OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 15, N.º 2
Novembro 2024-Abril 2025
72
REVISITANDO A HIPÓTESE DA ESTAGNAÇÃO SECULAR À LUZ DO PARADIGMA
DA COMPLEXIDADE
HENRIQUE MORAIS
hnmorais@gmail.com
Licenciado em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa / Instituto Superior de Economia e
Gestão (ISEG). Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Doutor em Relações
Internacionais: Geopolítica e Geoeconomia pela Universidade Autónoma de Lisboa.
Quadro do Banco de Portugal (Portugal), onde desempenha funções de Coordenador da Área de
Inovação e Suporte do Departamento de Mercados. Foi Presidente da Comissão Executiva e
Administrador da Invesfer S.A., uma empresa do Grupo REFER, e ainda Administrador e Diretor
Executivo da CP Carga. Professor na Universidade Autónoma de Lisboa, UAL (nos Departamentos
de Ciências Económicas e Empresariais e Relações Internacionais) e no MBA em Corporate
Finance da Universidade do Algarve. É ainda membro do Observatório de Relações Exteriores da
UAL, onde tem estado envolvido em vários projetos de investigação, bem como na participação
assídua nas várias edições do Janus-Anuário de Relações Exteriores.
Resumo
Após as disrupções trazidas, também ao cenário macroeconómico, por fenómenos como a
pandemia do COVID 19 e a invasão da Ucrânia, é provável que o tema da estagnação secular
do crescimento económico, retomado em 2013 depois do contributo original de Alvin Hansen,
venha novamente a ocupar, até pela sua verificação empírica, um lugar central na
investigação e na análise geoeconómica. O paradigma dominante, pelo menos desde o início
do século XX, não apenas nas ciências dita exatas, nas também noutras áreas das ciências
sociais, como a economia, tem sido caracterizado pelo determinismo, pela confiança quase
ilimitada nos modelos lineares, nas suas conclusões e na sua quase infalibilidade. Tem sido
evidente a falta de precisão destes modelos, nomeadamente naquilo que supostamente seria
a sua grande força, ou seja, a capacidade preditiva. Acontecimentos como a crise financeira
de 2007/2008, a crise das dívidas soberanas europeias que se lhe seguiu, o aumento
significativo do contributo dos mercados emergentes para a riqueza global, têm mostrado
como estes modelos lineares são limitados na sua capacidade de análise e, também por isso,
suscetíveis de virem a ser olhados com algum ceticismo pelos decisores. Perante este quadro
concetual, pretendemos revisitar a tese de estagnação secular, nos seus alicerces teóricos
fundamentais, mas também na evidência empírica com os dados mais recentes e, para além
disso, olhar para uma visão alternativa à do mainstream. Essa visão é encarnada pela teoria
da complexidade, com a sua convicção de que os fenómenos não m necessariamente um
comportamento linear, pelo que é difícil identificar um modelo que cubra todas as
características em estudo, o desequilíbrio é a característica habitual dos sistemas e, por fim,
a desordem, e não a ordem, é tipicamente a situação dos sistemas. Vendo nestas abordagens
um complemento, e não uma rutura com o mainstream, tentámos afinal mantermo-nos fiéis
aos princípios fundadores da ciência, desde logo a abertura à mudança, a novos métodos de
trabalho, a novos paradigmas.
Palavras-chave
Estagnação Secular, Política Económica, Complexidade, Modelos Lineares.
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Revisitando a Hipótese da Estagnação Secular à Luz do Paradigma da Complexidade
Henrique Morais
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Abstract
After the disruptions brought, also to the macroeconomic scenario, by phenomena such as
the COVID-19 pandemic and the invasion of Ukraine, it is likely that the theme of secular
stagnation of economic growth, taken up again in 2013 after Alvin Hansen's original
contribution, will once again occupy a central place in geo-economic research and analysis,
not least because of its empirical validation. The dominant paradigm, at least since the
beginning of the 20th century, not only in the so-called exact sciences, but also in other areas
of the social sciences such as economics, has been characterised by determinism, almost
unlimited trust in linear models, their conclusions, and their near infallibility. The lack of
precision of these models has been evident, particularly in what is supposed to be their great
strength, that is, their predictive capacity. Events such as the financial crisis of 2007/2008,
the European sovereign debt crisis, the significant increase in the contribution of emerging
markets to the global wealth, have shown how these linear models are limited and, also for
this reason, are likely to be viewed with some skepticism by decision-makers. Given this
conceptual framework, we intend to revisit the secular stagnation thesis, in its fundamental
theoretical foundations, but also in the empirical evidence with the most recent data and, in
addition, to look at an alternative vision to the mainstream. This vision is embodied by
complexity theory, with its conviction that phenomena don't necessarily behave in a linear
model, so it's difficult to identify one that covers all the characteristics under study, imbalance
is the usual characteristic of systems and, finally, disorder, not order, is typically the situation
in systems. Seieing these approaches as a complement to, rather than a break with, the
mainstream, we ultimately tried to remain faithful to the founding principles of science,
starting with openness to change, to new working methods, to new paradigms.
Keywords
Secular Stagnation, Economic Policy, Complexity, Linear Models.
Como citar este artigo
Morais, Henrique (2024). Revisitando a Hipótese da Estagnação Secular à Luz do Paradigma da
Complexidade. Janus.net, e-journal of international relations. VOL 15 N 2, Novembro 2024-Abril
2025, pp. 72-89. https://doi.org/10.26619/1647-7251.15.2.3.
Artigo recebido em 8 de Julho de 2024 e aceite para publicação em 16 de Setembro de
2024.
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REVISITANDO A HIPÓTESE DA ESTAGNAÇÃO SECULAR À LUZ DO
PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
HENRIQUE MORAIS
Introdução
O desmembramento do Sistema Monetário Internacional de Bretton-Woods, as crises
cambiais dos anos noventa do século XX, a crise financeira de 2007/2008, a Grande
Recessão de 2009, a crise económica e inflacionista na sequência da pandemia do COVID-
19, são acontecimentos talvez devam aconselhar a reequação dos paradigmas que
norteiam a sociedade e a Economia desde a Segunda Guerra Mundial.
Estes episódios poderão ser movimentos pontuais de um outro fenómeno, mais estrutural
e preocupante, de estagnação do crescimento económico numa parte significativa da
economia mundial, concretamente no grupo dos países que o Fundo Monetário
Internacional designa de “Economias Avançadas”.
Procuramos neste artigo indicar a importância dos trabalhos iniciais sobre o tema, de
Alvin Hansen (nos anos 30 do culo XX) e, não ignorando o papel que os keynesianos e
a escola neomarxista norte-americana tiveram em manter o tema “vivo” ao longo da
segunda metade do século XX, o de economistas como Lawrence Summers no ressuscitar
do tema, já no final da primeira década do século XXI.
Definido o nosso problema, nomeadamente a hipótese da materialização da estagnação
secular do crescimento económico, o argumento deste artigo é que os modelos lineares
tradicionais não se revelam suficientes para explicar o fenómeno e menos ainda para
elencar as políticas necessárias para o combater.
Uma realidade complexa deve ser explicada com modelos que possam reconhecer essa
complexidade e, portanto, equacionar em toda a dimensão os fatores que condicionam
essa mesma realidade.
Procurámos esses fatores na teoria da complexidade, apresentando os seus pressupostos
e a sua aplicação ao fenómeno em estudo, desde logo pelas hipóteses de partida
fundamental de que a situação normal dos fenómenos sociais é o desequilíbrio, a auto-
organização, que sugere o aparecimento espontâneo de novos padrões globais a partir
de interações locais das subunidades e, por último, a desordem, em vez da ordem, como
situação típica dos sistemas.
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Talvez por tudo isto, os avanços tecnológicos das últimas décadas, nomeadamente com
a digitalização e a robotização de amplos segmentos da nossa atividade económica, não
foram suficientes para nos proporcionar um crescimento económico robusto e duradouro.
Neste artigo, após uma apresentação sumária dos contributos de Alvin Hansen e de
Lawrence Summers, revisitamos, ainda que sumariamente e de forma muito geral, os
modelos lineares e a teoria da complexidade, para terminarmos com uma visão, à luz da
teoria da complexidade, sobre o fenómeno da estagnação do crescimento económico
mundial.
A estagnação do crescimento económico mundial: o papel de Alvin
Hansen
Pairava ainda sobre a sociedade e economia norte-americanas a sombra daquele que
viria a ser o mais dramático e intenso fenómeno económico em séculos (a Grande
Depressão de 1929-30) quando um dos mais eminentes economistas dos Estados Unidos,
Alvin Hansen, proferiu o discurso que lançaria o conceito de estagnação secular do
crescimento económico
1
.
Estávamos em março de 1939 e, a dado passo, Hansen afirma a propósito da situação
vivida na época:
“Esta é a essência da estagnação secular, recuperações ténues que morrem
na sua infância e depressões que se alimentam de si mesmas e criam um
núcleo duro e aparentemente inamovível de desemprego” (Hansen, 1939:
4).
Embora reconhecendo a complexidade do período pelo qual os Estados Unidos estaria a
passar, após tempos de crescimento e de expansão (para o Oeste) que caracterizaram
grande parte do século XIX, o que fica claro quando afirma
“Estamos a passar, por assim dizer, por um fosso que separa a grande era
de crescimento e expansão do século XIX de uma era que ninguém, não
querendo embarcar em puras conjeturas, pode ainda caraterizar com
clareza ou precisão” (ibid.: 1).
Hansen aponta três fatores que teriam estado na origem dos fortes fluxos de
investimento nas primeiras décadas da história económica norte-americana, garantindo
assim níveis de crescimento do produto interno bruto anormalmente elevados, face aos
padrões do resto do mundo, e que aparentemente se estariam a esgotar, ou ao menos
a diminuir de intensidade: o crescimento da população, as invenções e a descoberta e
desenvolvimento de novos territórios e recursos (ibid.: 3).
1
O discurso daquele que muitos apelidavam de “Keynes norte-americano” intitulou-se Economic Progress
and Declining Population Growth”.
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Comecemos pela demografia.
A década de trinta trouxe uma desaceleração do crescimento populacional para cerca de
metade do que se havia registado na década anterior (em que a população norte-
americana teria aumentado cerca de dezasseis milhões de pessoas) e as previsões
apontavam para menos de um terço na década de quarenta (ibid.: 2). Na aparente
estagnação da população estariam implícitos
“sérios desajustamentos estruturais que podem ser evitados ou mitigados
apenas se as políticas económicas apropriadas para uma situação em
mudança forem aplicadas” (ibid.: 2).
Num ápice, emergia o problema fundamental da economia, o subemprego, isto é a
incapacidade de atingir o pleno-emprego (ibid.: 4). Hansen sugeriu que o principal fator
na génese do subemprego era o fraco crescimento populacional, na medida em que,
condicionando o acréscimo da procura, criava o perigo potencial da estagnação
económica e um efetivo subemprego do capital e do trabalho.
Hansen vai mais longe, afirmando que
“penso que seja aceite por todas as escolas do pensamento económico atual
que o pleno emprego e o nível ximo de rendimento não podem ser
atingidos na economia moderna de livre iniciativa sem um volume de
investimento adequado para preencher o gap entre as despesas de consumo
e o nível de rendimento que poderia ser alcançado quando todos os fatores
estão empregues (…). Assim, podemos postular um consenso sobre a tese
de que, na ausência de um programa positivo destinado a estimular o
consumo, o pleno emprego dos recursos produtivos é essencialmente uma
função do vigor do investimento. Menos consensual é o papel
desempenhado pela taxa de juro no volume de investimento. No entanto,
poucos são os que acreditam que num período de estagnação do
investimento, uma abundância de fundos a baixas taxas de juro é, por si só,
suficiente para produzir um fluxo vigoroso de investimento real (…) atrevo-
me a dizer que o papel da taxa de juro como fator determinante do
investimento tem ocupado um lugar maior do que merece no nosso
pensamento. Se isso for admitido, somos obrigados a considerar que os
fatores que estão na base do progresso económico são os determinantes
principais do investimento e do emprego” (ibid.:5).
E aqui entra o segundo tema, as invenções. Hansen afirma que
“considerando a economia como um todo não há evidência de que o avanço
da técnica tenha resultado, nas últimas décadas, em qualquer incremento
do capital. Aparentemente, uma vez que a técnica da máquina tenha sido
desenvolvida, é provável que a mecanização adicional resulte num aumento
da produção menos proporcional e muitas vezes superior aos acréscimos
líquidos ao capital real. Embora o processo de aprofundamento esteja em
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curso em certas áreas, nas restantes as invenções poupadoras de capital
estão a reduzir o rácio entre o capital e a produção” (ibid.:7).
Talvez essa incapacidade da mecanização adicional em se revelar criadora de valor
acrescido seja um indício de que Hansen vislumbrava também a possibilidade de, à
semelhança da economia, também a tecnologia poder funcionar em ciclos muito longos,
de expansão e contração sucessivas.
A descoberta de novos territórios e recursos é talvez a mais imediata razão apontada por
Hansen para justificar a estagnação do crescimento económico. Na verdade, na última
década do século XIX, acompanhando os progressos da linha férrea, a expansão para o
Oeste dos EUA estava concluída. Ora, citando Hansen,
“Não é possível fazer sequer uma estimativa aproximada da proporção do
novo capital criado no século XIX que foi uma consequência direta da
abertura de novos territórios (…) Que proporção de capital novo nos Estados
Unidos foi todos os anos para a fronteira ocidental não sabemos, mas deve
ter sido muito considerável. Aparentemente, cerca de um quarto da
acumulação total de capital da Inglaterra foi investido no estrangeiro em
1914, e um sétimo no caso de França. Estes meros, embora apenas
sugestivos, apontam inequivocamente para a conclusão de que a abertura
de novos territórios e o crescimento da população foram, em conjunto,
responsáveis por uma fração muito grande - possivelmente perto de metade
- do volume total da nova formação de capital no século XIX” (ibid.:9).
Em conclusão, mesmo sabendo como Hansen desvalorizou os fatores monetários,
também pelo relevo que deu à demografia, não deixa de ser curioso que este grande
economista tenha considerado que a Grande Depressão foi particularmente expressiva
na medida em que teve na sua génese amplos choques monetários e tecnológicos a atuar
em simultâneo.
Ironicamente, o tema foi praticamente abandonado nas cadas seguintes, talvez porque
boa parte das medidas sugeridas por Hansen para combater o fenómeno da estagnação
secular fizeram parte do receituário do New Deal, quiçá também porque a IIª Guerra
Mundial tudo mudou ou muito simplesmente porque a prosperidade longa vivida no s-
Guerra tornava muito pouco apelativo, mesmo para a ciência, o tema lançado por
Hansen
2
.
A estagnação do crescimento económico mundial: o contributo de
Lawrence Summers
O longo silêncio mencionado foi interrompido por Lawrence Summers, em 2014, quando
este relembra Hansen e indica a armadilha da liquidez e o desequilíbrio entre a poupança
2
Na verdade, o tema não foi abandonado de todo graças aos contributos da escola neomarxista norte-
americana, na senda do legado de Alexander Hamilton, personificada em académicos como Paul Sweezy ou
Paul Baran.
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e o investimento como as causas mais profundas da estagnação secular que, segundo
ele, estaria muito provavelmente de volta aos Estados Unidos.
Summers define várias vertentes que caracterizam o processo: a dificuldade da política
económica em atingir múltiplos objetivos, isto é, uma boa utilização da capacidade
produtiva e a estabilidade financeira, o que, por sua vez, está muito relacionado com a
descida da taxa de juro real de equilíbrio e com a necessidade de diferentes abordagens
nas políticas económicas (Summers, 2014: 65-66).
Aponta uma profunda alteração que a crise financeira de 2007-2008 trouxe à
macroeconomia, na medida em que se passou de um tempo em que a política monetária
pretendia reduzir a (pequena) amplitude das flutuações face à tendência, para um
cenário em que se ambiciona justamente ter de enfrentar o problema da minimização
das flutuações em torno de uma tendência satisfatória (ibid).
Defende que apesar da resposta da política económica em 2008 ter sido muito maior do
que aquando da crise de 1929-30, a projeção do crescimento do PIB per capita é em
tudo idêntica ao observado entre 1929 e 1941 (Summers, 2016: 93 e 96). Interpretação
nossa: uma política monetária superagressiva, pelo menos no século XXI, não
convencional, teve resultados muito abaixo do esperado e do que certamente desejariam
as autoridades monetárias e os governos.
Conclui Summers (2014: 66), as crises levaram a destruição de emprego que não tem
sido reposto, sendo a maior explicação para a tendência de descida do produto interno
bruto potencial a redução do investimento de capital, seguida pelo contributo do trabalho
e, em menor escala, pelo comportamento da produtividade.
E quanto às causas deste fenómeno de anemia do crescimento económico? Summers
afirma que as alterações estruturais da economia levaram a mudanças profundas no
equilíbrio natural entre a poupança e o investimento, causando uma queda na taxa de
juro real de equilíbrio associada ao pleno emprego (ibid., 69). Mais tarde, a interrogação
principal é o que causa o aumento da poupança e a descida do investimento, criando
esta pressão descendente, esta tendência para a estagnação (2016: 100).
O aumento da poupança é associado às alterações na distribuição do rendimento e na
repartição dos lucros (mais desigualdade implicaria uma maior poupança), à acumulação
de reservas ou fluxos de capitais e à desalavancagem e preparação para a reforma, num
contexto em que uma maior expectativa de vida geraria mais resistência ao
endividamento
3
(ibid.: 100 e 102). A descida da propensão a investir (ibid.: 102 e 103)
resulta do menor crescimento da população e/ou da tecnologia, da menor massificação
da economia e, finalmente, de descida dos preços dos bens de capital.
Rachel e Summers (2019: 46) vão ainda mais longe e concluem que o setor privado da
economia é propenso a ser capturado por um equilíbrio de subemprego e baixa inflação
se as taxas de juro reais não puderem descer bem abaixo de zero por cento.
Summers integra um vasto grupo de académicos que relevam a prevalência dos fatores
do lado da procura como determinantes principais do fenómeno da estagnação secular.
3
Summers faz notar que a desalavancagem das famílias e o pagamento antecipado das dívidas são formas
de poupança (ibid., 102).
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Outros autores consideram que a estagnação secular é principalmente o resultado de
fatores relacionados com a oferta. Por exemplo, Gordon e Crafts dizem que a estagnação
é uma evidência na medida em que se observa uma forte diminuição do crescimento
potencial de longo prazo, enquanto Rogoff, com a sua a hipótese do chamado “superciclo
da dívida”, relaciona a estagnação do crescimento económico ao longo período de
endividamento dos agentes económicos que teria chegado ao seu final e daria lugar a
um processo progressivo de desalavancagem financeira.
Revisitando os modelos lineares e a teoria da complexidade
A busca de fenómenos que apresentem um comportamento padronizado, com
características de regularidade e repetição que permitem justamente uma melhor
explicação, é provavelmente uma das características mais universal aos vários campos
da ciência. Nessas características os cientistas encontram bases sólidas de previsão, algo
que nos tempos modernos, pela forte pressão mediática, faz dessa previsão dos
fenómenos ou de determinadas variáveis um objetivo nuclear para o conforto da opinião
pública
4
As ciências sociais, e nomeadamente a economia e as relações internacionais, não são
exceção e têm vindo a intensificar a busca contínua por modelos assentes numa forte
robustez quantitativa que supostamente o (mais) ajustados para explicar os
fenómenos sociais.
Para sermos justos, a importância da modelização é aliás intrínseca ao próprio
surgimento da economia, se aceitarmos, como o autor destas linhas, que esse momento
ocorreu com os clássicos, nomeadamente Adam Smith e David Ricardo, e com o modelo
das vantagens comparativas, que através das dotações de fatores produtivos explicava
em que condições os países poderiam ter interesse mútuo em se envolverem na troca,
no comércio internacional, beneficiando face à situação de autarcia
5
.
Aliás, é notória a importância geopolítica do trabalho destes homens, nomeadamente ao
contribuírem para fomentar a cooperação comercial em detrimento do objetivo principal
do mercantilismo, isto é, a acumulação de metais preciosos, não raramente fomentadora
da conflitualidade em detrimento da cooperação internacional.
Os neoclássicos, na sua tentativa de explicar os mecanismos subjacentes ao comércio
internacional, criaram modelos matemáticos de equilíbrio geral, e demonstraram, por
exemplo, como o aumento do preço relativo de um bem conduz ao incremento do
rendimento real do fator mais utilizado na produção desse bem e, inversamente, a uma
diminuição do rendimento real do outro fator
6
. Também aqui se destaca a tentativa de
4
para citar exemplos recentes, veja-se a pressão sobre as autoridades do Havai por supostamente não
terem sido capazes de prever a intensidade dos fogos que provocaram centenas de vítimas em agosto de
2023 ou, noutro patamar, a tensão permanente e os milhões de dólares de incentivo” para que os cientistas
fossem capazes de encontrar regularidade no comportamento do vírus SARS-COV 2 e, deste modo,
encontrarem rapidamente uma vacina para o COVID-19.
5
O modelo, muito sofisticado para o seu tempo (início do século XIX) foi relevante para afastar a doutrina
mercantilista, dominante à época, mas também porque permitia antecipar qual deveria ser o padrão de
especialização produtiva dos países envolvidos na troca comercial.
6
Uma referência obrigatória para o modelo de Heckscher e Ohlin e, sobretudo, para o teorema de Stolper-
Samuelson.
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prever a evolução de uma variável em função do comportamento observado de outra
variável/fator.
E John M. Keynes revoluciona a macroeconomia no século XX, com a sua Teoria Geral,
ao introduzir os conceitos e as práticas da ciência em que se formou originalmente, a
matemática. A multidão de admiradores que granjeou desde muito jovem e que
contribuíram também, com a sua própria investigação, para que o keynesianismo tivesse
emergido como uma das principais correntes/escolas de economia no seculo XX, não será
alheia à novidade que Keynes traz à academia: a utilização massiva de uma matemática
muito evoluída, que demonstrava ser possível tentar explicar fenómenos sociais com
recurso a instrumentos de ciências exatas.
Keynes conseguiu a admiração de jovens estudantes de economia em larga medida pelo
fascínio suscitado pelas novas abordagens lineares do seu mentor.
Estas formulações da tentativa de explicar o problema económico, baseiam-se, entre
outros, em dois princípios fundamentais: por um lado, que o equilíbrio é por natureza o
ponto para o qual devem convergir os sistemas e os fenómenos económicos e, por outro,
que estes podem ser explicados por modelos lineares.
Ilustra de forma exemplar o primeiro princípio o equilíbrio entre a oferta e a procura
7
,
um dos alicerces da teoria económica, elemento central para a explicação do problema
económico essencial: como funcionam os mercados, como é determinado o preço dos
bens e o rendimento dos agentes económicos.
Alguns defendem que o equilíbrio é mais central para as ciências económicas e
empresariais do que para muitas outras ciências, o que aliás contribui para diferenciar a
economia:
“Um traço caraterístico que distingue a economia de outros domínios
científicos é o facto de, para nós, as equações de equilíbrio constituírem o
centro da nossa disciplina. Outras ciências, como a física ou mesmo a
ecologia, colocam comparativamente mais ênfase na determinação de leis
dinâmicas de mudança... Certamente que existem princípios dinâmicos
intuitivos... a dificuldade está em transformar estes princípios informais em
leis dinâmicas precisas” (Mas-Colell et al, 1995: 620).
Facilmente se encontram princípios dinâmicos na lei da oferta e da procura,
nomeadamente quando se postula que o preço aumenta (diminui) se a procura for
superior (inferior) à oferta
8
. Ora, embora seja generalizada a convicção de que é difícil
transformar os “princípios informais” em “leis dinâmicas”, a verdade é que a crença dos
economistas nos modelos de equilíbrio é “quase cega”, tanto a nível da macroeconomia,
como da microeconomia.
7
Ou as curvas IS/LM que traduzem a relação entre as taxas de juro e o rendimento.
8
Nas curvas IS/LM podem-se identificar dynamic principles”, por exemplo, quando se explicita as
consequências na IS quando a taxa de juro aumenta (deslocamento para a direita), i.e., um aumento do
rendimento / produção.
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O segundo princípio beneficiou da “beleza” intrínseca das equações lineares (por norma
facilmente compreendidas pelos não-leigos e, sobretudo, dificilmente refutáveis) e
também pela facilidade de identificação e representação dos modelos lineares.
A matemática e seus derivados passou a ser para os economistas um instrumento
poderoso, pelo seu comportamento linear, de fortalecimento da análise e, não menos
importante, de transmissão aos agentes económicos da sua poderosa capacidade de
previsão dos fenómenos económicos
9
.
Muito importante foi também a perceção dos economistas quanto à importância
crescente da sua atividade, não apenas para empresas e famílias, mas também para a
decisão política. Ou seja, os economistas rapidamente perceberam a importância de
colocar os instrumentos de política orçamental, fiscal, monetária e cambial ao serviço
dos decisores políticos para influenciar o ciclo económico.
Ironicamente, uma das razões principais do sucesso dos modelos lineares entre os
economistas (a simplicidade da dua formulação e dos seus resultados) terá sido, em
sentido oposto, também fator de sucesso destas abordagens entre os políticos: para
estes, a fundamentação matemática, alicerçada em formulações muitas vezes
herméticas e incompreensíveis, torna-se, por incapacidade de as refutar, uma espécie
de “vaca sagrada”… o que ainda mais contribui para a convicção de gerações de
economistas de serem os donos de uma verdade (quase) absoluta.
O próprio Keynes reconheceu que os sistemas raramente estão em equilíbrio, antes
tendem a gravitar em torno do ponto de equilíbrio sem o atingirem, pelo menos enquanto
estado estacionário
10
e, por isso, a tentativa de expressar o comportamento desses
sistemas por equações e modelos lineares está, muitas vezes, condenada ao fracasso.
Neste contexto, a crise do petróleo dos anos 70 terá representado provavelmente o
primeiro “abanão” na autoestima dos economistas, no que diz respeito à sua convicção
dos méritos e da capacidade preditiva dos seus modelos. De repente, um grupo de países,
considerados, na nomenclatura da época, como subdesenvolvidos têm a capacidade de
se agrupar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo e, de forma coordenada,
aumentar substancialmente os preços do barril de petróleo, provocar disrupção nos
mercados dos países ditos “desenvolvidos” e, de forma direta ou indireta, gerar uma
enorme volatilidade nesses mercados e um aumento da inflação generalizado.
As crises cambiais dos anos noventa do século XX, primeiro na Ásia, em 1997, depois na
Rússia (1998) e no Brasil (1999) foram momentos que abalaram mais ainda a crença
geral na capacidade preditiva da ciência económica através dos seus modelos lineares.
Estes momentos foram, todavia, apenas a ponta do icebergue para o que viria a seguir,
concretamente a crise financeira de 2007/2008, a crise das dívidas soberanas europeias
entre 2009 e 2014 e, finalmente, o quantitive easing e as políticas monetárias não
convencionais.
9
Existe alguma semelhança em fenómenos de natureza muito diferente, ou melhor, um conjunto desses
fenómenos é explicado pelo recurso a modelos muito semelhantes. Um exemplo é a equação central do
modelo Black-Scholes para o preço das opções, muito idêntica (ou pelo menos com elevada correlação) à
heat flow equation da física.
10
Definido da aceção da física de algo que não se altera com o tempo.
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Voltaremos a este ponto adiante. Por agora concentremo-nos nos aspetos estruturantes
fundamentais da teoria da complexidade.
O determinismo enquanto característica principal do paradigma dominante na ciência,
pelo menos entre o século XVIII e a primeira metade do século XX (no que alguns autores
chamam The Newtonian Paradigm por exemplo Mateo et al. 2002) começou a ser
questionado no início do seculo XX, na física quântica, quando o prémio Nobel Heisenberg
postulou o que ficou conhecido como o princípio da incerteza: “quanto mais precisa for a
determinação da posição de uma partícula, menos precisa será a previsão do seu
momento a partir das condições iniciais”.
Não nos atrevemos a identificar uma definição única e universal para a teoria da
complexidade ou mesmo para a ideia de sistemas complexos. Todavia, reconhecer que
os sistemas são adaptativos e complexos, dificilmente suscetíveis de ser analisados
somente por modelos lineares terá sido o primeiro importante passo para o
desenvolvimento desta área da ciência.
Rosser (1999) diz que
“Não é de surpreender que não exista uma definição consensual de um
termo tão complexo como "complexidade”, afirmando ainda que "um
sistema dinâmico é complexo se, endogenamente, não tender
assimptoticamente para um ponto fixo, um ciclo limite ou uma explosão.
Estes sistemas podem apresentar um comportamento descontínuo e podem
ser descritos por conjuntos de equações diferenciais ou diferenciais não
lineares, eventualmente com elementos estocásticos”.
Mason (2001) identifica três campos para a complexidade, nomeadamente a algorithmic
complexity”, em que a complexidade está associada à dificuldade de descrever as
características do sistema, a deterministic complexity”, em que a relação entre duas
ou três variáveis-chave pode criar sistemas bastante estáveis e propensos a
descontinuidades súbitas
11
e, finalmente, a aggregate complexity”, relacionada com a
forma com os elementos individuais funcionam na definição do comportamento de
sistemas complexos.
Schneider e Somers (2006) afirmam existir três elementos constitutivos inter-
relacionados da TC - dinâmica não linear, teoria do caos e adaptação e evolução”, no
último dos quais se contesta a versão Darwiniana dominante de que a evolução das
espécies está dependente da seleção natural, sugerindo antes que embora a seleção
seja importante, as espécies desempenham um papel na sua evolução e adaptação às
mudanças externas”. O corolário para a generalidade dos sistemas, e não apenas para
os organismos vivos, é que a capacidade de evolução dos sistemas é diferenciada e que,
nalguns casos, “pequenas forças podem resultar em perturbações nos sistemas”.
11
A complexidade determinística tem mais do que apenas uma coincidência de pontos em comum com a
teoria do caos.
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Walby (2007) e Olmedo (2010) dizem, respetivamente que
“A teoria da complexidade é um conjunto de trabalhos que aborda questões
fundamentais sobre a natureza dos sistemas e as suas alterações” e “A
ciência da complexidade procura estudar, descrever e explicar o
comportamento de sistemas adaptativos complexos”.
Apesar desta multiplicidade de visões é possível encontrar alguns denominadores comuns
aos autores citados, nomeadamente a crença no comportamento não linear de muitos
fenómenos, o que implica a enorme dificuldade em identificar um modelo que cubra todas
as características em estudo (o todo não é apenas a soma das partes), o desequilíbrio
como estado habitual dos sistemas e a auto-organização (que sugere o aparecimento
espontâneo de novos padrões globais a partir de interações locais das subunidades) e a
desordem, em vez da ordem, como a "situação" típica dos sistemas identificadas, por
exemplo, em Lartey (2020) ou David Ng (2013).
Existe uma panóplia de fenómenos económicos recentes que parecem incorporar, no seu
comportamento, grande parte das características definidoras do paradigma da
complexidade.
O primeiro, e muito óbvio, mas talvez o o mais importante ou impactante, é a
fragilidade das previsões macroeconómicas, materializada em erros muito frequentes
sobre as mais variadas dimensões.
12
Como é possível entender essa fragilidade no século
dos supercomputadores e da inteligência artificial, a não ser como sendo somente o
corolário de todas as características que dão corpo e justificam a teoria da complexidade?
Neste sentido, não surpreende que o BCE (2022) tenha reconhecido que
“as projeções recentes dos especialistas do Eurosistema e do BCE
subestimaram substancialmente o aumento da inflação, em grande parte
devido a desenvolvimentos excecionais, tais como uma dinâmica sem
precedentes dos preços da energia e estrangulamentos no abastecimento”.
O FMI (2023) afirmou que
“ex post, os erros das previsões da inflação subjacente para 2021 são
potencialmente explicados por quatro fatores: uma recuperação do produto
mais forte do que o previsto; pressão induzida pela procura nas cadeias de
abastecimento; uma mudança temporária na procura de serviços para bens;
e um mercado de trabalho historicamente restritivo. Ex ante o estímulo
orçamental da COVID-19 parece ser um indicador significativo dos erros
subsequentes para as economias avançadas”.
12
Esta fragilidade das previsões não é aliás um exclusivo da macroeconomia, nem sequer da economia. Dois
exemplos, entre muitos: em vésperas da falência do banco norte-americano Lehman Brothers, detonador
próximo da crise de 2007/2008, uma das principais agências de rating reiterou a classificação de máxima
qualidade (AAA) a esse banco; na semana da invasão da Ucrânia para Rússia os especialistas eram
unânimes em admitir que a Ucrânia não resistiria mais do que um mês.
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Esta última explicação continua a basear-se exatamente nos mesmos modelos lineares
de há décadas, sendo incapaz de incorporar a possibilidade de o comportamento dos
preços ser simplesmente um fenómeno não-linear, passível de ser condicionado, e
condicionar, um conjunto de outras variáveis, num contexto de desordem geral dos
mercados.
Associado à questão da inflação surge uma outra dimensão interessante, a da política
monetária
13
. Passámos a maior parte do culo XXI preocupados com a ausência de
crescimento económico e com a (quase) inexistência de inflação. A política monetária,
na Europa, mas também na América do Norte e em grande parte da Ásia, esgotou os
seus mecanismos tradicionais quando as taxas de juro nos empurraram para a
“armadilha da liquidez” e, em último recurso, lançou mão de políticas monetárias o
convencionais, baralhando as convicções de grande parte dos economistas, não apenas
pelo facto de termos passado a conviver com taxas de juro negativas mas também com
os programas de compra massiva, pelos bancos contrais, de dívida pública em mercado
secundário.
Ora, quando muitos já duvidavam da eficácia da “bomba atómica da política monetária”,
justamente essas políticas não convencionais que teimavam em não mostrar resultados,
pelo menos evidentes e/ou imediatos, eis que surge a pandemia do COVID-19 e a invasão
da Ucrânia e…de repente, também a inflação!
Mas o mais importante sinal da complexidade do fenómeno económico talvez seja o
comportamento do produto interno bruto (PIB) e o ressurgimento da tese da estagnação
secular, às quais vamos regressar de seguida.
A estagnação do crescimento económico mundial à luz da teoria da
complexidade
Conforme referimos anteriormente, nas últimas décadas e principalmente nas chamadas
economias avançadas, registou-se um crescimento do PIB muito reduzido, sobretudo
tendo em conta a tendência longa do pós- IIª Guerra Mundial.
O comportamento do PIB foi de tal forma insatisfatório que fez reerguer uma abordagem
praticamente esquecida desde a Grande Depressão, a Estagnação Secular, com
economista conceituados como Lawrence Summers e Paul Krugman, entre muitos outros,
a ressuscitarem, em 2013/2014, o tema, convictos de que seria uma ameaça, sobretudo
nalgumas economias avançadas, nomeadamente nos EUA e nas economias europeias.
Vamos à evidência empírica, centrando-nos apenas na dimensão da riqueza gerada (PIB)
e da utilização da capacidade produtiva
14
.
13
Não esquecer que o principal, nalguns casos único, objetivo de política monetária das autoridades é a
estabilização do nível geral de preços.
14
Em rigor, a estagnação secular pode ser comprovada empiricamente por três vertentes de
análise/dimensões. A primeira dimensão corresponde à riqueza gerada por um país ou zona económica,
caso da área do euro, podendo ser medida pelo produto interno bruto (PIB) ou pela taxa de utilização da
capacidade produtiva, neste caso enquanto indicador avançado daquilo que poderá vir a ocorrer. A segunda
dimensão, mais financeira, está relacionada com o equilíbrio de pleno emprego e a eventual necessidade
de as taxas de juro, em termos reais (taxa nominal deduzida da inflação) se situarem a níveis muito baixos
(ou mesmo negativos) para que seja assegurada a igualdade fundamental entre a poupança e o
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O quadro 1 apresenta informação sobre a taxa de crescimento média anual do produto
interno bruto observada num conjunto de países/zonas económicas, bem como as
previsões desse crescimento até 2029.
Duas constatações nos parecem evidentes neste muito longo horizonte de informação: o
crescimento económico do mundo, como um todo, permanece relativamente elevado,
tendo em conta os padrões históricos de longo prazo, e num intervalo estreito entre 3%
e 4% e, em segundo lugar, existe um indisfarçável e progressivo abrandamento do ritmo
de crescimento nas economias avançadas que estão agora a crescer próximo de 1,5% e
não dos 3% que evidenciavam, em média, nas duas últimas décadas do século XX.
Quadro 1. Produto Interno Bruto (preços constantes) taxa de crescimento média
anual, em percentagem
Fonte: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook, abril 2024, dados trabalhados
pelo autor. Os dados a partir de 2024 são de previsões do FMI.
Uma análise mais pormenorizada irá encontrar micro tendências igualmente
interessantes, por exemplo, o comportamento mais recente do PIB chinês, que parece
dar agora sinais de forte abrandamento do respetivo crescimento.
Todavia, por comparação com o ano de 1999, em que os PIB dos EUA, da Área do Euro
e da China representavam, respetivamente, cerca de 29%, 22% e 3% do total mundial,
verificou-se que esses pesos passaram, em 2023, para 26%, 15% e 17%. Não será
preciso dizer muito mais sobre quem foram os ganhadores e os perdedores neste novo
século, apenas acrescentar que, nos mesmos anos, as economias avançadas passaram
de 80% para 59% do PIB mundial e, simetricamente, os mercados emergentes de 20%
para 41%.
15
investimento. A terceira dimensão tem a ver com a demografia, ou se quisermos a transição demográfica
que está a atingir as economias avançadas.
15
A título de curiosidade, embora em termos nominais o maior PIB mundial ainda seja destacadamente o
norte-americano, em paridade de poder de compra desde 2016 que a maior economia do mundo é a China
e a diferença desse PIB para os EUA tem vindo a aumentar.
1980-1989 1990-1999 2000-2009 2010-2019 2020-2029
Mundo 3,2 3,1 3,8 3,7 2,9
Economias Avançadas 3,1 2,8 1,8 2,1 1,6
União Europeia 2,1 2,1 1,7 1,7 1,4
Área do euro - 2,0 1,4 1,4 1,1
Mercados Emergentes 3,3 3,7 6,0 5,0 3,8
EUA 3,1 3,2 1,9 2,4 2,1
China 9,8 10,0 10,3 7,7 4,2
Japão 4,3 1,5 0,5 1,2 0,6
Alemanha 1,9 2,2 0,8 2,0 0,6
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Observemos agora a evolução da utilização da capacidade produtiva nos EUA e na área
do euro, conforme figura seguinte.
Figura 1. Taxa de utilização da capacidade produtiva EUA e Área do euro, em
percentagem
Fonte: FED St. Louis e BCE
Analisando a informação é patente a manutenção da utilização da capacidade produtiva
em níveis baixos e, desde 2021, a apresentar mesmo uma trajetória descendente em
ambas as economias e a situar-se agora abaixo de 80%, refletindo o excesso de
capacidade instalada. O subaproveitamento da capacidade produtiva torna improvável
acréscimos significativos do investimento nos próximos anos, pelo que não é de esperar
que a oferta venha a dar um contributo expressivo para qualquer aceleração do
crescimento económico.
Perante esta situação nada animadora para as economias avançadas e, em particular,
para a área do euro e os EUA, que conclusões tirar quanto aos cenários/previsões para
o futuro próximo?
Uma perspetiva será, à luz do mainstream atual, recorrermos às respostas habituais: o
centro do mundo está a mudar, os mercados emergentes e, em particular, as economias
asiáticas estão mais competitivas e também a aproveitar os efeitos da globalização
acrescida após a queda do muro de Berlim, as economias avançadas, por outro lado, têm
problemas estruturais e necessitam de reformas que tardam em implementar, a
demografia contribui adicionalmente para a desaceleração do crescimento económico nas
economias mais “ricas”, a desindustrialização do Ocidente começa a fazer sentir os seus
efeitos, entre muitas outras explicações.
60
70
80
90
100
Área do euro EUA
%
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Várias vezes o autor destas linhas se socorreu destas e de outras explicações. o vai
agora refutá-las.
Todavia, talvez valha a pena ponderar se todos estes desequilíbrios, que aliás começam
a sentir-se também nalgumas economias emergentes (o abrandamento significativo do
crescimento económico na China é disso exemplo) não serão o sinal de que devemos
assumir o comportamento não linear de ltiplos fenómenos, pelo que será difícil
encontrar um modelo válido capaz de abranger todas as características desse fenómeno,
no caso, a estagnação secular do crescimento económico.
Por outro lado, as últimas décadas reforçam também que a situação de desequilíbrio será
a característica predominante, ao invés do equilíbrio, dos sistemas, bem como a auto-
organização, que sugere o aparecimento espontâneo de novos padrões globais a partir
de interações locais das subunidades e, por último, mas o menos importante, a
desordem, em vez da ordem, como situação típica dos sistemas.
Aceitar estas características dos sistemas não significa, de todo, desistir de lutar por
aquele que nos parece ser o elemento estruturante fundamental da política económica:
o seu caráter anti clico, ser capaz de contribuir para que os ciclos de expansão acima
do potencial não se perpetuem, sob pena de inevitavelmente redundarem em elevados
níveis de inflação, estar ainda preparada para combater, com medidas efetivas, os ciclos
de contração da economia.
Também não tornam necessário que se releguem a maioria dos fundamentos essenciais
da ciência económica.
Apenas aconselham a que se tenha a humildade intelectual de aceitar novas formulações,
de olhar atentamente para os fenómenos sem preconceitos e, sobretudo, sem receio da
mudança.
Conclusões
O século XXI viu renascer na academia a hipótese de estagnação secular do crescimento
económico que havia sido lançada por Alvin Hansen em 1930.
Nestas linhas, procurámos demonstrar, primeiro, os traços comuns à abordagem inicial
e às correntes mais contemporâneas, nomeadamente aquelas que, como em Summers,
que aliás foi o académico que ressuscitou o tema, em 2013, se baseiam sobretudo nos
fatores do lado da procura.
Esses denominadores comuns encontram-se tanto na assunção de que existe um risco
de materialização dessa estagnação secular nas economias mais avançadas,
notavelmente os EUA, como ainda na identificação de boa parte das suas causas,
nomeadamente a demografia e os ciclos tecnológicos.
Tentámos mostrar a evidência empírica dessa estagnação do crescimento económico,
limitando-nos apenas, atendendo à natureza desta publicação, à questão do produto
interno bruto, deixando de lado, portanto, as questões financeiras e demográficas.
Neste contexto, abrimos, ou tentámos abrir, a porta a novas abordagens para o
fenómeno, também porque estamos convictos que as respostas tradicionais da política
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económica se têm revelado ineficazes, neste como noutros fenómenos dos sistemas
económicos: o mainstream da economia corre o risco de algum esvaziamento no que
dele se espera, ou seja, ajudar à tomada das melhores decisões para que se possa
maximizar a riqueza e a satisfação dos agentes económicos.
Essas decisões, baseiam-se em modelos lineares, na busca do equilíbrio e na convicção
de uma ordem que não parece ser caracterizadora dos fenómenos na atualidade, na
medida que que as crises se sucedem sem que sejamos capazes de as prever a tempo
de as evitar ou minimizar os seus impactos, o crescimento económico nas economias
avançadas continua anémico e a inflação, que se supunha afastada do horizonte de médio
e prazo, de repente, e com uma enorme intensidade, emergiu.
Tudo isto convoca-nos para um olhar humilde e flexível, atento a novas abordagens,
novas formas de encarar os fenómenos económicos.
A teoria da complexidade não será certamente a resposta para todos os desafios da
ciência. Pode, e deve, ser encarada como uma abordagem complementar ao mainstream
e que, por isso, pode valorizar os modelos utilizados na economia.
Ao expor neste artigo o pensamento de alguns dos autores da teoria da complexidade,
ao pretender olhar para a estagnação secular sobre outro prisma, talvez nos tenhamos
mantido fiéis à origem, revolucionária ou, se for preferível, liberal, da ciência económica,
no sentido em que esta se caracteriza pela abertura à mudança de métodos de trabalho,
a novos paradigmas, à inteligência de se evoluir assumindo novas formas de olhar para
a realidade.
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