OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL15 N1, DT1
Dossiê temático - Rede Lusófona de Educação Ambiental:
perspectivas de cooperação para construir respostas sociais
a uma crise socioambiental global.
Setembro 2024
81
EDUCAÇÃO, SUSTENTABILIDADE E CONHECIMENTO ECOLÓGICO LOCAL
MARTA TORRES
martafradetorres65@gmail.com
Ph.D. MARE - Marine and Environmental Sciences Centre, ARNET - Aquatic Research Network
Associate Laboratory, NOVA School of Science and Technology, Universidade Nova de Lisboa,
Caparica (Portugali. Investigadora Integrada.
JOÃO MOURO
jmouro@gmail.com
NovaSBE ELO- Enhanced Learning Office, Lisbon
MÔNICA MESQUITA
mmbm@fct.unl.pt
Afiliação: MARE - Marine and Environmental Sciences Centre, ARNET - Aquatic Research Network
Associate Laboratory, NOVA School of Science and Technology, NOVA University Lisbon,
Caparica, Portugal. Investigadora Integrada
Caparica, Portugal.
Resumo
Inserido no Observatório de Literacia Oceânica OLO, inserido no Centro de Ciências do Mar
e do Ambiente MARE, na Unidade Regional da Universidade NOVA de Lisboa NOVA, a
investigação desenvolvida no Agrupamento de Escolas da Caparica, junto da comunidade
estudantil dos pescadores da cidade da Costa de Caparica - Portugal, pretende valorizar o
conhecimento informal destes alunos, fortemente arreigado a um Conhecimento Ecológico
Local (CEL) e a um Conhecimento Ecológico Tradicional (CET). Pretende-se discutir de que
modo os processos de pertença ecológica das ações dos estudantes estão comprometidos com
fatores de ordem social, cultural e económica. Assente na observação e análise de práticas
socioecológicas, recorrendo a metodologias mistas - Etnografia Crítica e Design based-
Research, pretende-se (1) implementação do Museu Virtual, coconstruído com estes mesmos
estudantes num estudo doutoral, dirigido para formação à comunidade; (2) criação de um
currículo local revelador de conhecimento ancestral e identitário, (3) disseminação, através
de ambientes digitais, da identificação de problemas relacionados com a sustentabilidade da
comunidade em questão. As competências tecnológicas trabalhadas ao nível do Museu serão
úteis em duas das dimensões do projeto: 1 - literacia digital promotora de empregabilidade,
cidadania digital, acesso à informação, identidade e socialização, particularmente dos atores
envolvidos nas diversas funções; 2 tecnologia como contributo para a sustentabilidade e o
ambiente - o Museu “Virtual” complementar à realidade das comunidades piscatórias um
gémeo digital desse mundo piscatório.
Palavras-chave
Educação Ambiental, Cidadania Ativa, Literacia Digital, Comunidade Piscatória, Conhecimento
Ecológico.
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Título Dossiê temático - Rede Lusófona de Educação Ambiental:
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a uma crise socioambiental global
Setembro 2024, pp. 81-103
Educação, Sustentabilidade e Conhecimento Ecológico Local
Marta Torres, João Mouro, Mônica Mesquita
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Abstract
As part of the Ocean Literacy Observatory - OLO, which is part of the Centre for Marine and
Environmental Sciences - MARE, at the NOVA University Lisbon Regional Unit - NOVA, the
research carried out at the Caparica School Group, with the student community of fishermen
from the town of Costa de Caparica - Portugal, aims to value the informal knowledge of these
students, which is strongly rooted in Local Ecological Knowledge (LEC) and Traditional
Ecological Knowledge (TEC). The aim is to discuss how the processes of ecological belonging
in the students' actions are compromised by social, cultural and economic factors. Based on
the observation and analysis of socio-ecological practices, using mixed methodologies -
Critical Ethnography and Design-based-Research, the aim is to (1) implement the Virtual
Museum, co-constructed with these same students in a doctoral study, aimed at training the
community; (2) create a local curriculum revealing ancestral and identity knowledge, (3)
disseminate, through digital environments, the identification of problems related to the
sustainability of the community in question. The technological skills developed at the Museum
will be useful in two of the project's dimensions: 1 - digital literacy to promote employability,
digital citizenship, access to information, identity and socialisation, particularly for those
involved in the various functions; 2 - technology as a contribution to sustainability and the
environment - the "Virtual" Museum complementary to the reality of the fishing communities
- a digital twin - of this fishing world.
Keywords
Environmental Education, Active Citizenship, Digital Literacy, Fishing Community, Ecological
Knowledge.
Como citar este editorial
Torres, Marta, Mouro, João & Mesquita, Mônica (2024). Educação, Sustentabilidade e
Conhecimento Ecológico Local. Janus.net, e-journal of international relations. VOL15 N1, TD1
Dossiêr temático Rede Lusófona de Educação Ambiental: perspectivas de cooperação para
construir respostas sociais a uma crise socioambiental global”. Setembro de 2024. DOI
https://doi.org/10.26619/1647-7251.DT0224.5.
Artigo recebido em 30 de junho de 2024 e aceite para publicação em 20 de julho de 2024.
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EDUCAÇÃO, SUSTENTABILIDADE E CONHECIMENTO
ECOLÓGICO LOCAL
MARTA TORRES
JOÃO MOURO
MÔNICA MESQUITA
Introdução
Este estudo decorre da importância que as comunidades piscatórias têm na faixa litoral
da Costa da Caparica e da pouca visibilidade, e impacto, que têm na participação e
delineamento de políticas que lhes dizem respeito. O produto final um Museu Virtual
das Artes da Pesca, desenvolvido e implementado em coconstrução com os alunos da
comunidade piscatória, e como plano de comunicação e disseminação uma rede
identitária a nível local, regional, nacional e internacional, pretende dar a visibilidade que
lhes é devida.
O estudo pós-doutoral, pretende potenciar o Conhecimento Ecológico Local (doravante
designado por CEL) e o Conhecimento Ecológico Tradicional (doravante designado por
CET) desta comunidade tornando-os significativos na identificação e resolução de
problemas associados ao seu quotidiano, de forma a capacitar os alunos enquanto
agentes de mudança, na promoção do desenvolvimento sustentável. Como identificado
no trabalho doutoral, Torres (2021) valoriza o conhecimento informal e não formal que
estudantes das comunidades piscatórias aportam, o qual contribuem para que as suas
comunidades ganhem solidez social e política, identificando e contribuindo com soluções
sustentáveis, com pertença local e exequíveis. Conforme é preconizado em A Decade of
Progress in Education for Sustainable Development, Young people should be empowered
to participate more closely in the development of political strategies and their
implementation in the area of sustainable development(UNESCO, 2017, p.10). Estas
comunidades, em contacto direto e dependentes do meio ambiente que as rodeia,
contribuem para a resolução de problemas através da participação em políticas de
sustentabilidade a desenvolver localmente. Considera-se, aqui, a sustentabilidade de
longo prazo, da qual depende a própria existência dos pescadores e da sua atividade;
não comprometer o meio ambiente bem como os recursos naturais de que dependem é
não comprometer a sua existência. Ranger, Kenter, Bryce, Cumming, Dapling, Lawes, e
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Richardson (2016) referem “(…) to protect wild species and habitats they are primarily
about spatially regulating human behaviour and inevitably have impacts on individuals
and communities, especially in busy, inshore sea areas” (p. 345). Deste modo, os jovens
estudantes das comunidades piscatórias têm um papel crucial na educação ambiental e
na participação sustentável do seu habitat local e global, podendo minorar o impacto das
ações humanas no meio ambiente, promovendo a solução e redução de conflitos, e
assegurando a conservação das suas comunidades e do meio que as rodeia e da qual
dependem, indo ao encontro do relatório da UNESCO (2017) “(…) the essence
sustainability-oriented learning lies in the ability to respond, reflect, rethink and
recalibrate-and not just once, but repeatedly, when changing circumstances demand it
us.”(p.18). Este estudante torna-se o elo mais importante na relação a estabelecer com
o meio ambiente e as comunidades que usufruem do mesmo.
Neste sentido, este estudo pretende objetivar de que modo a pertença ecológica das
ações dos alunos está comprometida com os fatores de ordem social, cultural e
económica, ou seja, com a ação humana. O conhecimento ancestral dos mesmos, que
se perpetua no tempo pela tradição de aquisição de conhecimento intergeracional como
é o caso da Arte Xávega (Santos, 2009; Stratoudakis, Gonçalves, Oliveira & Mesquita,
2022), interliga-se com o meio natural da comunidade. Valorizar a ancestralidade,
silenciosa no quotidiano da mesma, implica uma reflexão complexa e sistémica acerca
de cada um e do coletivo. Segundo Barata (2014), “a aceitação das ações de educação
comunitária e pessoal e do incitamento à criação de uma consciência cívica e
reivindicativa são o exemplo perfeito da capacidade de uma coletividade agir a partir do
seu interior, ainda que apoiada num conjunto de vontades e valências exteriores e
empenhadas” (p. 174).
Na busca de um caminho plural Khotari, Escobar, Demaria e Acosta (2019), considera-
se, neste estudo, a abordagem desenvolvida por D’Ambrosio (2008) assente na
diversidade de olhares para distintos ambientes culturais e sistemas de produção, que
proporciona a possibilidade de refletir sobre questões relacionadas com a
sustentabilidade de forma integral e holística, estimulando a pertença ecológica de cada
aluno e a sua contextualização social, cultural, económica. Segundo este autor, “justifica-
se inserir o aluno no processo de produção de seu grupo social e evidencia a diversidade
cultural e histórica em diferentes contextos” (2008, p. 8). Ao integrar os saberes
informais dos alunos da comunidade piscatória no processo de ensino aprendizagem, tal
possibilitará a produção de conhecimento e criação de políticas públicas que impliquem
a sustentabilidade das comunidades piscatórias, em particular, e de todos, em geral. A
valorização da transmissão do conhecimento intergeracional, é fundamental para a
recuperação e preservação da memória coletiva. No caso das comunidades piscatórias,
a valorização deste conhecimento implica um estreito laço com o meio ambiente que a
rodeia. A participação da minoria piscatória na construção de um currículo em contexto
escolar deve revestir-se de significado e relevância, na promoção da literacia ambiental
e digital.
A construção do currículo pressupõe a integração do conhecimento ancestral dos alunos
da comunidade piscatória. Este conhecimento informal é transmitido gerações através
de um conhecimento holístico do território no qual as comunidades se inserem, dos
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recursos naturais existentes e do meio ambiente. Assim, em contexto escolar, as
estratégias a desenvolver devem possibilitar de maneira sólida e eficaz, o acesso a uma
educação digital que promova a autonomia, a pertença e a responsabilidade dos alunos
na construção, divulgação e disseminação de conhecimento.
Partindo da análise a um conceito mais abrangente e relacionando-o, num primeiro
momento. com comunidades indígenas americanas, o CET estende-se para outras
comunidades que assim se vêm representadas:
Traditional Ecological Knowledge (TEK) is the on-going accumulation of
knowledge, practice and belief about relationships between living beings
in a specific ecosystem that is acquired by indigenous people over
hundreds or thousands of years through direct contact with the
environment, handed down through generations, and used for life-
sustaining ways. This knowledge includes the relationships between
people, plants, animals, natural phenomena, landscapes, and timing of
events for activities such as hunting, fishing, trapping, agriculture, and
forestry. It encompasses the world view of a people, which includes
ecology, spirituality, human and animal relationships, and more (U.S.
National Park Service:
https://www.nps.gov/subjects/tek/description.htm).
Berkes, Colding e Folke (2000) referem que
many Tradicional Ecological Knowledge systems shows that there is a
component of local observation knowledge of species and other
environmental phenomena, a component of practice in the way people
carry out their resource use activities, and further, a component of belief
regarding how people fit into or relate to ecosystems (p. 1252).
De forma a clarificar estes conceitos e a sua utilização, Aswani, Lemahieu e Sauer (2018)
esclarecem,
The value of local ecological knowledge (LEK) (also referred to as
indigenous and traditional ecological knowledge [IEK or TEK]) to
mainstream conservation, began in the early 1990s when various
researchers showed the cost-effectiveness and fairness to indigenous
peoples territorial rights of integrating LEK into development and
conservation projects (p.2).
Assim, uma abordagem a um CEL implica uma abordagem mais profunda a práticas,
valores e processos produzidos pelas comunidades que se pretendem estudar; e estamos
perante um conhecimento tradicional, historicamente enraizado nas atividades das
comunidades. Berkes et al (2000) evidenciam que “Tradicional Ecological Knowledge can
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be viewed as a “library of information” on how to cope with dynamic change in complex
systems” (pp. 1259-1260).
Numa perspetiva de inovação curricular o CEL, a par com o CET, pretende-se evidenciar
a necessidade de mudança de paradigma na educação com a adoção de pedagogias
transformadoras e direcionadas para uma aprendizagem ativa, promotora de sucesso,
que respondam às necessidades locais, de forma a gerar novo conhecimento e
intervenção cívica, por parte das comunidades. Como Nóvoa (2022) refere “o
fundamental é a criação de novos ambientes de aprendizagem” (p. 28), que permitam
que um Museu Virtual surja como espaço de reflexão crítica, gerador de novos
conhecimentos, partilhados e enriquecidos, valorizando-se o conhecimento
intergeracional que estas comunidades apresentam, resultante da organização familiar e
profissional imposta pela dinâmica económica. O Museu pressupõe, também, “um
enquadramento com o meio envolvente, de forma aberta e dialogante com as
comunidades locais em que se inserem.” (Silva, Mouro, Silva, 2023, p.120). O
conhecimento que se produz é um elemento-chave para a recuperação e preservação da
memória coletiva que pode possibilitar o estreitar de laços entre comunidades escolares,
culturais e comunidades políticas.
É fundamental criar pontes entre o conhecimento escolar ou currículo formal, e a cultura
que os diferentes grupos de estudantes adquirem nas suas comunidades, diminuindo a
descontinuidade que existe entre ambos. Esta descontinuidade, tal como mencionado em
Torres (2021), manifesta-se em contexto escolar numa quase total, ou mesmo total,
ausência de saberes relacionados com a pesca ou atividade piscatória no caso da
comunidade piscatória, na Costa da Caparica, e as aprendizagens realizadas nas
diferentes áreas científicas não se relacionam com a atividade piscatória da região, nem
integram o saber informal dos alunos desta comunidade piscatória, nem da sua referida
comunidade. Ainda da mesma obra é possível afirmar que, eventualmente, desenvolvem-
se projetos relacionados com a sua História, em eventos públicos ou outros, mas não
numa perspetiva de integração de saberes associados a um currículo que promova a
educação ambiental e a sustentabilidade, relacionadas com a atividade económica
ancestral e tradicional da região. Torres (2021) demonstra o quase total
desconhecimento da História da comunidade piscatória, apesar de estas comunidades,
inseridas na zona costeira entre a Trafaria e a Fonte da Telha, se encontrarem
documentadas desde há séculos na região e mostrarem-se intimamente ligadas tanto ao
trabalho sazonal (Souto, 2003; Stratoudakis et al., 2022), como às migrações de
comunidades piscatórias vindas da região sul e norte do país. Com a fixação das mesmas
na região, desenvolveu-se uma atividade económica que evidenciava uma economia de
subsistência, precária, relacionada com as Artes da Pesca locais.
Torres (2021) discutiu e verificou que a desvalorização de um conhecimento
intergeracional que estas comunidades apresentam, é resultante da organização familiar
e profissional imposta pela dinâmica económica. Este conhecimento é um elemento chave
dar continuidade a um conhecimento ancestral, visível nas práticas culturais, invisível no
discurso coletivo. No contexto do CEL, Davis & Wagner (2003) referem que,
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(…) one of its greatest strengths is that it is dynamically mutable in so
far as it has the capacity to incorporate each new generation’s
experiences, understandings, and needs, thereby remaining
current and vital. Certainly, political economic, and historical processes
may erode or even destroy the currency and extent to which LEK
systems continue to “live” within cultures, peoples, communities, and
localities. Debased as primitive knowledge and often pushed into the
most peripheral areas of social life, the residuals and remains of many
LEK systems are found only in the memories and worldviews of
communities’ elders and wise persons (p. 467).
A implementação de estratégias a desenvolver deve considerar o contexto cultural em
que estas se o implementar, para que se possa atuar através de uma orientação
especializada e estruturada. Assim, as estratégias devem revelar-se inovadoras e
exequíveis, as quais fundamentam, de maneira sólida e eficaz, o acesso a uma educação
digital que promove a autonomia, a pertença e a responsabilidade dos alunos na própria
construção de conhecimento. Não é possível conceptualizar os contextos culturais para
explicitar o saber que o aluno aporta e os contextos em que está inserido, enquanto
elemento de um ou mais grupos, de modo a proceder à sua categorização, se não os
compreendermos (Torres, 2021).
Neste sentido, o sistema educativo em que estes alunos se integram, para além da
qualificação e habilitação que possibilita, deve promover uma educação digital que
implique um projeto cívico. Este projeto cívico deve considerar as preocupações com as
comunidades, com o outro, para uma compreensão holística do mundo, indo ao encontro
do que é definido para a Educação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
definidos em Assembleia Geral da ONU a 25 de setembro de 2015. Como Nóvoa (2022)
refere, “O digital não é apenas mais uma “tecnologia”, instaura uma nova relação com o
conhecimento e, por isso mesmo, uma nova relação pedagógica (…)” (p. 50).
Produzir conhecimento, com base em diferentes saberes que se complementam e
valorizam a comunidade é responsabilidade de todos. Em contexto escolar, promover a
sustentabilidade com base na valorização do CEL e do CET é reconhecer a importância
do conhecimento produzido pelo ser humano nos mais variados contextos e situações. O
conhecimento formal e informal, ecológico ou outro, reflete as interações que o ser
humano realiza em diferentes contextos como forma de solucionar problemas que tanto
podem ser do seu quotidiano como base de sustentação ideológica nos processos de
construção científica. A Educação Ambiental e a Sustentabilidade de habitats não podem
ser dissociadas da atividade humana pois é esta que obriga a que o ser humano se
implique com o meio ambiente que o rodeia, de forma a proporcionar um equilíbrio e
sustentabilidade ambientais, e é nesta que o Homem constata que é parte indissociável
da natureza. Não pode existir educação, seja ambiental ou outra, sem envolver as ações
humanas. Deste modo, a abordagem ao CEL e CET revela-se-nos crucial. Reconhecer
que o conhecimento se nos apresenta sob diferentes formas e processos é reconhecer
toda a Herança Natural e Patrimonial das quais usufruímos.
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A integração de abordagens científicas com o CET implica uma formação virada para a
equidade entre parceiros locais e cientistas. É de referir a importância destas parceiras
no sentido em que muitos cientistas desconhecem por completo, ou não valorizam, as
perspetivas culturais que as comunidades apresentam. Esta interligação e partilha de
conhecimento num patamar de igualdade e equidade permite abordagens e construção
de políticas de intervenção com maior impacto, preservando as esferas sociais, culturais,
económicas das comunidades, e também do coletivo. Autores como Armstrong,
Kimmerer e Vergun (2007) referem que a ligação entre Conhecimento Ecológico
Científico e o Conhecimento Ecológico Tradicional é dificultada pela fundação/origem
epistemológica de cada um deles, que divergem e são diferentes. A sociedade atual, em
que a pressão sobre as alterações climáticas, a rapina de recursos, a estigmatização de
comunidades e grupos minoritários que, pela sua dimensão e participação na vida social
e económica das sociedades desenvolvidas é invisível, tem feito regressar as mesmas ao
centro das discussões e delineamento de políticas ambientais que se querem
sustentáveis. Neste sentido, a valorização que se está a dar às mesmas resulta não
de uma capacitação e empoderamento como também do reconhecimento que estas têm
a nível local, regional, nacional e global. Como Freire (1995) refere,
Antes de tornar-me um cidadão do mundo, fui e sou um cidadão do
Recife, a que cheguei a partir do meu quintal, no bairro da Casa
Amarela. Quanto mais enraizado na minha localidade, tanto mais
possibilidades tenho de me espraiar, me mundializar. Ninguém se torna
local a partir do universal. O caminho existencial é inverso (p.25).
Este olhar local possibilita uma atuação em uníssono com as reais necessidades, quer da
comunidade, como da restante. Permite a gestão ponderada e equilibrada de recursos,
potencialidades e, também, a melhoria de políticas, e adequação de estratégias, com
base na interligação entre o Conhecimento Ecológico Científico e o Conhecimento
Ecológico Tradicional. É fundamental estabelecer e potenciar esta relação pois a mais-
valia entre ambas fortalece as comunidades. Também a formação que se pretende
implementar, em contexto formal, com as comunidades, devem incluir este
Conhecimento Tradicional em que diferentes atores, com perspetivas, e conhecimentos
distintos, se completam.
Fundamental é, também, um olhar sobre as práticas culturais associadas às comunidades
em estudo, no presente caso, a comunidade piscatória da Costa da Caparica. O
conhecimento que estas comunidades possuem é o resultado da transmissão do mesmo
desde gerações, mas continuamente desvalorizado no seguimento do que Torres
(2021) refere a” desvalorização de saberes, ofícios e atividades económicas ligadas à
produção artesanal, circunscritos a minorias que a estes se dedicavam, foi-se verificando
lentamente, nos últimos três culos (p. 1). Esta desvalorização de saberes resultou
numa dicotomia entre o conhecimento científico (formal) e o conhecimento tradicional
(informal). Compreende-se que as comunidades em que o conhecimento ecológico
tradicional e local é muito arreigado, e intrinsecamente associado às suas atividades
profissionais e económicas, reflitam uma desvalorização que compromete esse saber
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fundamental na preservação de recursos naturais bem como na sua utilização, de forma
sustentável. Como Kimmerer (2002) refere, “Traditional ecological knowledge refers to
the knowledge, practice, and belief concerning the relationship of living beings to one
another and to the physical environment” (p. 432). Na sua explicação Kimmerer (2002)
indica que “Traditional knowledge has much in common with scientific ecological
knowledge (SEK), which is not surprising since both traditions derive from the same
source: systematic observations of nature” (p. 433). A sua desvalorização por parte da
sociedade tornou-se endémica, e afastou a comunidade científica das comunidades onde
os conhecimentos tradicionais são a fonte para o desenvolvimento de atividades
artesanais, como a pesca, ou agricultura. Delicado, Schmidt, Guerreiro e Gomes (2012)
reforçam esta dicotomia referindo que “a desvalorização social da atividade parece ter
sido interiorizada pelos pescadores, refletindo-se numa autoavaliação negativa do seu
valor social” (p. 447). Mais do que a desvalorização de um conhecimento transmitido de
geração em geração é uma assume-se como discriminação intelectual. A importância que
as Ciências Sociais têm para a compreensão e valorização de uma Educação Ambiental
relaciona-se com as ações que o ser humano pratica sobre a o meio ambiente, e o
impacto das mesmas, quer na Sociedade como no meio ambiente. Trabalhar em
Educação Ambiental é relacionarmo-nos com os seres humanos que irão atuar no habitat
em que residem ou outros. Assim, tem de se dar voz aos atores locais que desde
gerações se relacionam com o meio ambiente que os envolve.
O paradigma que emerge, na atualidade, face ao anterior como Norden e Avery (2021)
indicam que a “Agenda 21 tereby placed sustaintable development within a paradigm of
global trade liberization as well as of “thecnocentrism” (p. 2). Atualmente, e num
contexto de inquietação de paradigma de desenvolvimento, é fundamental que a
alternativa de desenvolvimento habilite o CET pois a sua desvalorização implicou, e
implica, a rapina de recursos naturais, destruição de habitats e, consequentemente, o
desaparecimento de muitas comunidades ancestrais bem como o seu modo de vida, e o
seu conhecimento que estava intimamente ligado ao habitat de ocupação das mesmas.
Norden e Avery (2021) indicam que:
since the 1950s, activists and researchers had been pointing to the dangers
of environmental destruction. Powerful social movements were engaged in
combatting social and global injustices, as well as the threats of intolerance,
racism, militarization, and warfare. Numerous bodies, organizations, and
international agencies were working on issues such as eliminating poverty,
ensuring safe water supplies, developing renewable energy sources, reducing
pollution, fighting acid rains, conserving species, or reversing desertification
(p.2).
Compreende-se a emergência de todos os atores em desenvolver programas, atitudes e
comportamentos sustentáveis que possibilitem a erradicação da pobreza (um dos muitos
fatores que levam à destruição e depredação dos recursos naturais), radicalismos,
intolerância, racismo e militarização. Estes fatores estão todos intrincados e relacionados.
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A sustentabilidade ambiental, e a Educação Ambiental, passam pelo envolvimento, das
comunidades, tal como se pretende reconhecer neste estudo.
Segundo Norden e Avery (2021) o conceito de Educação Ambiental foi utilizado nas
décadas de 70, 80 e 90, do século passado, e o conceito de Educação para o
Desenvolvimento Sustentável surgiu pela primeira vez em documentos das Nações
Unidas em 1980, mas foi com o relatório Brundtland de 1987 que ganhou força.
Considerando que a globalização impactou na educação, e de que modo uma
aprendizagem global e sustentável se integra (Norden e Avery, 2021), a escolha dos
conceitos e palavras-chave qua surgem neste estudo consideram as comunidades
piscatórias, e a dinâmica e evolução desses mesmos conceitos. Uma das questões que
se levanta é de que modo o conhecimento pode ser incorporado em contextos locais,
bem como trabalhar de modo inter e transdisciplinar. O processo de ensino aprendizagem
deve desenvolver competências ao nível do espírito critico e da problematização de
questões. Pretende-se consciencializar o público em geral para a questão da
sustentabilidade (Norden e Avery, 2021). De novo, a relação entre conhecimento formal
e informal torna-se crucial. Prosseguindo a lógica da ponte que deve ser criada entre os
conhecimentos anteriormente mencionados, é necessário clarificar o que Dawson (2019)
defende que o conhecimento, que ao invés de representar uma verdade objetiva e quase
imutável (o que a transforma em dogma e não ciência), é de facto construído socialmente
enquanto criação de significado que emerge de um processo interativo contínuo, de
experimentação, questionamento e reflexão no seio da comunidade de aprendizagem (p.
271).
É necessário questionarmos e problematizarmos o mundo que nos rodeia considerando
que a linguagem que utilizamos não o representa objetivamente, mas é produzida em
função de relações de poder estrutural que, se não for questionado e contestado, tende
a perpetuar-se indefinidamente (Dawson, 2019), assumido não a objetividade requerida
no mundo da ciência, mas um dogma que se petrifica e não possibilita relações inter ou
transdisciplinares.
Os alunos interagem em espaços em que, por norma, não se movimentam, como a
Instituição Universitária, mas que se passam a apropriar da mesma pela razão válida do
conhecimento que aportam. Esta pertença espacial capacita-os e implica-os num
processo que se pretende de cidadania participativa. Envolverem-se critica e
criativamente com o conhecimento, competências, atitudes e valores necessários para
os desafios relacionados com as questões de sustentabilidade que enfrentamos (Dawson,
2019) é o desejável. Esta experiência pode possibilitar ao aluno o reconhecimento das
inúmeras relações que se estabelecem entre o mundo humano e não humano,
permitindo-lhes estimular a produção de conhecimento. Neste sentido, o aluno, é o
elemento questionador, critico e construtor do conhecimento que pretende partilhar e
divulgar, em função do seu habitat e das relações que estabeleceu ao longo da sua
existência no espaço que partilha com um mundo mais vasto que o humano. A descrição
que possa realizar dos espaços em que se movimenta e a apropriação visual e física dos
mesmos irão representar uma realidade individual sobre o mundo que o rodeia. Esta
perceção de mundos pode permitir-nos compreender de que forma cada um de nós se
apropria e cria imagens e mundos, reproduzindo-os através de códigos que, se não forem
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questionados se podem tornar uma verdade absoluta. Ou seja, através dos olhares sobre
os espaços partilhados poderemos compreender o que cada um de nós experiência, e o
modo como o transmite. É a partir destas realidades individuais que, partilhadas e postas
em questão, se pode produzir um conhecimento com base na multiperspectiva. Como
Ingold (2011) refere,
Why do we acknowledge only our textual sources but not the ground we walk,
the ever-changing skies, mountains and rivers, rocks and trees, the houses
we inhabit and the tools we use, not to mention the innumerable companions,
both non-human animals and fellow humans, with which and with whom we
share our lives? They are constantly inspiring us, challenging us, telling us
things. If our aim is to read the world, as I believe it ought to be, then the
purpose of written texts should be to enrich our reading so that we might be
better advised by, and responsive to, what the world is telling us (p.XII).
Ingold (2011) refere, ainda, que para descrever o mundo é necessário observá-lo e
imergir no mesmo. Observar é estar vivo. O que se pretende que estes alunos da
comunidade piscatória desenvolvam é a competência da vida. De serem um Ser no
espaço que ocupam e partilham. De se manterem fiéis ao conhecimento que pretendem
produzir, que questionem sem a intenção de ter uma resposta predefinida e
estandardizada no (Boaventura, 2010 p. 110). Que se questionem na procura de
respostas a questões das quais o tenham resposta imediata e sejam problematizadoras
e inquietantes. Boaventura (2010) considera que, na atualidade, e em função do
monopólio epistemológico, assistimos a um tempo caracterizado pela discrepância entre
“strong questions and weak answers” (p. 110).
É neste sentido que a Educação Ambiental deve trabalhar. Procurar no seio das
comunidades locais, e no seio da comunidade científica, pontes que produzam soluções
eficazes para o planeta. No caso, para políticas oceânicas que respeitem todos os habitats
e todos os seres que habitam no mesmo, e dele usufruem enquanto comunidades
humanas e não humanas.
Requer-se uma chamada de atenção para o conhecimento se pretende produzir. A
obtenção de dados deve ser complementada entre o conhecimento científico e o
conhecimento dos habitantes, pois como Ingold (2011) refere,
For the things the inhabitant knows are not facts. A fact simply exists. But for
inhabitants, things do not so much exist as occur. Lying at the confluence of
actions and responses, they are identified not by their intrinsic attributes but
by the memories they call up. Thus, things are not classified like facts, or
tabulated like data, but narrated like stories. And every place, as a gathering
of things, is a knot of stories (p. 154).
Os pescadores, sabem para onde ir e o seu dia a dia faz-se através do mundo em que se
movimentam. O movimento, a deslocação, o ato produzido e reproduzido de geração em
geração, através da observação é, em si mesmo, o conhecimento (Ingold, 2011). Nesta
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lógica e segundo o mesmo autor, o Conhecimento Local traduz-se em Conhecimento
Tradicional ao considerar que tal como os lugares são interpretados como contentores,
circunscrito geograficamente, as pessoas - ou melhor, as suas mentes - passam a ser
vistas como contentores dos elementos da tradição que lhes são transmitidos pelos seus
antepassados e que eles, por sua vez, transmitirão aos seus descendentes.
Também Grzybowski (2019) nos implica num outro paradigma, fundamental para a
Educação Ambiental, o da Biocivilização. Os estudantes devem contactar com conceitos
que lhes permitam aceder a níveis de reflexão que desenvolva o pensamento crítico e
criativo, para a produção do seu próprio conhecimento. Os alunos das comunidades
piscatórias que participam nas atividades relacionadas com as Artes da Pesca, podem
assim repensar o modelo de mundo em que se inserem. Estes mais do que outros, estão
interligados com as suas perceções culturais, com o habitat e meio ambiente em que se
movem. Neste sentido, Grzybowski (2019) propõe reintegrar os ecossistemas que
refletem as suas dinâmicas e ritmos, enfatizando que
the core guiding principle should be caring for the ethics of both collective and
individual responsability, with regard to all relations and processes, in the
economy and in terms of power, in science and technology. The following are
the pillars of biocivilization: doing the best that is possible locally, following
the principle of subsidiarity in relation to other levels: keeping the commons
at the centre; creating decente work shared among men and women;
ensuring human rights, equality, freedom, happiness, and the fulfilment of
people`s potentialities, in all their diversity and according to their will (p.
102).
A estreita relação que o Ambiente revela com as atividades humanas, e a própria
humanidade, exige que o trabalho na área da Educação Ambiental se centre, entre
outros, nas ões dos seres humanos sobre o meio ambiente. É neste sentido que o
trabalho nas escolas se revela fundamental. Este trabalho deve ser realizado em paralelo,
e sempre que possível, com as comunidades locais (económicas, profissionais, culturais,
religiosas, entre outras). As mudanças que se verificam emergem, particularmente, de
um contexto político, social, ambiental e económico que necessita, urgentemente de
mudanças estruturais. Refletem-se no plano ideológico, na procura de alternativas a um
desenvolvimento capitalista, de cunho de individualista e autocentrado. Os modelos
interiorizados desde seculos, contextualizados temporal e cronologicamente, têm-se
traduzido nas políticas económicas neoliberais. Neste sentido a urgência de alternativas
de desenvolvimento começam a refletir a necessidade de nos voltarmos para o local. De
voltarmos para “casa”. Considerarmos que o conhecimento informal que adquirimos, em
espaços e contextos que não o escolar ou formal, é fundamental para a compreensão do
mundo e do espaço que nos rodeia. Os modelos aloucados ao conhecimento científico
(observação, experimentação, e resolução de problema) não são mais do que a
continuidade de um processo de sobrevivência que desde milhões de anos
(repostando-nos a um período de hominização Paleolítico Inferior) se tem verificado e
se foi aperfeiçoando, de acordo com as necessidades dos indivíduos, comunidades e
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sociedades. Hoje, sem deixar de considerar esta evolução, deve-se reintegrar os
conhecimentos informais que têm permitido a sobrevivência e subsistência de milhões
de indivíduos. A vasta experiência dos seres humanos trará, com certeza, mais benefícios
em prol do Planeta. Para tal devemos repensar o conceito de desenvolvimento.
Grzybowski (2019) propõe:
Faced whit the crisis of the dominant capitalist civilization, an issue that
emerges as a sine qua non condition is the need to restructure and rebuild
our relationship with nature. (…) To interact with nature is, by definition, to
be living. From a biocivilization perspective, it is in this relationship with
nature that we define the sustainability of life and the planet (p. 102).
Numa lógica de defesa dos Direitos Humanos em que a igualdade e equidade o dois
dos princípios a defender, Grzybowski (2019) considera que a destruição ambiental deve
se vista como uma ameaça a estes valores: “All life forms, as well as the complex inter-
related ecological systems that regulate planet Earth, have the fundamental right to exist
(p. 103). A importância dos Direitos Humanos na Ecologia, e no desenvolvimento das
sociedades, relaciona-se com os conflitos associados à exploração de recursos naturais,
marginalização e eliminação de pequenas comunidades que se dedicam às atividades
artesanais ou primárias (agricultura, pesca, etc.), poluição e outros. Existem várias
propostas para repensar a sustentabilidade a partir das condições ecológicas e culturais
dos territórios das populações (Leff, 2019).
Também é crucial que os alunos desenvolvam a capacidade de responder
adequadamente, através de meios que lhes permitam penalizar os excessos que o poder
instituído exerce sobre populações e comunidades humanas e não humanas, e que
providenciem support for humans and to entire life community” (Ávila-Santamaria,
2019, p. 322).
Outras áreas da Educação Ambiental se podem projetar. Evocando Grzybowski (2019)
“There are no human rights without human responsibilities” (p. 103). Enfatiza-se a
corresponsabilização pois os direitos humanos implicam também a salvaguarda dos
direitos dos “outros”. Para tal, a responsabilidade das sociedades passa pela
responsabilidade na preservação e interdependência do local, do global, e do planeta.
Neste sentido, também cabe aqui referir a importância que a Ecologia Social representa
para alicerçar e consolidar a importância que os seres humanos, a sociedade e as
comunidades têm para a preservação do meio ambiente. A relação entre as comunidades
e o mundo natural está intrinsecamente ligada à Ecologia Social, compreendendo que os
problemas ambientais são, na sua essência de natureza social e política, e as suas raízes
relacionam-se um longo processo histórico de domínio, e hierarquização social (Tokar,
2019).
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Metodologia
A base teórico-metodológica do estudo objetiva a implementação de estratégias para
a promoção de uma Literacia Ambiental, Histórica e Digital, a partir de Ambientes
Tecnologicamente Enriquecidos ATE, sendo o público alvo os estudantes desta
comunidade.
Os objetivos subjacentes a esta investigação identificam-se com:
Coconstruir e implementar um Museu Digital das Artes da Pesca fundamentado nas
seguintes premissas:
Preservação do património material e imaterial
Permitir um acesso global, sem restrições físicas nem temporais ao património
do museu
Promover através da própria plataforma do museu, um espaço de discussão,
cultural e científica permitindo assim um canal alternativo de aprendizagem
não formal/informal/formal.
Desenvolver competências digitais, quer pela curadoria do museu através da
coconstrução, quer através da sua exploração. Promoção de interações entre o
conhecimento formal e informal (conhecimento ancestral da pesca tradicional
local) dos estudantes desta comunidade;
Valorização do CEL e do CET enquanto fatores determinantes para a
sustentabilidade das comunidades piscatórias;
Estratégias a desenvolver:
Formação acreditada para os docentes do Agrupamento da Caparica;
Criação de um currículo no Agrupamento de Escolas da Caparica relacionado
com a especificidade e características locais para a promoção da
sustentabilidade local;
Capacitação dos jovens estudantes ao nível da literacia ambiental, científica e
digital;
Intervenção da comunidade estudantil na resolução de problemas relacionados
com a comunidade piscatória.
Neste estudo considerou-se a coconstrução de saberes por parte dos estudantes,
identificando, estes, as áreas onde pretendem atuar. Dos questionários aplicados (Torres
2021) evidenciam-se, a implementação do Museu Virtual, a implementação do currículo
associado à Comunidade Piscatória e as propostas de Formação para docentes
(acreditada) e alunos na área da Educação Ambiental, a desenvolver no Agrupamento de
Escolas da Caparica, e Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de
Lisboa.
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Sendo este estudo desenvolvido em contexto e espaço escolar, pretende-se alcançar os
objetivos subjacentes ao mesmo, de acordo com “uma matriz cultural e científica,
afirmando a importância do conhecimento, sem ceder à ideologia do “back to basics”
(…), nem a uma escola folclórica afogada numa infinidade de projetos que, tantas vezes,
apenas revelam a dificuldade para renovar práticas pedagógicas. (…) Mas vale a pena
trabalhar para a construção de um espaço público de educação, a “cidade educadora”,
no qual a escola se articula com outras instituições, grupos e associações” (Nóvoa, 2022,
p. 59).
Consequentemente, e fundamentado nos estudos de Torres (2021) no que se refere a
conceção de um Museu Virtual desenvolvida junto da mesma comunidade proposta para
esta investigação, o produto final que se pretende é a construção coletiva e
implementação de um Museu Virtual e a criação de um currículo local, revelador de um
conhecimento ancestral e identitário, a procura e escolha, quer de conteúdos, como de
meios de disseminação através de ambientes digitais, objetivando a identificação do que
é essencial, a identificação de públicos-alvo e de problemas relacionados com a
sustentabilidade da comunidade, assentes na observação e análise de “social-ecological
practices and mechanisms in traditional knowledge and practice” (Berkes et al, 2000, p.
XX), com base na tabela proposta pelos autores, recorrendo a metodologias mistas -
Etnografia Crítica (Creswell, 2011) e Design- based- Research, (Wang & Hannafin, 2005)
- e instrumentos variados para aferir acerca das questões chave e objetivos propostos.
A simbiose desta metodologia mista possibilitou a co construção do Museu Virtual,
através da identificação de problemas da comunidade por parte dos alunos, evidenciando
o que a UNESCO preconizou no documento Guidelines on Sustainability Science in
Research and Education (2017) na procura de soluções em que um novo paradigma
“Sustainability Science research and education that result in new knowledge, technology,
innovation and holistic understanding which will allow societies to better address global
and local sustainability challenges” (p.1).
O desenvolvimento do Museu Virtual teve em linha de conta os princípios estabelecidos
pela Sustentabilidade Científica,
Sustainability Science is crosscutting science by nature, having as major goal
to seek complementary cooperation between natural and social sciences, the
humanities, the arts and, in particular, to ensure the participation on diverse
non-academic stakeholders, through a collaborative process of co design, co-
production and co management (Guidelines on Sustainability Science in
Research and Education, UNESCO, 2017, p. 3).
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Quanto ao Museu, e tal como tinha sido delineado no estudo doutoral de Torres (2021),
os temas a incluir apresentam-se tal como na tabela que se segue:
Tabela 1: Conteúdos do Museu Virtual.
Fonte: Autores, 2023
Para tal foi-se construindo o Museu, estando-se a trabalhar os resultados das pesquisas
realizadas e os conteúdos que se pretendem divulgar.
Numa primeira fase foi proposta a criação de uma plataforma online, onde se acede a
diversos espaços ligados entre si, onde através da interação nos diferentes elementos de
cada tema os participantes teriam informação sobre os mesmos, fazendo analogia a
exploração “real” de navegação e observação de artefactos num museu “físico”.
Parâmetros
Temas e conteúdos evidenciados no processo
metodológico
Tipo de museu virtual
Educação/ Património Cultural
Proposta
Disseminação do património cultural das comunidades
piscatórias
Público-alvo
Alunos pertencentes a comunidades piscatórias
Tipos de representação de objetos
significativos do património cultural
CH objects: fotografia, desenho
Tema
Pesca Tradicional
Sub temas
Literacia histórica e Artes da Pesca; Histórias da
comunidade da Costa Caparicana; Atividade de Arte
Xávega; Tipos de embarcação; Sustentabilidade;
personagens; Histórias de vida; Histórias locais;
Artefactos; Trabalho; Origem da pesca; Arte
comunitária; Aventuras em alto mar; Espécies de
peixes; Fauna e flora da Costa da Caparica.
Geografia
Costa da Caparica/ Fonte da Telha
Período de tempo
sem limite
Relação com as Ciências Sociais e
Humanas, Ciências da Natureza
Interdisciplinaridade com ênfase em
Educação/História/Património Local
Meta dados
Dados descritivos que contextualizem o Tema.
Presença de legendas
Interação entre conhecimento Local e conhecimento
Global.
Presença de visitas virtuais e outros
espaços museológicos reais
Links direcionados a espaços museológicos
relacionados com o tema do Museu
Disponibilidade de meios de interação
Com o património cultural digital, associado às
comunidades piscatórias
Guias e recomendações para o uso de
fontes virtuais do museu
Idade, conteúdos do museu, acessibilidade para
utilização no espaço do Museu
Disponibilidade e possibilidade de uma
conta pessoal
Criação de suas próprias coleções com base em
recursos do Museu Virtual
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Figura 1: Exemplo de imagem e elementos interativos.
Fonte: Smart Fishing, 2019
Nesta fase de coconstrução e delineamento de estratégias tem-se verificado um
reajustamento quanto à abordagem a ter sobre as temáticas, evidenciando-se as que
estão relacionadas com questões do quotidiano e que implicam a gestão da atividade da
pesca, formação dos elementos da comunidade piscatória, participação e intervenção no
delineamento de políticas que impliquem diretamente a vida das comunidades, como as
políticas económicas que impactam a gestão de recursos marinhos, piscícolas, de
Ambiente particularmente as relacionadas com o turismo, por a zona da Costa da
Caparica ser área balnear, e neste momento um ponto de confluência para atividades
desportivas.
Figura 2: Exemplo de imagem e elementos interativos.
Fonte: Smart Fishing, 2019
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Figura 3: Exemplo de imagem e elementos interativos.
Fonte: Smart Fishing, 2019
Figura 4: Exemplo de imagem e elementos interativos.
Fonte: Smart Fishing, 2019
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Figura 5: Exemplo de imagem e elementos interativos.
Fonte: Smart Fishing, 2019
Figura 6: Exemplo de imagem e elementos interativos.
Fonte: Smart Fishing, 2019
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O currículo a implementar evidencia temáticas como: O Oceano e a sua relação com a
Paisagem Protegida da Arriba Fóssil; História da Comunidade Piscatória da Costa da
Caparica; Personagens de relevo; A comunidade (entrevistas, histórias); Ancestralidade
e permanência de práticas culturais e económicas; Desafios para o século XXI (políticas
de intervenção: educação ambiental; atividades económicas e profissões, turismo).
Relativamente às propostas de formação, no seu delineamento os estudantes
consideraram:
Integração da multiperspetiva, nos currículos;
Integração de estudantes das comunidades na divulgação e disseminação dos
conteúdos, enquanto formadores;
Integração das histórias orais e contadas intergeracionalmente.
O delineamento de Formação com experts e alunos da comunidade de Pescadores
resultará na aplicação de três sessões a terem lugar em espaço escolar de Ensino Básico
e Universitário, em que ambos os atores (experts e alunos) darão as sessões
conjuntamente para um público-alvo de docentes e alunos. As sessões têm como
temáticas:
Artes da Pesca e a sua importância a nível local, nacional e global
O oceano e as comunidades piscatórias. O habitat de comunidades naturais e
humanas.
Podemos desconstruir conceitos? Conhecimento Científico Ecológico e
Conhecimento Ecológico Local e Tradicional.
Direitos do Oceano: o Parlamento Oceânico. Propostas e expectativas.
Resultados e conclusão
O estudo em processo de desenvolvimento pretende que os estudantes da comunidade
piscatória da Costa da Caparica desenvolvam competências no âmbito da Educação
Ambiental e Digital, promovendo-se para tal, atividades em que os mesmos estejam
diretamente implicados na sua construção. Desde o estudo doutoral (Torres, 2021) até
à presente data, em que se desenvolve um estudo pós doutoral, os estudantes têm
mantido contacto com a investigadora e desenvolvido atividades com a mesma, das quais
resultou a construção de um artigo publicado com uma das estudantes da comunidade
(Interfaces Educativas e Cotidianas Pescadores, 2023), dando assim corpo ao tão
desejado envolvimento destes jovens na identificação e problematização de questões
relacionadas com a sua comunidade. No entanto, muito dificilmente se encontram nas
instituições universitárias currículos de áreas do saber como Antropologia, Biologia,
História, Sociologia entre outros, que incluam o Conhecimento Ecológico Tradicional.
Estas pontes devem ser realizadas, para uma compreensão holística e integradora do
conhecimento. Deve, também, potenciar-se formação que exija a presença de membros
das comunidades locais que partilhem o seu conhecimento para uma melhor gestão de
recursos. Os jovens estudantes destas comunidades, ao participarem em estudos,
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formação e delineamento de estratégias ao nível da Educação Ambiental, da Política e da
Economia, desenvolvem competências que lhes permitem estar atentos e alertas para a
preservação das comunidades tradicionais e a preservação do seu Conhecimento
Ecológico Tradicional. Esta relação entre Conhecimento Científico e Conhecimento
Tradicional pode, também, permitir a identificação de práticas pouco ecológicas, por
parte das comunidades, servindo assim para a melhoria das mesmas. Também as
competências tecnológicas trabalhadas ao nível do Museu permitiram desenvolver a
literacia digital promotora de empregabilidade, cidadania digital, acesso à informação,
identidade e socialização, particularmente dos atores envolvidos nas diversas funções; a
divulgação e disseminação de informação através da tecnologia como contributo para a
sustentabilidade e o ambiente. A promoção da literacia digital e ambiental no caso,
oceânica, promove uma cidadania ativa, onde se reforça o conceito de Escola enquanto
espaço democrático e equitativo dos saberes tradicionais, locais, técnicos e científicos.
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e-ISSN: 1647-7251
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Título Dossiê temático - Rede Lusófona de Educação Ambiental:
perspectivas de cooperação para construir respostas sociais
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Setembro 2024, pp. 81-103
Educação, Sustentabilidade e Conhecimento Ecológico Local
Marta Torres, João Mouro, Mônica Mesquita
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Agradecimentos/financiamento:
Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal), através
dos projetos estratégicos UIDB/04292/2020 e UIDP/04292/2020 concedidos ao MARE - Centro de
Ciências do Mar e do Ambiente, e do projeto LA/P/0069/2020 concedido ao Laboratório Associado
ARNET - Aquatic Research Network.