuja abordagem da predação da natureza precede o dualismo
cartesiano”
5
. Braidotti e Casper-Hehne (2023) também defendem que o conceito de
Antropoceno é um produto dos humanos ocidentais, pois baseia-se numa visão do mundo
ocidental, e em particular Europeia, que separa a “natureza da cultura, os corpos das
mentes, os humanos dos não-humanos e organiza todas as diferenças hierarquicamente”
(2023, p. 667). Igualmente, as autoras também sublinham que enquanto a maioria das
emissões globais são produzidas pelos países mais rico, o impacto recai nos ombros dos
mais pobres países do Sul Global (ibid, p. 668)
6
.
Quanto à governança da era do Antropoceno, afigura-se com uma governança neoliberal.
O termo “neoliberalismo” não significa o mesmo que o “capitalismo”: na realidade, surge
da “intensificação e a aceleração das possíveis consequências do capitalismo” (Hétier,
2023, p. 671). A nossa estratégia jurídico-política para responder aos desafios climáticos
tem vindo a assumir a forma de uma gestão neoliberal, baseada numa racionalidade de
custo-benefício e de técnicas de mercado difundidos em todos os domínios da sociedade
(Lawrence, 2017, pp. 7, 12)
7
. Neste modelo neoliberal de governança a sociedade torna-
se numa “sociedade empresarial” (Foucault, 2008, p. 147), e nela o “homo oeconomicus,
é o empresário de si mesmo, sendo para si o seu próprio capital, sendo para si o seu
próprio produtor, sendo para si a fonte dos [seus] ganhos” (2008, p. 226). No mesmo
4
Em 2000, Paul J. Crutzen e Eugene F. Stoermer publicaram um artigo intitulado “The ‘Anthropocene” na
revista Global Change Newsletter, disponível na íntegra no livro “Paul J. Crutzen and the Anthropocene: A
New Epoch in Earth’s History” (2021). O termo ganhou mais popularidade após o ensaio frequentemente
citado de Crutzen (2002).
5
Referência à “humanização” segundo os seus critérios ocidentais encontramos na obra de Teilhard de
Chardin. Segundo ao autor [h]oje, para permanecerem humanos ou para se tornarem mais plenamente
humanos, todos os povos, de uma ponta à outra da Terra, são inexoravelmente levados a formular as
esperanças e os problemas do mundo nos próprios termos concebidos pelo Ocidente (1961, 110)
6
Nestes termos, para as autoras é fundamental avaliar os aspetos discriminatórios do legado humanista,
pelo que são necessários os estudos interculturais, pós-coloniais e des-coloniais, teorias feministas e de
género e do pensamento ecológico para garantir que não continuam no Antropoceno.
7
Igualmente, Moore argumenta que as possibilidades de aquisição de recursos naturais baratos têm sido
limitadas desde os anos 70 enquanto uma nova tendência foi lancada, por vezes designada por
neoliberalismo, que se caracteriza pelo reforço do domínio do mercado (2016, p.: 92)
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teor, Jopke (2021, p. 15) sublinha que a racionalidade neoliberal esbate a fronteira entre
os setores público e privado, mas também invade a esfera privada.
Neste contexto, como é que a União Europeia está a moldar o seu discurso e a sua praxis
para lidar com os desafios climáticos? Sendo líder na luta contra o desafio das alterações
climáticas, apresenta um novo pensamento que se transforma em prática num novo
paradigma de uma “consciência planetária”?
Hajer (1995), na sua obra “Politics of the Environmental discourse”, enfatiza certas
características no discurso político da “modernização ecológica” do final dos anos ’70,
que permitem abordar a crise ambiental como uma situação “gerível”. Nomeadamente,
o autor destaca que neste discurso os custos e benefícios da poluição podem ser
calculados; uma organização ambientalmente correta da sociedade é possível com a
participação de todos. Por conseguinte, a proteção do ambiente torna-se, em grande
medida, uma questão de gestão (1995, p. 26). Do mesmo modo, a autora Molek-
Kozakowska (2023) tem enfatizando que o discurso europeu, em particular o Pacto
Ecológico Europeu, adota um discurso neoliberal de “sustentabilidade”; e normaliza-a
como condição entre as ordens de discurso ambiental e económica, sem condicionantes
(2023, p.p.: 182199). A ênfase principal coloca-se na necessidade da transformação
económica e na gestão para a atenuação das consequências climáticas no mercado livre
(Molek-Kozakowska, 2023; Hetiér; 2023)
8
.
Igualmente, a estratégia ambiental europeia para o clima destaca o papel do cidadão na
luta contra as alterações climáticas, promovendo assim uma cidadania ecológica
9
. Porém,
vários teóricos apontam para as complexidades do modelo normativo de uma cidadania
ecológica (Vihersalo, 2016; Machin & Tanb 2022; Bourban, 2023; para a cidadania
ambiental vide também Dobson and Bell). Para Vihersalo (2017), o cidadão europeu
define-se como ator economicamente racional, que fará os ajustamentos ao seu
comportamento para proteger o ambiente, como é a redução do consumo de energia, ou
o consumo de produtos amigos do ambiente, beneficiando-se a si mesmo. Vihersalo
identifica a ausência de uma relação moral profunda entre cidadão e ambiente na
campanha climática da UE, pois apesar de haver algumas referências à proteção do
ambiente, não se trata de uma profunda ligação ética com o ambiente. Trata-se de um
objetivo duplo que consiste tanto na atenuação das alterações climáticas como na
“modernização ecológica”, que por sua vez levará a um maior crescimento económico
(Vihersalo 2017, p. 358).
8
Fiel a lógica neoliberal, oferece -se a possibilidade de uma reforma liderada pelo capitalismo rearmado
tecnologicamente aceitando de modo acrítico as estruturas e instituições existentes (vide “Workers and
Trade Unions for Climate Solidarity. Takling Climate Change in a neoliberal world” de Hampton, Paul, 2015.
Routledge: New York.
9
A literatura académica e o próprio discurso da União Europeia têm utilizado vários termos ao abordarem à
problemática das alterações climáticas e em particular a estratégica europeia e o conceito de uma nova
cidadania: “ambiental”; “climática”; ecológica”; “verde” (vide Vihersalo, 2017). Para os objetivos do
presente artigo que avalia o Pacto Ecológico Europeu, consideramos mais adequado o termo cidadania
“ecológica” europeia. Ao enfatizar a importância das questões ética e de justiça na pegada ecológica do
homem, como a criação de um espaço de cidadania, aproximamo-nos à “cidadania ecológica” de Dobson
(2003). Igualmente, quanto à estratégia da União Europeia, adotamos o termo “estratégia ambiental”,
termo este que a Comissão Europeia utiliza na sua página oficial:
https://environment.ec.europa.eu/strategy_en.
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No quadro jurídico-político ambiental europeu, o cidadão assume parte da
responsabilidade da gestão do ambiente. Nomeadamente, o Pacto Ecológico Europeu
adotado em 2019 colocou o cidadão ecológico europeu no centro da estratégia ambiental
como ‘força matriz’. Esta cidadania ecológica em génesis manifesta-se através de quatro
componentes: “direitos”, “deveres”, “virtudes” e “práticas”, de acordo com Machin e Tanb
(2022, p. 13). Contudo, como anotam os autores, as práticas de cidadania facilitam ações
importantes, mas também podem resultar em assimetrias entres os europeus. De facto,
as virtudes e práticas ambientais, parecem dirigir-se a um único “bem comum”, que pode
prejudicar o reconhecimento da própria diversidade social e política da Europa. Por outro
lado, os direitos e deveres ambientais estão distribuídos de forma desigual entre as
esferas pública e privada (Heyen et al, 2020; Heyen, 2022). A título de exemplo, existe
uma divisão laboral desigual entre a esfera publica e privada, que pesa significativamente
mais as mulheres, que deve ser tida em consideração e integrada na própria definição
de cidadania ambiental (MacGregor, 2006b), mudando o atual paradigma.
A seguir analisar-sea estratégia ambiental europeia, em particular o Pacto Ecológico
Europeu, à luz de uma análise crítica da natureza da cidadania ecológica europeia.
Estratégias climáticas e pressupostos subjacentes
Tsoukalis (2023, p. 61) defende que “[a]s alterações climáticas são o produto do maior
fracasso de mercado alguma vez registado
10
.
Um importante esforço internacional realizado nos últimos anos visa sensibilizar os atores
políticos e os cidadãos para a necessidade de colocar as alterações climáticas no topo da
agenda política internacional e para a necessidade de proteger as populações vulneráveis
que são particularmente afetadas pelas alterações climáticas. Nomeadamente, o Painel
Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate
Change (IPCC)) das Nações Unidas, criado em 1988 para avaliar o estado de
conhecimento científico e socioecónomico e as estratégias de resposta quanto às
alterações climáticas, tem alertado repetidamente sobre os crescentes riscos do
aquecimento global e a urgência de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e
de limitar as alterações climáticas a 1,5 °C (relatórios PIAC 2018, e relatório atualizado
de 2021)
11
. O IPCC tem também alertado para o facto de que as pessoas e os sistemas
mais vulneráveis serem desproporcionalmente afetados e os extremos climáticos terem
levado a impactos irreversíveis. De acordo com o último relatório do IPCC, entre 2010 e
2020, a mortalidade humana por catástrofes naturais, tais como inundações, secas e
tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis, em comparação com
regiões com muita baixa vulnerabilidade (2023, p. 51)
12
.
A União Europeia tem vindo a liderar o caminho da transição climática, tanto a nível
europeu como em termos de esforços internacionais. Tsoukalis, na sua recente obra
10
Que nos faz relembrar a afirmação de Nicholas Stern “as alterações climáticas são o resultado do maior
fracasso de mercado que o mundo já viu (2007).
11
IPCC (2018), Global Warming of 1.5 °C. https://www.ipcc.ch/sr15 ; and IPCC (2021). The Physical Science
Basis, https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM_final.pdf
12
IPCC (2023). Climate Change 2023: Synthesis Report. doi: 10.59327/IPCC/AR6-978929169164
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Europe's Coming of Age, quis resumir estes esforços escrevendo que a UE tem colocado
consideráveis esforços “na tentativa de salvar a sua alma - e o planeta Terra com ela”
(Tsoukalis, 2023, p. 142).
Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em 1992, até ao Acordo de Paris, em 2015, a UE empenhou-se em
desenvolver um quadro jurídico-político de estratégia climática abrangente, e tem
atingindo resultados notáveis. De facto, em 2020 as emissões de gases com efeito de
estufa (GEE) da UE diminuíram 31% comparativamente aos níveis de 1990, excedendo
os objetivos do Protocolo de Quioto de reduzir as emissões em 20% até 2020. Vale
salientar que este êxito deve se em grande parte à criação em 2005 do primeiro grande
mercado de carbono do mundo ao adotar o seu regime de comércio europeu de licenças
de emissão (CELE), definindo um limite para as emissões de gases com efeito de estufa
(GEE) em atividades que representam cerca de 45% das emissões de GEE em toda a
União Europeia. Todavia, também se deve à desindustrialização gradual da Europa ao
longo das últimas cadas que tem sido um dos fator-chave para a redução das suas
emissões. As empresas europeias têm vindo a transferir a produção para o resto do
mundo, onde prevalecem normas ambientais menos exigentes. No entanto, isso significa
que enquanto as emissões de gases com efeito de estufa diminuem na Europa, as
emissões globais continuam a aumentar a um ritmo alarmante, agravando as condições
de vida das populações mais vulneráveis.
Por outro lado, as estratégias de luta contra as alterações climáticas, nomeadamente a
transição para uma economia verde, suscitam sérias preocupações quanto aos custos
excessivos que podem implicar, bem como quanto ao seu impacto nas sociedades e nas
pessoas mais vulneráveis. Tsoukalis (2023) nota que a revolta dos «gilets jaunes» em
França em 2018 foi resposta às decisões e políticas fiscais do governo francês, sobretudo
contra um novo imposto no preço da gasolina com base em preocupações ambientais.
Os manifestantes maioritariamente dos subúrbios e do campo, que dependiam da
gasolina barata para suas deslocações, foram afetados de forma desigual por esta
decisão e sentiram-se fortemente afetados pelas políticas fiscais do governo francês
(2023, pp. 140-142).
Neste quadro, vale também ressaltar os riscos das vozes negacionistas que desvalorizam
os impactos das alterações climáticas a nível global, disseminando um discurso populista-
nativista, sobretudo através das redes sociais. Discursos esses que têm estado na base
de estratégias e políticas unilateralistas que ferem esforços de acordos multilaterais.
Donald Trump, decidiu retirar os Estados Unidos da América do Acordo de Paris em 2017,
e Jair Bolsonaro foi acusado de encorajar a deflorestação e a exploração da Amazónia
durante a sua presidência, encarando as críticas internacionais como sendo ataques à
soberania Brasileira (Maisonnave, 2018). Tal regresso ao discurso da primazia do Estado-
nação, por vezes nativista, contradiz o caráter transnacional do clima e a importância do
multilateralismo para a sua salvaguarda
13
.
Similarmente, nas últimas décadas, as questões socioculturais e as políticas de
identidade têm dominado o discurso político nos países ocidentais, mais do que as
13
Quanto ao “nativismo”, adotamos a definição de Mudde, que considera o “nativismo” como conceito que
engloba “nacionalismo” e “xenofobia” (2019, p: 27).
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alterações climáticas (Mudde, 2019, p: 165). Enquanto a direita radical era vista como o
partido que mais abordava as questões da imigração e da criminalidade, os partidos
tradicionais do centro-direita e do centro-esquerda também têm dado especial ênfase às
questões socioculturais e de segurança nos últimos anos, por vezes em detrimento das
questões socioeconómicas. Neste contexto, as alterações climáticas parecem estar na
linha da frente dos discursos políticos principalmente, se o exclusivamente, dos
partidos verdes.
Apesar de a União Europeia ter desempenhado um papel importante na Conferência das
Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), incentivando os seus parceiros a
intensificarem as ações para reduzir as emissões, os compromissos-chave da Conferência
não demonstraram mudanças estruturais ou éticas significativas. As metas de “atingir
objetivos mais ambiciosos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa até
2030”, “debater medidas de adaptação aos inevitáveis impactos das alterações
climáticas” e aumentar o financiamento da ação climática, especialmente para os países
em desenvolvimento”
14
são essenciais, mas permanecem restritas a uma lógica de
aritmética verde, que soma a Humanidade e a Natureza ou mesmo o Capitalismo e a
Natureza, mas sem um compromisso de profundas transformações.
As alterações climáticas, obrigam-nos assim a repensar os efeitos do próprio modelo
político dominante, os riscos da desigualdade e da injustiça socioeconómica, como
também os riscos de um regresso à uma retórica nativista nacionalista do passado.
É, portanto, crucial decifrar como o tipo de pensamento de Aritmética Verde - que, como
Moore assinala, cria a atual turbulência global - e a gestão neoliberal se revelam no
discurso e na estratégia europeia. Neste contexto, iremos analisar o Pacto Ecológico
Europeu.
A estratégia climática europeia e o Pacto Ecológico Europeu (PEE)
O Pacto Ecológico Europeu estabelece o compromisso ambicioso da União Europeia de
alcançar uma redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa de, pelo
menos, 55% até 2030, e a neutralidade climática até 2050, desenhando um roteiro para
esta transição, e colocando o cidadão no centro da transformação como “força matriz”
(Vihersalo, 2017; Machin e Tanb, 2022). O Pacto Ecológico se afirma, no próprio texto
da Comissão, como um elemento fundamental da estratégia da Comissão para
implementar a Agenda 2030 e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
das Nações Unidas
15
.
Neste Pacto, há uma série de propostas agregadoras que ambicionam uma mobilização
e envolvimento para a mudança a todos os níveis, dando ênfase à economia, e às
sociedades, como também às regiões vulneráveis dentro e fora da UE, com o objetivo de
transformar a União “numa sociedade equitativa e próspera, dotada de uma economia
moderna”, eficiente na utilização dos recursos e competitiva (Comissão Europeia, 2019,
14
Vide página do Conselho Europeu: https://www.consilium.europa.eu/en/policies/climate-change/paris-
agreement/cop26/
15
https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld.
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p.: 22). Α Comissão aponta também para um novo pacto agregador, que reúna vários
atores a todos os veis: cidadãos, a sociedade civil, a indústria, autoridades, e os órgãos
da UE (ibid, p. 2).
Contudo, não obstante a importância das propostas e do envolvimento agregador de
vários atores neste pacto, o percurso da União Europeia para atingir os seus objetivos
não evidencia mudanças profundas institucionais e de valores. O documento demonstra
a passagem de uma racionalidade governamental clássica, baseada em noções como
«direito(s)» (com apenas três referências no texto da Comissão), «esferas» e
«jurisdição» (sem nenhuma referência no texto), para uma governamentalidade
neoliberal baseada em conceitos alternativos, de «mercados», «partes interessadas» e
«eficiência» (Lawrence, 2017).
Com efeito, no quadro do Pacto Ecológico Europeu os objetivos de uma estratégia
ambiental europeia de sucesso passam em grande parte por ações de gestão “eficientes”
e eficazes”. A título de exemplo, o documento refere que “[p]ara enfrentar este duplo
desafio - eficiência energética e acessibilidade dos preços - a UE e os Estados-Membros
devem promover uma «onda de renovação» de edifícios públicos e privados” (2019, p.
11). As ambições da Comissão também passam por “estabelecer as condições para uma
transição eficaz e justa, proporcionar estabilidade para os investidores e assegurar a
irreversibilidade dessa transição” (ibid, p.p.: 5, 21). No discurso sobre a eficácia somam-
se os objetivos de “uma tarifação rodoviária eficaz na UE(ibid, p. 12), “uma florestação
eficaz” (ibid,p. 21); e, em termos de política externa, ao “[…]estabelecer um exemplo
credível, acompanhado de diplomacia, da política comercial, do apoio ao
desenvolvimento e de outras políticas externas, a UE pode ser um defensor eficaz” (ibid,
p. 23). A Comissão também anota que as reduções das emissões têm efeitos secundários
positivos na economia da UE, através do aumento da competitividade das empresas
europeias que desenvolvem tecnologias respeitadoras do clima, através da poupança de
custos decorrentes de um menor consumo de energia e através da diversificação das
fontes de energia, que torna as economias europeias menos vulneráveis ao aumento dos
preços do petróleo. Efetivamente, trata-se de decisões e ações político-institucionais que,
numa lógica de aritmética verde, somam três objetivos principais: o reforço da economia;
a estabilidade dos preços, e a eficiência energética. Quanto às relações da com o
resto do mundo, a UE colocará a tónica nas ações “eficazes” realizadas pela vizinhança.
O que antes definia o sucesso das empresas torna-se agora um objetivo político e
determina o sucesso não das políticas nacionais, mas também da governança
europeia. No PEE, destaca-se, de facto, um estilo distinto de raciocínio que molda a
estratégia em termos primordialmente económicos, numa lógica de gestão neoliberal,
ampliando o campo da atividade empresarial, através de meios eles próprios
informalizados e mercantilizados, e distribuindo tarefas governamentais para uma maior
variedade de atores (vide Lawrence, 2017, e também Brown, 2015, p: 17).
Igualmente, o PEE refere que a UE deve “melhorar a sua capacidade de monitorizar,
comunicar, prevenir e corrigir a poluição do ar, da água, do solo e dos produtos de
consumo” (ibid, p. 16). Estas propostas revelam sobretudo ações de gestão, onde a
própria natureza divide-se, e o ar, a água e o solo somam-se aos produtos de consumo,
como elementos que a UE deve gerir para enfrentar as catástrofes naturais, novamente
na mesma lógica de aritmética verde. Os problemas subjacentes à crise climática, tais
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como a apropriação da natureza, a produção exacerbada, e o desperdício generalizado
permanecem na periferia do debate político a nível europeu.
Com efeito, o documento está sobretudo centrado acerca de um objetivo principal:
“Transformar a Economia da UE para um futuro sustentável” (Figura 1, p. 4). A natureza
é vista como algo mais a acrescentar à economia do planeta. Igualmente, enquanto a(s)
palavra(s)“economia(s)” repetem-se trinta vezes no documento, apenas três
referências à palavra “natureza”, e estas são ligadas ao raciocínio económico.
Nomeadamente, no PEE consta que “[o] trabalho em prol da adaptação às alterações
climáticas deve continuar a influenciar os investimentos públicos e privados, incluindo
em soluções baseadas na natureza” (Comissão, 2019, p. 6). “A Comissão ponderará a
elaboração de um plano de recuperação da natureza e estudará a forma de financiar os
Estados-Membros para os ajudar a alcançar este objetivo” (ibid, p. 15). Ademais, a
natureza é vista como um “doente” que precisa de recuperar. Esta recuperação também
passa por um financiamento das ações dos vários atores para que a economia o
fique afetada enquanto a natureza “recupere”.
Por outro lado, as soluções são aqui apresentadas através de uma linguagem de
humanização/ ‘antropocenação’ da própria natureza, inclusivamente mares e oceanos
que devem ficar, à semelhança dos homens, mais “saudáveis” e resistentes”. Refere-se
que “[e]m termos mais gerais, soluções duradouras para as alterações climáticas exigem
que se preste uma maior atenção a soluções baseadas na natureza, incluindo mares e
oceanos saudáveis e resistentes” (ibid, p. 16).
Quanto ao objetivo de uma transição justa, a introdução de um mecanismo para prestar
apoio aos mais vulneráveis membros da sociedade durante a transição, o mesmo estará
ligado à promoção de atividades principalmente económicas, inclusive “programas de
requalificação, emprego em novos setores económicos ou habitação energeticamente
eficiente” (ibid, p. 19). Na realidade, a transição para novos empregos será mais
desafiantes para as pessoas idosas e para as pessoas com menos qualificações. Também,
as comunidades nas zonas onde os setores das indústrias dos combustíveis fósseis em
declínio estão concentrados irão ficar particularmente afetadas. No entanto, a
compensação pela perda de empregos para pessoas que não conseguirão aproveitar as
oportunidades nos novos mercados de emprego de inovação verde o são abordados
de forma clara pela Comissão. (Machin & Tanb, 2022, p. 12). Além disso, o texto da
Comissão não apresenta referências que indiquem uma consciência de que o
compromisso dos Estados-Membros pode variar devido a diversos fatores, como as
disparidades económicas e o nível de conscientização dos cidadãos em diferentes
países.
16
16
De acordo com inquérito realizado pelo Banco Europeu de Investimento
(https://www.eib.org/en/press/all/2024-251-finns-rank-first-in-european-union-in-terms-of-climate-
change-knowledge-eib-survey-finds ): a Finlândia é seguida pelo Luxemburgo (7,19/10) e pela Suécia
(6,96/10) num teste de conhecimentos sobre as causas e consequências das alterações climáticas e as
soluções para as combater. Assim, os finlandeses ocupam o primeiro lugar na UE27 (pontuação de 7,22/10),
o que os coloca muito acima da média da UE de 6,37/10.
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Poderá então a criação de um cidadão ecológico europeu ser considerada o início de uma
nova viragem política de “consciência planetária”? Como é entendida esta cidadania
ecológica europeia no documento da Comissão?
Na realidade, como foi referido anteriormente, a UE reflete um ativismo pioneiro no
âmbito das alterações climáticas e com sucessos significativos registados. O Pacto
aparenta abrir oportunidades para aprofundar a cidadania europeia através da
participação ativa dos cidadãos na luta contra as alterações climáticas. Na realidade,
quanto às ações políticas e sociais, a Comissão prevê que o PEE assentará no conjunto
de diálogos em curso da Comissão com os cidadãos, e de assembleias de cidadãos, em
toda a UE, bem como no papel dos comités de diálogo social. Enquanto à participação
política do cidadão ecológico, o PPE prevê “deveres públicos” e exige que os cidadãos
participem ativamente nos debates políticos (Machin e Tan, 2022). Mais precisamente,
este debates decorrerão no contexto de eventos nos Estados Membros numa espécie de
diálogos entre a Comissão e os cidadãos. Salienta-se também a importância da existência
de espaços tanto reais como virtuais que sirvam como runs onde as pessoas possam
partilhar ideias e trabalhar em conjunto para com a luta contra as alterações climáticas
(Comissão Europeia, 2019, p.: 26). Igualmente, reconhece-se que “[p]ara que o Pacto
Ecológico tenha sucesso e conduza a mudanças duradouras, as instituições da UE terão
de estar em sintonia com as preocupações dos cidadãos sobre o emprego, o aquecimento
das suas casas e o dinheiro para as suas necessidades” (ibid, p. 26).
Por outro lado, quanto à educação ambiental, a Comissão refere-se à atitudes (não
pensamentos) em relação às alterações climáticas. Neste sentido, prevê-se apoio à
educação e à formação para preparar estudantes, professores e instituições, incluindo o
fornecimento de “materiais de apoio e a facilitação do intercâmbio de boas práticas em
redes comunitárias de programas de formação de professores” (Comissão, 2019, p. 22).
Não obstante a relevância destas ações, não há qualquer referência à consciencialização
através de uma educação ambiental.
De facto, são inovações importantes e mobilizadoras que parecem abrir espaço para
canais de comunicação e consequente aproximação aos líderes europeus. No entanto, na
prática, trata-se de interações espontâneas que podem ou o vincular os órgãos
europeus. Pois, as dimensões normativas e éticas da própria mudança não estão
abordadas de forma clara. Na retórica europeia, como argumenta Vihersalo (2017), a
própria cidadania ecológica está ilustrada primordialmente através de escolhas
comportamentais e de consumo opcionais, mas sem referências a mudanças ideacionais
e/ou estruturais. O papel do cidadão ecológico é realçado e reforçado na esfera privada,
mais através das responsabilidades autónomas, do que através da ação e cooperação
coletivas. Este cidadão é encorajado a fazer ajustamentos “razoáveis pensando
primordialmente nos seus benefícios (Viherselo, 2017; Hailwood 2007). De facto, quanto
ao PEE, a Comissão indica que “[o] Pacto Ecológico Europeu irá criar o contexto de
reformas fiscais abrangentes […] transferindo a carga fiscal do trabalho para a poluição,
tendo simultaneamente em conta considerações de ordem social” (2019, p.: 20). São
estas reformas fiscais que poderão contribuir para uma sociedade mais equitativa,
contemplando propostas importantes que destacam a importância para com uma
transição social e mais justa. Nota-se, contudo, que a forma como o individuo responde
aos dilemas sociais e aos conflitos de interesses permanece pouco explorada no texto.
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Para Dryzek (1996, pp. 12, 33), tratando-se de comportamentos de indivíduos movidos
por uma racionalidade estratégica”, de “egoístas racionais”, não se assemelha a um
cidadão ambientalista, mas sim ao homoeconomicus.
Dobson (2014) defende que o método de envolver as pessoas e mudar comportamentos
não é possível com estratégias de incentivos e desincentivos fiscais, mas através da
deliberação. A mudança é possível se a sociedade civil se mobilizar, colaborar e
exercer influência sobre o governo e a economia. Os processos discursivos e elaborativos
são cruciais para a mudança de comportamento (Dobson, 2014, p. 139). A cidadania
ambiental, por outro lado, tem como objetivo reconhecer e dar prioridade à capacidade
dos indivíduos de se envolverem em comportamentos éticos e eticamente conscientes.
Dobson argumenta que se não considerarmos a sustentabilidade de uma perspetiva
normativa e ética, a nossa abordagem é incorreta e nos guiará em erro. Para Bell (2005),
o próprio liberalismo para ser coerente deve olhar para o ambiente como algo mais do
que uma mera propriedade; é o nosso “meio de sobrevivência” e o “fornecedor das
nossas necessidades básicas”. Uma visão do ambiente apenas como propriedade é (na
melhor das hipóteses) incorreta (Bell, 2005, p. 180). Assim, dar prioridade aos incentivos
económico-financeiros colocando em segundo lugar a educação moral, ética e de cultura
política para com a proteção ambiental e reforço da cidadania ecológica não pode
verdadeiramente guiar a uma mudança de paradigma e a uma verdadeira cidadania
ecológica.
Brown (2015) tem argumentado que os juízos morais transmitidos linguisticamente
permitem aos seres humanos ordenar e governar as suas associações de acordo com
deliberações sobre o bem (2015, posiç.: 1230). É evidente que tais juízoso escassos
no Pacto. Efetivamente a linguagem empresarial é dominante, enquanto a palavra
“Antropoceno” e a expressão “cidadania ecológica”, estão ausentes. Viherselo (2017,
362) sustenda que na campanha da Comissão sobre as alterações climáticas não
encontramos referência às virtudes da cidadania de justiça ou de cuidado com os outros
distantes, que apelariam à solidariedade ou a um sentido de justiça e como forma de
incitar as pessoas a minimizarem a sua pegada de carbono. Além disso, a relação das
pessoas com a natureza está ausente, assim como a relação ética do cidadão ecológico
com a comunidade global ou com o ambiente global, centrando se na vida do individuo
e na gestão ambiental. Do mesmo modo, o PEE carece de reflexões morais e propostas
de mudanças institucionais.
A título de exemplo, não outro espaço no PEE em que as reflexões morais estejam
tão manifestamente ausentes como na parte intitulada “Do prado ao prato” (2019, p.:
13). A representação de um animal em transição do seu habitat natural para o prato do
consumidor em preços acessíveis realça uma perspetiva centrada no ser humano, em
vez de apresentar novas abordagens para a conceção de sistemas diferentes de respeito
e justiça pelos animais e pelo próprio ecossistema. Observa-se também de novo uma
lógica de gestão que coloca no centro a natureza barata (Moore, 2016); pois, “[a]
estratégia «do prado ao prato» procurará estimular o consumo sustentável de alimentos
e promover alimentos saudáveis a preços acessíveis para todos” (2019, 14).
Com efeito, o PEE não sugere que o cidadão seja visto como um agente de “consciência
planetária”; mas mais como um cidadão ecológico liberal (Dobson, 2003, Bell, 2005) que
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têm o direito de fazer escolhas individuais. Por outro lado, dentro do que Lawrence
explica, o lado político da ação deste cidadão fica atrofiado em relação ao seu papel como
gestor que toma o destino da natureza nas suas próprias mãos. Lawrence (2017) defende
que “[à]medida que caminhamos para um mundo em que o comportamento individual e
coletivo é governado por uma gestão especializada eficiente, as instituições mais antigas,
como a democracia popular e a igualdade, tornam-se obsoletas. Ou seja, a política é
explorada para servir objetivos económicos e a política é subsumida” (Lawrence, 2017,
p. 12, e Brown, 2015, citada em Lawrence, p. 12).
Sob este prisma, o PEE não evidencia uma tentativa de construção de uma identidade
comum de um cidadão ecológico com base num pensamento moral e ético de pertença
ao planeta como um todo, e não como soma de vários elementos: economia, sociedade,
natureza, cidadão, numa lógica de aritmética verde. Ao mesmo tempo não aborda
questões cruciais de injustiça social, dentro e forma da União, pelo contrário as revela
(Tindall, Davies & Maubouès, 2003) citado em MacGregory, 2006b)
17
. Como foi
referido, um elemento-chave da cidadania ecológica é o envolvimento ativo dos
indivíduos no discurso público em torno da sustentabilidade. Todavia, este envolvimento
ativo nos assuntos blicos depende intrinsecamente da existência de tempo livre.
Consequentemente, não é adequada para quem tem várias responsabilidades e
obrigações ltiplas paralelas, tanto no trabalho produtivo como no reprodutivo, como
são maioritariamente as mulheres. Com efeito, o envolvimento das mulheres no ativismo
ambiental blico é dificultado pelo peso desproporcionado das responsabilidades de
prestação de cuidados e pela adoção de práticas domésticas respeitadoras do ambiente.
O PEE visa envolver as pessoas através da sensibilização e de compromissos climáticos,
assegurando que todas as partes interessadas tenham um papel proactivo na conceção
e implementação de soluções. Apela a um novo contrato social baseado na preocupação
e trabalho partilhados para “salvarmos” o nosso planeta. Todavia, a participação do
cidadão neste esforço está bem enquadrada no âmbito de uma gestão ambiental, e sem
evidências e ambições para uma profunda mudança inspirada por uma consciência
planetária. Neste quadro, a promoção de justiça social e redução da desigualdade e o fim
dos danos ambientais permanecerão tarefas desafiantes.
Reflexões Finais
A UE reflete um ativismo pioneiro no âmbito das alterações climáticas e com sucessos
significativos registados. Porém a cidadania ecológica europeia revela uma lógica
dominante do mercado, utilitarista que se limita aos comportamentos que olham para a
natureza como matéria-prima e em termos monetários.
Assim, embora o PEE abra a possibilidade construtiva de os cidadãos participarem na
governação ambiental, as limitações do atual regime de cidadania europeia tornam
improvável uma mudança do paradigma atual. A manutenção da tendência atual para a
crescente gestão de todos os aspetos da sociedade humana parece uma base
17
O estudo oferece provas empíricas de que o envolvimento das mulheres no ativismo ambiental público é
dificultado pelo peso desproporcionado das responsabilidades de prestação de cuidados e pela adoção de
práticas domésticas respeitadoras do ambiente.
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profundamente insuficiente para a resposta política verdadeiramente revolucionária ao
atual paradigma do Antropoceno. Se esta lógica da supremacia e anarquia do mercado
nos trouxe até aqui, continuando a pensar dentro da mesma lógica, e prática de
governança neoliberal discutida por Lawrence, dificilmente sairemos do problema. De
facto, sem criticar o pensamento dominante do Capitalocene e continuando a pensar
dentro do quadro de uma aritmética de ações dificilmente iremos enfrentar
verdadeiramente o desafio que criamos. Assim, a estratégia da União, e a promoção de
uma cidadania ecológica europeia dificilmente poderão ser consideradas viragem de
paradigma ecológico, desde que o implicam uma mudança de pensamento e
permanecendo ancoradas na logica do mercantilista do passado. Estão, portanto, longe
da mudança efetiva que a ênfase no discurso e praxis da “consciência planetária”
pressupõe.
O PEE visa “Transformar A Economia da UE Para Um Futuro Sustentável”. Todavia, como
dizia Teilhard de Chardin (1961, p. 111), realizar uma melhoria económica das condições
de vida humanas, não é uma qualquer questão de bem-estar «é unicamente uma sede
de ser maior que, por necessidade psicológica pode salvar o mundo pensante do taedium
vitae».
Sob este prisma, a luta contra as alterações climáticas e estratégias ecológicas é
sobretudo uma questão de espírito e vontade de mudança do ser humano. Um objetivo
que os próprios meios técnico-económicos também devem servir. Não insinuamos que a
economia e o mercado não são fatores importantes da mudança, contudo, não devem
ser os governantes da mudança onde os cidadãos e a própria natureza servem os seus
propósitos.
O inimigo não é extraterrestre, está dentro de nós próprios: não apenas nos
nossos egocentrismos e etnocentrismos, mas na nossa própria maneira de
pensar. Precisamos de transformar a ideologia que estabeleceu o homem
como o único sujeito num mundo de objetos, a ideologia que concebe o
homem como uma unidade isolada, uma mónada fechada dentro do
universo, contra a qual o Romantismo reagiu apenas poeticamente e contra
a qual o cientismo reage apenas reduzindo o homem a uma coisa (Morin &
Ceruti, 2013, posição: 1356)
18
.
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As traduções das citações das obras originais para a língua portuguesa são realizadas pela própria autora.
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JANUS.NET, e-journal of International Relations
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VOL 15 N 2
Novembro 2024-Abril 2025, pp. 90-107
Estratégia Europeia em Busca de uma Consciência Planetária”: Uma Cidadania Ecológica
para além da Aritmética Verde?
Evanthia Balla
107
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