OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL15 N1, DT1
Dossiê temático - Rede Lusófona de Educação Ambiental:
perspectivas de cooperação para construir respostas sociais
a uma crise socioambiental global.
Setembro 2024
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NOTAS E REFLEXÕES
CLIMA PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
O PADRÃO DE FUNCIONAMENTO RELATIVAMENTE ESTÁVEL
DO SISTEMA TERRESTRE QUE EMERGIU NO HOLOCENO, COMO
PATRIMÓNIO COMUM INTANGÍVEL DA HUMANIDADE
PAULO MAGALHÃES
paulo.magalhaes@commonhomeofhumanity.org
Investigador Principal CIJ Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto (Portugal). Casa Comum da Humanidade.
Resumo:
Em 1971 de Arvid Pardo tentou atribuir um estatuto jurídico Património Comum da
Humanidade ao “ambiente marinho” sem no entanto ter distinguido o sistema
funcional/qualitativo o ambiente - relativamente ao espaço territorial por onde os oceanos
circulam. A Convenção da UNFCCC Rio 1992, definiu o Sistema Climático, sem no entanto lhe
ter definido uma titularidade e um estatuto jurídico. “Como pode um bem que não pertence
a ninguém estar sujeito a um regime jurídico e bem tratado?”. Isto requer o reconhecimento
do Clima Estável como Património Comum da Humanidade (res communis). Em 2021, a CDI
identificou este aspeto funcional, e a necessidade de o distinguir da “instituição territorial
estática da soberania”. continua como coisa de ninguém, uma Res Nullius, o que transformou
“os oceanos e atmosfera, na Lixeira da Humanidade”. Hoje possível definir, delimitar e
representar de um ponto de vista jurídico, este aspeto funcional do planeta, como um objeto
intangível de direito com o estatuto de património comum da Humanidade, poderão emergir
direitos e deveres, internalizando as externalidades e tornando possível construir uma
economia regenerativa, capaz de limpar a atmosfera e futuramente assegurar a manutenção.
A sobreposição de dois regimes legais distintos, sobre o mesmo espaço, é possível, através
da distinção entre o aspeto funcional, e o aspeto territorial estático. O Condomínio da Terra.
Palavras-chave
Clima Património, Lei Portuguesa do Clima, Condomínio da Terra, Aspeto funcional, Caracter
estático da soberania.
Abstract
In 1971, Arvid Pardo attempted to give the "marine environment" the legal status of a
Common Heritage of Humanity, without however distinguishing the functional/qualitative
system - the environment - from the territorial space through which the oceans circulate. The
UNFCCC Rio 1992 Convention defined the Climate System, but without defining its ownership
and legal status. "How can an asset that belongs to no-one be subject to a legal regime and
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treated well?". This requires recognising the Stable Climate as a Common Heritage of
Humanity (res communis). In 2021, the ICD identified this functional aspect, and the need to
distinguish it from the "static territorial institution of sovereignty." It remains a nobody thing,
a Res Nullius, which has transformed "the oceans and atmosphere into the Garbage Dump of
Humanity". Now that this functional aspect of the planet can be defined, delimited and
represented from a legal point of view as an intangible legal object with the status of common
heritage of humanity, rights and duties can emerge, internalising externalities and making it
possible to build a regenerative economy capable of cleaning up the atmosphere and ensuring
its maintenance in the future. The overlapping of two different legal regimes over the same
space is possible by distinguishing between the functional aspect and the static territorial
aspect. The Condominium of the Earth.
Keywords
Climate Heritage, Portuguese Climate Law, Land Condominium, Functional aspect, Static
character of sovereignty.
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CLIMA PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
O PADRÃO DE FUNCIONAMENTO RELATIVAMENTE ESTÁVEL
DO SISTEMA TERRESTRE QUE EMERGIU NO HOLOCENO, COMO
PATRIMÓNIO COMUM INTANGÍVEL DA HUMANIDADE
PEDRO MAGALHÃES
Enquadramento
Em 2021, a Lei do Clima Portuguesa consagrou no seu Art.º 15, f), o objetivo de
reconhecer junto das Nações Unidas o Clima Estável como Património Comum da
Humanidade. Este objetivo inovador fez com que Portugal fosse o primeiro país do mundo
a ir de encontro a consolidadas evidências científicas, e a reconhecer que o Planeta Terra
não é apenas um território de 510 milhões de Km2, mas é essencialmente dotado de um
sistema funcional capaz de proporcionar um clima relativamente estável, permitindo
reunir as condições biofísicas favoráveis ao florescimento das civilizações humanas, como
tem ocorrido nos 11 700 anos da época do Holoceno.
A necessidade de distinguir o “Território Estático” relativamente ao “Sistema Funcional”,
veio posteriormente a ser identificada no último relatório da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas (CDI) para o período 2021-2029, onde que se afirma:
A atmosfera e o espaço aéreo são dois conceitos diferentes, que devem
ser distinguidos. (...) A atmosfera, enquanto "envelope de gases" que
envolve a Terra, é dinâmica e flutuante, com gases em constante
movimento, sem ter em conta as fronteiras territoriais. (...) A atmosfera
é invisível, intangível e não separável”, assumindo a distinção entre o
“aspeto funcional” e a “instituição estática e espacial sobre a qual o
Estado, no seu território, tem soberania total e exclusiva.
Por raciocínio análogo, a mesma distinção deverá ser feita entre, por um lado, a
composição bioquímica da água do mar e a circulação global dos oceanos e, por outro,
os espaços marítimos sob a soberania ou jurisdição dos Estados. Esta distinção, entre o
“sistema funcional comum” e o território estático soberano, tem profundas implicações
na forma como combatemos as alterações climáticas, garantimos a preservação da
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biodiversidade e organizamos as sociedades humanas na sua relação com o planeta que
habitamos e de que dependemos.
1. O que é o Sistema Terrestre como Património da Humanidade?
O Sistema Terra é o “ambiente global integrado como único todo”, um conjunto de ciclos
e fluxos físicos de energia, químicos e biológicos, que interagem numa escala global, que
suportam e são regulados pela própria vida no planeta. Operando no interior e exterior
dos territórios de todos países, estes ciclos globais são partilhados por todos os seres
vivos do planeta, incluindo os humanos. Mantidos ou danificados pelas nossas atividades,
eles constituem o verdadeiro “Bem Comum Global” que une toda humanidade. Se o
funcionamento do Sistema Terrestre sofrer mudanças significativas, a vida como a
conhecemos será, e está já a ser, severamente, afetada.
A composição química da atmosfera que esteve na base do surgimento do período de
estabilidade climática após a última glaciação, cerca de 11.700 anos o período do
Holoceno, foi resultado de vários processos naturais, entre os quais se destacam as
profundas trocas de gases que a vida realizou com a atmosfera e os oceanos, as quais
deram origem a uma composição química da atmosfera altamente complexa. A alteração
da estrutura química da atmosfera resultante das atividades humanas, sobretudo a partir
dos anos 50 do século passado, contribuiu de forma determinante para o aumento da
temperatura global, o que, por sua vez, deu origem a uma alteração dos padrões do
comportamento termodinâmico entre os polos e os trópicos, levando à desestabilização
dos padrões de circulação atmosférica e à desaceleração da circulação oceânica”
(Magalhães, 2021). Estas transformações têm provocado alterações climáticas com efeito
cascata em todos os ecossistemas e, consequentemente, na organização das sociedades
humanas. Hoje, as Ciências do Sistema Terrestre identificam os “core drivers” que
condicionam e determinam o bom funcionamento do Sistema Terrestre: os chamados
“Limites do Planeta(Rockstrom, 2009: pp. 472-475), que caraterizaram o Holoceno, o
único período que comprovadamente foi capaz de suportar as civilizações humanas.
Se este “Aspeto Funcional”, não-territorial e intangível do nosso planeta, for reconhecido
como um património, será possível construir um sistema de governança com base neste
património, através de uma contabilidade de benefícios e danos e respetivas
compensações. Reconhecer o sistema terrestre como património comum, serviria em
última análise, para internalizar aquilo que hoje o consideradas externalidades
económicas” - positivas e negativas - e com isso construir uma economia capaz de
restaurar e futuramente manter um bom estado de funcionamento do Sistema Terrestre.
2. O que é o «Condomínio da Terra»?
O projeto de reconhecimento jurídico do “aspeto funcional” da Terra como um bem
comum, implica uma solução capaz de permitir que esta representação não entre em
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confronto, com a dimensão “territorial estática da soberania” - o interesse privado de
cada Estado.
O problema de conciliar interesses aparentemente opostos privados e comuns - não é
novo nas ciências jurídicas, e foi estruturado através de uma figura de direito privado
que define a situação em que uma coisa materialmente indivisível, ou uma coisa com
estrutura unitária, pertence a rios coproprietários, cada um dos quais tem direitos
privados ou exclusivos de propriedade sobre determinadas frações e, ao mesmo tempo,
é coproprietário das partes do edifício que constituem a sua estrutura e funções comuns.
Essa figura jurídica é conhecida como condomínio. É precisamente através da distinção
entre diferentes tipos de propriedade sobre o mesmo bem materialmente indiviso que
esta forma de “propriedade complexa” pode harmonizar os diferentes interesses privados
e comuns, tornando esta sobreposição de propriedades perfeitamente simbiótica. A
operação jurídica não é apenas uma mera divisão de espaços, mas existe previamente
uma divisão baseada em critérios qualitativos e funcionais, que identifica estruturas e
sistemas comuns (sistemas de eletricidade, água, escadas, telhado, etc...) que são
imprescindíveis ao bom funcionamento do prédio e ao uso pleno das propriedades
privadas. Depois desta operação “funcional”, é realizada a divisão dos espaços, e o
resultado é uma sobreposição entre propriedade privada e comum, perfeitamente
simbiótica. A analogia com a Terra é perfeita O Condomínio da Terra (Magalhães,
2007). O sistema terrestre é indivisível, e por isso necessariamente comum, e o seu bom
estado de funcionamento é condição para cada Estado poder exercer a sua soberania
territorial de forma plena. Deve ser criado um sistema de contributos, para o restauro e
manutenção do sistema comum. Por possuírem caracteres distintos um territorial
estático, e outro funcional intangível serão compatíveis. Como Kant nos ensina, “só na
prossecução do interesse comum, é possível cada um exercer o seu direito”.
3. Qual a relevância deste conceito para as “Conferências do Clima”
(COP)?
Quando nos encontramos numa situação em que a concentração de CO2 (Stock)
ultrapassou o limite de segurança dos 350 ppm de CO2 (424 ppm em maio de 2023),
uma abordagem exclusivamente baseada na redução das emissões correntes (Fluxos)
é claramente insuficiente.
Os dados indicam que “para além da dramática descarbonização para atingir o objetivo
climático de 1,5°C, seja necessário um volume significativo de remoções de dióxido
de carbono” (Energy Transitions Commission, 2022: p. 8). Atualmente, os
ecossistemas remanescentes removem cerca de 2Gt de CO2 por ano, e as atividades
humanas emitem cerca de 37Gt. Segundo os cenários da Energy Transitions
Commission (Energy Transitions Commission, 2022: p. 8), para compensar o impacto
do incumprimento das reduções de CO2 previstas em vários cenários, será necessária
uma remoção em massa de gases com efeito de estufa, isto é, passar das atuais 2Gt
de remoções anuais de CO2 para 70 a 225 Gt CO2 de remoções cumulativas (ou
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emissões negativas) entre hoje e 2050, dependendo da evolução das emissões. Para
além de 2050, num cenário de manter constantes os veis de CO2 na atmosfera,
serão necessárias “emissões negativas contínuas de ~3-5 Gt CO2 por ano para
neutralizar pequenas emissões residuais dos setores de mais difícil redução e efeitos
mitigadores de outros gases de efeito estufa, como N2O” (Energy Transitions
Commission, 2022: p. 8). Ou seja, mesmo num cenário de sucesso na
descarbonização até 2050, para a posterior manutenção do objetivo da neutralidade
carbónica, é necessário mais do dobro da atual capacidade de remoção, isto é, será
absolutamente necessário restaurar ecossistemas.
Atualmente, no Acordo de Paris e respetivas COPs, não existe qualquer
enquadramento jurídico, ou mecanismo económico destinados a pagar as emissões
negativas (Energy & Climate Intelligence Unit, 2018), isto é, a remover CO2 da
atmosfera sem existir uma ligação direta à compensação/neutralização de uma
emissão atual ou geração de novos direitos de emissão. Atualmente, quem paga por
uma remoção, é sempre alguém que faz uma emissão corrente ou futura, mas não
existe um sistema para compensar/pagar remoções do CO2, anteriormente,
acumuladas nos grandes reservatórios do sistema climático - a atmosfera e oceanos.
Para criar um projeto de restauro, e voltar ao “Espaço de operação segura para a
Humanidade”, é necessário que o Sistema Terrestre tenha um titular (neste caso, toda
a Humanidade), é necessário que não seja considerado uma res nullius, uma “lixeira”
que não é de ninguém. através da definição da sua titularidade, é possível fazer
emergir direitos resultantes de benefícios (remoções ou outros serviços de
ecossistema), bem como deveres resultantes do uso/danos realizados num bem que
pertence a todos.
4. Qual a relação entre o Acordo de Paris e o conceito do Sistema
Terrestre como Património da Humanidade?
A relevância vital que a estabilidade do clima possui para a Humanidade, levou à proposta
de Malta de 12 setembro de 1988 que sugeria o reconhecimento do Clima como
“Património Comum da Humanidade” (A/43/241 UNGA, 1988). O facto do clima “não se
restringir aos bens comuns globais, mas também abranger áreas sujeitas a jurisdições
nacionais" (Borg, 2007), foi determinante para a opção de reconhecer as Alterações
Climáticas como Preocupação Comum da Humanidade” (A/43/905 UNGA, 1988), que
continua ainda hoje a ser o enquadramento jurídico do Acordo de Paris.
Ao reconhecerem-se as “Alterações climáticas como uma Preocupação”, e não o Sistema
Climático como um bem jurídico que devia pertencer a toda Humanidade, o “Sistema
Climático” ficou numa situação de vazio jurídico, carente de definição. Não não se
reconheceu a existência do “aspeto funcional” do planeta, como a atribuição da sua
titularidade a toda a Humanidade foi negada. O “Bem Clima/Sistema Climáticocontinuou
a ser de ninguém. Ora, o direito internacional trata os domínios que não pertencem a
ninguém como res nullius - “O ‘estado de natureza’ para os bens comuns globais é res
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nullius (Vogler, 1995). Ao o pertencer a ninguém, está criada a primeira condição
estrutural para a que tragédia dos comuns aconteça. E esta é uma questão jurídica
fundamental, como salienta Alexander Kiss: Como pode um bem que não pertence a
ninguém estar sujeito a um regime jurídico?” (Kiss, 1982: pp. 103-256).
As consequências desta questão fundamental foram identificadas logo em 1991, por um
dos principais mentores do conceito de Preocupação Comum da Humanidade, Mostafa
Tolba: “É muito importante que o conceito de preocupação comum da humanidade seja
mais elaborado para tornar o seu conteúdo e alcance compreensíveis e claros; também
é importante verificar como este conceito pode ser interpretado em termos de direitos e
obrigações dos Estados no processo da sua implementação” (Tolba, 1991: pp. 237-246).
Para todos os efeitos, quando o Acordo de Paris define no seu preâmbulo que as
Alterações Climáticas são uma preocupação definiu também que a estratégia de atuação
se deve centrar numa mitigação geral das emissões globais para manter o aumento da
temperatura claramente abaixo dos 2ºC, e não num projeto de restauro do passivo, que
hoje é apontado como inevitável para não ultrapassar o 1,5ºC.
5. Qual o papel do Oceano no Sistema Terrestre como Património da
Humanidade?
Nas últimas décadas, as Ciências do Sistema Terrestre exponenciaram a compreensão
do funcionamento do sistema terrestre como um único todo, que não pode ser entendido
pela análise isolada de cada um dos seus componentes. Tal abordagem reducionista
perderia, por exemplo, as “propriedades emergentes” (como o clima) que só podem ser
compreendidas considerando a unidade do Sistema Terrestre como um único sistema
profundamente interconectado. Esta unidade funcional torna todas as estratégias de
intervenção ambiental interdependentes, nas quais os oceanos possuem um papel
central. O objetivo da Convenção Quadro do Clima das Nações Unidas 1992, é a
estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que
evite interferências antrópicas perigosas no sistema climático”. O Sistema Climático é
definido, nesta Convenção, como um conjunto de vários componentes
(Atmosfera/Hidrosfera/Biosfera/Geosfera) e as suas relações (aspeto funcional), sendo
que cada um destes componentes, ou a soma deles, são considerados como o
“reservatório” onde os gases de efeito estufa se acumulam. No Artº 2 desta Convenção
define-se que o objetivo da própria convenção é a estabilização da concentração de gases
de efeito estufa na atmosfera, entendida como o “Reservatório” onde, primeiramente, o
CO2 se acumula, produzindo efeitos cascata por todo o Sistema Terrestre (alterações
climáticas, acidificação oceanos, destruição da biodiversidade...). O princípio da unidade
funcional do sistema terrestre, num planeta que é coberto em 71% da sua área pelos
oceanos, implica reconhecê-los como elemento central de qualquer estratégia de
intervenção uma vez que, tal como a atmosfera, os oceanos também possuem uma
dimensão funcional/qualitativa. Por raciocínio análogo, a distinção entre “aspeto
funcional” e “caráter territorial estático da soberania”, deverá ser feita entre, por um
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lado, a composição bioquímica da água do mar e a circulação global dos oceanos e, por
outro lado, os espaços marítimos sob a soberania ou jurisdição dos Estados.
6. Como reconhece e integra Portugal o conceito de Sistema Terrestre
como Património da Humanidade?
Um clima estável é uma manifestação visível de um Sistema Terrestre a funcionar de
uma forma favorável à vida em geral, e à civilização humana em particular, no quadro
de uma biosfera resiliente e funcional. Esta estabilidade baseia-se em padrões bem
definidos de circulação atmosférica e oceânica. Um padrão de dinâmica estável de
funcionamento do Sistema Terrestre pode ser entendido como o ‘Software’ do planeta.
Desta forma, podemos considerar o Clima, como um proxydo estado de funcionamento
de todo o Sistema Terrestre. Neste sentido, o objetivo do Art.º 15, f) da Lei do Clima, de
reconhecer junto das Nações Unidas o Clima Estável como Património Comum da
Humanidade, representa precisamente a introdução do “aspeto funcional” do Planeta no
Direito, não apenas como uma menção ou referência, mas como um novo objeto de
direito, não-territorial, de caráter funcional e intangível. No Direito Espacial existem já
diversos objetos jurídicos naturais intangíveis, que são alvo de um estatuto jurídico que
regulamenta o seu uso com vista à sua conservação, como é o caso da órbita
geoestacionária, a órbita da Lua ou as frequências de rádio. Se o Direito reconheceu
no Espaço que a natureza não é apenas tangível, porque não o pode fazer na Terra?
Reconhecer o clima relativamente estável como Património Comum da Humanidade, é
precisamente reconhecer o modo de funcionamento do Sistema Terrestre que permitiu o
desenvolvimento das sociedades humanas como as conhecemos hoje. Isto é, significa
reconhecer o padrão de funcionamento que emergiu após a última glaciação, o chamado
período do Holoceno, que as sociedades humanas estão a alterar dramaticamente, em
vez de contribuírem de forma ativa para seu restauro e manutenção.
Referências bibliográficas
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